#CADÊ MEU CHINELO?

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sábado, 9 de maio de 2015

[águas passadas] LIGAÇÕES PERIGOSAS:A DEA E AS OPERAÇÕES ILEGAIS DA PF BRASILEIRA


:: txt :: Marina Amaral ::

  No dia 17 de outubro de 1973, o embaixador americano no Brasil, John Crimmins, escreveu um telegrama confidencial urgente ao Departamento de Estado chefiado por Henry Kissinger. A aflição do embaixador é evidente ao se referir à inesperada chegada ao país de uma equipe de inspeção do GAO (US Government Accountability Office) – agência ligada ao Congresso americano, criada em 1921 e ainda em atividade – com a missão de investigar a adequação e legalidade das atividades das agências federais financiadas pelo contribuinte americano. Inicialmente marcada para o dia 3 de novembro, a antecipação da visita – que desembarcaria na noite do mesmo dia 17 no Brasil – deixou o embaixador em polvorosa. O objetivo da missão era auditar o programa anti-drogas desenvolvido pela DEA – Drug Enforcement Administration – no país.

  Criada pelo presidente Richard Nixon em julho de 1973, com 1.470 agentes e orçamento de 75 milhões de dólares, para unificar o combate internacional anti-drogas, hoje a DEA tem 5 mil agentes e um orçamento anual de 2 bilhões de dólares. Embora mantivesse escritórios em nove países e representantes nas missões diplomáticas americanas ao redor do mundo (ainda hoje a DEA tem escritórios na embaixada em Brasília e no consulado de São Paulo), desde 1969, quando ainda atendia pelo nome de BNDD (Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs), a missão da DEA sempre foi “lidar com o problema das drogas, em ascensão, nos Estados Unidos”. Sua relação com os outros países, ao menos oficialmente, não previa o combate às drogas em cada um deles; o objetivo era impedi-las de chegar à população americana.

  Por que então Crimmins estava tão preocupado com a chegada inesperada da equipe de auditoria ao Brasil? Ele explica no mesmo telegrama a Henry Kissinger: “Os oficiais da embaixada pedem instruções sobre quais os documentos dos arquivos da DEA e do Departamento do Estado, relativos a drogas, devem ser liberados para a equipe do GAO”, escreveu. “Especificamente pedimos orientação sobre os seguintes assuntos: a) os planos de ação anti-drogas, levando em conta que nem toda a estratégia sugerida nesses documentos foi aprovada pelo Comitê Interagências (Interagency Commitee) em Washington; b) tortura e abuso durante o interrogatório de prisioneiros; c) o centro de inteligência da Polícia Federal; d) os arquivos de informantes, incluindo os registros de pagamentos; e) operações confidenciais e telegramas de inteligência; f) operações clandestinas, incluindo a transferência de Toscanino do Uruguai ao Brasil; g) documentos de planejamento das alfândegas brasileiras e do departamento de polícia federal”, detalha.

  A resposta de Kissinger não consta da base de dados do National Archives (NARA) reunidos na Biblioteca de Documentos Diplomáticos do WikiLeaks, mas a julgar por outros documentos, havia sim motivos para se preocupar. Pelo menos em relação ao único caso específico ali referido: a transferência de Toscanino do Uruguai para o Brasil.

  Quatro meses antes da chegada dos auditores do GAO ao Brasil, Francisco Toscanino, cidadão italiano, foi condenado junto com mais cinco réus pelo tribunal de júri de Nova York, em junho de 1973, por “conspiração para tráfico de drogas”. De acordo com uma testemunha presa, que estava colaborando com a polícia em sistema de delação premiada, Toscanino, que morava no Uruguai, estava indicando compradores, em solo americano, para uma carga de heroína enviada de navio e parcialmente flagrada por agentes infiltrados da DEA nos Estados Unidos.

Sequestrado no Uruguai, torturado no Brasil, extraditado aos EUA

  Em maio de 1974, porém, Toscanino entrou com recurso na Segunda Instância da Corte de Apelação dos Estados Unidos, alegando que sua prisão havia sido ilegal, de acordo com a legislação americana, por ter se baseado em monitoramento eletrônico irregular no Uruguai. Mais do que isso: ele foi sequestrado no Uruguai e torturado no Brasil antes de ser extraditado aos EUA sem comunicação prévia a autoridades italianas.

  Os detalhes estarrecedores dessa história, reproduzidos no documento da corte parecerão estranhamente familiares aos que conhecem as ações da Operação Condor – a articulação da repressão política nesse mesmo período entre ditaduras militares na América Latina. Com exceção, talvez, da preocupação em não deixar marcas de tortura.

  “No dia 6 de janeiro de 1973, Toscanino foi tirado de sua casa em Montevidéu por um telefonema, que partiu dos arredores ou do endereço de Hugo Campos Hermedia [na verdade, Hugo Campos Hermida]. Hermedia era – e ainda é – membro da polícia em Montevidéu. Mas, segundo a alegação de Toscanino, Hermedia estava atuando ultra vires [encoberto] como agente pago do governo americano. A chamada telefônica levou Toscanino e sua mulher, grávida de 7 meses, a uma área próxima de um boliche abandonado em Montevidéu. Quando chegaram lá, Hermedia e seis assistentes sequestraram Toscanino na frente da mulher aterrorizada, deixando-o inconsciente com uma coronhada e o jogando na traseira do carro. Depois, Toscanino – vendado e amarrado – foi levado à fronteira do Brasil por uma rota tortuosa”.

  Segue o documento: “Em um certo momento durante a longa viagem até a fronteira brasileira houve uma discussão entre os captores de Toscanino sobre a necessidade de trocar as placas do carro para evitar sua descoberta pelas autoridades uruguaias. Em outro ponto, o carro estancou subitamente e ordenaram que Toscanino saísse. Ele foi levado para um lugar isolado, onde o mandaram deitar sem se mexer ou atirariam nele. Embora a venda o impedisse de ver, Toscanino conseguia sentir a pressão do revólver em sua cabeça e ouvir os ruídos do que parecia ser um comboio militar uruguaio. Quando o barulho se afastou, Toscanino foi colocado em outro carro e levado à fronteira. Houve combinações e, mais uma vez, com a conivência dos Estados Unidos, o carro foi tomado por um grupo de brasileiros que levaram Francisco Toscanino (…).”

