#CADÊ MEU CHINELO?

terça-feira, 30 de novembro de 2010

[cc] EM CADA MORRO UMA HISTÓRIA DIFERENTE E A POLÍCIA MATA GENTE INOCENTE




::txt::Luciano Viegas::

Em 1969 os norte-americanos chegaram à lua e plantaram a sua bandeira. Hoje os militares subiram o morro e reproduziram o gesto. Agora os dois acontecimentos travam uma disputa pelo título da maior farsa da história. “A paz reina no morro”, diz o telejornal.

É o espetáculo da classe média e dos gringos. Os inúmeros fãs de Counter Strike e Call of Duty chegam ao êxtase com o show da vida real. Hoje cheguei a ouvir: “Adoro isso, tem que colocar mesmo os militares pra trabalhar”. Logo depois, a mesma pessoa solta: “Tem que matar toda essa negrada aí”. O autor das frases é homossexual. De certo não sabe o que é ser vítima de preconceito.

Tive que acompanhar o deslumbramento do sujeito com a cobertura ridícula da Globo News, exaltação à maior ação repressiva da história do Rio de Janeiro. O discurso é de libertação. A polícia finalmente trouxe a paz ao morro, libertou a comunidade. A paz nunca virá por alguém que porta um fuzil. O Estado brasileiro esteve ausente do Morro do Alemão durante o ano inteiro. Enquanto isso o esgoto continua correndo a céu aberto.

Vale contextualizar que, no mandato do oligarca Rodrigues Alves, na época do café com leite, o Rio de Janeiro passou por uma “reforma de urbanização”, que expulsou do centro da cidade as pessoas pobres, em grande parte negros, ex-escravos, que foram obrigados a se deslocar para a periferia das cidades. Eis o surgimento das favelas e seu consequente crescimento desordenado. O Governo não só criou o Morro do Alemão, como o largou às moscas. Ainda assim, o julgamento imediato é o de criminalizar e condenar as pessoas envolvidas com o tráfico.

Mas você, Luciano, defende os traficantes.

Não defendo, não. Talvez seja uma leitura muito ousada de minha parte, mas o tráfico surge como uma das poucas alternativas para um povo totalmente fudido. Alguns aproveitam para assumir a posição de liderança e conquistam o apoio da comunidade, mas também são eles que roubam o caminhão do gás e abastecem a casa de todo mundo que precisa, ganhando confiança, fazendo o papel do ausente governo. Nunca botei o pé dentro de uma favela, é verdade. Não aplaudo traficante, mas não condeno. Também sei que o apoio da comunidade, nesse caso, nunca é total, então não quero generalizar. O que eu quero dizer com toda essa lenga-lenga é que o tráfico é produto direto da política de criminalização do Estado.

Mas você, Luciano, é um maconheiro em potencial e só quer fumar sossegado.

É óbvio que eu tenho a noção de que é o consumidor quem financia a existência do comércio de qualquer tipo de produto. Partindo do mesmo princípio, mas por razões diferentes, não como carne, leite, ovos e ainda me esforço pra boicotar um monte de marcas. Nenhuma dessas coisas que eu não compro, no entanto, é proibida de ser comercializada. Pelo contrário, a agropecuária é o orgulho nacional. Com as drogas é diferente. Elas não podem ser comercializadas, nem produzidas para o consumo próprio.

Parto do princípio que cada um faz consigo o que bem entender, desde que não prejudique outras pessoas com suas atitudes. Não é o usuário “quem financia essa porra”, como afirmava a frase emblemática do Tropa de Elite 1, mas quem financia essa porra é a lei. A saída é óbvia, mas não interessa aos chefes dos chefes do crime, que moram no Leblon, no Morumbi ou até mesmo no exterior, por isso o governo prefere o combate temporário ao tráfico a acabar de vez com ele.

Mas, Luciano, não temos condições de saúde pública para legalizar tudo.

Engraçado como não temos dinheiro pra investir em saúde, mas temos pra investir em segurança. O que custa mais, uma arma de última geração produzida com alta tecnologia norte-americana ou um remédio genérico? Os puliça e os milicos estão todos bem equipados pra invadir casa por casa. Sei que não é tão simples assim, mas é preciso uma mudança de prioridades.

Captura-se milhares de traficantes, mas não se acaba com o tráfico. Tudo ilusão.

Concluindo: nunca pisei no Morro do Alemão, mas não tenho dúvidas de que a visão dominante sobre o que acontece lá dentro é completamente enviasada. Até hoje não sei como o Bezerra da Silva um dia já teve exposição midiática. Ele foi um dos maiores porta-vozes dessa multidão de fudidos durante o século XX:

Dizem que eu sou malandro
cantor de bandido e até
revoltado somente porque
canto a realidade de um
povo falido e marginalizado


Recomendo ainda esse documentário sobre a maconha. Não fumem, mas abram as portas da percepção.

domingo, 28 de novembro de 2010

[noéspecial] PÁTRIA SERTANEJA INDEPENDENTE




::txt::Tiago Jucá Oliveira::

Querer uma discussão sobre Cangaço, Canudos, Balaiada e Palmares não é exatamente a função destas próximas linhas, muito menos colocar quatro (ou até mais) importantes acontecimentos históricos bem diferenciados uns dos outros num mesmo (sic) balaio. Seus ideais, apesar de distintos, ecoaram no Pelourinho. O grupo Olodum teve a ousadia de unir os focos rebeldes citados acima numa mesma letra, “Revolta Olodum”, na qual proclama a independência do sertão:

“Retirante ruralista, lavrador/ Nordestino Lampião, salvador/ Pátria Sertaneja, independente/ Antônio Conselheiro, em Canudos presidente/ Zumbi em Alagoas comandou/ Exército de ideal, libertador/ Sou mandinga balaiada/ Sou malê/ Sou búzios, sou revolta/ Arerê/ Ô Corisco, Maria Bonita mandou te chamar/ É o vingador de Lampião/ Êta cabra da peste/ Pelourinho, Olodum/ Somos do Nordeste”.

Observe o fator “nordeste” na letra. É a região mais pobre do país e seu povo é o mais discriminado. De longa data, muito antes da Mayara Petruso, nordestino é visto como burro, preguiçoso, etc, por uma boa parcela da sociedade (o twitter nos provou isso em pleno ano de 2010). A reação muitas vezes (pelo menos em Fortaleza é comum) se dá em adesivos pra carros e camisetas com a frase “orgulho de ser nordestino”. Ou em letras tipo essa do Olodum. Da exaltação regional à proclamação da Pátria Sertaneja.

Ao contrário de movimentos sudestinos e sulistas, que pregam sepaatismo pra ser livrar da vagabundagem nordestina que puxa a média dos índices sociais e econômicos pra baixo, o manifesto do Olodum enxerga méritos em heróis que lutaram contra injustiças cometidas pela própria sociedade em que estão inseridos. O inimigo não é um catarinense ou um paulista, e sim o soldado e o senhor de engenho. A briga não é com outros estados, e sim contra o Estado que o oprime e reprime. Em comum entre cangaço, messianismo e quilombos é que todos eles foram aniquilados pelo Estado. As vítimas sociais do coronelismo acabaram vitimizadas novamente, pagando com a vida por querer viver com independência, livre, com suas regras internas.

A situação dos estados do Nordeste se agravou quando o centro econômico do Brasil se transferiu para as regiões Sul e Sudeste, isto na metade do século XIX. O Nordeste, relata Rui Facó em “Cangaceiros e Fanáticos”, “com seus arraigados remanescentes feudais e acentuada debilidade técnica, foi perdendo terreno em todos domínios”. Darci Ribeiro enxerga algo parecido: “entre o poder federal e a massa flagelada pela seca medeia a poderosa camada senhorial dos coronéis, que controla toda vida do sertão, monopolizando não só as terras e o gado, mas as posições de mando e as oportunidades de trabalho que enseja a máquina governamental”, diz em “O Povo Brasileiro”.

O “separatismo” do Olodum, se é que assim podemos dizer sobre algo que não traz nenhum preconceito regional em seus manifestos, traz fortes elementos da questão racial. Em “Cabra da Peste”, cangaço e pelourinho se confundem: “A história consagrou/ Cangaceiro e trovador, nordestino/ É Zumbi, é Ganagazumba/ É a luta do pelô/ Oh xente amor”.

Quem conhece Salvador sabe que a consciência negra é muito explícita. E que se possível fosse, a Pátria Sertaneja seria um país africano dentro do Brasil. Mas isso já é outro papo, que não cabe aqui nem numa letra do Olodum. Axé!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

[release] ORTINHO, O HERÓI TRANCADO



::txt::Ronaldo Bressane::

Cuidado: este álbum contém hits chicletosos e canções de romantismo rasgado

Este é um álbum de rock'n'roll. Não, pera lá. É um álbum de pop romântico. Também não é só isso... Digamos, então, que seja um álbum de jovem guarda. Só que um álbum de jovem guarda adulta. Um disco da Jovem Guarda de Caruaru, em plenos anos 2010. Difícil de entender? Claro: estamos falando de Ortinho, fiel seguidor do lema do também pernambucano Chacrinha: "Eu vim pra confundir, não pra explicar".

Desde que surgiu, no início dos 90, liderando a lendária Querosene Jacaré, Wharton Gonçalves Filho, dito Ortinho, demonstrou-se nota dissonante no cenário do rock pop nacional. Se sua banda recuperava as texturas de psicodelias setentistas como Ave Sangria ou do early Alceu Valença, as idéias de Ortinho integravam a primeira hora do manguebeat – é dele, por exemplo, o clássico "Sangue de bairro", gravada por Chico Science & Nação Zumbi. Nessa época, misturava ao rock lisérgico o coco, o maracatu, a ciranda e o samba, diluindo as fronteiras desses gêneros com voz rascante e percussiva, em letras cheias de jogos sonoros e nonsense que o colocaram como um dos melhores cantores e compositores de sua geração.

Ocorre que, com este O Herói Trancado, Ortinho afinal desoptou pela confusão. Trocou as dissonâncias pelo pop simples, largou a metralhadora giratória por um tiro certeiro: o rock clássico. O resultado é seu álbum mais coeso, mais maduro, mais exato – e mais do que nunca, pop até a medula. Em seus outros álbuns Ortinho lançou sonoridades e idéias que o tornaram um artista cult (meio sobrevoado por certa aura maldita); este disco, porém, este é pra tocar no rádio.

