#CADÊ MEU CHINELO?

terça-feira, 26 de maio de 2015

[noéntrevista] FAUSTO ERJILI


:: ntrvst :: Júlio Freitas ::
:: phts :: Mel ::

  Demente, ranzinza, explosivo, megalomaníaco, incendiário...são poucos adjetivos para definir o caráter (ou falta de) deste jornalista que se recusa a falar com as pessoas porque acha perda de tempo. Mas, por motivos até agora desconhecidos, ele foi ao nosso encontro para nos conceber uma entrevista, a última da Revista O Dilúvio (sim, vocês leram direito: última).

::A VIDA COMO ELA NOÉ::

Ideias, ideias e mais ideias, por mais que surjam ótimas delas por aí, sempre vem alguém e fode com tudo. O mundo é uma maravilha, o que torna as coisas chatas, com regrinhas e essa merda toda são as malditas pessoas. A vida não é dura, as pessoas o são. Ontem mesmo mandei o gerente do meu banco à merda, sanguessuga do caralho, falou que se não pagasse o que devo, teria de penhorar meu Mustang 67 conversível. Aqui, ó.

::JORNALISMO GONZO::

 Hunter Thompson mamou do meu leitinho, antes mesmo dele descobrir qual é a ponta do cigarro que se acende, eu já andava tacando fogo em tudo por aí, fazendo leitura dinâmica das linhas do asfalto. Sempre achei meu rumo, embora no começo mal sabia aonde aquilo tudo me levaria. Fazia tele entrega de reportagens para diversas revistas e jornaizinhos fuleiros de quinta. Eles me adoravam.






















::A FAMOSA CORRIDA DE CHARRETES::

  Não sei o que me deu na cabeça de fazer aquela merda. Fiquei todo aquele tempo atrás de carroças em trilhas poeirentas, perdi todo o rolo de filme de minha câmera, aquilo me custou caro, e até hoje não vi a cor do dinheiro que tu me deve, tu acha fácil? Enfia uma dentadura no cu e ri pro caralho!

::A CIDADE::

 Vejo diversos movimentos em prol de revitalizações e ocupações diversas, mas de todos os que comparecem nesses eventos, pouquíssimos estão realmente preocupados com causas sociais, a maioria não se importa se amanhã transformarem o Cais Mauá num shopping, por exemplo, as pessoas só querem ser vistas como parte daquilo, e bebem e fumam e cheiram e foda-se a causa. Se aquele espaço não estiver mais ali amanhã, eles saem e procuram outro, entende? É essa maldita alienação que me enche o saco. A modinha agora é ser vegano e hippie, mas parece que este disfarce cai por água abaixo quando chegam na casa da mamãezinha. Nada se sustenta. E as pessoas ficam vagueando feito moscas de cá pra lá. O que quer que for, tem de ser verdadeiro.

::O FIM DA REVISTA::

 Essa revista tá acabando mesmo?

Caguei.

::CONSIDERAÇÕES FINAIS::

 Tu me chamou aqui só pra me perguntar isso? Acha que me compra com a merda desse vinho? Deixei de ficar em casa ouvindo Tom Waits sem ninguém me aporrinhando, tu me convence a vir lá de Canoas pra isso? Que bosta de entrevista é essa? Como assim vai me pagar depois? Não não não não. Vou quebrar tudo aqui, cara, vou sim. Tu não sabe o que uma cabeça cheia de metedrina e éter pode fazer...



sábado, 9 de maio de 2015

[águas passadas] LIGAÇÕES PERIGOSAS:A DEA E AS OPERAÇÕES ILEGAIS DA PF BRASILEIRA


:: txt :: Marina Amaral ::

  No dia 17 de outubro de 1973, o embaixador americano no Brasil, John Crimmins, escreveu um telegrama confidencial urgente ao Departamento de Estado chefiado por Henry Kissinger. A aflição do embaixador é evidente ao se referir à inesperada chegada ao país de uma equipe de inspeção do GAO (US Government Accountability Office) – agência ligada ao Congresso americano, criada em 1921 e ainda em atividade – com a missão de investigar a adequação e legalidade das atividades das agências federais financiadas pelo contribuinte americano. Inicialmente marcada para o dia 3 de novembro, a antecipação da visita – que desembarcaria na noite do mesmo dia 17 no Brasil – deixou o embaixador em polvorosa. O objetivo da missão era auditar o programa anti-drogas desenvolvido pela DEA – Drug Enforcement Administration – no país.

  Criada pelo presidente Richard Nixon em julho de 1973, com 1.470 agentes e orçamento de 75 milhões de dólares, para unificar o combate internacional anti-drogas, hoje a DEA tem 5 mil agentes e um orçamento anual de 2 bilhões de dólares. Embora mantivesse escritórios em nove países e representantes nas missões diplomáticas americanas ao redor do mundo (ainda hoje a DEA tem escritórios na embaixada em Brasília e no consulado de São Paulo), desde 1969, quando ainda atendia pelo nome de BNDD (Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs), a missão da DEA sempre foi “lidar com o problema das drogas, em ascensão, nos Estados Unidos”. Sua relação com os outros países, ao menos oficialmente, não previa o combate às drogas em cada um deles; o objetivo era impedi-las de chegar à população americana.

  Por que então Crimmins estava tão preocupado com a chegada inesperada da equipe de auditoria ao Brasil? Ele explica no mesmo telegrama a Henry Kissinger: “Os oficiais da embaixada pedem instruções sobre quais os documentos dos arquivos da DEA e do Departamento do Estado, relativos a drogas, devem ser liberados para a equipe do GAO”, escreveu. “Especificamente pedimos orientação sobre os seguintes assuntos: a) os planos de ação anti-drogas, levando em conta que nem toda a estratégia sugerida nesses documentos foi aprovada pelo Comitê Interagências (Interagency Commitee) em Washington; b) tortura e abuso durante o interrogatório de prisioneiros; c) o centro de inteligência da Polícia Federal; d) os arquivos de informantes, incluindo os registros de pagamentos; e) operações confidenciais e telegramas de inteligência; f) operações clandestinas, incluindo a transferência de Toscanino do Uruguai ao Brasil; g) documentos de planejamento das alfândegas brasileiras e do departamento de polícia federal”, detalha.

  A resposta de Kissinger não consta da base de dados do National Archives (NARA) reunidos na Biblioteca de Documentos Diplomáticos do WikiLeaks, mas a julgar por outros documentos, havia sim motivos para se preocupar. Pelo menos em relação ao único caso específico ali referido: a transferência de Toscanino do Uruguai para o Brasil.

  Quatro meses antes da chegada dos auditores do GAO ao Brasil, Francisco Toscanino, cidadão italiano, foi condenado junto com mais cinco réus pelo tribunal de júri de Nova York, em junho de 1973, por “conspiração para tráfico de drogas”. De acordo com uma testemunha presa, que estava colaborando com a polícia em sistema de delação premiada, Toscanino, que morava no Uruguai, estava indicando compradores, em solo americano, para uma carga de heroína enviada de navio e parcialmente flagrada por agentes infiltrados da DEA nos Estados Unidos.

Sequestrado no Uruguai, torturado no Brasil, extraditado aos EUA

  Em maio de 1974, porém, Toscanino entrou com recurso na Segunda Instância da Corte de Apelação dos Estados Unidos, alegando que sua prisão havia sido ilegal, de acordo com a legislação americana, por ter se baseado em monitoramento eletrônico irregular no Uruguai. Mais do que isso: ele foi sequestrado no Uruguai e torturado no Brasil antes de ser extraditado aos EUA sem comunicação prévia a autoridades italianas.

  Os detalhes estarrecedores dessa história, reproduzidos no documento da corte parecerão estranhamente familiares aos que conhecem as ações da Operação Condor – a articulação da repressão política nesse mesmo período entre ditaduras militares na América Latina. Com exceção, talvez, da preocupação em não deixar marcas de tortura.

  “No dia 6 de janeiro de 1973, Toscanino foi tirado de sua casa em Montevidéu por um telefonema, que partiu dos arredores ou do endereço de Hugo Campos Hermedia [na verdade, Hugo Campos Hermida]. Hermedia era – e ainda é – membro da polícia em Montevidéu. Mas, segundo a alegação de Toscanino, Hermedia estava atuando ultra vires [encoberto] como agente pago do governo americano. A chamada telefônica levou Toscanino e sua mulher, grávida de 7 meses, a uma área próxima de um boliche abandonado em Montevidéu. Quando chegaram lá, Hermedia e seis assistentes sequestraram Toscanino na frente da mulher aterrorizada, deixando-o inconsciente com uma coronhada e o jogando na traseira do carro. Depois, Toscanino – vendado e amarrado – foi levado à fronteira do Brasil por uma rota tortuosa”.