  “Sob custódia dos brasileiros, Toscanino foi conduzido a Porto Alegre onde permaneceu incomunicável por 11 horas. Seus pedidos de comunicação com o consulado italiano e com a família foram negados. Também não lhe deram comida nem água. Mais tarde, no mesmo dia, Toscanino foi levado à Brasília, onde por 17 dias foi incessantemente torturado e interrogado. Durante todo esse tempo, o governo dos Estados Unidos e a promotoria de Nova York, responsável pelo processo, tinham ciência – e inclusive recebiam relatórios – do desenrolar da investigação. Além disso, durante o período de tortura e interrogatório um membro do Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs, do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, estava presente em um ou mais intervalos e, na verdade, chegou a participar de partes do interrogatório. Os captores de Toscanino o privaram de sono e de qualquer forma de alimentação durante dias. A nutrição se dava por via intervenosa apenas para mantê-lo vivo. Assim como relatam nossos soldados que voltaram da Coréia e da China, Toscanino era forçado a andar para baixo e para cima por sete ou oito horas ininterruptas. Quando ele não conseguia mais ficar em pé, era chutado e espancado de forma a não deixar marcas. Se não respondia às perguntas, seus dedos eram esmagados com grampos de metal. Jogavam álcool em seus olhos e nariz, e outros fluidos eram introduzidos em seu ânus. Inacreditavelmente, os agentes do governo americano prenderam eletrodos nos lóbulos de suas orelhas, dedos e genitais e deram choques elétricos o deixando inconsciente por períodos que não consegue precisar mas, novamente, sem deixar marcas.”

  “Finalmente, no dia 25 de janeiro de 1973, Toscanino foi levado ao Rio de Janeiro onde foi drogado por agentes brasileiros e americanos e colocado no vôo 202 da Pan American Airways (…). Acordou nos Estados Unidos no dia 26 de janeiro, quando foi oficialmente preso dentro do avião e levado imediatamente a Thomas Puccio, assistente do procurador geral dos Estados Unidos. Em nenhum momento durante a captura de Toscanino o governo americano sequer tentou a via legal. Agiu do início ao fim de maneira ilegal, embarcando deliberadamente em um esquema criminoso de violação de leis de três países diferentes”.

  Hermida, o Fleury do Uruguai, e o nosso General Caneppa

  Hugo Campos Hermida era uma espécie de Fleury uruguaio. Embora a ditadura naquele país só tenha se instalado em junho de 1973, portanto quando Toscanino já havia sido condenado nos EUA, Hermida era o chefe da chamada Brigada Gamma, um esquadrão da morte uruguaio que matava desde traficantes até tupamaros – os guerrilheiros de esquerda que atuavam antes do golpe final. Hermida também foi treinado nos Estados Unidos – inclusive pela DEA, como mostram outros documentos do projeto PlusD. Oficialmente, era chefe da Brigada de Narcóticos da Dirección Nacional de Información e Inteligencia (DNII), organismo criado em colaboração com os Estados Unidos no Uruguai. O jornal La República, do Uruguai, levantou documentos no Arquivo do Terror, no Paraguai, que comprovaram a participação de Hermida no “ninho da Condor”, a Automotores Orletti, em Buenos Aires, um centro de tortura que tinha como fachada uma oficina mecânica.

  Do lado brasileiro, o diretor do Departamento de Polícia Federal – também montada e armada pelos americanos desde os primórdios – era o general Nilo Caneppa Silva, mais conhecido por suas assinaturas na censura de jornais, peças de teatro e filmes – já que essa também era uma atribuição oficial do órgão na ditadura, assim como o combate ao tráfico de drogas nas fronteiras. O coronel Caneppa foi promovido a general assim que a ditadura militar se instalou, e a general-de-brigada em 1971, no governo Médici, mesmo ano em que passou a chefiar o DPF em Brasília.

  A operação de sequestro no Uruguai e tortura no Brasil do traficante Toscanino não aparece nos telegramas diplomáticos até maio de 1974, quando o italiano entrou com recurso na corte de apelações americana. A partir daí, há um troca frenética de telegramas entre as embaixadas do Brasil e de Buenos Aires com o Departamento do Estado porque a Justiça americana havia requisitado toda a documentação envolvendo o caso Toscanino em virtude da apelação – embora boa parte dela tenha continuado escondida, como comprovam os telegramas desse período constantes no PlusD. O general Nilo Caneppa, porém, era considerado peça-chave pelos Estados Unidos, como mostra um telegrama de 25 de abril de 1973.

  “O tempo do general Caneppa como diretor do Departamento de Polícia Federal encerra-se no meio de maio. Para assegurar a conclusão dos ótimos resultados obtidos pela equipe americana de analistas designados para trabalhar com a polícia federal brasileira no desenho do Centro de Inteligência de Narcóticos, pedimos que essa equipe venha ao Brasil antes de maio”, diz o relato assinado pelo antecessor de Crimmins, William Rountree. O mesmo embaixador já havia demonstrado seu apreço por Caneppa que dele “se aproximou pessoalmente para requisitar material audio-visual em português para os cursos de treinamento permanentes do BNDD (antecessor da DEA) em São Paulo”, segundo outro telegrama do PlusD, esse de 8 de maio de 1973, que recomendou: “Tendo em vista a cooperação do DPF em expulsar traficantes internacionais para os Estados Unidos em casos passados, e o mandato constitucional da DPF para dirigir os esforços para suprimir os traficantes de drogas, e as necessidades de treinamento dos brasileiros, a embaixada recomenda que o BNDD envie os filmes e slides para uso do escritório do BNDD em Brasília, que vai distribuir para as agências brasileiras. Esse gesto, além de ser um investimento útil de dinheiro e material, vai ajudar a estreitar ainda mais os laços entre o DPF e o BNDD”.

  Bandeira, um general mais “tático”

  No relatório confidencial sobre a temida visita dos auditores do  GAO, porém, enviado pelo embaixador Crimmins ao Departamento de Estado americano em 13 de dezembro de 1973, o entusiasmo dos americanos havia arrefecido com a substituição de Caneppa por um general considerado mais “tático” ( “operations-minded”) – o general Antonio Bandeira, tristemente famoso pelas primeiras operações de repressão na guerrilha do Araguaia tanto pelo lado dos guerrilheiros – que passaram a ser torturados também em Brasília depois que ele assumiu a Polícia Federal – como dos militares, pelo fracasso em vencer os 70 jovens do PC do B nas matas do Pará.