Se a jovem guarda sessentista conspira a favor de canções como a chicletosa "Pense duas vezes antes de esquecer" (parceria com Arnaldo Antunes e Marcelo Jeneci), o rock brasileiro dos anos 80 comparece depurado em "O cara do outro lado". A explicação é que, além da sombra de Antunes, parceiro em várias canções (cuja dobradinha Ortinho devolveu em algumas faixas do recente álbum de Arnaldo, Iê Iê Iê), tambén se ouve um timbre inconfundível daqueles tempos: o virtuosismo canhoto de Edgard Scandurra.

Em "Saudades do mundo" e "Modelo vivo", Ortinho mostra o outro lado da ponte, agregando à sonoridade robertocarliana a voz suingante de Jorge Du Peixe, a metaleira puxada pelo genial saxofonista Spok, os teclados de Chiquinho (Mombojó) e o piano prodígio de Victor Araújo. Só nesse time de allstars de três gerações se percebe a esperteza de Ortinho como catalisador de talentos – e se entende o álbum também como um recorte muito original do rock brasileiro de todas as épocas.

Com "Moldura", observa-se que o conteúdo social das obras anteriores deu lugar a um romantismo desesperançado, meio dark, mas não sem doses de humor e leveza (combinação repetida na largada "Retrovisores"). A canção é temperada, como o resto do disco, pela guitarra sutil de Yuri Queiroga, sobrinho de Lula Queiroga, que auxilia Ortinho na produção do disco. A faixa seguinte, canção-título, ganha participação de outro grande guitarrista: Luiz Chagas, que formou na Isca de Polícia de Itamar Assumpção. Pop pra dançar, clássica como aquelas canções que você sente que já tinha escutado em algum lugar, traz a melhor letra do disco, original na mistura de dor e humor:

"Fiquei trancado do lado de fora/ Deixando você livre para eu ir embora/ E agora vou aproveitar a minha vida/ Preso pelo mundo afora/ Não tô a fim de receber visitas/ Estou me sentindo livre feito um turista/ Tem muita gente que divide esse mundo comigo/ Alguns até são meus amigos/ Espero com sinceridade/ Que estejas bem/ Que tenhas ocupado/ Meu lugar com outro alguém/ Que sua casa esteja alegre colorida/ Fui condenado a viver sem você o resto de minha vida"

A grunge barra-limpa "Você não sabe dessa missa um terço", faixa-título de um álbum de Querosene Jacaré, ressurge leve e básica – e aqui louve-se o feijão-com-arroz bem temperado da dupla Vicente Machado (Mombojó) e Dengue (Nação Zumbí), que espalha por quase todo o disco uma eficiência quase transparente, limpa como as melhores cozinhas. Bom lembrar também que o álbum tem a mixagem segura de Yuri Calil, responsável pelos melhores momentos do Cidadão Instigado.

"Sonhar de novo" e "Café com leite de rosas" são mais dois exemplos do novo romantismo tchaptchura de Ortinho (a segunda trazendo, além do wah-wah de Scandurra, o sax barítono de Marcelo Monteiro), um retorno às letras diretas cujo recado é o seguinte: rock bom é sobretudo sobre sexo.

Mas, como com Ortinho nunca se sabe exatamente o que vai acontecer, o álbum se encerra com a fofa "Já fui rei", uma semiciranda cujo mantra entoado por várias crianças sinaliza, paradoxalmente, a segurança e a maturidade deste artista surgido há 40 anos da lama febril da cidade de Caruaru. Liberdade para o Herói Trancado!

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

[agência pirata] ESTAVA AUTORIZADO A CASCATAR



::txt::Wladymir Ungaretti::

quero minha liberdade de crítica. por ela já passei dois anos na cadeia

Continuo impedido de – livremente – comentar determinadas matérias e fotos de Zerolândia (jornal Zero Hora/RBS). Estou submetido a uma multa diária de 150 reais caso desrespeite esta determinação da Justiça. As ações foram movidas por um funcionário com 35 anos de firma. Uma cria da Casa, como se diz. Em primeira instância, na espera criminal, fui absolvido. Existe a possibilidade de recurso por parte do funcionário/RBS. Ele está obrigado a pagar as custas do processo e o meu advogado. Estou com todo o conteúdo da revista eletrônica Pontodevista – trabalho de sete anos – fora da rede, material que era usado em atividades didáticas de ensino de jornalismo na UFRGS. Não havia como “limpar” este material dos conteúdos que motivaram as ações. Escrevo estas notas, periodicamente, não só para informar os novos leitores do Blogpontodevista, mas para que cerca de 150 a 200 leitores diários, em Brasília, tenham consciência dos mecanismos de censura a que estão submetidos jornalistas que trabalham com a Internet, como último espaço que, em princípio, seria possível exercer a crítica. Resolvida esta pendenga, favorável ou não a Pontodevista, irei apenas assinalar que os meus reais objetivos já foram alcançados. Deverei ressaltar também que, independente do resultado final, continuarei sendo o professor Ungaretti, cuja história é de 45 anos de militância política (dois de cadeia), 40 de exercício do jornalismo, e quase 20 como professor. E nenhum prêmio. Ainda, em um outro momento, pretendo agradecer a todos os integrantes da rede de conivências corporativas por não terem se manifestado em solidariedade. Mesmo sabedores de quem eu sou e da minha história, assim como sabedores, também, do histórico do funcionário/RBS. Caso isso acontecesse teria ficado em uma situação de absoluto constrangimento e sob suspeitas. Não é por acaso o silêncio. É preciso ressaltar, ainda, que não por qualquer tipo temor abandonamos a crítica diária a Zerolândia. É uma prática repetitiva. Este espaço pode ser ocupado por outros até mesmo como aprendizado. Só enventualmente estaremos analisando uma ou outro aspecto, mas muito mais com o espírito de não perdermos o treino. Não é mais o centro de nossa atividade. E, ao final de todo esse processo, em caso de uma solução favorável, não temos a mínima intenção de qualquer comemoração. Pelo contrário. Ficará apenas a lástima de não termos ampliado, na ocasião, as críticas a todos os que foram coniventes com as práticas do funcionário. O cara fazia o que fazia com autorização, ou no mínimo com a omissão, do chefe da fotografia e do editor do jornal. Poderia dizer muito mais, mas quero distância de tudo isso. Alguém, também, deve ser responsável pela matéria “O estatuto do desarmamento bandido da Vila Cruzeiro”.

quero minha liberdade de crítica. por ela já passei dois anos na cadeia

“fui avisado por um ‘colega’ que não era saudável ler teu blog (PONTODEVISTA) na redação (ZH) nem dizer-se teu amigo logo que comecei lá.” Reproduzi, no Facebook, este pequeno trecho de um e-mail que foi enviado por um ex-aluno. E a seguir fiz o seguinte comentário: alguns ex-alunos me confirmaram este comentário. Um Bundão, da velha geração, chegou a pedir para uma ex-aluna defender o carinha que está me processando. Pode isso seu Richardo Chaves, o Kadão? Essa informação conta ponto prá ti na firma? Faça bom proveito! E você me conhece desde dos tempos da sucursal da Veja dirigida pelo Paulo Totti. Quero ser processado por todos vocês. É uma grande oportunidade de deixar registrado, nos anais da Justiça – para a história – o que penso deste lixo de jornalismo. Mesmo que isso me custe o quase nada que eu tenho.

quero minha liberdade de crítica. por ela já passei dois anos na cadeia

todos foram coniventes com as cascatas. Ninguém é inocente nesta parada. O fotógrafo é um coitado, instrumentalizado pelos editores. Estes instumentalizados, conscientemente, pelo PRBS para quem venderam a alma. Só falta quererem me provar que o Marcelo Rech e o Ricardo Chaves (Kadão) não sabiam que cascata é cascata. Juro, quero distância de tudo isso. Não tenho interesse nesse confronto. Até pelo simples fato de que tenho consciência de não sou nada diante do crimonoso poder do PRBS. Quero o exílio. Quero ser esquecido no ambiente da categoria, assim como na área do ensino de comunicologia da UFRGS. Mas tenho certeza de que serei lembrado pelos jovens JORNALISTAS paras os quais consegui doar meus conhecimentos e minha alma.

quero minha liberdade de crítica. por ela já passei dois anos na cadeia

alguém aí em Brasília está lendo o que escrevo? Sei que tenho pelo menos de 150 a 250 leitores lá por aquelas bandas. Preciso respirar. Quero que fique assegurado meu direto de dizer o que penso. Logo que essa parada ficar res0lvida, independentemente de ser a meu favor ou não, vou escrever um texto de agradecimento a todos os integrantes da rede de conivências corporativas por não terem se solidarizado comigo. Caso isso acontecesse estaria, hoje, sob suspeita. Obrigado companheirada do Sindicato, da ARI, da Fenaj e a todo mundo acadêmico que sabe o que represento como professor. Obrigado Bundões por não terem dito nada a meu favor. Boa parte das manchetes, de Zerolândia (nas últimas semanas) estão na mesma linha da edição de hoje (Investigada conexão gaúcha em plano de atacar polícia do Rio). Foram construídas em cima (do pode ser oriunda), de suposições e informações recebidas. São também, em grande parte, matérias que os velhos jornalistas chamavam de “matéria de gaveta”, aquela que pode ser publicada qualquer dia. Esta em andamento uma retomada da subjetividade reacionária que nos ameaça com a ameaça de um incontrolável clima de violência total. Ou tou ficando maluco!

incansável e repetitivamente: quero minha liberdade de crítica. por ela já dois anos na cadeia

Sim, maluco beleza eu sempre fui e dos tempos anteriores à militância política, bem antes da década de 70. Fui criado na periferia. Sou filho de um operário metalúrgico e uma mãe costureira. Fui criado com a “negrada” do nosso país.

ainda vou fazer de todas as minhas escrituras um único estilete

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

[cc] A GUERRA ELEITORAL DAS MÍDIAS



::txt::Bruno Lima Rocha::

Entramos na reta final de um ano eleitoral e nos deparamos com algumas constatações de difícil digestão. Nas linhas que seguem abordamos um extrato destas, tomando a mídia como foco de análise.

Se o ano de 2009 encerrou-se com entusiasmo pontual com a realização da primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), o corrente ano termina sem protagonismos distintos. A primeira, é inegável, é a derrota da coligação de centro-direita, encabeçada por José Serra (PSDB-SP) e secundada pelo jovem aspirante a porta-estandarte do lacerdismo udenista contemporâneo, Índio da Costa (DEM-RJ). Ao perder no pleito, a aliança tucano-democrata espelha a não realização da vontade política das quatro famílias controladoras dos maiores grupos de mídia operando no Brasil. As famílias, Marinho (Organizações Globo), Mesquita (Grupo Estado de São Paulo), Frias (Folha) e Civita (Grupo Abril) decidiram-se, de forma indireta ou estampada (como foi o caso do Estadão), no apoio do ex-governador de São Paulo para o Planalto. Negar isto é refutar o óbvio e, pontualmente, tal perda acarreta uma mudança pontual na balança do poder brasileiro.