  Segue o documento: “Em um certo momento durante a longa viagem até a fronteira brasileira houve uma discussão entre os captores de Toscanino sobre a necessidade de trocar as placas do carro para evitar sua descoberta pelas autoridades uruguaias. Em outro ponto, o carro estancou subitamente e ordenaram que Toscanino saísse. Ele foi levado para um lugar isolado, onde o mandaram deitar sem se mexer ou atirariam nele. Embora a venda o impedisse de ver, Toscanino conseguia sentir a pressão do revólver em sua cabeça e ouvir os ruídos do que parecia ser um comboio militar uruguaio. Quando o barulho se afastou, Toscanino foi colocado em outro carro e levado à fronteira. Houve combinações e, mais uma vez, com a conivência dos Estados Unidos, o carro foi tomado por um grupo de brasileiros que levaram Francisco Toscanino (…).”

  “Sob custódia dos brasileiros, Toscanino foi conduzido a Porto Alegre onde permaneceu incomunicável por 11 horas. Seus pedidos de comunicação com o consulado italiano e com a família foram negados. Também não lhe deram comida nem água. Mais tarde, no mesmo dia, Toscanino foi levado à Brasília, onde por 17 dias foi incessantemente torturado e interrogado. Durante todo esse tempo, o governo dos Estados Unidos e a promotoria de Nova York, responsável pelo processo, tinham ciência – e inclusive recebiam relatórios – do desenrolar da investigação. Além disso, durante o período de tortura e interrogatório um membro do Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs, do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, estava presente em um ou mais intervalos e, na verdade, chegou a participar de partes do interrogatório. Os captores de Toscanino o privaram de sono e de qualquer forma de alimentação durante dias. A nutrição se dava por via intervenosa apenas para mantê-lo vivo. Assim como relatam nossos soldados que voltaram da Coréia e da China, Toscanino era forçado a andar para baixo e para cima por sete ou oito horas ininterruptas. Quando ele não conseguia mais ficar em pé, era chutado e espancado de forma a não deixar marcas. Se não respondia às perguntas, seus dedos eram esmagados com grampos de metal. Jogavam álcool em seus olhos e nariz, e outros fluidos eram introduzidos em seu ânus. Inacreditavelmente, os agentes do governo americano prenderam eletrodos nos lóbulos de suas orelhas, dedos e genitais e deram choques elétricos o deixando inconsciente por períodos que não consegue precisar mas, novamente, sem deixar marcas.”

  “Finalmente, no dia 25 de janeiro de 1973, Toscanino foi levado ao Rio de Janeiro onde foi drogado por agentes brasileiros e americanos e colocado no vôo 202 da Pan American Airways (…). Acordou nos Estados Unidos no dia 26 de janeiro, quando foi oficialmente preso dentro do avião e levado imediatamente a Thomas Puccio, assistente do procurador geral dos Estados Unidos. Em nenhum momento durante a captura de Toscanino o governo americano sequer tentou a via legal. Agiu do início ao fim de maneira ilegal, embarcando deliberadamente em um esquema criminoso de violação de leis de três países diferentes”.

  Hermida, o Fleury do Uruguai, e o nosso General Caneppa

  Hugo Campos Hermida era uma espécie de Fleury uruguaio. Embora a ditadura naquele país só tenha se instalado em junho de 1973, portanto quando Toscanino já havia sido condenado nos EUA, Hermida era o chefe da chamada Brigada Gamma, um esquadrão da morte uruguaio que matava desde traficantes até tupamaros – os guerrilheiros de esquerda que atuavam antes do golpe final. Hermida também foi treinado nos Estados Unidos – inclusive pela DEA, como mostram outros documentos do projeto PlusD. Oficialmente, era chefe da Brigada de Narcóticos da Dirección Nacional de Información e Inteligencia (DNII), organismo criado em colaboração com os Estados Unidos no Uruguai. O jornal La República, do Uruguai, levantou documentos no Arquivo do Terror, no Paraguai, que comprovaram a participação de Hermida no “ninho da Condor”, a Automotores Orletti, em Buenos Aires, um centro de tortura que tinha como fachada uma oficina mecânica.

  Do lado brasileiro, o diretor do Departamento de Polícia Federal – também montada e armada pelos americanos desde os primórdios – era o general Nilo Caneppa Silva, mais conhecido por suas assinaturas na censura de jornais, peças de teatro e filmes – já que essa também era uma atribuição oficial do órgão na ditadura, assim como o combate ao tráfico de drogas nas fronteiras. O coronel Caneppa foi promovido a general assim que a ditadura militar se instalou, e a general-de-brigada em 1971, no governo Médici, mesmo ano em que passou a chefiar o DPF em Brasília.

  A operação de sequestro no Uruguai e tortura no Brasil do traficante Toscanino não aparece nos telegramas diplomáticos até maio de 1974, quando o italiano entrou com recurso na corte de apelações americana. A partir daí, há um troca frenética de telegramas entre as embaixadas do Brasil e de Buenos Aires com o Departamento do Estado porque a Justiça americana havia requisitado toda a documentação envolvendo o caso Toscanino em virtude da apelação – embora boa parte dela tenha continuado escondida, como comprovam os telegramas desse período constantes no PlusD. O general Nilo Caneppa, porém, era considerado peça-chave pelos Estados Unidos, como mostra um telegrama de 25 de abril de 1973.

  “O tempo do general Caneppa como diretor do Departamento de Polícia Federal encerra-se no meio de maio. Para assegurar a conclusão dos ótimos resultados obtidos pela equipe americana de analistas designados para trabalhar com a polícia federal brasileira no desenho do Centro de Inteligência de Narcóticos, pedimos que essa equipe venha ao Brasil antes de maio”, diz o relato assinado pelo antecessor de Crimmins, William Rountree. O mesmo embaixador já havia demonstrado seu apreço por Caneppa que dele “se aproximou pessoalmente para requisitar material audio-visual em português para os cursos de treinamento permanentes do BNDD (antecessor da DEA) em São Paulo”, segundo outro telegrama do PlusD, esse de 8 de maio de 1973, que recomendou: “Tendo em vista a cooperação do DPF em expulsar traficantes internacionais para os Estados Unidos em casos passados, e o mandato constitucional da DPF para dirigir os esforços para suprimir os traficantes de drogas, e as necessidades de treinamento dos brasileiros, a embaixada recomenda que o BNDD envie os filmes e slides para uso do escritório do BNDD em Brasília, que vai distribuir para as agências brasileiras. Esse gesto, além de ser um investimento útil de dinheiro e material, vai ajudar a estreitar ainda mais os laços entre o DPF e o BNDD”.

  Bandeira, um general mais “tático”

  No relatório confidencial sobre a temida visita dos auditores do  GAO, porém, enviado pelo embaixador Crimmins ao Departamento de Estado americano em 13 de dezembro de 1973, o entusiasmo dos americanos havia arrefecido com a substituição de Caneppa por um general considerado mais “tático” ( “operations-minded”) – o general Antonio Bandeira, tristemente famoso pelas primeiras operações de repressão na guerrilha do Araguaia tanto pelo lado dos guerrilheiros – que passaram a ser torturados também em Brasília depois que ele assumiu a Polícia Federal – como dos militares, pelo fracasso em vencer os 70 jovens do PC do B nas matas do Pará.

  Ainda assim, os americanos ressaltam sua gratidão por operações realizadas pela DPF chefiada por Caneppa nesse mesmo telegrama, que também relembra a temida visita do GAO dois meses antes. Segundo o telegrama, os auditores haviam feito apenas uma “investigação difusa” sobre as atividades da DEA no país: “Embora GAO não tenha problemas com a premissa do programa anti-drogas de desenvolver a competência brasileira no combate aos narcóticos, a curto prazo eles estão mais interessados em impedir o fluxo de drogas para os Estados Unidos. O coordenador do programa de narcóticos ressaltou, então, o sucesso da cooperação EUA-Brasil na Operação Springboard [nos portos, em conjunto com a Marinha Americana] e na apreensão no Mormac-Altair”.

  Como relatam os jornais da época, o Mormac-Altair era um navio americano onde, em operação conjunta dos americanos e brasileiros, foi capturada uma carga de 60 quilos de heroína em outubro de 1972. Traficantes franceses que moravam no Paraguai e no Brasil foram então extraditados para os Estados Unidos pela Polícia Federal brasileira, sem avisar as autoridades francesas, como aconteceu no caso Toscanino, sempre com o general Caneppa à frente das operações.

  Segue o telegrama de Crimmins a Kissinger: “GAO estava interessado na possibilidade do Brasil assumir a liderança entre as nações latino-americanas no hemisfério Sul. O coordenador explicou que o Brasil se esforçava para melhorar a cooperação e a coordenação entre os órgãos policiais em outras nações latino-americanas. No entanto, as diferenças entre os sistemas hispânicos e lusitano, e a intensa rivalidade com a Argentina tornava difícil essa liderança”.