  Ainda assim, os americanos ressaltam sua gratidão por operações realizadas pela DPF chefiada por Caneppa nesse mesmo telegrama, que também relembra a temida visita do GAO dois meses antes. Segundo o telegrama, os auditores haviam feito apenas uma “investigação difusa” sobre as atividades da DEA no país: “Embora GAO não tenha problemas com a premissa do programa anti-drogas de desenvolver a competência brasileira no combate aos narcóticos, a curto prazo eles estão mais interessados em impedir o fluxo de drogas para os Estados Unidos. O coordenador do programa de narcóticos ressaltou, então, o sucesso da cooperação EUA-Brasil na Operação Springboard [nos portos, em conjunto com a Marinha Americana] e na apreensão no Mormac-Altair”.

  Como relatam os jornais da época, o Mormac-Altair era um navio americano onde, em operação conjunta dos americanos e brasileiros, foi capturada uma carga de 60 quilos de heroína em outubro de 1972. Traficantes franceses que moravam no Paraguai e no Brasil foram então extraditados para os Estados Unidos pela Polícia Federal brasileira, sem avisar as autoridades francesas, como aconteceu no caso Toscanino, sempre com o general Caneppa à frente das operações.

  Segue o telegrama de Crimmins a Kissinger: “GAO estava interessado na possibilidade do Brasil assumir a liderança entre as nações latino-americanas no hemisfério Sul. O coordenador explicou que o Brasil se esforçava para melhorar a cooperação e a coordenação entre os órgãos policiais em outras nações latino-americanas. No entanto, as diferenças entre os sistemas hispânicos e lusitano, e a intensa rivalidade com a Argentina tornava difícil essa liderança”.

  “A GAO também levantou a questão – baseada na investigação dos arquivos sobre as trocas de informação entre as agências de Washington durante a Operação Springboard, quando a embaixada relatava preocupações e queixas sobre o antigo chefe da Polícia Federal, General Caneppa [não se sabe a que se referem essas queixas, que teriam sido feitas por Rountree, uma vez que a atuação da PF sob Caneppa foi elogiada no parágrafo anterior e no telegrama enviado por Rountree transcrito acima, mas os militares brasileiros consideravam Caneppa “mole”, enquanto Bandeira era da “linha dura”]. O coordenador explicou que não há mais problemas similares com o atual chefe, o general Bandeira. Bandeira é mais operations-minded  e parece satisfeito com o nível de troca de informações embora, sem dúvida, um aprimoramento possa ser feito nesse campo. A equipe do GAO fez diversas perguntas sobre extradição e expulsão de traficantes e pareceu satisfeita com nossas explicações de que não há problemas do gênero no Brasil. O coordenador teve a impressão de que essa era a mais alta prioridade da equipe do GAO.

  “A ideia do Centro de Inteligência de Drogas veio à tona também nessa visita, baseada no material que eles já tinham recebido. O conteúdo politicamente sensível desse assunto foi então explicado à equipe do GAO (…).” Quando o telegrama foi enviado, Juan Perón havia reassumido o poder na Argentina depois de um período de 18 anos de exílio, interrompendo a colaboração entre as polícias do Cone Sul. Os americanos – assim como a ditadura brasileira – nunca confiaram em Perón; depois que ele morreu, em 1974, e foi substituído pela mulher, Isabelita, os militares instituíram a “guerra suja” que matou mais de 30 mil pessoas, incluindo peronistas.

  Ao final do telegrama, Crimmins revela que, embora não conste da documentação do NARA, havia recebido – e cumprido – as instruções de Kissinger depois do telegrama enviado na chegada inesperada da missão da GAO: “Nenhuma cópia de outros documentos além dos definidos por Washington foram disponibilizados para a equipe do GAO”.

  Os generais “coniventes” e a Operação Condor

  Tanto Bandeira como Caneppa aparecem nas listas de torturadores da ditadura, feitas a partir de documentos e denúncias de presos políticos, como “coniventes”, pelo fato de terem comandado operações que resultaram em tortura e desaparecimento de presos sem, no entanto, ter sido flagrados com “a mão na massa”, para usar uma expressão suave.

  Suas ligações com as operações do DEA no Cone Sul, como demonstra o telegrama acima, porém, podem implicá-los – e aos Estados Unidos – em crimes internacionais em investigações posteriores, como já aconteceu no caso do general Caneppa, e não apenas nos casos Mormac-Altair e Toscanino.

  No final do ano passado, o repórter Wagner William publicou na revista Brasileiros a reportagem “O primeiro vôo do Condor”, relatando aquela que seria a primeira ação da operação clandestina que uniu as ditaduras militares do Cone Sul: o sequestro do coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório, opositor da ditadura, em Buenos Aires e sua extradição para um centro de torturas no Rio de Janeiro, descrita no Informe 338, de 19 de dezembro de 1970, pelo adido militar na Embaixada do Brasil: o então coronel Nilo Caneppa.

  O documento, obtido pelo jornal Página 12, é considerado pelo presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, o gaúcho Jair Krischke, um dos maiores investigadores da Operação Condor, como o primeiro documento da articulação clandestina e a prova de que foi o Brasil que liderou ao menos a sua formação. O repórter Wagner William teve acesso aos diários do coronel Jefferson e contou em detalhes como o coronel, seu filho e sobrinho foram interceptados em dezembro de 1970 quando viajavam do Uruguai, onde se exilaram depois do golpe, ao Chile, onde o coronel assumiria o cargo de assessor militar para a Associação Latino-Americana de Livre Comércio a convite do então presidente do Chile, Salvador Allende. Allende se suicidaria depois do golpe liderado pelo general Pinochet e articulado pelos Estados Unidos em 1973.