Atenção. Refiro-me ao conflito de interesses entre as percepções imediatas da população - se sua vida piorou ou melhorou na comparação com oito anos - e o jogo de forças diante dos líderes empresariais na produção de bens simbólicos do gênero “jornalístico” e na formação da opinião pública “bem informada”. Nesta tensão, os agentes econômicos e políticos da indústria da comunicação social tentaram incidir na disputa através de argumentos “moralistas”, e apesar de obterem o segundo turno, perderam a corrida. Esta derrota deu-se também porque, na base da pirâmide social, não se alterou a maioria das linhas gerais demarcadoras das preferências traçadas através do senso comum e da escala de lealdades básicas. Estas são, a saber: a família; o círculo de sociabilidade cotidiano; se há ou não freqüência em Igrejas; a influência da (s) ideologia(s) circulante no mundo do trabalho; além da própria hiper-exposição midiática sobre os brasileiros.

O detalhe cruel para as mídias engajadas na campanha da oposição pode estar na possibilidade de que, apesar do consumo ainda excessivo de produções audiovisuais de tipo telenovela e programas de auditório, a influência dos telejornais tenha diminuído nas classes C e D, sendo insuficiente para derrotar a sensação (real) de mobilidade social e inclusão na cidadania capitalista, baseada na realização de direitos básicos e no mundo do consumo através do emprego formal e a explosão do crédito pessoal.

Se há algum consenso entre os partidários da teoria crítica nas ciências sociais brasileira de hoje, este pode se refletir nos dois parágrafos acima. O dissenso está (ou estaria) no grau de distanciamento (por esquerda) do governo atual (Luiz Inácio) e sua sucessora, em especial na pauta das comunicações. Cunhou-se o termo Partido da Imprensa Golpista (PIG), muito popular nos blogs mais à esquerda e entre os jornalistas ex-globais que publicam com freqüência e criatividade na internet. Mas, se as quatro famílias acima estariam intentando influir nos resultados da macro-política do governo (como seria o caso dos ataques à imagem da Petrobrás), o que dizer dos grupos empresariais vinculados à campanha de Dilma ou aos feitos de Lula? Como caracterizá-los sem fazer coro com a direita midiática? Uma boa denominação veio do jornalismo cultural de Porto Alegre, especificamente de Tiago Jucá, ex-editor da revista O DILÚVIO, o termo PIG 2, ou o Partido da Imprensa Governista.

A escalação do PIG2 é composta de referentes do jornalismo brasileiro tais como: Carta Capital (de Mino Carta); Terra Magazine (do editor Bob Fernandes, mas pertencente ao Grupo Telefônica de Espanha); os blogs de Paulo Henrique Amorim, Luiz Carlos Azenha e Rodrigo Vianna (todos excelentes repórteres e que estão na folha de pagamento da Record, pertencente a Edir Macedo); isto sem falar em dezenas de portais respeitáveis, a começar pela Carta Maior, as revistas Fórum e Caros Amigos e os sites individuais. No final do segundo turno, até a Isto É, publicação semanal da Editora Três (família Alzugaray) começa a bater no governo de São Paulo, levantando suspeitas relevantes de falta de idoneidade na administração pública. Estas seriam as publicações que, uma vez alinhadas com o mandato de Luiz Inácio, defenderiam a sucessora contra o PIG e seus candidatos.

Não é difícil concordar com estar parte do consenso das esquerdas brasileiras ao bater na direita e não afirmar de maneira leviana que a coligação de centro-esquerda é idêntica a de centro-direita. Até aí tudo bem, mas como não atacar a imagem de Michel Temer (PMDB-SP), vice de Dilma (PT-RS)? Indo além, como não atacar as políticas de comunicação do governo Lula, cujo maior feito fora a aprovação do padrão japonês para o Sistema “Brasileiro” de TV Digital Terrestre?

No Brasil atual, uma parte (ainda minoritária, é verdade) da mídia empresarial conforma um bloco governista e sai vitoriosa das urnas em outubro. Ir a reboque de um governo de turno e não apostar em forças próprias já ocorrera antes, como na primeira metade da década de ’60, em especial no último ano do governo de João Goulart. Quando veio o golpe de 1º de abril de 1964, simplesmente não havia dispositivo de contra golpe organizado e nem sequer uma resistência popular à altura dos acontecimentos. Quando a militância, os setores críticos da academia e as entidades de exercício e direito a comunicação se vêem na adesão de um projeto político escorado em grupos empresariais consolidados, eis o conceito de reboquismo.


A capa da Última Hora após o suicídio de Getúlio Vargas é o exemplo vivo de como construir uma base de apoio do empresariado da mídia nacional e, desta forma, ao mesmo tempo em que se rompe parcialmente com o modelo oligárquico, reforça-se o mesmo.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

[noé ae?!] VIRGINIA RODRIGUES

[cc] TURISMO SOCIALISTA

::txt::Ale Lucchese::
::phts::Thais Brandão::



O helicóptero ianque decola na quebrada do rio Yuro em direção a La Higuiera. Em seu bojo, subjugado, sujo de sangue e de terra, está Ernesto Guevara. Voando entre as estrelas da noite sul-americana, sem mais poder lutar, Che adivinha que o fim da sua vida virá em poucas horas, ao romper o dia.

Ao seu lado, soldados norte-americanos sabiam o valor e o peso daquele moribundo troféu que carregavam. O que não poderiam adivinhar, no entanto, é que gerações e gerações de compatriotas, e talvez até mesmo seus netos e bisnetos, percorreriam aquelas densas matas e abissais caminhos para sentir ainda algum suspiro desse prisioneiro que para a morte estavam levando.



O roteiro turístico chamado de “Ruta del Che“, um dos atrativos de visitantes à Bolívia, não é inusitado “apenas” por demonstrar esse choque ideológico-geracional dos primeiro-mundistas, mas também por dois fatores anti-socialistas: messianismo e exploração capitalista.

O rosto do fotogênico Guevara pode ser encontrado em pousadas, bares e restaurantes a serviço da venda de diárias, refrigerantes e hambúrgueres. O revolucionário foi transformado em fetiche tal como Mickey Mouse. A única diferença é que quando você compra o relógio do Mickey Mouse você está comprando um bem-estar relacionado à sua extinta alegria infantil; e quando você escolhe o X-Che-Guevara no cardápio você está comprando uma bem estar relacionado a transformar o mundo e suas relações sociais.

Mas, bem no fundo, você sabe que o relógio do Mickey é tão vagabundo quanto qualquer outro relógio coreano e você não vai voltar e ser criança; e que o X-Che-Guevara é tão gorduroso quanto todos os outros do cardápio e você não vai transformar coisa nenhuma ao comê-lo, a não ser seu peso.



Em Vallegrande, onde começa a Ruta, pode-se tomar um táxi ou ir com um guia até La Higuiera. Por pouco mais de 60 km dirigindo entre precipícios, o taxista irá te cobrar um preço tabelado, pouco menos de 100 reais (um valor absurdamente alto para os padrões de preço do transporte boliviano). Também se pode contratar um guia ou táxi para ver o mausoléu onde foram encontrados os restos mortais do guerrilheiro.

Ao ver as fotos de La Higuiera, uma cruz estava postada ao lado do busto do Che. Cartazes de empresas turísticas também anunciam um roteiro de “luta, morte e ressurreição“. Aí está o outro fator paradoxal: o messianismo. Parecem ter esquecido que os socialistas eram (não sei se ainda são) ateus. O sorridente Guevara é transformado aqui num mero Jesus Cristo com fuzil.

Visitamos Vallegrande, e é de lá que são essas fotos. Lá se pode visitar gratuitamente a lavanderia do hospital onde Che Guevera foi exibido para a imprensa depois de morte. Também há um museu bem meia-boca, com um pouco de história, fotos e objetos. Estrangeiros precisam pagar dez bolivianos (cerca de R$ 3,00) para entrar. Velho Che, que pregava a igualdade, deve se revirar no túmulo ao pensar que estrangeiros interessados em sua história são tratados com diferença em relação aos nativos bolivianos, sendo obrigados a pagar para entrar no seu museu.


A famosa lavanderia, Vallegrande (BO)

Para mim, Che Guevara sempre foi uma entidade etéria, um ícone sem passado nem futuro, um rosto numa camiseta. Nunca senti necessidade de sanar minha ignorância e descobrir quem foi realmente aquele rosto. É como aquela foto do casal se beijando em Paris: não interessa quem eles são, interessa que a cena em si representa um amálgama entre amor e sensualidade. Pois os traços de Che contra o pano vermelho de uma camiseta por si só representavam um força obstinada e transformadora, não interessando se algum dia existiu mesmo um homem com aquele rosto sobre esse planeta.

Portanto, não fomos até Vallegrande para buscar a história desse homem. Para nós, o verdadeiro Guevara está vivo, pendurado nas araras de um camelô que vende camisetas na praça da Alfândega, em Porto Alegre ou em qualquer outra capital. O que fomos lá buscar foi essa bizarra cria entre indústria do turismo e socialismo. E é sobre isso que esse texto e essas fotos tratam.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

[release] ONDE MORA O SEGREDO



::txt::Patricia Palumbo::

Muito se fala do suíngue da musica negra, mas se diz pouco sobre a sabedoria que vem do índio e do negro dos quais nós brasileiros herdamos o sangue e a cultura. “Quem balança como o mar não tem medo”, canta Arícia Mess em “Onde Mora o Segredo”. Essa cantora e compositora negra, carioca, descendente de índios, celebra a vida e o divino com sua música há mais de 15 anos. Ela nasceu com o ritmo e o pulso, incorporou a influência da música pop e faz qualquer um dançar sem o menor esforço. Mas não pense que basta se jogar na pista para curtir esse disco, prestar atenção nas letras faz parte da viagem.

Para Arícia Mess a arte é uma oferenda, uma forma de amenizar o sofrimento até mesmo de quem já foi. Por isso seu trabalho é dedicado às divindades femininas, às índias e negras que habitaram nosso país continental e que entregaram suas vidas em décadas de escravidão e dor. No batuque dos terreiros se faz a conexão com o divino, na pista a experiência se repete com alegria : “Rainha de Angola mandou dançar”. E todo mundo dança. Não dá pra ficar parado enquanto esse convite nos chama.