  “A GAO também levantou a questão – baseada na investigação dos arquivos sobre as trocas de informação entre as agências de Washington durante a Operação Springboard, quando a embaixada relatava preocupações e queixas sobre o antigo chefe da Polícia Federal, General Caneppa [não se sabe a que se referem essas queixas, que teriam sido feitas por Rountree, uma vez que a atuação da PF sob Caneppa foi elogiada no parágrafo anterior e no telegrama enviado por Rountree transcrito acima, mas os militares brasileiros consideravam Caneppa “mole”, enquanto Bandeira era da “linha dura”]. O coordenador explicou que não há mais problemas similares com o atual chefe, o general Bandeira. Bandeira é mais operations-minded  e parece satisfeito com o nível de troca de informações embora, sem dúvida, um aprimoramento possa ser feito nesse campo. A equipe do GAO fez diversas perguntas sobre extradição e expulsão de traficantes e pareceu satisfeita com nossas explicações de que não há problemas do gênero no Brasil. O coordenador teve a impressão de que essa era a mais alta prioridade da equipe do GAO.

  “A ideia do Centro de Inteligência de Drogas veio à tona também nessa visita, baseada no material que eles já tinham recebido. O conteúdo politicamente sensível desse assunto foi então explicado à equipe do GAO (…).” Quando o telegrama foi enviado, Juan Perón havia reassumido o poder na Argentina depois de um período de 18 anos de exílio, interrompendo a colaboração entre as polícias do Cone Sul. Os americanos – assim como a ditadura brasileira – nunca confiaram em Perón; depois que ele morreu, em 1974, e foi substituído pela mulher, Isabelita, os militares instituíram a “guerra suja” que matou mais de 30 mil pessoas, incluindo peronistas.

  Ao final do telegrama, Crimmins revela que, embora não conste da documentação do NARA, havia recebido – e cumprido – as instruções de Kissinger depois do telegrama enviado na chegada inesperada da missão da GAO: “Nenhuma cópia de outros documentos além dos definidos por Washington foram disponibilizados para a equipe do GAO”.

  Os generais “coniventes” e a Operação Condor

  Tanto Bandeira como Caneppa aparecem nas listas de torturadores da ditadura, feitas a partir de documentos e denúncias de presos políticos, como “coniventes”, pelo fato de terem comandado operações que resultaram em tortura e desaparecimento de presos sem, no entanto, ter sido flagrados com “a mão na massa”, para usar uma expressão suave.

  Suas ligações com as operações do DEA no Cone Sul, como demonstra o telegrama acima, porém, podem implicá-los – e aos Estados Unidos – em crimes internacionais em investigações posteriores, como já aconteceu no caso do general Caneppa, e não apenas nos casos Mormac-Altair e Toscanino.

  No final do ano passado, o repórter Wagner William publicou na revista Brasileiros a reportagem “O primeiro vôo do Condor”, relatando aquela que seria a primeira ação da operação clandestina que uniu as ditaduras militares do Cone Sul: o sequestro do coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório, opositor da ditadura, em Buenos Aires e sua extradição para um centro de torturas no Rio de Janeiro, descrita no Informe 338, de 19 de dezembro de 1970, pelo adido militar na Embaixada do Brasil: o então coronel Nilo Caneppa.

  O documento, obtido pelo jornal Página 12, é considerado pelo presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, o gaúcho Jair Krischke, um dos maiores investigadores da Operação Condor, como o primeiro documento da articulação clandestina e a prova de que foi o Brasil que liderou ao menos a sua formação. O repórter Wagner William teve acesso aos diários do coronel Jefferson e contou em detalhes como o coronel, seu filho e sobrinho foram interceptados em dezembro de 1970 quando viajavam do Uruguai, onde se exilaram depois do golpe, ao Chile, onde o coronel assumiria o cargo de assessor militar para a Associação Latino-Americana de Livre Comércio a convite do então presidente do Chile, Salvador Allende. Allende se suicidaria depois do golpe liderado pelo general Pinochet e articulado pelos Estados Unidos em 1973.

  Para evitar a perseguição policial – os homens de Hermida o seguiam todo o tempo no exílio, como faziam com todos os brasileiros inimigos da ditadura, como relatou em 2003, depois de ser preso no Rio Grande do Sul por assalto a banco e tráfico de armas, o ex-policial Mario Neira Barreto, codinome Tenente Tamuz, que também pertencia à Brigada Gamma –, Jefferson planejara ir de Montevidéu a Colônia do Sacramento de carro, atravessar o rio da Prata pela balsa até Buenos Aires, de onde seguiria para Mendoza e cruzaria os Andes para o Chile.

  Avisado pelos uruguaios, porém, o adido militar brasileiro na Argentina – Caneppa – pediu a cooperação da Direção da Coordenação Federal, o órgão de inteligência da Polícia Federal Argentina, para prender os três brasileiros, descrevendo sua aparência em detalhes. Escondido no porto, Caneppa assistiu quando o carro de Jefferson foi interceptado por dois agentes armados que saltaram de um carro preto com chapa do governo argentino anunciando: “É uma operação de rotina. Houve uma denúncia de transporte de drogas”.

  Embora não houvesse nada no carro além de uma arma do coronel Jefferson, que apresentou seus documentos de identificação militar, os três foram levados para a coordenação da Polícia Federal argentina, encapuzados, algemados e presos no porão enquanto o subcomissário anunciava ao adido militar brasileiro o sucesso da operação. Caneppa vai pessoalmente ao prédio, acompanhado de outro militar brasileiro, adido da Aeronáutica na embaixada, onde Jefferson, seu filho e o sobrinho foram interrogados sobre o sequestro do cônsul brasileiro, Aloysio Gomide, pelos tupamaros uruguaios e sobre sua ligação com líderes peronistas argentinos.

  Os três foram torturados – o coronel Jefferson com choques elétricos nos pés, nas pernas e nos genitais e cera de vela quente no ânus. Caneppa e o outro militar brasileiro, na sala ao lado, examinavam o material apreendido no carro de Jefferson – livros, cartas e documentos de identidade – quando um tenente-coronel do Exército argentino se apresentou e pediu desculpas pela ausência do coronel Cáceres, diretor da PF argentina, perguntando em seguida o que deveria fazer com os detidos. Caneppa queria que fossem enviados ao Brasil, e em 26 horas o presidente argentino, fantoche dos militares, assinou um decreto de extradição. De lá foram transportados discretamente por uma aeronave militar para o Centro de Informação e Segurança (CISA) no Rio de Janeiro.

  O coronel Jefferson foi torturado dias a fio e ficou preso por seis anos. Ao sair da cadeia, em 1977, continuou a ser perseguido até 1979 quando foi beneficiado pela lei da anistia. Os militares, porém, em um ato excepcional, anularam sua anistia e ele teve que partir para o exílio, primeiro na Venezuela, depois na França, de onde só retornou em 1985, com o fim da ditadura militar.

  Vítima da primeira ação da famigerada Operação Condor, o coronel Jefferson foi preso sob a acusação de tráfico de drogas pela Polícia Federal argentina sob as ordens do general Caneppa. O mesmo que dirigia a Polícia Federal brasileira quando o traficante Toscanino foi sequestrado por Hermida no Uruguai e entregue para ser torturado em Brasília de onde foi extraditado, em uma operação inteiramente coordenada pela DEA.

  O coronel Caneppa foi promovido a general e assumiu a direção da Polícia Federal meses depois. Em 1972, recebeu a Medalha do Pacificador – a maior honraria do Exército, destinada aos “revolucionários” de 1964. O general Bandeira mereceu a mesma honraria. Até hoje a DEA mantém escritórios no Brasil, dentro da embaixada brasileira e dos consulados. Procurada pela Pública para saber sobre suas atividades atuais no país, a DEA encaminhou a reportagem à assessoria de imprensa da embaixada americana, que não respondeu aos pedidos de informação até a publicação dessa reportagem.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

[bolo'bolo] PALI



A independência de um bolo é, na verdade, determinada por seu grau de auto-suficiência no suprimento de energia. Agricultura e fabricultura podem ser consideradas duas formas de resolver esse problema*. A energia (pali) é necessária para a própria agricultura (tratores), para o transporte, para aquecer e congelar, para cozinhar, para aplicações mecânicas e para a produção de energia em si. bolo’bolo não é necessariamente uma civilização de baixa energia, isto é, o baixo consumo de energia não é motivado por esforços ecológicos, mas mera conseqüência de diversidade cultural, pequenez, prevenção de processos intensivos de trabalho, ausência de controle e de disciplina. Sistemas de alta energia comportam atenção contínua, controle dos controles, confiabilidade, já que o risco de falhas é alto, bolo’bolo vai precisar de muito menos energia, só porque é um estilo de vida diferente – ou melhor, uma variedade de estilos de vida, cada um com uma demanda diferente de energia.