  Para evitar a perseguição policial – os homens de Hermida o seguiam todo o tempo no exílio, como faziam com todos os brasileiros inimigos da ditadura, como relatou em 2003, depois de ser preso no Rio Grande do Sul por assalto a banco e tráfico de armas, o ex-policial Mario Neira Barreto, codinome Tenente Tamuz, que também pertencia à Brigada Gamma –, Jefferson planejara ir de Montevidéu a Colônia do Sacramento de carro, atravessar o rio da Prata pela balsa até Buenos Aires, de onde seguiria para Mendoza e cruzaria os Andes para o Chile.

  Avisado pelos uruguaios, porém, o adido militar brasileiro na Argentina – Caneppa – pediu a cooperação da Direção da Coordenação Federal, o órgão de inteligência da Polícia Federal Argentina, para prender os três brasileiros, descrevendo sua aparência em detalhes. Escondido no porto, Caneppa assistiu quando o carro de Jefferson foi interceptado por dois agentes armados que saltaram de um carro preto com chapa do governo argentino anunciando: “É uma operação de rotina. Houve uma denúncia de transporte de drogas”.

  Embora não houvesse nada no carro além de uma arma do coronel Jefferson, que apresentou seus documentos de identificação militar, os três foram levados para a coordenação da Polícia Federal argentina, encapuzados, algemados e presos no porão enquanto o subcomissário anunciava ao adido militar brasileiro o sucesso da operação. Caneppa vai pessoalmente ao prédio, acompanhado de outro militar brasileiro, adido da Aeronáutica na embaixada, onde Jefferson, seu filho e o sobrinho foram interrogados sobre o sequestro do cônsul brasileiro, Aloysio Gomide, pelos tupamaros uruguaios e sobre sua ligação com líderes peronistas argentinos.

  Os três foram torturados – o coronel Jefferson com choques elétricos nos pés, nas pernas e nos genitais e cera de vela quente no ânus. Caneppa e o outro militar brasileiro, na sala ao lado, examinavam o material apreendido no carro de Jefferson – livros, cartas e documentos de identidade – quando um tenente-coronel do Exército argentino se apresentou e pediu desculpas pela ausência do coronel Cáceres, diretor da PF argentina, perguntando em seguida o que deveria fazer com os detidos. Caneppa queria que fossem enviados ao Brasil, e em 26 horas o presidente argentino, fantoche dos militares, assinou um decreto de extradição. De lá foram transportados discretamente por uma aeronave militar para o Centro de Informação e Segurança (CISA) no Rio de Janeiro.

  O coronel Jefferson foi torturado dias a fio e ficou preso por seis anos. Ao sair da cadeia, em 1977, continuou a ser perseguido até 1979 quando foi beneficiado pela lei da anistia. Os militares, porém, em um ato excepcional, anularam sua anistia e ele teve que partir para o exílio, primeiro na Venezuela, depois na França, de onde só retornou em 1985, com o fim da ditadura militar.

  Vítima da primeira ação da famigerada Operação Condor, o coronel Jefferson foi preso sob a acusação de tráfico de drogas pela Polícia Federal argentina sob as ordens do general Caneppa. O mesmo que dirigia a Polícia Federal brasileira quando o traficante Toscanino foi sequestrado por Hermida no Uruguai e entregue para ser torturado em Brasília de onde foi extraditado, em uma operação inteiramente coordenada pela DEA.

  O coronel Caneppa foi promovido a general e assumiu a direção da Polícia Federal meses depois. Em 1972, recebeu a Medalha do Pacificador – a maior honraria do Exército, destinada aos “revolucionários” de 1964. O general Bandeira mereceu a mesma honraria. Até hoje a DEA mantém escritórios no Brasil, dentro da embaixada brasileira e dos consulados. Procurada pela Pública para saber sobre suas atividades atuais no país, a DEA encaminhou a reportagem à assessoria de imprensa da embaixada americana, que não respondeu aos pedidos de informação até a publicação dessa reportagem.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

PENSAR: NEM PENSAR



# águas passadas #
A crise financeira e o consumo de drogas

txt: Arlei "Xuxu Beleza" Arnt

O crescente aumento do número de desempregados nas grandes capitais influenciou até mesmo o mundo das drogas. A maconha, droga mais barata e popular de Porto Alegre, chegou inclusive a baratear o preço nos últimos dez anos. Em 1994, auge do plano real, quando um dólar valia um real, o baseado de maconha era vendido há dois ou três reais. Hoje qualquer drive drugs vende a mesma quantia por um real. Os drive drugs são inclusive um dos símbolos da era do desemprego em massa instalada no governo FHC. A capital gaúcha deve ter mais de uma dezena de ruas onde o usuário nem desce do carro para comprar drogas. Ao longo de uma dessas ruas, a imagem de dezenas de mulheres oferecendo maconha e cocaína parece com a avenida Garibaldi, entre a Voluntários e a Farrapos, ponto 24 horas de fácil acesso às damas do meretrício.

O desemprego em massa também afetou o tipo de drogas que são usadas e o comportamento dos viciados. Em um bar da zona sul da capital, onde o tráfico e consumo de cocaína se faziam constantemente ao despertar da meia-noite, o cenário é outro. Noventa por cento dos freqüentadores trocaram a cocaína pelo crack. Com a triplicada da cotação do dólar em relação à moeda brasileira, o pó também multiplicou o seu preço por três. O crack, custando em média três a quatro vezes mais barato que a cocaína, é a nova onda do momento. Enquanto a classe média continua dando suas cafungadas, quase não existe viciado pobre que não tenha experimentado uma só pedra de crack.

A mudança de droga resulta na mudança de comportamento. Pelo diferente efeito que o crack causa (a sensação da dose é mais pesada que a cocaína, porém a duração é bem menor), os antigos viciados em pó acabam se tornando ainda menos sociais. Eles falam pouco e ficam sérios, suam muito e exalam um cheiro nem sempre agradável. E nunca param de fumar crack, pedra atrás de pedra. Duas profissões foram influenciadas pelo advento do crack. Tiquinho, que sempre vendeu bucha de pó, agora também vende pedra: “não é mais como antigamente, a galera chegava aqui no bar e soltava a grana pra cheirar um bagulho”, revela Tiquinho. “Se eu não vender pedra hoje, é capaz de eu voltar pra baia sem o leite da cria”.