Arícia cuidou de cada detalhe dessa produção de qualidade técnica apuradíssima que tem a energia da música feita ao vivo. Por pouco mais de um ano ela testou esse repertório nos palcos e depois da banda quente e afinada gravou as bases com o power trio que a acompanha : Bruno Silveira (bateria), João Paulo Deo Gracias (baixo) e Mauricio Caruso (guitarra). Ela assina a direção artística do CD e todos os arranjos junto com a banda, Carlos Triha e Fernando Morello – esses, parceiros desde o final dos anos 90.

Arícia Mess em começo de carreira foi a sensação dos palcos cariocas com uma banda de 9 pessoas e essa mistura de música pop com tropicalismo baiano. O Brasil estava carente de originalidade e de balanço. Seu primeiro disco saiu em 2000 numa época em que ser independente não era nada comum. Ela foi uma das primeiras artistas a misturar sem medo o Tropicalismo (no caso de Arícia especialmente Gilberto Gil) com Michael Jackson e Stevie Wonder. Hoje a diversidade é o mote na expressão cultural no Brasil e ser independente é a principal saída.

Vinicius de Moraes já dizia que o samba é uma forma de oração. Aqui tudo celebra a vida com a sabedoria de quem sabe esperar a hora boa e seguir a correnteza. É só prestar atenção pra fazer a coisa certa, que nesse caso é ouvir “Onde Mora o Segredo” bem alto e se deixar contaminar pela força e pela felicidade que nos traz a música de Arícia Mess.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

[agência pirata] JORNALISMO VOLTARÁ ÀS RAÍZES?




::txt::Jean Scharlau::

O jornalismo pode deixar de ser uma profissão bacaninha, agora que não se precisa nem ter faculdade para exercer, que dirá curso superior. Agora qualquer chinelão pode tentar ser jornalista, basta ter dois olhos, dois ouvidos e uma boca... Que nada, o cara pode ser totalmente cego, surdo, mudo (ainda que não simultaneamente, em princípio) desde que tenha algo de um cérebro que funcione (e talvez um blog, uma zine). Agora o sujeito lá que virá querer se meter a jornalista não terá mais que ler o que seu mestre mandar, nem terá que pagar ao mestre do mestre. Dizem alguns que só assim teremos menos jornalistas amestrados. Mas não é o mestre que amestra os jornalistas, é o dinheiro, rebaixamento que alicia profissionais de todas as categorias.

Muitos mestres agora ficarão ainda mais em minúsculas, coitados, e o máximo que conseguirão é continuar a amestrar a si mesmos e a uns poucos amestrandos... Ah, mas há os Mestres maiúsculos, que nunca dependeram de diplomas e continuarão a dar motivos para que outros queiram aprender. Vários deles dão aulas também em escolas.

Mas eu falava de jornalismo. E Jornalismo maiúsculo, parece-me que é feito primeiro da busca e a seguir da divulgação da verdade. Que diferença faz saber as 20 melhores maneiras de divulgar informação quando o sujeito não se interessa pela verdade ou não é capaz de buscá-la? Curiosidade, sede de justiça e verdade, capacidade de compreendê-las, coragem de revelá-las e brigar por elas não se aprende na escola. Lá se pode aprender a prática com mais método e eficiência. A escola é para o jornalista, mas o jornalista não o é só depois da escola.

Li alguns comentários sobre este assunto onde comparavam jornalista a dentista, para argumentar o quanto é importante o diploma. Já perdi e tive seriamente prejudicados alguns dentes por incompetência, negligência e má fé de dentistas, três dentistas, dois homens e uma mulher, em tempos diferentes, todos os três formados em odontologia. Já fiz também tratamento com dentista “prático” (não formado), que não prejudicou meu sorriso. Eu era bem novo e ele era bem velho. Atualmente, prefiro que dentistas tenham diploma mesmo. Dizem que amigos são os dentes... Principalmente dos dentistas, digo eu. Para o Jornalista, em jota maior, a verdade é a grande amiga e mulher amada. O diploma é só a carteira de motorista, que ele precisa caso queira levá-la a passear de carro.

Quando eu leio uma notícia, eu não me pergunto se quem a escreveu tem diploma. Eu me pergunto se o que está escrito ali é verdade, ou mostra uma bela vista dela. E sempre me pergunto isto porque muitos jornalistas usam a nossa sede, a nossa necessidade de verdade e justiça, para nos empurrar batalhões de mentiras. E isto nada tem a ver com eles terem diploma ou não.

Escrevi este comentário sobre o tema do dia a pedido do Hélio Paz e inspirado também por outros comentários lidos por aí, entre os quais destaco os de Tiago Jucá Oliveira, Nei Duclós, Celso Lungaretti e aqueles relacionados por Idelber Avelar. Neste assunto, Fausto Wolff foi minha Escola. Ele nunca tirou carteira de motorista. Levava sua amada a passear de táxi, de ônibus, a pé...


Atualização das 15 horas: nem todos os textos indicados acima são favoráveis ao fim da obrigatoriedade do diploma. Aqui vão mais duas indicações da pesada, com todo o impacto da liberdade de expressão de quem fala o que sabe, neste caso desde o ventre cerebral da universidade: Wladimir Ungaretti e Ivana Bentes.

[over12] O DIVISOR DE ÁGUAS




::txt::Monsenhor Jacá::

A revista O DILÚVIO foi um divisor de águas no jornalismo pirata. Mas o divisor de águas não seria Jesus? ("foi Moisés", cochicha o google).

é verdade, foi moisés e não jesus. jesus foi quem transformou a aǵua, depois de dividida, em vinho, pra dividir entre os bêbados. bebi demais e esqueci.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

ORGULHO DE SER NEGRO

::vd::Jefferson Pinheiro e Sérgio Valentim::

O Coletivo Catarse realizou uma reportagem que foi ao ar ontem na TV Brasil sobre a semana da consciência negra, que trata da criação da identidade negra no Brasil. Como um povo que sofreu humilhações desde a sua chegada no país, consegue passar adiante o orgulho de ser negro.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

[agência pirata] SÍLVIO SANTOS NO ROLETRANDO

[over12] POESIA VERSUS PROSTITUIÇÃO



::txt::Arlei Arnt::
::poesia::Gláucia::

O poema abaixo foi escrito em outubro de 2002 por Gláucia, mulher que há muitos anos trabalha como prostituta numa avenida na zona sul da capital. Ela conta que gosta de escrever as angústias da profissão em forma de versos per que quando era pequena costumava ouvir as poesias feitas pela avó. A conversa que tive com Gláucia aconteceu numa garagem de automóveis enquanto ela fumava uma pedra de crack e eu fumava um baseado. Ela abriu a bolsa e tirou um papel com uma de suas poesias. E falou para mim:

- Leva pra tua casa e lê. Mas depois me devolve. Vou nessa, chegou um cliente.


Cheio de surpresas e malícias
Nasces ao cair do dia
Olho os faróis dos carros
Como tu és negra e fria

Quanto maior o movimento
Mais me sufoca o coração
Me sinto muito sozinha
Mas estou meio a multidão

A cada um que se aproxima
É mais uma surpresa
Em vez de brilho nos olhos
Maior ainda é a minha tristeza

Olho para o lado
Um bêbado caído
Buzinas não param de tocar
Aumenta a angústia
Eu queria ser um pássaro
E poder dali voar

Propostas indecentes que dói
Até de escutar
As vezes tu relaxa e sorri
Mas é até pra não chorar

Olho o colega ao lado
Se pudesse começaria a gritar
Como eu gostaria de um dia
Ver a nossa estrela brilhar

A cada carro que para
Suspiro e sinto um calafrio
Entra ano e sai ano
E vejo mais como este mundo
É amargo e frio

Para contar tudo muitos
Livros eu teria que escrever
Eu quero um dia mudar de vida
Pra tudo isto eu esquecer

Um dia me senti livre
Sempre é a minha esperança
Eu queria descobrir quem disse
Que a noite é uma criança

Depois de tanta tortura
Ouço os pássaros a cantar
Mais do que cansada
Está na hora de pra casa voltar

Tudo que eu não sabia
Na escola da vida aprendi
Tanta certeza que um dia
Direi passei, mas venci...

Eu viveria tudo de novo
Pois é o que não me faz desistir
E que lá no fundo do túnel
Existe luz e eu serei feliz

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

[protopia] O FUTURO NÃO É MAIS COMO ERA ANTIGAMENTE



::txt::Protopia::

Protopia. Mas afinal, que diabos é isso?!

Blocos de guerreiros vestidos de negro enfrentando o aparato repressivo do estado, rizomas de rádios livres e comunitárias se contrapondo a mídia corporativa, levantes camponeses e indígenas se insurgindo contra multinacionais, redes de okupas questionando a especulação imobiliária. Ao contrário do que a mídia de massas quer nos mostrar, o mundo está explodindo em mudanças rápidas e promissoras e cada um destes elementos é também uma peça no mosaico deste tempo em movimento.

O futuro realmente não é mais como era antigamente, e esta frase nos lembra o quão negro o futuro nos pareceria se não fosse nossa própria capacidade de intervirmos positivamente no que está por vir. Protopia é a nossa proposta de intervenção neste estado de coisas, num mundo que depende da nossa ação congregada para existir. A proposta de transformação que chamamos de Protopia é simples, mas ao mesmo tempo subversivamente complexa – para um bom entendimento a dividiremos em 10 passos.

1 – Desista de esperar pela revolução popular, pelo messianismo comunista e por todos os milagres que prometem as propostas reformistas dos sociais-democratas. (isso nunca vai dar certo e as experiências históricas mostram bem isso).

2 – Fuja de todas as formas de ação espetaculares, quando não são pró-sistemicas, provavelmente se constituem em escapismos. Abandone também todas as ações que não levam a lugar algum como revolta gratuita, arte-pela-arte, loucura isoladora, etc.

3 – Parta secretamente em busca do Y, da conjunção de vontades, projetos e projeções, busque o encontro e se desloque para longe dos centros de poder. Busque outras pessoas de ímpeto livre, constitua formas de ação coletiva até o ponto de fazer brotar (e crescer) uma comunidade intencional.

4 – Não pague mais impostos, busque investir seus recursos e seu tempo na busca coletiva por autonomia energética, habitacional e alimentícia. Estabeleça relações de troca de bens e serviços com grupos camponeses, organizações populares e aldeias indígenas.