    Auto-suficiência local, vida comunitária em bolos, tempo em vez de velocidade, tudo isso reduz o tráfego, o consumo de combustível e todos os tipos de aplicações mecânicas. Uma grande porção de energia é necessária hoje para juntar coisas ou pessoas que foram separadas pelas funções de um sistema centralizado: casa e local de trabalho, produção e consumo, entretenimento e vida cotidiana, trabalho e lazer, cidade e campo. O consumo de energia cresce proporcionalmente ao isolamento de pessoas sós e famílias nucleares. O tamanho e a estrutura dos bolos permitem mais usos com menos consumo de energia, porque meios diferentes vão também complementar e sustentar uns aos outros. Os bolos podem aplicar os diferentes tipos de energia, cada qual da melhor maneira possível. Eletricidade para iluminação, para equipamentos eletrônicos, energia mecânica e alguns meios de transporte (trens, bondes). O suprimento básico de energia pode ser produzido pelo próprio bolo (especialmente para iluminação) por cata-ventos, células solares, pequenos geradores hidráulicos nos rios, geradores de biogás, etc. Energia solar passiva, coletores, sistemas geotérmicos podem ser usados para aquecimento e água quente. Combustíveis só vão ser consumidos para conseguir altas temperaturas: para cozinhar (biogás, madeira, carvão, gás), para máquinas a vapor (caminhões, barcos, geradores) e para alguns motores a combustão (gasolina, diesel, querosene para ambulâncias, aviões de resgate, carros de bombeiros, veículos de emergência para todos o fins).

    Um bolo é também um sistema integrado de energia, onde se pode combinar os recursos internos e externos. Nas regiões frias, a perda de calor dos fornos ou máquinas de oficina pode ser usada para aquecimento, porque em 80% dos casos a casa e o trabalho são no mesmo lugar. Muitos espaços aquecidos também podem ser usados comunalmente (por exemplo, banho, banheiras quentes, salas de visitas, saunas, restaurantes). Lixo e excrementos serão transformados em biogás (metano) em vez de poluir as águas. O tamanho dos bolos (eles são relativamente grandes para este fim) facilita a eficiência do uso e da distribuição de energia, já que as instalações e mesmo os sistemas eletrônicos de controle estão numa relação razoável com o consumo necessário. (O que não é o caso dos prédios isolados ou casas de família: a maioria das novas tecnologias alternativas aplicadas atualmente a casas avulsas é puro luxo.)

    Em climas quentes um bolo pode ser mais de 90% independente quanto a energia, e de 50 a 80% em zonas moderadas e frias. Os bolos cooperam entre si e o resto é cuidado por comunidades maiores como cidades e pequenas regiões (tega e vudo). Num nível mais alto, as regiões autônomas (sumi) concluem acordos de importação/exportação de energia (eletricidade, carvão, petróleo). Além disso, haverá uma coordenação mundial para a distribuição de combustíveis fósseis (ver asa’dala).

    Altos consumos de energia parecem estar ligados a conforto, alto nível de vida, mobilidade – então virão tempos difíceis quando houver uma redução drástica? De jeito nenhum. Muita energia é usada hoje para garantir o dia normal de trabalho da indústria, e não para os prazeres individuais. O ritmo desse dia de trabalho (9 às 5 ou não) determina consumo no pico, necessidade de climatização rápida e padronizada (21 graus centígrados e 55% de umidade). Como o trabalho está no centro de tudo, não há tempo para lidar diretamente com os elementos energéticos de fogo, vento, água e combustíveis. O clima, ritmo diário e sazonal que poderia trazer muita diversidade e prazer, é visto apenas como fonte de confusão, já que perturba o trabalho (neve no inverno, chuva, calor demais no verão, etc.). Então existe uma espécie de falso conforto no controle ambiental que causa um imenso gasto de esforço social, mas não atinge realmente nenhum prazer ou gozo verdadeiro com o calor e o frio.

    A relação com a energia vai ser mais ligada a condições naturais. No inverno não haverá uma espécie de primavera artificial em todos os cômodos; talvez a temperatura fique apenas em torno dos 18 graus centígrados em certos ambientes, e só em alguns quartos ou salões é que vai estar mais quente. Os ibus podem vestir mais agasalhos, viver mais juntinhos, ir para a cama mais cedo de vez em quando, comer mais gorduras – vão viver invernalmente, tal qual fazendeiros gaúchos ou turistas em estações de esqui nas montanhas. O frio em si não é realmente um transtorno: pergunte a um esquimó. Somente sob as condições do dia de trabalho padronizado é que parece impossível. O inverno também significa que há menos trabalho (a agricultura descansa), e mais tempo para lidar com fornos de pães e sistemas de aquecimento, com livros, com os outros, etc.

    Alguns ibus ou bolos podem evitar problemas de inverno migrando para zonas temperadas, como certos pássaros. Já que se irão por vários meses, isso pode ser eficiente em termos de energia apesar da viagem. Os bolos também poderiam ter alguns acordos de hibernação entre si, e vice-versa para o verão. Haveria intercâmbios entre bolos escandinavos e espanhóis, canadenses e mexicanos, siberianos e chineses do sul, poloneses e gregos, japoneses e cariocas, etc.


 Agricultura e fabricultura (kodu e sibi) não são mais que dois tipos de energia (pali). O kodu fornece energia concentrada às pessoas, e o sibi energia mais expandida para aplicações secundárias. A possibilidade de realizar bolo’bolo depende das soluções energéticas. Teorias, concepções e tecnologias para produção alternativa de energia foram desenvolvidas profusamente nos últimos quinze ou vinte anos (Lovins, Commoner, Odum, Illich, etc.). A maioria dos teóricos da energia alternativa também insiste no fato de que o suprimento não é um problema meramente técnico, mas relativo ao estilo de vida como um todo. Entretanto, por razões realpolitikas, esses contextos são freqüentemente minimizados. É o caso, por exemplo, do estudo de Stobaugh (Stobaugh and Yergin, eds., Energy Future: Report of the Energy Project at the Harvard Business School, New York, 1979). Com a ajuda da conservação de energia e do melhor rendimento de máquinas e geradores (co-geradores de calor e eletricidade), os autores prometem uma economia geral de cerca de 40% sem nenhuma mudança no padrão de vida nem nas estruturas econômicas. Visto que as necessidades básicas de energia não são criticadas, diversas medidas técnicas e operacionais são propostas para resolver o problema. Isso acontece também na estratégia de Commoner – biogás junto com energia solar: a proposta é sobretudo técnica (e um pouco política quanto ele se opõe às multinacionais do petróleo) e o sistema energético é concebido independentemente das mudanças sociais. (Commoner queria se eleger presidente em 1980.) Carro individual, indústria grande, casa de família nuclear, etc. não são combatidos. Nos Estados Unidos, 58% de todo o suprimento de energia são usados para aquecer ou refrigerar, 34% para combustão (carros e caminhões) e apenas 8% para aplicações especiais onde a eletricidade é especificamente necessária (Fritjof Capra, Ponto de Mutação, 1982). A maior parte da energia é utilizada nos transportes e no duplo ou triplo aquecimento (conseqüência da separação entre os espaços de morar e trabalhar). Nas condições de bolo’bolo seria possível reduzir as necessidades gerais de energia a 30% do gasto atual. (Friedman, citada na nota 3, faz mais ou menos a mesma previsão para a sua civilização de fazendas modernizadas.) A produção de energia reduzida assim pode ser garantida pelas hidroelétricas, pelos coletores solares e geotérmicos, pelo calor de lagos e mares (usando bombas), pelo metano do biogás, hidrogênio das algas, células fotovoltaicas, moinhos de vento, madeira, algum carvão e petróleo. O carvão, embora exista em grande quantidade e tenha sido eficiente durante muitos séculos, tem grandes inconvenientes: o problema do dióxido de carbono (CO2), as chuvas ácidas, os riscos na extração das minas, a destruição das paisagens, os custos de transporte, etc. Não vai ser uma "idade do carvão" ou "idade solar", mas uma rede de circuitos pequenos, diversificados e cuidadosamente ajustados ao local para diminuir o fluxo geral de energia. Mesmo a produção de energia solar em larga escala requer um considerável investimento industrial (metais, sistemas tubulares, coletores, equipamento de armazenagem, instalações elétricas e eletrônicas, etc.) que, por sua vez, só pode ser obtido através de altas despesas energéticas e envolve um controle permanente do trabalho. "Descentralização" não significa necessariamente independência da grande produção industrial – como demonstra o exemplo dos "descentralizados" automóveis em relação às "centralizadas" linhas de trens. Sozinhos, os sistemas de energia alternativa trazem risco de introduzir um novo tipo de indústria caseira descentralizada, como aconteceu no século 19. Mesmo um fluxo de energia alternativa (sem muitos danos ao ambiente) poderia nos forçar a manter vigilância e disciplina permanentes, levando à seleção de controladores e hierarquias. Preservaria a natureza e arruinaria nossos nervos. Não há solução fora de uma absoluta diversificação e redução do fluxo de energia através de novas combinações sociais e estilos de vida.