Além dos traficantes, as prostitutas também alteram a rotina. Gláucia aluga o corpo há mais de quinze anos. O dinheiro que ela ganha dificilmente leva embora pra casa onde vive com as seis filhas. Pior, ela tem trabalhado bem menos depois que trocou o pó pela pedra: “antes eu dava uma cafungada na avenida mesmo e tava pronta para trabalhar a noite toda; hoje eu mal consigo levantar uma graninha e já me emburaco aqui fumar a minha pedra e não saio mais até raiar o dia”. A mudança no estilo de vida de Gláucia já trouxe conseqüências: “Milha filha de 14 anos tentou se matar semana passada”, confessa a prostituta. Para finalizar, um outro fato chama a curiosidade. É cada vez maior o número de adolescentes que se prostituem para conseguir o dinheiro de comprar crack. Aonde vamos chegar com tudo isso?

(este texto foi publicado pela primeira vez em 2004, no site Ponto de Vista, quando o crack não era promovido a show dramático. Aliás, pouco se falava sobre o crack, o que não dá pra entender, pois já era super visível os danos sociais. O professor Ungaretti comentou na época: "Acredite, o Jornal do Brasil, edição de 18.04.2004, levantou esta pauta após a leitura do texto que o jornalista e escritor Arlei Arnet enviou, diretamente do submundo, para o sítio pontodevista. O cara fareja os temas jornalísticos, mas passa longe das assessorias de RP.")

sexta-feira, 22 de maio de 2009

ÉGUAS PASSADAS NÃO MOVEM MOINHO



# águas passadas #
A vida como ela Noé

txt: Jucazito
grfts: ?

Arlete era do tipo pistoleira. Bem munida de bundas e tetas, todo fim-de-semana lá ia a bichinha para o guerrear dos campos de batalha. No escurecer das horas, entón, Arlete parecia fêmea no cio. Dois dedos de prosa eram suficientes para deixar a sem-vergonhice da égua toda molhadinha. E foi numa noite de cantar sapos e cigarras que o Abelha veio a montar na potranca.

Abelha vivia no de picar gatinhas e galinhas, mas o cavalgar de égua ninguém desconfiava lá pelas cercanias do São José do Tibicuari. É verdade, e sejamos justos, não foi a língua da bocuda que deitou entre os dentes. A ferroada do Abelha fora visto por dois pares de olhos no esconder das moitas, a um peido de distância. De acordo com o cochichar da urubuzada bebe-fuma-joga-sinuca-fim-de-tarde do bar do Keko, Abelha tentou o melar de rabo de Arlete sem o conhecimento dela. A desgraçada, no coiçar pra trás, deu com as ferraduras nas pernas do infeliz. E no mancar da semana é que o mel azedou a reputação do Abelha. Diabo é isso, picar a égua no matagal nos costados do Pereira Coruja.

Dois dias depois do combate entre ferrão e ferradura, no cochilar da tarde, Arlete seguia rumo ao Tingueté a procura do único veterinário do lugarejo. Guariba guardava os comentários alheios na memória, ainda no frescor dos acontecimentos, porém nunca havia botado olhos nas farturas da égua guerreira. No baixar das vistas, examinou o rebolar dela e notou o sobe-e-desce suingado daquele traseiro bondoso. Mas no bem educar de berço, disfarçou a consulta com a receita dos remédios:
- Tome cá este chá e o relincho da senhorita volta ao compasso do troteado.

Foi no agasalhar da noite que Abelha foi tomar um tiquinho de confissão com o pároco. Dois terços depois do perdão, o abelhudo ficou zangado com o cantar das andorinhas ao seu respeito. Só uma cousa havia a fazer: o lavar de louça suja. Sem o colher de louros após os fatos, Abelha saiu no catar de pistas sobre os atentos olhos daquela maldita noite aluada. Somente a desfeita do boato poderia adocicar seu favo de mel.

Invernos se passaram, e no chorar recém nascido de uma tal éguinha Pocotó, Abelha teve o mais terrível pesadelo. A bichana dava coice que nem a mãe, e ainda parecia ter um ferrão na bunda tal qual o pai:
- No enrabichar das cachorras eu não cairia em tamanha cilada. Filha de uma égua!

sábado, 16 de maio de 2009

É PROIBIDO FUMAR




# águas passadas #
Baseado em fatos reais


txt: Fabricio Ungaretti Coutinho

A Maconha está presente nas diversas áreas que compõem nossa realidade histórica, econômica, política, cultural, médica, jurídica, social, filosófica, psicológica e mesmo espiritual. A falta de um olhar crítico sobre a utilização da planta pelo ser humano leva a vários caminhos perigosos, pois sempre existem aqules que, investidos de más intenções, acusam de apologistas os que não concordam com as argumentações "oficiais". Esquecem inclusive que apologia quer dizer defesa. E de que, tanto quem é a favor quanto contra algo, está apenas defendedo seu ponto-de-vista.

Os meios massivos de comunicação reproduzem os discursos oficiais, quase sempre com a ótica policial. Os padrões de manipulação são nítidos, a começar pela "ocultação", cuja força leva as salas de redação ao silêncio forçado e torna todos filhos da pauta. Quando expostos os fatos, a fragmentação no turbilhão pirotécnico das notícias-espetáculo os descontextualiza, como se existissem desprendidos de suas causas e conseqüencias.

Inversões e induções. O Showrnalismo precisa do picadeiro. A violência causada pelo tráfico de drogas é o recorte torto mostrado pela mídia sensacionalista ao grande público, mas ela nunca apresenta o debate sobre a descriminalização do uso como opção séria para combater essa tragédia anunciada, que tem como principal culpado o Estado ausente. E como vítima o cidadão comum, eu e você.

Por outro lado, um veículo de jornalismo livre demonstra independência por ter a coragem de inverter o olhar e se posicionar de maneira crítica. A proibição é uma falácia a partir do momento em que o Estado se acovarda e, ao invés de acolher o usuário como cidadão, criminaliza sua conduta e o mata em primeira instância moralmente. Joga-o às margens da sociedade e o transforma em marginal. Em vez de colocar o usuário como refém do tráfico, o considera reponsável por ele e indica que a partir da compra da maconha o mercado paralelo se alimenta, em uma verdadeira "lei de oferta e demanda". Porém, não há lógica em tratar da mesma maneira traficante e usuário, pois suas motivações são diferentes.