5 – Opte por tecnologias limpas e renováveis, técnicas em equilíbrio com o meio como a permacultura e o earthship. Quando se é vizinho da sociedade do desperdício, a macro-reciclagem pode ser algo muito interessante. (Afinal um poste de concreto não é só um poste de concreto, mas um monte de coisas em potencial.)

6 – Promova a comunicalidade ao isolamento, se desloque sazonalmente, se inicialmente não for possível viver fora da Máquina em tempo integral, divida seu tempo entre seu velho cotidiano e a criação dessa nova forma de sociabilidade.

7 – Aja pelo crescimento deste rizoma de zonas autônomas, estimule e auxilie outros grupos no surgimento de novas comunidades. Mutualidade, união e troca não têm preço em mundo onde o sistema vence pela hostilidade, pela competitividade e pela divisão, prepare-se para assistir ao surgimento dos enclaves libertários.

8 – Constitua um imaginário local compartilhado, pontos de encontro, grupos de estudos, espaços de vivência, e principalmente, circuitos de festas e dias de celebração. Cada pessoa livre do mundo-cão, e cada pedaço de terra libertada, são por si só motivos a se festejar.

9 – Prepare-se secretamente para a reação do estado e do capital. Assim que a tática for descoberta, pode ter certeza que eles manejarão seus aparatos de difamação e repressão contra você. Esteja sempre articulado com a rede. Não dê motivos para conflitos (antes do tempo), a cada operação de opressão bem sucedida quem marca ponto são eles e não você.

10 – Lance sorrateiramente através da Web propagandas de libertação e popularização do pensamento libertário; manuais de como abandonar o caos capitalista e construir (ou fazer parte de) comunidades autônoma fora do mapa. na qual viver possa valer a pena.

Enquanto projeto o protopia está em permanente reconstituição através de um wiki: é aberto a todos que queiram efetivamente participar, e todos que possam se identificar com este projeto e que queiram tomar parte nele são bem vindos. Estamos no início de tudo e qualquer um pode contribuir com as suas próprias idéias ou ações, ou como bem entender.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

[copyleft] MUDAM AS MOSCAS



::txt::Passa Palavra::

Dezesseis anos atrás, quando era fácil ser de esquerda porque todos lutávamos contra o “neoliberalismo”, enquanto a maioria de nós, os “engajados” da faculdade, discutia assuntos “militantes”, a direção da faculdade, com orçamento reduzido pelo mesmo “neoliberalismo”, reduzia as compras de material de limpeza básico, até papel higiênico. Nas assembleias, a falta deste prosaico item era assunto recorrente nas falas, mesmo de passagem. Custou-nos entender que as pessoas queriam, sim, se mobilizar contra este fedegoso resultado das “políticas neoliberais”. Resolvi pautar a questão com os outros nos seguintes termos: ou bem lutamos pelo papel higiênico ou bem ficamos na mesma merda. Óbvio que tanta gente politizada achou “um absurdo” “reduzir a pauta” do movimento estudantil a isso, mas parecia ser impossível então entender a ligação entre a merda do “neoliberalismo” e a merda do papel higiênico. E assim nos concentramos naquilo que para nós era “radical”, quando para a absoluta maioria radical mesmo era lutar para não ter mais que usar papel de caderno para limpar a bunda…


[agência pirata] MSN DO SEU MADRUGA

[agência pirata] DILMA E SEUS VIGILANTES



::txt::Adísia Sá::

Acompanhei pela televisão, rádio e noticiários de jornais o que faziam e diziam os candidatos. Só não me interessei pelos comícios, meros show, exibição para torcedores.

Proclamado o resultado, assisti ao encontro da presidente Dilma com os seus apoiadores, correligionários e imprensa. Depois da leitura de seu pronunciamento, fiquei atenta às entrevistas pela televisão e, também, à repercussão de sua fala nas revistas e jornais. Pincei alguns pontos que considero essenciais a todos nós, notadamente à imprensa.

No momento em que segmentos políticos apresentam projetos de criação de Conselhos de Comunicação, como o do Ceará, da deputada Rachel Marques (PT), a fala de Dilma enfatiza apreço à liberdade de imprensa ao expressar a sua total repulsa a qualquer movimento que tente cercear a livre manifestação do pensamento, de expressão - “independentemente de censura ou licença”, numa louvação a postulados pétreos da Constituição.

Com esta posição da presidente fica a indagação: recuarão os projetistas do “acompanhamento” da atuação dos meios de comunicação? Retirarão seus projetos de “vigiar”, “orientar”, “ fiscalizar”, “monitorar” as atividades dos veículos de Comunicação? Desaparecerão as “políticas de capacitação dos cidadãos para leitura crítica dos meios de comunicação, nas suas diversas modalidades e para o debate da estética, dos conteúdos, da linguagem e das técnicas empregadas na produção das mensagens midiáticas”?

A presidente não mandou recado: ela o deu publicamente e isto significa que há um compromisso formal de que a liberdade de imprensa (lato senso) não comporta interpretações dúbias. Mas não fica a palavra encerrada no pronunciamento, nem no discurso transcrito nos jornais e nas revistas: ela ecoa e se instala na alma coletiva da Nação. É necessário, então, que todos nós acompanhemos passo a passo o governo Dilma: sua palavra é sua honra. E nós somos os vigilantes...

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

[cc] LAN HOUSES: A QUARTA GERAÇÃO




::txt::Ronaldo Lemos::
::ilstrç::Yu-Shu Chan::

A esta altura todo mundo já sabe. As lan houses mudaram a cara da inclusão digital no Brasil. Hoje, 48% de todos os acessos à rede no Brasil acontecem através delas. É só dar uma olhada no Orkut. Ele reflete a diversidade social brasileira, com gente de todos os tipos, tanto do ponto de vista cultural quanto socioeconômico (e, por conta disso, na minha opinião, o Orkut nunca esteve tão legal).

O que pouca gente sabe é que a revolução começada nas lan houses continua. A mais recente tem a ver com mudanças no modelo de negócios. Há algum tempo já vinham funcionando como uma mistura de escritório público e despachante. Através delas dá para pagar contas de água, luz e celular ou fazer declaração de isento no imposto de renda. Algumas vendem passagens aéreas e até mesmo ajudam os clientes a elaborar um currículo, caso estejam procurando emprego.

Dá para dizer que esses são a terceira geração de serviços a aparecer através das lan houses. A primeira foram os games, a segunda o serviço de acesso à internet e agora serviços gerais, incluindo governo eletrônico e e-commerce. No entanto, este artigo é para falar dos primeiros passos de uma quarta geração de serviços, ainda mais inesperada.

Pós-Warcraft

Conversando com donos de lan houses, é visível que existem várias mudanças em andamento. Todas as lan houses estão em busca de novas fontes de receita, a partir da percepção de que os serviços prestados hoje tendem a declinar na medida em que as pessoas vão tendo acesso a computadores em casa.

Em paralelo a isso existe uma mudança no perfil dos games. Antes o mais comum eram jogos que dependiam de instalação prévia e do pagamento de uma licença (como Counter Strike ou Warcraft). Os jogos mais populares atualmente são gratuitos e online (como o Cross Fire, o Ragnarok e o Gunbound). São desenvolvidos na China e na Coreia e possuem outro modelo de remuneração. O game é gratuito, mas para progredir o jogador tem de investir um bom tempo treinando seu personagem e obtendo recursos para comprar armas mais poderosas. Quem não tem tempo pode comprar itens da empresa que faz o game. Ou então de outros usuários.

É aí que entra a nova geração de serviços. Muitos usuários de lan houses estão se especializando na venda de itens virtuais dentro dos games. Até mesmo treinando e vendendo personagens de jogos como Gunbound por até R$ 300 (chamados carinhosamente de "bonecos"). Essa venda dos "bonecos" acontece em sites de leilão inclusive para fora do Brasil e a fila de espera para comprá-los é gigantesca.

Sei que muita gente vai ficar de cabelo em pé ao imaginar que essa prática, comum na Ásia, está chegando ao Brasil via lan houses. Há quem diga que algumas lan houses já começam a encampar o modelo e que a receita com "bonecos" e outros itens virtuais pode chegar a 50% do faturamento. O futuro desse modelo de negócio ainda é incerto. Por ora, dá para dizer apenas que ele prenuncia um momento de transformações profundas no mundo das lans. A ver.

[noé ae?!] CARLOS PONTUAL

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

[over12] QUEM GANHOU A ELEIÇÃO FOMOS NÓS



::txt::Monsenhor Jacá::

A mídia, seja ela grande ou alternativa, oficialesca ou golpista, comemorou ou lamentou os resultados do segundo turno da eleição presidencial. Mas nenhuma delas abriu nossos olhos para um importante detalhe: a percentagem de eleitores que não votaram em nenhum dos dois candidatos neoliberais.

Os motivos são óbvios. Primeiro por que ambos, Dilma e Serra, são os representantes legítimos do neoliberalismo e neocoronelismo. Eles não traziam ameaças ao sistema. Não passam de reformistas, preocupados com algumas questões sociais, mas que rezam a cartilha tucana do Banco Central. Basta observar a alegria do presidente da FIESP e de setores do agronegócio pela vitória petista.

Porém, há porém, há um caso diferente. Para os que não concordam com a democracia representativa, ou ditadura da maioria, como nós da revista O DILÚVIO e de muitos movimentos populares e grupos libertários, as urnas trouxeram um recado: QUEM GANHOU A ELEIÇÃO FOMOS NÓS!

Observe os números abaixo:

Dilma:
55.752.529 = 41%

Serra:
43.711.388 = 32%

nenhum:
36.338.855 = 27%

Arredondei os percentuais pra facilitar as contas, pois me nego a usar calculadora. Mais de 36 milhões de brasileiros não votaram nem em Dilma nem em Serra. Votaram branco, anularam o voto ou nem foram votar (meu caso). Você dirá: “muitos que não foram votar, se fossem, votariam num dos dois”. Mas não foram. E não compareceram porque os dois fantoches neoliberais não tiveram capacidade de despertar alguma vontade ou sentimento eleitoreiro.

Somos em torno de 27% de cidadãos brasileiros considerados 'inválidos' pela justiça eleitoral. E por carregar esse rótulo de invalidez, criam-se mentiras a respeito da gente. Tais quais:

1) Quem não vota ou anula ajuda fulano a se eleger. MENTIRA! Quem ajudou a eleger Dilma foram os eleitores dela. Não temos culpa por essa tragédia.

2) Quem não vota ou anula não pode reclamar depois. MENTIRA! Quem paga imposto pode reclamar quando quiser, de quem quiser, pois vivemos num país em que a constituição nos assegura a liberdade de expressão.