    Seria perverso considerar a redução da demanda de energia como um tipo de renúncia. (Isso é feito por Jeremy Rifkin, Entropia, Nova York, 1980.) Usar energia sempre significa consumir trabalho. O alto consumo de energia não reduziu o trabalho, apenas racionalizou o processo e transpôs os esforços para o campo psicossensorial de trabalho. É mínima a fração de energia que substitui os esforços musculares. (E mesmo estes não são desagradáveis em si, mas apenas quando se tornam monótonos e unilaterais. Nos esportes, são tidos como um tipo de prazer.) Com exceção dos transportes, são poucos os prazeres que derivam de um alto gasto de energia não-humana. Por esta razão, os meios de transporte pessoais serão direcionados para propostas prazerosas (ver fasi). Muitos ecologistas sofrem imaginando uma civilização sem prazeres energéticos e consideram a redução de energia um tipo de sacrifício (em favor da natureza), uma forma de ascese, punição pelo nosso hedonismo. E isso aconteceria de fato se aceitássemos uma política de restrição energética sem insistir num novo estilo de vida de pouco trabalho e muito prazer. Esses ecologistas se esquecem de que os prazeres mais importantes quase não requerem energia que não seja humana: amar, dançar, cantar, comer, usar drogas, entrar em transe, meditar, deitar na praia, sonhar, conversar, brincar, massagear, nadar, tomar banho de cachoeira, passear... Será que estão fascinados pela cultura da sociedade de consumo, pregando uma era de renúncia de modo a dominar o demônio interior? Realmente, economizar energia se torna um problema moral se as condições sociais não forem modificadas ao mesmo tempo. (Moralidade é tudo aquilo que você está inclinado a fazer, mas não devia.)

    O fluxo de energia industrial destrói nossos melhores prazeres porque nos suga o tempo – tempo virou o grande luxo do momento. A energia come o tempo necessário à sua produção, seu uso, seu domínio e controle. Menos energia externa quer dizer mais tempo e energia interna para velhos e novos prazeres, mais namoros durante a tarde, mais sabedoria de viver, mais refinamento e humanidade nos contatos. Os profetas do sacrifício vão se desiludir – não seremos punidos por nossos "pecados": entraremos no paraíso da baixa energia com as nossas almas (ecologicamente) negras mesmo.

    Como o consumo geral para fins mecânicos será muito pequeno, sempre haverá energia suficiente para trabalhos pesados, para a agricultura, para as máquinas. Atualmente a agricultura usa apenas 1 a 3% do suprimento de energia (isto é, a forma atual, mecanizada e industrializada de agricultura). Não vai haver uma idade da escravidão.

terça-feira, 28 de abril de 2015

[...] LEON TROTSKI: A PAIXÃO SEGUNDO A REVOLUÇÃO

:: txt :: Paulo Leminski ::

Na estratégia e na tática de ação política, a inteligência de Lenin supera em muito a de Trotski, mais hesitante, mais sujeita a erros e leituras equivocadas dos fatos.

Mas a máquina mental e intelectual de Trotski era mais complexa que a de Lenin. Seus interesses eram mais plurais. Suas leituras, mais diversificadas. Seu horizonte, muito mais amplo. Leia-se, por exemplo, o vôo utópico do final do ensaio Arte Revolucionária e Arte Socialista, capítulo oitavo do seu livro Literatura e Revolução.

Lenin jamais poderia ter escrito essas páginas de um sopro verdadeiramente épico-utópico, sobre o novo homem que o socialismo poderia criar. Nem poderia dizer, como diz Trotski, nesse mesmo livro: “a arte se fundirá com a vida, quando a vida enriquecerá em proporções tais que se modelará, inteiramente, na arte”.

Lenin sempre olhou meio de lado, desconfiado, para as manifestações de vanguarda artística que marcaram o início do comunismo na Rússia (futurismo, suprematismo, Eisenstein, Maiakovski, Meyerhold, Tatlin). Seus gostos em matéria de arte eram bem conservadores. Há testemunhos de que chorava ao ouvir oPour Élise, de Beethoven. E sua visão de cinema era pedagógica e doutrinária: bom para educar as massas.

Dessa vanguarda, Trotski, agudíssimo crítico literário, fez leituras mais ricas, como nos ensaios O Futurismo, de 1922, e O Suicídio de Maiakovski, de 1930, incluídos em Literatura e Revolução, o mais extraordinário livro sobre literatura que um político jamais escreveu.

A robustez e saúde de pensamento, Trotski deve ter herdado do pai. Mas a sofisticação intelectual, que sempre o distinguiu entre os bolcheviques e lhe atraiu invejas e ódios surdos, só pode ter vindo da mãe, que era assinante de uma biblioteca de livros de empréstimo, e lia em mais de uma língua.

O que importa guardar dos primórdios de Lev Davidovitch é que Trotski teve uma infância e adolescência sem penúria, como, aliás, Lenin, filho de um funcionário público, de alguma graduação na máquina burocrática. Diverso é o caso de Stalin, filho de um pobre sapateiro do Cáucaso, o único dos chefes da Revolução de Outubro a ter origens realmente populares.

Aos sete anos, os pais de Lev Davidovitch o enviaram para uma escola judaico-alemã, a quilômetros de distância da fazenda Yanovka. Não se adaptou, e os pais o trouxeram de volta, sem que tivesse chegado a aprender nem o iídiche nem o hebraico das Escrituras. Em compensação, tinha aprendido bem o russo, ele que só falava o ucraniano dos camponeses. Ao voltar, já escrevia bem em russo, e começava a ler avidamente livros na língua oficial.

Pouco depois, pelas mãos de um parente mais velho, de nome Spentzer, vai estudar em Odessa, o maior porto do Mar Negro, uma cidade de clima quente, fervilhante de vida cosmopolita.

Na casa dos Spentzer, Lev iniciou-se numa vida intelectual muito cuidada, música clássica, hábitos polidos, leituras de clássicos russos e europeus em geral (Goethe, Pushkin, Tolstoi, Dickens).

Em Odessa, frequentou uma escola alemã, ligada à Igreja Luterana, onde estudou, entre as matérias do currículo, francês e alemão. Nessa escola, a Realschule, parece ter sido aluno excepcionalmente sério, sempre o primeiro da classe.

Já podemos ver aí os germes da vaidade intelectual que sua figura sempre irradiou, a certeza de ser mais inteligente do que os outros, de ver mais longe ou pensar mais fundo, vaidade que só se transformava em modéstia diante da figura superlativamente carismática de Lenin (e isso só depois de muita briga entre os dois…).

Em Odessa, cidade esfuziante de atrações, frequenta a ópera, como os outros estudantes, veste-se com elegância (traço que sempre o distinguiu) e apaixona-se, platonicamente, por cantoras líricas, como um poeta romântico do século 19.

Aos 17 anos, o futuro chefe da Revolução de Outubro ainda não ouviu falar de marxismo. E seu talento para a matemática o inclina a sonhar com uma carreira universitária dedicada à matemática pura.

Tais eram seus dons nesse terreno que, consta, eminentes matemáticos lamentariam depois que tamanho talento se perdesse na mediocridade da vida política: que grande talento a matemática estava perdendo…

A atividade política de Trotski, percebe-se já, não vai nascer de uma revolta contra um estado pessoal de carência.

Como em Lenin, outro bem-nascido (como Mao e Fidel), em Trotski, a revolução vai ser uma paixão intelectual, uma certeza lógica, uma convicção feita de ferro em brasa. Uma das cruéis ironias da vida: só os bem alimentados podem lutar pelos famintos. Os muito miseráveis nem sequer se revoltam: deixam-se morrer à míngua. É preciso muita proteína para fazer uma revolução.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

[...] QUEM INVENTOU?

:: txt :: Paulo Wainberg ::

Vivo atormentado porque não consegui até hoje descobrir o inventor de um utensílio que revolucionou a gastronomia, a arte de comer e a higiene bucal: O palito de duas pontas.

Após a leitura de extensa biografia, soube que nas eras antigas, o homo sapiens não usava palitos. Se um pedaço de tiranossauro Rex ficasse preso entre dois dentes, ele simplesmente arrancava o dente com seu tacape e, quase sempre, arrancava dois ou três de brinde.

Era mais cômodo, naqueles tempos primitivos, ficar sem dentes do que suportar pedaços de carne entranhados os quais não saíam a ponto de as tentativas com a língua gerarem dolorosas cãibras.

Com a sofisticação evolutiva tornou-se evidente e segundo um memorável estudo arqueológico realizado por um professor de antropologia de uma universidade, cujo nome se me escapa à memória, a sociedade humana passou a usar achas, ou melhor, lascas de achas de lenha, galhos e qualquer outro material duro para extirpar os incômodos restos alimentares, teimosamente alojados entre caninos, molares e dentes de siso.