Enquanto o traficante busca proveito em uma falha no sistema, o usuário é levado a entrar no mercado paralelo exatamente por ela. A proibição é sobretudo nociva a quem consome, pois este acaba visto de forma deturpada, como parte apenas de uma questão de segurança. O Resultado é um efeito contrário, muitas vezes fatal para quem está, usuário ou não, no meio das balas-perdidas trocadas entre órgãos governamentais de segurança, traficantes e milícias pára-policiais.

Milícias estas que, apesar de integradas por funcionários públicos, oferecem seus serviços extras de "segurança" em troca do comando das comunidades. Assim fica claro, a demagogia da repressão é fruto da ausência do estado na prevenção. E essa falha na política de drogas começa pelo medo hipócrita do debate público e amplo sobtre o tema proibição. O questionamento não é sobre a maconha, mas sobre a criminalização.

Por que é proibido fumar?

Não se sabe ao certo quando a fumaça começou, mas existem relatos antigos, datados de 2737 a.C, que comprovam o consumo em rituais sagrados na China. Natural que a Cannabis Sativa, uma planta que brota da terra e se alimenta do céu, fosse considerada, e ainda seja, por alguns, um elo com a natureza, a criação, o transcendental.

O uso era um costume de diversar tribos religiosas orientais, como os árabes, africanos e indianos. Na religião Hindu, Os Sadhus, homens-santos, seguidores de Shiva, são um exemplo. Fumam pra se aproximar da divindade, o deus da transformação. É livre a permissão para consumo, pois trata-se de algo culturalmente enraizado.

No Brasil, os escravos africanos usavam a erva em rituais de religiões como o Candomblé, Umbanda e Nação. O nome Maconha é de origem africana. Mahaña é a planta de Exu, o orixá da comunicação, aquele que foi sincronizado absurdamente com o Satanás da visão judaico-cristã. O puritanismo ocidental incutiu na sociedade o espírito da punição para quem fumasse o "cigarrinho do Diabo" e, em seu preconceito mais que latente, marginalizou os imigrantes do oriente.

Não entraremos nos méritos das pesquisas científicas focadas na saúde, pois inúmeras delas são controversas e contraditórias. Os diagnósticos são diversos, ora apontando malefícios como danos cerebrais na memória de curto prazo e diminuição de esperamatozóides, ora para benefícios como a utilização em tratamentos do sistema imunológico em casos de esclerose múltipla, Mal de Parkinson e AIDS. De qualquer forma, caso compravados os malefícios, deve haver uma política de saúde em primeiro plano.

A Cannabis Sativa já foi responsável por grande parte da fabricação mundial de papel e artigos têxteis, porque o cânhamo presente no caule da planta é uma das fibras mais resistentes do mundo, podendo ser cultivada em vários tipos de solo. Porém, a partir dos anos 20, com a entrada no mercado capitalista de fibras sintéticas como o náilon e a implantação de uma tecnologia de produção de papel feito do eucalipto (que é totalmente prejudicial aos solos), as multinacionais estadunidenses passaram a intervir economicamente para que uma ampla política anti-maconha fosse espalhada por toda América do Sul, inclusive no Brasil.

Um dos arquitetos do plano foi o estadunidense William Randolph Hearst. Além de magnata da grande mídia, ele foi dono de várias fábricas de plantio de eucalipto para produção de papel e assim usou toda influência que seus jornais, revistas, agências de notícias e publicidade, emissoras de rádio e TV detinham sobre a opinião pública. Hearst construiu uma forte campanha contra a maconha e os usuários, predominantemente imigrantes mexicanos. Do alto de seu Xanadú, Hearst, o Cidadão Kane de Orson Welles, comandou a apoteose do jornalismo sensacionalista. Começou a publicar em seus veículos que crimes eram cometidos por mexicanos sob efeito da erva. Inclusive foi responsável pela universalização do nome "Marijuana" em suas campanhas racistas.
No Brasil, os negros, historicamente excluídos, foram também marginalizados pelo uso. Descendentes de escravos, em sua maioria pobres, consumiam efetivamente a droga no início do século. E assim como os mexicanos nos Estados Unidos, devido ao grande abismo social entre as duas classes, quando cometiam crimes, o uso da maconha era associado à determinados comportamentos agressivos. O que também não é verdade, já que a maconha apresenta características calmantes.

Ainda hoje, presos nas zonas periféricas das grandes cidades, sem oportunidades, alguns pobres, caem na criminalidade, para buscar uma vida mais confortável. Uma grande parcela através do tráfico, embora muitos morram antes disso acontecer. Ricos ficam só os grandes traficantes, tal qual Al Capone na Lei Seca, pois são os que controlam os meios de produção, detêm o poderio sobre a economia e o mercado paralelo e, através da corrupção, interferem em órgãos de segurança do Estado, mantendo seu status quo.

Nos últimos tempos, alguns outros políticos resolveram fazer coro ao Deputado Federal Fernando Gabeira, pioneiro nacional neste tema, nos manifestos sem eco. A exemplo do Governador do Rio de janeiro, Sérgio Cabral, emplacaram na mídia o debate sobrea descriminalização e apresentaram opções para o maior controle do Estado. Obviamente o Brasil tem suas características, e importar modelos é sempre contra indicado, mas exemplos como o da Holanda são citados.

Lá, em cafés autorizados pelo governo, é permitido o consumo de pequenas quantidades - apenas dentro dos estabelecimentos - e farmácias vendem a erva para doentes que precisam aliviar as dores, mediante apresentação de receita médica. Assim como acontece com a cerveja e o cigarro aqui, o Ministério da Saúde da Holanda fiscaliza a qualidade da maconha, oferecendo menos riscos aos usuários-cidadãos e gerando impostos para o Estado.

Claro que, pelas falhas no controle das drogas hoje consideradas lícitas, a descriminalização no Brasil passa por prever reformas profundas de médio prazo, a começar pelo controle da venda para menores de 18 ano e investimentos do dinheiro gerado pelos impostos em campanhas de assistência social, educação e saúde. Além, é lógico, de propiciar oportunidades de trabalho para aqueles hoje sem alternativas, que entram no tráfico. Sem inclusão e atenção a essas pessoas, mesmo com a descriminalização elas irão possivelmente apenas mudar de foco para outros crimes.