3) O teu voto vai fazer falta depois. MENTIRA! Com uma diferença de 12 milhões de votos entre os dois candidatos, é óbvio que meu voto não fez falta. Não seria o meu voto que ajudaria a eleger a farsa tucana. Meu voto não vale nada!

3.1) Imagina se todos pensassem assim. BALELA! Você pode achar importante o seu voto, e você vota em quem quiser. Num país democrático, tenho o direito de fazer o que quiser com meu voto, inclusive anula-lo. Respeito se você votou nele ou nela, mas você precisa respeitar o meu. E na minha humilde opinião, meu voto não vale porra nenhuma. Se o seu voto vale, beleza, faça bom proveito.

4) Quem não vota ou anula não exerce a cidadania. MENTIRA! Nossa escolha significa um protesto, e pelo que se sabe, temos o direito de protestar, que é um direito cidadão.

5) Numa falsa democracia, todo voto é nulo!

[doc] LITERATURA LIBERTÁRIA



::txt::Tiago Jucá Oliveira::

Pela primeira vez Porto Alegre sedia (neste fim de semana) uma Feira do Livro Anarquista. Um importante evento não somente pra compra e venda de livros, mas uma grande oportunidade para que os libertários da capital possam se encontrar e conversar. A anarquia não é apenas um projeto de auto-gestão social. O caos também se dá dentro do próprio anarquismo (ou pelas suas inúmeras divisões, ou por falta de eventos e/ou locais para encontros e debates). Aqui no estado temos a FAG (Federação Anarquista Gaúcha), sediada na Cidade Baixa, que é bastante ativa dentro de alguns movimentos sociais. A polícia da Yeda, inclusive, já reprimiu os anarcos com invasão na sede, apreensão de materiais e intimação judicial de alguns de seus membros.

Na Europa, enquanto a 'esquerda' vai pra rua com bandeiras e cartazes, os Black Blocs vão pra briga. Quebrar vitrine de bancos multinacionais e atirar pedra na polícia é a diversão deles. E dentro dos Black Bloc já há a facção 'não violenta', mas que também veste capacetes e máscaras para evitar a identificação. Há vários grupos Black Bloc dentro de uma única manifestação, com diferentes táticas. Porém aqueles que mais aprecio são os libertários que nunca leram um livro de Bakunin e nem assumem uma posição anárquica. As favelas cariocas, por exemplo, são a mais legítima representação de uma arquitetura caótica, sem seguir escolas de identidade visual.

Mas retomando à cartola 'cultura' que me é destinada, toco no assunto anarquismo em função desta feira. Além dos livros, há apresentações de peças teatrais, exibições de filmes, palestras e oficinas. Se você não for, aproveito pra deixar dicas. Sempre é bom conhecer uma importante ideologia, e suas subdivisões, de setores que pretendem a total abolição do estado (oposto do socialismo estatal, da social-democracia e neo-liberalismo), a completa liberdade do homem (oposto do comunismo e fascismo totalitários), a não escravidão do trabalho (extremo oposto do capitalismo selvagem).

Nem todas obras se rotulam ou assumem uma posição 'anarquista' ou 'libertária'. Então guarde consigo a frase “mas esse autor nunca disse que é anarquista”. Cabe ao leitor, sempre, a interpretação de um livro. Eu tomei um rumo libertário após ler “Manifesto Contra o Trabalho”, do grupo Krisis, que não toma partido anarquista. Foi a primeira vez que alguém me provou que esquerda e direita nada mais são do que dois lados da mesma moeda. E essa moeda se chama trabalho. O 'trabalho' elevado a categoria divina, cultuado por todos setores, desde o papa até o Bush, de Vargas aos verdes, de Lula a Tony Blair.

Os clássicos autores do anarquismo também merecem um olhar. Mijail Bakunin, Pierre-Joseph Proudhon, William Godwin, Max Stirner, Eliseo Reclus, Piotr Kropotkin são os mais lidos e conhecidos. Todos eles conheci e li num livro em castelhano, “Ideario Anarquista", que reúne alguns textos dos 'bisavós' dos libertários.

Dos mais atuais, não deixe de ler “Distúrbio Eletrônico”, do Critical Art Ensemble, "Provos: Amsterdam e o nascimento da contracultura”, de Matteo Guarnaccia, “TAZ”, de Hakim Bey, “Q” e "54", de Wu Ming. Sobre a revolução espanhola, saiba como foi “O Curto Verão Anarquista – Vida e Morte de Durruti”, de Hans Magnus Enzensberger, e “O Povo em Armas – Buenaventura Durruti e o Anarquismo Espanhol”, de Abel Paz.

Minhas bíblias anarquistas são “A Desobediência Civil”, de Henry Thoreau, e “A Revolução dos Bixos” e “1984”, de George Orwell.

[copyleft] DECLARAÇÃO DOS DIREITOS (E DEVERES) DOS NARRADORES



::txt::Wu Ming::

Preâmbulo

O que é um narrador e quais são os seus deveres e direitos?

É narrador (ou narradora) quem conta histórias e reelabora mitos, conjuntos de referências simbólicas partilhadas — ou de alguma forma conhecidas e, quando for caso disso, questionadas, por uma comunidade.

Contar histórias é uma actividade fundamental para qualquer comunidade. Todos contamos histórias, sem histórias não estaríamos conscientes do nosso passado nem das nossas relações com o próximo. Não existiria qualidade de vida. Mas o narrador faz do contar histórias a sua actividade fundamental, a sua “especialização”; é como a diferença entre o passatempo do bricolage e o trabalho de carpinteiro.

O narrador desempenha — ou deveria desempenhar — uma função social comparável à do griot nas aldeias africanas, do bardo na cultura celta, do aedo no mundo clássico grego.

Contar histórias é um trabalho peculiar que pode trazer vantagens para quem o desenvolve, mas contudo é sempre um trabalho, tão integrado na vida da comunidade quanto o de apagar incêndios, cultivar os campos, assistir os incapacitados, etc..

Por outras palavras, o narrador não é um artista, mas um artesão da narração.

Deveres

O narrador tem o dever de não se considerar superior aos seus semelhantes. É ilegítima qualquer concessão à imagem idealística e romântica do narrador como criatura pressupostamente mais “sensível”, em contacto com dimensões do ser mais elevadas, também quando escreve sobre absolutas banalidades quotidianas.

No fundo também os aspectos mais ridículos e espalhafatosos do ofício de escrever baseiam-se numa versão degradada do mito do artista, que se torna uma “estrela” pelo facto de o considerarem de alguma forma superior aos “comuns mortais”, menos mesquinho, mais interessante e sincero e, num certo sentido, heróico já que suporta os “tormentos” da criação.

Pelo facto do estereótipo do artista “angustiado” e “atormentado” suscitar mais sensacionalismo e possuir mais peso do que a fadiga de quem limpa as fossas biológicas, podemos compreender o quão distorcida está a actual escala de valores.

O narrador tem o dever de não confundir a efabulação, sua principal missão, com um excesso de autobiografismo obsessivo e ostentação narcísica. A renúncia a estas atitudes permite salvar a autenticidade dos momentos, permite que o narrador tenha uma vida para viver sem que seja uma personagem por interpretar sob coacção.

Direitos

O narrador que cumpre o dever de refutar os estereótipos supracitados tem o direito de ser deixado em paz por quem, ao invés, enche os bolsos propagandeando-os (cronistas de costumes, paparazzi culturais, etc.). Qualquer estratégia de defesa contra as intromissões deve basear-se na não sujeição à lógica. Em suma, quem se quer passar por “estrela”, quem posa para estúpidas sessões fotográficas ou quem responde a perguntas sobre todos os assuntos, não tem o direito de se queixar dessas mesmas intromissões.

O narrador tem o direito de não aparecer nos media. Se um canalizador não aparece ninguém lhe pede explicações ou o acusa de snobismo.

O narrador tem o direito de não se tornar numa besta amestrada das soirées ou da coscuvilhice literária.

O narrador tem o direito de não responder a perguntas que não considera pertinentes (sobre a sua vida privada, preferências sexuais, gostos culinários, hábitos quotidianos, etc.).

O narrador tem o direito de não se fingir versado em todos os assuntos.

O narrador tem o direito de se opor, através da desobediência civil, contra as pretensões de quem o tente privar dos seus direitos (incluindo os editores).

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

[release] CONVERSE FIX TO RIDE

Após restaurar uma das pistas mais importantes do Brasil, a Converse promove campeonato de reinauguração no dia 6 de novembro

A Converse Skateboard acaba de anunciar a segunda edição do projeto internacional FIX TO RIDE. Desta vez, é a pista do IAPI, em Porto Alegre, que passou uma bela reforma. Berço de alguns dos skatistas mais notáveis do Brasil, a pista estava em péssimo estado. Havia problemas por todos os lados, como rachaduras nos obstáculos, cantoneiras soltas, dificuldades de drenagem, lixo e, principalmente, pedras por todo o caminho.

A reforma começou no dia 13 de outubro e no dia 6 de novembro, a Converse Skateboard patrocina um campeonato com skatistas brasileiros e que tem a pista do IAPI como parte de sua história. Eles ajudarão a Converse a escrever mais este capítulo do skate nacional. “Quando investimos na restauração de um espaço público tão incrível como esse, estamos investindo na história de quem já passou por aqui, assim como naqueles skatistas que têm neste local uma referência sócio-cultual, além de área de lazer”, afirma Frederico Naroga, supervisor da divisão Skate da Converse Brasil.

Inaugurada em 2001, a pista do IAPI, que fica na Praça Frederico Balvê, é sem dúvida um dos points mais importantes do skate nacional. Assim como Daniel Crazy e Carlos Ribeiro, riders da Converse Skateboard, passaram por lá vários skatistas hoje reconhecidos no cenário internacional.
O fato é que a pista foi entregue à comunidade sem nunca ter sido concluída, passando apenas por alguns reparos isolados e bastante esporádicos. O trabalho de reconstrução não prevê apenas a eliminação dos problemas constatados, além disso, a empresa irá doar para a pista dois novos obstáculos para manobras. “Esse trabalho reforça o posicionamento da Converse Skateboard em relação ao incentivo ao skate brasileiro.

Além de mantermos nosso patrocínio a campeonatos, termos skatistas com carteira assinada e investirmos na criação de vídeos, também cuidamos do patrimônio histórico do skate”, completa Naroga.