Na época dos palácios e castelos, a Humanidade aperfeiçoou o método graças à genialidade de um cavalariço que, observando um prego utilizado para as ferraduras e que, no momento, servia para retirar uma grossa ervilha de dentro da cavidade de um molar cariado, pensou: E se eu afiar a ponta de um pedacinho de pau?

E assim surgiu o primeiro palito, com uma ponta só.

O cavalariço, pensando em ficar rico, levou à ideia ao seu senhor feudal que, gostando da solução, mandou enforcar o cavalariço e organizou a produção em serie de palitos de uma ponta, servindo a outra para segurar o objeto, entre o polegar e o indicador.

Terminam aí os registros sobre a evolução dos palitos para forma atual, de duas pontas, de modo que quebrando uma, podemos utilizar a outra ponta, reduzindo-se consideravelmente os custos da produção.

Procurei, pesquisei, imergi nas culturas milenares da China e do Japão, riquíssimas na produção de pequenas coisas e nada, nenhum registro, nenhuma alusão aos palitos de duas pontas, nem na literatura universal, na produção científica dos últimos mil anos e nos almanaques parisienses do Século XVI.

Hoje, quando vejo alguém utilizar o palito no restaurante, com recato e respeito ao olhar alheio, fico fascinado esperando o momento em que ele vai virar o objeto para utilizar a outra ponta e quando aparece a ponta suja entre os dedos da mão utilizada para tapar o serviço, entro em pânico, falta-me o ar, minhas fobias afloram e meu sentimento de fracasso e de inutilidade perante os mistérios da vida ficam exacerbados ao limite.

Morrerei sem saber quem inventou o palito de duas pontas?

domingo, 26 de abril de 2015

[noé leva a dor] CONTRA O NAZISMO PSÍQUICO




Vídeo-poema de Scherzo Rajada+Coletivo Rolê:
Contra o Nazismo Psíquico: imagens de São Paulo em 13 de junho de 2013. 
Direção, montagem & fotografia: Ronaldo Franco.

quarta-feira, 11 de março de 2015

[noé ae?!] WANDER WILDNER: O SHOW, O DISCO E O CONTO


 Será dia 13/03 às 21h, no Opinião Bar (20 barão) o show de lançamento do oitavo disco do Wander Wildner, “Existe alguém aí?”, que, segundo as palavras de Jimi Joe "é mais um exercício bem sucedido de criação artística por si só e de vigorosa reinvenção do ritual do habitual de Wander Wildner que sempre tem sido o de não marcar passo, mas sim procurar novos nortes para seguir, ousando, correndo riscos como quem anda na corda bamba sem rede de proteção, enquanto se reinventa e troca de pele mais uma vez".

 O disco foi lançado no último dia 02/03, é possível ouví-lo na íntegra e comprá-lo no Bandicamp, e além disso, estará disponível em LP, CD e pen card, ouva (só não se esqueça de dar um pause naquele playerzinho do ReverbNation ali à direita):




 E aproveitando o gancho, deixo aqui um conto superbacana do Giovani Iemini, o dono do Bar do Escritor, que é um fã do Wander e através da Mojo Books fez esse trabalho inspirado no disco Baladas Sangrentas. Confira:



segunda-feira, 9 de março de 2015

[que conversa é essa?!] IGGY POP AND TOM WAITS - SOMEWHERE IN CALIFORNIA

 É um curta de 1993, o terceiro da série Coffee and Cigarettes, dirigido por Jim Jarmusch, no qual Iggy Pop e Tom Waits se conhecem num bar, onde passam a ter uma conversa no mínimo hilária.

segunda-feira, 2 de março de 2015

[tapa na zoreia] TOM CAT BLUES

 Nossos amigos elegantes e barulhentos da Tom Cat Blues estiveram no Programa do Roger na última sexta-feira, juntamente com os organizadores da La Casa de Pandora, para divulgar o II Festival da Boa Vizinhança, ocorrido ontem. Aperte o prêi.




segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

[bolo'bolo] SIBI

   Um bolo não precisa só de comida, precisa de coisas. Tudo quanto diga respeito à produção, uso ou distribuição de coisas é chamado sibi. Portanto sibi inclui: edifícios, suprimento de combustíveis, eletricidade e água, produção de ferramentas e máquinas (principalmente para a agricultura), roupas, móveis, matérias-primas, utilidades de todos os tipos, transportes, artesanato, arte, equipamento eletrônico, ruas, esgotos, etc.

    Como a agricultura (kodu), também a fabricultura (sibi) depende da identidade cultural de um determinado bolo. Uma parte básica do sibi será a mesma em todos os bolos: manutenção dos prédios, consertos simples de móveis, máquinas, roupas, encanamentos, estradas, etc. Um bolo será mais independente do que qualquer bairro ou casa atuais. Como não há interesse em produzir peças defeituosas, descartáveis ou de baixa qualidade, haverá menos consertos. Devido ao desenho sólido e simples das coisas, os consertos serão também mais fáceis, os defeitos terão conseqüências menos graves. A habilidade de exercer os ofícios básicos no próprio bolo também é uma garantia de independência e reduz a perda de tempo e de energia (eletricistas ou bombeiros hidráulicos não têm que atravessar a cidade inteira). O bolo é suficientemente grande para comportar um certo grau de especialização entre seus membros.

    O conteúdo principal do sibi será a expressão das paixões produtivas típicas de um bolo. Por sua vez, as paixões produtivas são diretamente ligadas à identidade cultural do bolo. Podem existir pintura-bolos, sapateiro-bolos, guitarrista-bolos, roupa-bolos, couro-bolos, eletrônico-bolos, dança-bolos, xilogravura-bolos, mecânica-bolos, aero-bolos, lítero-bolos, fotográfica-bolos, etc. Certos bolos não se especializarão, fazendo muitas coisas diferentes, outros vão reduzir a um mínimo a produção e o uso de muitos produtos (Tao-bolo). Já que as pessoas não estão trabalhando para um mercado, e só secundariamente para trocas, não há mais distinção alguma entre ofícios/artes, vocação/trabalho, horário de trabalho/horário livre, inclinações/necessidade econômica (com exceção de alguns serviços básicos de manutenção). Naturalmente, haverá intercâmbio desses produtos e performances típicos entre os bolos, como no caso das especialidades agrícolas. Eles vão circular através de presentes, de acordos permanentes, de fundos comuns (mafa) e do mercado local, e serão comparados a outros em feiras especiais.

    No contexto de um bolo ou mesmo de uma tega (bairros maiores, cidades), a produção dos artesãos ou de pequenas indústrias estará sob controle direto dos produtores, e eles poderão conhecer e influenciar todo o processo de produção. Objetos terão características pessoais, o usuário conhece o fabricante. Assim as peças defeituosas podem ser devolvidas, e haverá relação entre o uso e o design, permitindo a possibilidade de melhorias e aprimoramentos. Essa relação direta entre o produtor e o consumidor vai liberar um tipo diferente de tecnologia, não necessariamente menos sofisticada do que a atual tecnologia industrial de massas, mas orientada para aplicações específicas (protótipos feitos para o freguês), independência dos grandes sistemas (capacidade de intercâmbio, pequeno tamanho), baixo consumo de energia, facilidade de reparos, etc.*

    Como o campo para produção e uso de coisas é múltiplo e menos sujeito a limitações naturais do que a agricultura, os bolos vão depender mais de trocas e de cooperação nesse setor. Pense em água, energia, matéria-prima, transportes, alta tecnologia, medicina, etc. Nesses assuntos os bolos têm interesse em cooperar e coordenar em níveis sociais mais altos: cidades grandes e pequenas, vales, regiões, continentes – e, para matéria-prima, o mundo todo. Essa dependência é inevitável, porque nosso planeta é simplesmente populoso demais e essas interações são necessárias. Mas nesse setor um bolo só pode ser chantageado indiretamente, em nível médio. Além disso, há a possibilidade de influenciar diretamente comunidades maiores através de seus delegados (ver dala).

    A cooperação em certos setores também é razoável do ponto de vista da energia. Certas ferramentas, máquinas e equipamentos simplesmente não podem ser usados num bolo só. Por que cada bolo teria um moinho de cereais, uma betoneira, laboratórios médicos e caminhões? Duplicações assim custariam caro e exigiriam um monte de trabalho desnecessário. O uso comum desses equipamentos por pequenas fábricas, depósitos de material, oficinas especializadas pode ser organizado bilateralmente pelas vilas e outros organismos (ver tega, vudo, sumi). A mesma solução é possível para produção de bens necessários que não são ou não podem ser manufaturados num bolo (porque acontece de não haver um sapateiro-bolo na vila); então ibus de diferentes bolos podem se combinar, de acordo com suas próprias inclinações, em oficinas do bairro ou da cidade. Se não houver ibus inclinados a fazer esse trabalho, e se ao mesmo tempo aquela comunidade insiste nessa necessidade, a última solução é o trabalho compulsório (kene): todo bolo é obrigado a fornecer uma certa quantidade trabalho para cumprir essas tarefas. Esse poderia ser o caso de trabalhos cruciais mas insatisfatórios, como: proteger usinas nucleares desativadas, limpar o sistema de esgotos, fazer manutenção de estradas, derrubar e remover viadutos e estruturas de concreto inúteis, etc. Já que o trabalho compulsório será excepcional e baseado em rodízios, não vai interferir demais com as preferências individuais do ibu.