Se a discussão da descriminalização ainda roda longe de um aprofundamento, ao menos em relação aos usuários a política foi revista em 2005, com a criação de um novo plano, onde o porte de drogas continua proibido, mas a compreensão de que são cidadãos e não marginais já é um avanço. Ao invés da prisão direta, os consumidores agora são julgados por tribunais especias, e sujeitos à medidas sócio-educativas, como advertência sobre os efeitos da droga ou prestação de seviços à comunidade, que serão impostas de acordo com a quantidade e situação da apreensão.

Com certeza esse novo olhar foi baseado em argumentos sérios, que tentamos aqui elucidar para colaborar com a construção de uma sociedade mais informada e consciente. Acendemos a pergunta, puxamos o debate, prensamos as idéias e passamos o conhecimento adiante. Cabe agora a cada um manifestar suas opiniões, contrárias ou não. Mas que sirvam pra debater melhorias para a população, para a massa.

NdE: Este texto foi publicado pela primeira vez na edição #12 da revista O DILÚVIO e reproduzido pelo site do jornal O Globo.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

PIRATARIA




# águas passadas ou boizébuss #
E os piratas atacam a arca...

txt: Eduardo Buss


Bom, parece que ultimamente a Arca está sendo atacada por piratas. Então eu, como pirateador, me sinto obrigado a dar minha opinião sobre o assunto. Eu não tenho dúvidas que a pirataria é uma das maiores pedras no sapato capitalista. Os CDs são os presentes mais vendidos nessa época de natal e a pirataria rola solta. A pirataria de música ocorre basicamente de duas formas: Uma delas são os camelôs do centro, que vendem cds do padre marcelo e Sandy e junior, é uma pirataria quase industrializada". Pois os camelôs são os que mais incomodam a indústria fonográfica. Volta e meia a TV mostra um grupo de pagode ateando fogo em um monte de cds apreendidos. No centrão dá pra encontrar todos esses cds populares que já vendem horrores.

Mas por que a índustria ainda cobra vinte pilas por um cd que os camelôs conseguem copiar e vender por cinco? Tá, tudo bem, tem a indústria, gera um monte de empregos, mas e daí? A indústria é uma merda mesmo! O que a indústria faz de prático pra tentar combater essa pirataria? Por que não tentaram fazer promoções, dar brindes, melhorar o trabalho gráfico do cd, sei lá, fazer alguma coisa pra valorizar o produto? Não, o produto é exatamente o mesmo, desde que foi criado, com raras excessões. A única coisa que a indústria faz é mandar um batalhão de advogados exigir respeito aos direitos autorais, atrapalhando os trocadores de mp3 pela internet. E se ferraram porque já estão aparecendo programas a prova de advogados, essa galera da informática é foda. É curioso o fato de serem as gravadoras que exigem respeito a direitos autorais, pois imaginava que esses direitos eram pra ser dos autores...

Como eu acho que nenhum dos amigos pretende montar uma barraquinha lá no centro pra vender cds piratas, vou falar do outro tipo de pirataria que também existe. É o cara que pega música pela internet (meu caso) e grava, trocando o som com amigos. Eu normalmente procuro material mais antigo e raro, coisas que muitas vezes nem sairam em cd. As vezes existe um determinado cd que apenas uma gravadora no mundo tem os direitos de distribuição, coloca o preço que quer e era isso, 50, 100 dólares pra importar.

Eu acho que a nossa cultura músical é horrível. Na música existem muitos tesouros escondidos, perdidos no meio da enorme massa de mídia músical que a indústria criou e não consegue administrar. É impressionante a quantidade de jóias da música que nunca foram lançadas em cd. A indústria não consegue distribuir ao mesmo tempo material de artistas novos e de artistas mais antigos, não existe mercado pra tudo. Muita coisa já se perdeu e dificilmente será relançada. Eu acho que existe uma necessidade de preservar essas obras, de qualquer forma e a qualquer custo.

A importância disso só poderemos ver no futuro.Os dois tipos de pirataria tem seus méritos. O primeiro é uma facada na indústria, demonstra toda a fraqueza do produto cd em termos de qualidade: o cd pirata mais vagabundo ainda é parecido com o original. O segundo revela a incompetência da indústria em administrar todos os títulos lançados e até em pagar os famosos "direitos autorais". Como é que um autor vai receber direitos se a sua obra não for relançada, e em todo o mundo? E aí, o que fazer? Dar força pra essa indústria e deixar as gravadoras decidirem qual música as pessoas devem ouvir ou piratear?

sexta-feira, 8 de maio de 2009

NOÉ LEVA DOR

águas passadas
Edição 40

txt: Noé




Alguém andou estabelecendo contato com a arca.
Tivemos uma conversa de atritos, e por isso resolvemos
censurar tudo o que foi dito por essa pessoa, até para
evitar danos à imagem de tudo aquilo que esse intruso
representa. Algumas declarações foram pra alá de
bombastic, podendo resultar no desabamento do nicho
ecológico da fauna eqüina. Não só a entrevista foi
censurada, mas sim toda a edição 34 da arca também não
será publicada. Nenhum de nossos colaboradores
escreveu algo tão arrasador quanto o que foi dito por
fulano. Então fica o escrito pelo não dito.
Quanto à fórmula do elixir da felicidade:
esqueçam! Só é Feliz um dos anões da Branca de Neve.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

DEMOCRATIZANDO A INFORMAÇÃO

# águas passadas ou boizébuss #
(ou: secando a RBS)

txt: Eduardo Busss
art: Marexal



Há algum tempo, o editor me mostrou um emílio do velho mestre Wladimir -olha, meu, não é qualquer um que dá pra chamar de mestre. Ele dava parabéns pela lição de mau-jornalismo que NOÉ estava dando. Que bom que ele sacou isso. Na real, não tem nada melhor do que escrever um texto livre de regras tipo "piramide invertida". Essa foi a pior técnica que o curso de jornalismo me ensinou - talvez isso tenha contribuido pra desistir da profissão. É a tal da coisa pro cara burro, o texto que tu faz pro neguinho ler duas linhas - porra, ou lê ou não lê, e se não lê tudo, falhou de quem escreveu. Como profissionais da escrita podem usar uma técnica tão medíocre?