FIX TO RIDE – Competição em clima de festa

O FIX TO RIDE, desenvolvido pela Converse, foi realizado pela primeira vez em 2007, na Argentina. A primeira edição no Brasil aconteceu ano passado e deu vida a uma das mais belas paisagens do Rio de Janeiro ao recuperar o bowl do Arpoador.
E como o nome do projeto já diz, a ideia é arrumar a pista para depois andar. Então, ao entregar o projeto, a Converse ainda promove uma competição para o dia da reinauguração da pista. A competição vai contar com 40 dos maiores skatistas brasileiros que vão concorrer a um total de R$ 10 mil em dinheiro.
O público poderá conferir, gratuitamente, a pista restaurada, a competição e muita música. Caso chova no sábado, dia 6, o campeonato será transferido para o dia seguinte.

A CONVERSE Inc. é sediada em Massachusetts. Fundada em 1908, a empresa construiu uma forte reputação com produtos como Chuck Taylor All Star, Jack Purcell e One Star. Hoje, oferece um diverso portfólio, comercializado em mais de 160 países. Adotada pelos skatistas desde os anos 70, a CONS é sinônimo de skate no mundo. Em 2008, a empresa abriu sua divisão de Skateboard que, no Brasil, oferece modelos de tênis exclusivos.

[noé ae?!] CARLINHOS BROWN

[domínio público] CARTA DE KROPOTKIN A LENIN




::crt::Kropotkin::

Estimado Владимир Ильич Ленин,

Vivendo no centro de Moscou, você não pode conhecer a verdadeira situação do país. Teria de deslocar-se às províncias, manter estreitos vínculos com as pessoas, compartilhar seus desejos, trabalhos e calamidades; com os esfomeados - adultos e crianças - suportar os inconvenientes sem fim que impedem a obtenção de provisão para um mísero lampião... E as conclusões a que chegaria, poderiam ser resumidas numa só: a necessidade de abrir caminho para condições de vida mais normais. Se não o fizermos, esta situação nos conduzirá a uma sangrenta catástrofe. Nem as locomotivas dos aliados, nem a exportação de trigo, algodão, linho, cobre ou outros materiais dos quais temos enormes necessidades poderão salvar a população.

Em vez disso fica uma verdade: ainda que a ditadura de um partido constituísse um meio útil para combater o regime capitalista - o que duvido muito -, esta mesma ditadura seria totalmente nociva para a criação de uma ordem socialista. O trabalho, necessariamente, tem de constituir-se na base das forças locais, mas até agora, isto não ocorre nem é estimulado por nenhum lado. Em seu lugar se encontram, a todo instante, individualidades que desconhecem a vida real e cometem os maiores erros, ocasionando a morte de milhares de pessoas e arruinando regiões inteiras.

Sem a participação das forças locais, sem o trabalho construtivo de baixo para cima, executado pelos trabalhadores e todos os cidadãos, a edificação de uma nova vida é impossível.

Uma obra semelhante poderia ser empreendida pelos sovietes, pelos conselhos locais. Mas a Rússia, devo enfatizar, é uma república soviética apenas no nome. A influência e o poder dos homens do partido, que são freqüentemente estranhos ao comunismo - os devotos da idéia estão sobretudo instalados aí no centro - têm aniquilado a influência verdadeira e a força daquelas instituições que muito prometiam: os sovietes. Repito: não há mais sovietes na Rússia, mas somente comitês do partido que fazem e desfazem. E as suas organizações padecem de todos os males do funcionalismo.

Para sair da desordem atual a Rússia deve retomar o espírito criador das forças locais que, asseguro, são as únicas capazes de multiplicar os fatores de uma nova vida. Quanto antes se compreender isto, melhor! As pessoas se disporão a aceitar mais facilmente as novas formas de organização social. Entretanto, se a situação atual se prolongar, a própria palavra socialismo se converterá numa maldição, como ocorreu na França com a idéia igualitária durante os quarenta anos que seguiram ao governo dos jacobinos.

Πιοτρ Κροπότκιν
Dmitrov, URSS, 4 de março de 1920

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

[noéspecial] CABRA DA PESTE



::txt::Tiago Jucá Oliveira::

Recebi um comentário, feito por um amigo, que condenava o louvor em torno da figura de Lampião. Não quero entrar no mérito da questão, se ele era herói ou vilão. Aliás, não é a intenção desta série julgar o mito. E sim relatar sinais dum sintoma claro: independente da bondade ou maldade do cangaço, ele ainda exerce uma importante influência sobre as artes.

O julgamento não cabe a mim. Deixo a você que julgue de acordo com seus próprios conceitos. A minha parte é aproveitar o espaço pra indicar livros que tratam sobre o assunto, e deles tirar trechos ilustrativos. Por ter aberto esse parênteses, me dei o direito de contar uma pequena história, que mostra como o imaginário popular trabalha o mito até os dias de hoje:

Água Branca é uma pequena localidade do estado de Alagoas. A principal moradora do município, em 1928, era a Baronesa de Água Branca. Lampião há tempos pedia dinheiro a ela, que respondia: "Tenho vinte contos, mas é para comprar de munição para o couro dele!". Diante da negativa da Baronesa, Lampião planejou um assalto à cidade.

Desfeita a tensão, Virgulino enviou um espião à feira de Água Branca, a fim de verificar as forças policiais. Enquanto isso, esperava as notícias em Bom Conselho de Papacaça. Depois de informado, Lampião rumou em direção a cidade. Foram quatro noites de viagem, sendo que os dias serviam para descanso. Na tarde do dia 27 de junho de 1928, o cangaceiro tomou um sítio não muito longe de Água Branca e obrigou o dono a fazer compras na cidade.

Deu-lhe dinheiro e uma lista, que continha cigarros, fósforos, esteiras de pipiri, duas redes brancas e uma lata de tinta vermelha. Para ter certeza que o dono do sítio ficasse em silêncio, manteve a família dele como refém. Lampião dividiu seu bando estrategicamente. Quatro duplas se formaram para fazer o bloqueio das entradas da cidade e ali ficarem até o término do assalto. Os outros dez cangaceiros encheram as duas redes compradas no comércio com armas e munições. A lata de tinta vermelha serviu para pintar as redes, dando assim a impressão de sangue de morto.

Ao amanhecer do dia 28, os dez cangaceiros entraram em Água Branca, carregando as redes com os dois 'defuntos'. Estacionaram em frente ao quartel da cidade e avisaram ao soldado de vigia que tinham encontrado dois mortos na estrada. O vigia os convidou para entrar e esperar, enquanto ele iria acordar um outro soldado numa casa vizinha. Quando o vigia saiu, os cangaceiros trataram de pegar as armas escondidas dentro das redes e esperam a volta para dar o bote.

Lampião soltou vinte presos e no lugar deles prendeu todos os guardas. Obrigou ao corneteiro dar toque de reunir. Lampião enjaulou mais de 30 soldados e roubou todas as armas e munições, que logo foram distribuídas entre os ex-prisioneiros, somando 30 homens armados prontos para o assalto. Os cangaceiros tomaram as ruas e acordaram os moradores com tiros. As casas e as lojas dos mais ricos foram saqueadas uma por uma. A Baronesa foi a que sofreu o maior prejuízo: dinheiro, ouro, e 25 cabras leiteiras.

Após o saque, ela seria humilhada: passeou de braço dado com Lampião pelo meio das ruas da cidade. Foi a primeira vez em que os cangaceiros, vibrantes e entusiasmados pela vitória, cantaram um xaxado ritmado pela batida forte dos rifles batendo no chão: "Olê mulé rendeira, olê mulé rendá, tu me ensina a fazer renda, que eu te ensino a namorar".

[noé ae?!] FEIRA DO LIVRO ANARQUISTA



Sexta (5 de novembro)

Abertura da Feira do Livro Anarquista
A partir das 19:00

Espetáculo “O Homem Banda”, com Mauro Bruzza, da Cia. UmPédeDois
Lançamento dos livros Dias de Guerra, Noites de Amor – Crimethinc e Zonas Autônomas – (vol. 2) – Hakim Bey, pela Editora Deriva


Sábado (6 de novembro)

Oficina: Costura de Livros sem frescura
Das 11h às 12:30
Proponente: Editora Deriva

Almoço Vegano
A partir das 13h

Bate-papo: Anarquismo e Geografia
Das 14:30 às 16:00
Convidado: Dilermano Cattaneo

Bate-papo História pelos Anarquistas
Das 16:30 às 18:00
Convidado: Anderson Romário Pereira Corrêa

O saber histórico serve para compreender e explicar o processo pelo qual as sociedades e os indivíduos passaram para chegar a ser o que são hoje. Conhecer este processo é um dos pressupostos para poder agir sobre ele. O saber histórico serve também como discurso para justificar ações e posturas presentes. O texto “A história na visão de anarquistas” pretende conhecer como alguns anarquistas “clássicos” pensavam a História. A modesta intenção do texto é provocar a discussão entre aqueles que se identificam com o anarquismo e que procuram referências teóricos e metodológicos para seus estudos em História.

Filme e bate-papo: Ácratas
Às 19h

O documentário reconstói narrativamente a experiência dos “anarquistas expropiadores” no Rio da Prata dos anos 30. Documentário independente realizado com fotografias, filmes de época, materiais de arquivo e testemunhos de sobrevivientes.

Conta também com intervenções do historiador anarquista Osvaldo Bayer, quem tem escrito sobre o fenómeno dos anarquistas expropiadores, Abel Paz, historiador da revolução espanhola e do intelectual ítalo-uruguaia Luze Fabbri.


Domingo (7 de novembro)

Oficina Stencil
Às 10:00
Proponente: Alisson

Almoço Vegano

A partir das 13h

Bate-papo: Anarcologia e Protopia
Das 14:30 às 16h
Convidado: Alt

Um papo sobre saberes anarquizantes (Anarcologia). Sobre ações históricas em favor da autonomia e experiências comunalistas: das barricadas de Comuna de Paris aos Caracóis da Selva Lacandona. Embates territoriais em contextos de ampliação do aparato de repressão e controle no contexto urbano. Possibilidades protópicas, a estratégia das zonas autônomas, formas de libertação da imaginatividade.