* A tecnologia alternativa não tem sentido se for considerada independentemente de estruturas sociais específicas. Uma casa isolada cheia de coletores solares, moinhos de vento e outros recursos semelhantes é apenas um novo e dispendioso hobby. Tecnologia alternativa sem sociedade alternativa significa a abertura de mais um mercado para grandes indústrias (como já é o caso dos computadores caseiros) e o nascimento de uma nova indústria caseira. bolo’bolo não será high tech, eletrônico, químico e nuclear, porque essas tecnologias não combinam com um sistema fragmentado e irresponsável. Se existirem fábricas, dificilmente terão mais de 500 funcionários. Mas é certamente possível que uma ou duas usinas sobrevivam em cada região ou continente para produzir matéria-prima eletrônica, gasolina, produtos químicos de base, etc.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

[copyleft] A NOVA GRANDE MIDIA: A ECOLOGIA MIDIALIVRISTA BRASILEIRA NO FACEBOOK

:: txt ::Fabio Malini::

É só uma pensata. Um provocação. Criei uma fanpage no Facebook. E há meses tenho curtido os sites que se destacam no relato dos protestos brasileiros lá no Facebook. Apliquei o aplicativo do Face chamado Netvizz, que identifica a rede de páginas de uma fanpage. Selecionei 300 canais do Facebook que divulgam informações midialivristas. E o que o Netvizz fez foi identificar as fanpages que cada um desses canais curtem. Assim, consegui visualizar, se não toda, a quase integralidade da nova Grande Mídia. Essa Grande Mídia chegou para se antagonizar com grande parte dos setores dos veículos de comunicação de massa, mas, principalmente, para construir uma narrativa de dentro das manifestações, disputando o passado com as narrativas tradicionais da imprensa. Essa GRANDE MÍDIA não parece ser dialética, não mais depende de qualquer sistema de comunicação de massa para se constituir. E a rede já possui a cerca de 15 milhões de usuários. Mas deve ser mais, porque se estes usuários compartilharem apenas um post de uma dessas páginas, o alcance se multiplica. As páginas são o núcleo da emissão de mensagens no Facebook. E os perfis individuais, as células que ecoam, por meio do compartilhamento, esses conteúdos.

Quando a GRANDE MÍDIA age de modo coordenado (e com forte apoio das células, os perfis) a temperatura política brasileira aquece. Foi o que aconteceu com a divulgação da #GreveDosGAris, que foi uma vitória importante do midialivrismo brasileiro, que, a cada dia, amadurece a sua produção multimídia (e, é claro, mergulha em contradições, afinal, publicar é um exercício de intencionalidades). A uma grande parte da velha Grande Mídia se viu desmentida e humilhada pela corrente de verdades circuladas pelas notícias, streaming, depoimentos em primeira mão, dadas pelos garis aos midialivristas.

Acredito que essa rede é o retrato mais interessante da autonomia obtida pela atual geração de midialivristas. Torço para que essa ecologia se complexifique ainda mais. E que fique sempre do lado dos justos. E não custa lembrar: boa parte dos veículos que estão nessa rede se associavam com Pontos de Cultura, de Mídia Livre e todo um conjunto de políticas culturais que foram jogadas no limbo pelo atual governo federal e muitos outros estaduais.

Na ordem, as páginas mais referenciada (com mais grau de entrada) pela rede midialivrista: MIDIA NINJA, Anonymous Brasil, Anonymous Rio, Black Bloc RJ, Advogados Ativistas, Black Bloc Brasil, Passe Livre SP, Jornal A Nova Democracia, Mães de Maio e Vírus Planetário.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

[agência pirata] VIGIAR, PUNIR E EXIBIR!

Novos casos de linchamento relembram: transformar violência em espetáculo é uma forma de mascarar a brutalidade oculta que permeia sociedade

:: txt ::Celso Vicenzi::

As pessoas que amarram seres humanos em postes ou os imobilizam com travas de bicicleta – cenas que se repetem de diferentes maneiras pelo Brasil, assim como os linchamentos – têm as mesmas motivações daqueles que pregaram Cristo na cruz. Não há diferenças, por mais cristãos que os contemporâneos imaginem ser. Salvo a distância no tempo, são atos com um mesmo propósito, o de exibir a punição para servir de exemplo.

São os mesmos que queimaram entre 100 mil e 500 mil mulheres nas fogueiras da Inquisição Católica, na Europa, acusadas de bruxaria (há quem fale em 9 milhões).

Não diferem dos que enforcaram Tiradentes, o esquartejaram e penduraram sua cabeça em Vila Rica e pedaços de seu corpo nos lugares em que fizera seus discursos revolucionários.

Para que os exemplos não frutifiquem, é preciso sempre uma dura lição!

São os mesmos que enforcaram ou decapitaram com machados ou guilhotinas milhares de seres humanos em praças públicas. Ou os torturaram com os métodos mais cruéis já inventados pela mente humana, diante de grandes plateias. A crueldade precisa de espectadores. E não são poucos, ontem como hoje, aqueles que se regozijam com esses atos.

Na Revolução Francesa, na Europa da Idade Média, em vários lugares e épocas, o povo comparecia às execuções em praça pública com o mesmo entusiasmo de quem vai a uma festa popular. Era um espetáculo “familiar” em que até as crianças estavam presentes. Lá como cá, a aceitação da pena aplicada pelos algozes sempre foi enorme.

Por isso, não importa o grau de violência perpetrado, em todos esses casos, mais do que punir, o objetivo sempre foi o de exibir a punição à sociedade com o intuito de desencorajar, de amedrontar pelo terror, de inibir atos semelhantes.

Não bastou condenar Jesus à pena de morte, era preciso mostrá-lo pregado à cruz, para que o exemplo pudesse intimidar quem ousasse seguir o mesmo caminho. Como podem concluir, o método tem suas falhas… Os cristãos se espalharam pelo mundo. Junto a Cristo estavam, também pregados a cruzes, dois ladrões. Não muito diferentes desses que hoje são punidos de modo violento pela sociedade, seja pela tortura, pela mutilação ou pela prisão em cadeias superlotadas, piores que as masmorras medievais.

A moderna sociedade brasileira pouco se difere das de épocas tenebrosas ao permitir castigos cruéis aos apenados. A única diferença é que, atualmente, não há no aparato político-jurídico quem os justifique, mas é certo que pouco se faz para impedir que a tortura seja método usual e corriqueiro em delegacias do país, para obtenção de informações e como instrumento de poder. Para os “homens e mulheres de bem”, como boa parte se autoidentifica, não basta privar o sentenciado da liberdade, é preciso infligir castigos cruéis. E, se possível, a pena capital: “bandido bom é bandido morto”. (E depois vão à missa, ao culto, às orações, para pedir paz e um lugar reservado no céu…).

Cerca de 55 mil pessoas são assassinadas anualmente no Brasil. A maioria, 39 mil, são negros. Para os pesquisadores, o racismo e as condições econômicas e sociais são as principais causas.

A pena de morte, na cruz, na fogueira, na cadeira elétrica, na forca, na guilhotina, por injeção ou pelas balas da PM – não importa o método – nunca funcionou para deter nenhum tipo de violência. E muito menos para calar ideias e ideais. Mas serve para o júbilo dos que assistem e para aqueles que assumem, por alguns momentos, o papel de carrasco.

Segundo Priscila Lessa (“A tortura no Ocidente: atrocidade cultural ou exercício do poder”), o carrasco tinha uma posição de status no Antigo Regime, na França, entre os séculos XVI e XVIII, e era uma profissão bem remunerada e hereditária. “A arte do ofício da tortura e da execução passava, por tradição, de pai para filho. O jovem carrasco tinha sua iniciação desde muito pequeno, aos cinco ou seis anos, quando já estava apto a ajudar o pai em pequenos castigos, como banhar o acusado em óleo quente ou queimar-lhe a sola dos pés.”

Os filhos desses jovens e adultos que atualmente se deliciam em fazer justiça com as próprias mãos também já estão aptos a aprender o ofício? Aprenderão, desde cedo, como tratar adolescentes e jovens envolvidos em furtos e assaltos? Afinal, quem aprende mais com quem? Quem pratica eventual ato ilegal ou violento aprende a não fazê-lo mais depois de espancamento, tortura e prisão num poste, ou o aprendizado é maior para aqueles dispostos a ingressar nessa cruzada por justiçamento, que, sem demora, corre o risco de “sentenciar” pequenos “marginais” à morte, amarrados em postes?

Indivíduos são estimulados desde cedo pela ideologia autoritária, pelos telejornais e programas de TV especializados em exibir violências de todos os tipos, menos aquelas cometidas pelos donos do poder. Afinal, também não é violência o modelo de sociedade onde 0,7% de seus habitantes detêm 41% de toda a riqueza mundial? E que leva milhões à morte? E empurra milhares ao crime? No caso brasileiro, não é uma violência a mesma sociedade ostentar o sexto maior PIB e a quarta maior desigualdade social do planeta? Por que não ocorre aos “justiceiros” amarrar aos postes os responsáveis por tamanha crueldade contra toda a população – ela, classe média, incluída? Tão próxima de um dia se juntar aos que estão mais abaixo?

O aparato de controle da escola, dos meios de comunicação, das igrejas, das tradições familiares, do Estado, ou seja, toda uma ideologia que se aprende desde o nascimento, tem justamente essa função de manter a maioria da população na ignorância sobre quem, de fato, são os seus principais verdugos. Quem são os maiores responsáveis pela inexistência de políticas públicas que poderiam evitar a maior parte das brutalidades cotidianas? Boa parte dos cidadãos, sem acesso à informação de qualidade, a uma boa formação humanística, só consegue enxergar como inimigo direto, o “marginal” que pratica vários delitos.

E contra ele descarrega toda a sua torta ideia de justiça, deixa-se assombrar por vontades arcaicas que o colocam a um passo da barbárie. Séculos, milênios de civilização permitiram ao ser humano construir obras monumentais e desenvolver tecnologias próximas da ficção, mas não o afastaram muito das emoções mais primitivas, de raiva, ódio, vingança, egoísmo, medo e crueldade.

Da cruz ao poste, Estado e cidadãos, numa relação dialética que se retroalimenta, mantêm o modelo ineficaz para conter a violência: vigiar, punir e exibir.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

[a vida como ela noé] A DESCOBERTA DO SEGREDO DA COCA-COLA

::txt ::Dark Night ::

Em um mundo distante aparentemente próximo da irrealidade existem um bando de focas marítimas, mas não estamos aqui para falar das focas e sim das Fadas Cor-de-rosa-azuis que vivem em Marte.

As Fadas não possuem asas. Elas são diferentes. Elas voam, mas sem as asas. Elas usam um mecanismo quântico fotônico de neutros onde acionam as partículas da mecânica clássica Newtoniana. É complicado explicar isso sem os termos na língua.

Elas possuem mais que fama de serem as criadoras da famosa marca da Coca-cola. O refrigerante é feito a partir de vômito dessas fadas que foram capturadas depois de um encontro acidental na Rússia em uma expedição. Dos excrementos é fabricado o leite em pó.

O DNA delas contém o gene que produz em humanos a enzima enzimática do vício. Alguns seres humanos não possuem a proteína necessária para produzir esta enzima e por isso tem aversão á coca-cola, leite ninho ou coca- cola com leite ninho. O DNA foi extraído da coca-cola por um pesquisador Russo da Rússia chamado Povskolvisck Vodka, mais conhecido por Catuaba entre seus amigos.

O Dr. Vodka teve a ideia depois de sonhar com isso. Pegou uma alíquota de coca, detergente e sal, isolando assim o DNA. Em sua observação ele se surpreendeu quando o DNA ao ser observado em microscopia eletrônica de Varredura (MEV ou SEM no inglês) se desintegrava. Um rosto era formado durando a desintegração. O rosto lembrava Jesus Cristo.

Dr. Vodka ao publicar suas ideias foi rechaçado e hoje passa o resto de vida que ainda lhe resta tomando Vodka embutida.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

[copyleft] MANIFESTO DA POESIA SAMPLER

“O plágio é necessário. O progresso o implica” Lautreamont


Que as idéias voltem a ser perigosas.

Vivemos um momento de impasse poético (comecemos com frases de efeito). A poesia brasileira contemporânea está estilhaçada em todos os caminhos possíveis e sofre de uma falta de identidade sem parecer. A poesia brasileira contemporânea (que é bom frisar nem sempre é moderna) não sabe como se comportar. Não há mais (des)caminhos claros e definidos.

Queremos então aqui, levar ao máximo a falta de perspectiva, usar ao máximo a queda das utopias (política, existencial, artística) para apresentar a poesia sampler. A poesia sampler ou sampleadora é e se quer ser ilegal. Usando os princípios e termos da música eletrônica que literalmente rouba trechos de outras músicas para se compor, a poesia sampler rouba idéias, trechos, citações, põe palavras em outros contextos. A sua originalidade é a falta de tê-la.

O problema da linguagem é o cerne da poesia sampler. É a constatação do esgotamento total da linguagem, é a constatação de não ter mais saída para a linguagem, que já foi (des) (re) construída ao máximo. É se emaranhar no labirinto (in)finito das experimentações e das brincadeiras. É poesia irresponsável. É a volta da morte do Copyright (viva o Copyleft). É a volta da morte da autoria. É a volta do plágio. Como disse Lautreamont, o progresso o implica. A poesia deve ser escrita por todos.

A poesia sampler pode servir como uma ponte para uma possível nova poesia e novos poetas. Ela pega esses cacos que todos já destruíram e brinca com eles e os muda de lugar e os troca, os confunde, os cita, os leva ao extremo da brincadeira poética.

Saturação da informação. Não mais novidades. Contra o mercado de novidades, contra a globalização e a mercantilização da novidade. O pensador moderno precisa saber escolher a informação. O poeta moderno precisa deslocar as mesmas palavras que conhece há séculos para outros contextos. Nem mesmo essa idéia é novidade. A poesia sampler, felizmente, está fadada ao jornal de ontem. Duchamp desce das escadas nu.

Desabando, logicamente, em Oswald de Andrade, nosso grande poeta antropófago: “Tudo que não é meu me pertence”. Lema do poeta e base da poesia mais inventiva e criativa brasileira. Diferente da chamada linha evolutiva da vanguarda poética brasileira fincada no concretismo, a poesia sampler não é original ou melhor não se quer (é aí que tá o ovo de colombo). É poesia de poesias ou melhor, poesia que tira outras poesias do contexto e as coloca com outros sentidos, outras características, outra vida, incorporando até novas palavras, tanto é a liberdade da poesia sampler.

A poesia sampler já nasce velha. É criminosa, é pagã, é lírica, é crítica, é publicitária. Como no poema de um dos poetas sampler escrito em cima de um dos poemas mais (re)conhecidos de Oswald de Andrade: Erro de Português. O poeta sampler subverte a idéia original do poema, ou melhor, encontra nele, uma possível (re)interpretação. Eis:

Erro de Brazileiro

O português
quando aqui chegou
as índias todas ele comeu
o problema é que
elas continuam gozando
até hoje

A poesia sampler leva a tradição pra outro lugar, usando-a, anarquicamente. É a contradição máxima que vivemos. É seguir a tradição, negando-a. Não há mais diferenças entre nada. Tudo pode ser usado. Guerrilha Cultural. Abalar os conceitos das afirmações. São poetas sem poemas. Esses conceitos, além de terem surgido com a música eletrônica, também são influenciados pelos grupos filosóficos anarquistas, principalmente por Luther Blisset e os artistas neo-dadaístas e os situacionistas. Somos todos.

Somos um. Somos nenhum. Não temos reflexo em espelho algum. Literatura pra nossa geração. Somos poetas burros escrevendo para uma geração burra. Assassinamos jornalistas culturais com poemas de Eliot. Somos o oco da oca tupiniquim interplanetária. Soy loco por ti, America. Vivemos a era do não-criador. Era do sampleador. Acumulamos citações como heróicos saqueadores de túmulos. Sempre voltamos ao mesmo ponto: não há nada de novo debaixo do sol. O que podemos fazer é mudar o sol de lugar (terminemos com frases de efeito).

Assinado pelo Círculo de Poetas Sampler de São Paulo

e terminemos com mais um poeminha: “Quando nossos poetas vão cair na vida? deixar de ser broxas para ser bruxos?”
Roberto Piva

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

[que conversa é essa?!] AS CALÇADAS

:: txt :: Valter F. Santos ::
:: pht :: Júlio Freitas ::

Calçadas? A minha luz, a minha nostalgia, alegria enrustida, intimista, mas que me motiva a chegar em algum lugar. São pisadas, todavia a base de todos. Algumas limpas, outras sujas, talvez futuristas em uma avenida soturna. Calçadas? A vida, a morte, a cultura. Viva a vida, a morte da cultura, que talvez um dia voltará no violão de algum bêbado sacana que perdeu a sua esposa amada ou se revoltou com o esquema que diz como é a vida terrena, egoísta e efêmera. Calçadas? Elas caminham em meu coração, vivendo num eterno verão.

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