Bate-papo: Política e anarquismo
Horário: 16:30 – 18:00
Convidado: Bruno Lima Rocha

Bate-papo: Feminismo e Anarquismo
Horário: 18:30 – 20:00
Convidado: Ação Antisexista

Propomos um diálogo sobre as conexões entre anarquismo e feminismo.
Existe anarquismo sem feminismo? Qual a importância dos principios libertários para o feminismo contemporâneo?
Estaremos também lançando os zines Nem Escravas Nem Musas #2 e Reajindo – Defesa pessoal para mulheres de todas as idades.


terça-feira, 2 de novembro de 2010

[cc] A FIRME CANETA DE HENRIQUE MEIRELLES



::txt::Bruno Lima Rocha::

Reflexões imediatas após a vitória de Dilma Rousseff: uma crítica pela esquerda mais à esquerda

No momento em que escrevo estas palavras, a economista Dilma Rousseff (PT) acaba de ser eleita como primeira mulher presidente do Brasil. A derrota da dobradinha “clássica” PSDB-DEM, José Serra e Índio da Costa, demonstra um novo arranjo político e de parcelas do poder no Brasil. Mas, a eleição da ex-ministra em chefe da Casa Civil não significa necessariamente um avanço por esquerda, longe disso. A coligação de dez legendas, tendo ao deputado federal pelo PMDB quercista de São Paulo Michel Temer como vice, representa por si só a ampla margem de negociação e desistência de perspectivas históricas do reformismo radical dos anos ’80. E agora?

A economista e ex-guerrilheira do COLINA e da VAR-Palmares governará sobre o terreno da política econômica assentada pela firme caneta de Mr. Meirelles, homem da banca internacional. Não por acaso o tema do endividamento público ficou fora da campanha, uma vez que era pauta consensual com o tucanato-udenista. Freios de agentes de veto como este(s), em nome dos banqueiros, dominarão a agenda política do novo mandato de melhorismo, uma centro-esquerda não classista.

Para além do óbvio, analisando a vitoriosa composição de aliança política e de classes.

O pensamento socializante brasileiro tem algumas constatações relevantes, para as quais aporto meu grão de areia nesta reflexão. Temos duas novidades neste pleito, duas dentre várias. Elegeu-se uma ex-guerrilheira e mulher (estando separada em sua vida conjugal) para chefiar o Poder Executivo da 5ª economia do mundo e o país líder latino-americano do G-20. Não é coisa de pouca monta. Ou não seria. Esta mesma operadora política, com grande capacidade de execução de agenda, viu-se obrigada (ou se obrigou dado o volume de compromissos) a abandonar temas de convicção consensual no que resta das esquerdas com perfil militante no Brasil. Em termos de reivindicação imediata, o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, peça esta que Lula não assinara, traçaria um senso comum daqueles que entendem – ainda que por dentro do aparelho de Estado - como prioridade a divisão de recursos e de poder. Pois bem, esta mesma peça consensual e imediata, foi refutada, negada, afastada, retirada de pauta, por parte da candidata. Na ponta do problema, o tema do aborto, entrando pela porta dos fundos através dos factóides políticos e dos poderes de veto do obscurantismo nacional.

Não ficou por aí. A aliança da legenda de Luiz Inácio teve a “sabedoria” eleitoral de costurar com aqueles que serviram, em sua própria iniciação da vida política, de objeto de ódio na figura do inimigo visível. Sei que é chato, mas é inevitável lembrar o apoio dos oligarcas como Sarney, Jucá, Calheiros, Geddel & Cia ou o reforço de opinião de operadores pró-ditadura como o ex-ministro Delfim Netto ou o ex-reitor da Universidade Mackenzie do CCC, Cláudio Lembo; de agentes econômicos como os líderes do mercado financeiro, materializado nos bancos (FEBRABAN), na indústria automobilística (ANFAVEA), das transnacionais e mega-conglomerados nacionais de telecomunicações (SINDITELEBRASIL) capitaneados no Brasil pela Telefônica de Espanha e na fusão absurda que dera na BROi e após na compra de uma parte da nova super-empresa por parte da Portugal Telecom (PT). Não parou por aí.

Na mídia, frente de batalha prioritária no embate político-eleitoral, abriu-se uma cunha entre os líderes do oligopólio nacional das comunicações. Se por um lado as famílias, Marinho (Globo), Mesquita (Estado de SP), Frias (Folha de SP) e Civita (Abril-Naspers), de outro, grupos do porte da Rede Record, do portal Terra (Telefônica de Espanha), da estirpe da Carta Capital, no alinhamento recente do Grupo Três (Alzogaray, cujo veículo líder é a revista Istoé) e na posição rachada do empresariado dos radiofusores entre a ABERT (liderada pela Globo), e a ABRA (liderada pela Rede Bandeirantes, da família Saad). Ressalto este aspecto, pois a luta política migrara para o espaço midiático (que de público pouco ou nada tem) e a coligação governista sabiamente (espertamente, pragmaticamente) optou pela solução Getúlio Vargas encontrando o seu – no caso, os seus – Samuel Weiner. Poderíamos seguir narrando as composições com agentes econômicos líderes dos respectivos oligopólios do capitalismo operando e existente no Brasil, mas basta com ressaltar o perfil agro-exportador do Brasil e a relação mais que promíscua entre o Ministério da Agricultura e o latifúndio.

Para além do sectarismo, porque estamos piores organizados?

O que me assusta é o lado de cá do balcão. Lula deixa o poder conseguindo uma proeza paradoxal. Seria leviano dizer que os brasileiros e brasileiras vivem em condições piores do que a oito anos atrás. Não seria correto. Ao mesmo tempo, seria tão ou mais leviano afirmar que as forças sociais, muitas delas ainda tributárias do mesmo processo de reivindicações e protagonismo de luta popular dos anos ’80, a mesma matriz do PT e seu líder histórico, estão mais organizadas. Nossas entidades e movimentos populares estão piores organizados, mobilizam menos, milita-se menos, há um distanciamento muito maior entre dirigentes e bases, não têm uma entidade que seja transversal para os movimentos (como uma central ou confederação sindical mais à esquerda e livre das práticas do viciado aparelhismo e disputa sectária de correntes) e o próprio MST perde sua capacidade de liderança da luta popular uma vez que se esvai em posições tênues, abrandadas, e terminando por ir a reboque da União e do melhorismo. Para quem julga ser isto exagero deste analista, sugiro que leiam os embates na interna do jornal Brasil de Fato ou simplesmente converse entre a militância detentora de algum nível de responsabilidade.

Eleitoralmente, e esta não é a opção militante deste que escreve, os índices foram pífios. PSOL, PSTU, PCO e PCB não são a mesma coisa, tem diferenças de origens políticas (ressaltando-se este último) e tampouco representam alguma forma de consenso da esquerda que ainda crê na via eleitoral. Seus resultados sequer passam de 1% das intenções de voto e o escrutínio não veio acompanhado de um avançar de lutas sociais a ser galvanizada através da participação nas regras da democracia de tipo liberal e representativo. É difícil crescer eleitoralmente em conjunturas de pouca ou nenhuma mobilização e onde a tensão social está ausente da política.

Já da parte das organizações políticas que não optam pela via eleitoral por dentro do sistema – sendo esta a opção deste analista - o que se vê é uma grande chance de crescimento qualitativo, desde que seja explícito um projeto político para o curtíssimo e curto prazos (2 e 4 anos, respectivamente). Será necessária uma maturidade de outro tipo, quando as minorias ativas têm de compreender que a sensação popular é que suas vidas melhoraram, e ao mesmo tempo, os projetos de poder de transformação profunda estão mais distantes do que estavam no final dos anos ‘80 e, como um todo, o movimento popular brasileiro está muito mais confuso do que estava na segunda metade dos anos ’90, em pleno auge do neoliberalismo e da Era FHC.

Trata-se de um paradoxo de difícil compreensão para quem tem pressa – e é difícil fazer política apressadamente. De um lado a massificação reivindicativa se complica, uma vez que a sociedade como um todo (incluindo os setores de classe tradicionalmente organizados) está mais desorganizada, fragmentada e dispersa. De outro, o romper com as práticas viciadas e o manifestar de uma cultura política distinta pode e vem atraindo significativamente militantes com trajetória ilibada e que não concordam com as vias do legalismo-reformista (como a ilusão de fazer política radical através do Judiciário e do Ministério Público) e menos ainda com o compartilhamento de postos de poder tanto com inimigos históricos (como a leva de Arenistas presentes nos oito anos de Lula) e menos ainda com o espaço enorme dado e garantido a setores pelegos oriundos do sistema corporativo (como a Força Sindical, a CGTB e a recalcitrante UGT). O racha sindical que leva a construir a CTB é declaradamente uma peleia por recursos derivados da legalização das centrais sindicais e reflete também uma aproximação – em função de clivagem eleitoral – de PC do B e PSB. Romper com estas práticas é algo muito factível. A luta sindical abre um oceano de perspectivas de crescimento com qualidade da militância recrutada e é possível fazer desta uma via que dê oxigênio para as agrupações mais à esquerda e programaticamente distantes das urnas.

Apontando conclusões

É duro admitir que a guerrilheira que caiu de pé e não cantou sob tortura, resistindo com dignidade aos suplícios da Operação Bandeirantes e da estrutura do DOI-CODI do II Exército em São Paulo não representa sequer um projeto reformista. É mais duro ainda admitir que esta mesma pessoa, uma mulher, representa de por si uma quebra de paradigma. E, por fim, o mais duro de tudo é perceber a forma como se governou nos últimos oito anos e quanto esta prática política está distante da tensão social necessária para aumentar os níveis de organização popular para poder, de fato, acumular forças rumo a um câmbio profundo. Lula tem mais de 80% de aprovação é isto não implica (e nem poderia implicar) uma guinada à esquerda do povo brasileiro. Repito, é hora de refletir e buscar a consistência através de um crescimento qualitativo, rompendo com a cultura política viciada e dirigista.

Entender este momento e fazer política para ele é uma atitude construtiva. É diferente de afirmar que o melhorismo da coligação de centro-esquerda é idêntico da histeria de tipo udenista da coligação de centro-direita. Afirmar isso seria leviano e absurdo. Os projetos que chegaram ao segundo turno não são idênticos, e mesmo que através de Dilma as políticas sociais permaneçam, é preciso ter a firmeza e a maturidade para assumir que há governos de turno que melhoram a vida das maiorias e não constroem projetos de poder para estas mesmas maiorias serem donas de seus destinos. Este é o caso brasileiro e continuará sendo nos próximos quatro anos.

Se o objetivo determina o método segundo as condicionalidades, os sessenta dias restantes do ano servem para gerar a reflexão necessária a respeito das condições de existência e expansão da proposta que visa organizar desde abaixo, acumulando forças – através da luta popular em sua forma direta - no sentido da radicalização da democracia através de sua forma direta e participativa, socializando recursos e poder entre as maiorias. Fazer oposição por esquerda não é tarefa fácil. Há muito trabalho pela frente.

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