Voltando ao assunto, a gente ainda está esperimentando uma linguagem pra texto, uma mistura de carta, emílio e jornal sensacionalista, sei lá, é um jeito de escrever que não se preocupa com regras gramaticais ou de acentuação ou pontuação (como os profissionais do jornalismo se preocupamn com essas bobagens... pra isso tem editor, e que bom que o nosso não revisa porra nenhuma), não quer saber se as frases são curtas ou longas, ou se a pirâmide tá pra cima ou pra baixo - é quase uma fala escrita. Demonstra honestidade. Como é bom poder dizer "merda" no meio de um texto. A ZH diria: salário mínimo tem um aumento irrisório. NOÉ diria: salario mínimo tem um aumento de merda.

A línguagem da mídia não-marrom ainda está distante da linguagem popular, mas a tecnologia está modificando essas regras. Começam a surgir lternativas à imprensa tradicional, fora de todos os esquemas dos grandes veículos. Em alguns canais alternativos da internet, estão voltando a aparecer textos com opinião, deixando de lado a pretenciosa imparcialidade do jornalismo tradicional - provavelmente porque quem está escrevendo não é do ramo. Sorte da imprensa que ainda precisamos democratizar a tecnologia nesse país. Ainda vão ganhar dinheiro por algum tempo. Mas vão cair ladeira abaixo. O tombo está só começando. Vamos acompanhar toda a trajetória.

Buss

(N.do E.) texto públicado no saudoso Noé Leva Dor, edição 36 e 38, e-zine tosco que deu origem ao atual império O DILÚVIO. Acredita-se que este texto tenha sido publicado no começo de 2002. Talvez o Buss não pense mais desse jeito, mas o que ele disse continua muito atual. Buss pensou bem e não quis completar o curso de jornalismo. Pena que desistiu DO jornalismo. Ele tinha ótimas inversões de lógica e uma sarcástica pena. Observe o gancho "mau-editor" e como ele se refere ao editor.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

[ponto de vista] SUICÍDIO DE KURT COBAIN É A VITÓRIA DO SISTEMA




txt: Wladymir Ungaretti

“Para a sociedade de consumo, a pobreza é o que pode ser reduzido em termos de consumo. Do ponto de vista do espetáculo a redução do homem a consumidor é um enriquecimento: quanto mais coisas e papéis temos, mais somos. Mas, do ponto de vista da realidade vivida, aquilo que se ganha em poder é o quanto se perde em vontade de realização autêntica. Aquilo que se ganha em parecer se perde em ser e em se tornar.”

Sofremos uma derrota no dia oito de abril de 1994. O corpo de Kurt Cobain é achado por um eletricista que iria realizar consertos na casa onde ele costumava dormir. Um bilhete de adeus é encontrado ao lado do corpo. Acabava de se dissolver o Nirvana. Em 1985 Cobain organizava sua primeira banda, a Fecal Matter (matéria fecal). Teve uma curta existência. É, em abril de 1987, acompanhado por mais dois caras, se apresentava ao vivo na Rádio Comunitária Kaos. Desta apresentação saiu a primeira fita demo da banda. É preciso criticar as revoluções e exaltar as rebeliões.

A editora Conrad, a mesma da coleção Bardena – a arte da subversão para as novas gerações, lançou recentemente “Fragmentos de uma Autobiografia de Kurt Cobain”, de Marcelo Orozo. O autor é um jornalista formado em 1989. Já passou por várias redações em São Paulo. Estes fragmentos são construídos a partir, basicamente, de um outro livro. Estamos falando de “Mais pesado que o Céu – uma biografia de Kurt Cobain”, de Charle R. Cross, da editora Globo. Charle Cross é um jornalista que foi durante algum tempo editor da The Rocket, uma das mais importantes revistas da região noroeste dos EUA, tendo sido a primeira a sacar a importância do Nirvana e a dar uma matéria sobre o grupo com chamada de capa. Ele é autor dos livros “Le Zeppelin: Heaven and Hell”, “Backstreets: Springsteen”, entre outros. Seus textos são seguidamente publicados na Rolling Stone, Esquire e Spy. Cross mora em Seattle. O cara conhece o assunto. Como li em algum lugar, recentemente, o enterro prematuro é a lei do consumismo. Pena que o tema não seja estudado nos cursinhos de publicidade.

Não há nenhuma razão para que se estabeleçam comparações entre os dois livros. São idéias diferentes. O livro do brasileiro, sem qualquer juízo de valor, é de leitura rápida. Traz as letras das músicas em inglês com uma tradução ao lado, o que facilita o entendimento. Com uma contextualização. Enquanto que o livro do jornalista de Seattle é uma biografia no seu sentido mais tradicional. Não são fragmentos. A leitura de um não invalida a leitura do outro.



Em 23 de janeiro de 1988, numa sessão demo, no Reciprocal Studios, em Seattle, o Nivarna num dos climas mais pesados de toda a carreira do grupo gravava “Paper Cuts”, cuja tradução é “retalhos de jornal”.

A letra da música foi escrita a partir de um episódio real. Uma família mantinha os filhos isolados em um quarto escuro, com as janelas pintadas de preto. A porta só era aberta para empurrar pratos de comida e para retirar os jornais espalhados pelo chão para absorver urina e fezes. A letra de Retalhos de jornal diz: “Na hora da refeição/ela empurrava comida pela porta/E eu me arrasto rumo à brecha de luz/às vezes não consigo achar o caminho/Jornais espalhados em volta/Sugando tudo que podem/ Está na hora de nova faxina/ Uma boa lavada/ A senhora que amo como mãe/Não consegue me olhar nos olhos/Mas eu vejo os delas e eles são azuis/ E se erguem e se torcem e se masturbam/ É o que disse/Nirvana/.

Ao contextualizar a história e a letra, o jornalista brasileiro destaca o fato de que a solidariedade de Kurt Cobain com os jovens envolvidos ocorreu muito em função dele também se sentir um rejeitado. Cobain, na ocasião, teria declarado que conhecia um dos aprisionados no quarto, pois que comprava dele pequenas quantidades de maconha. A letra segue: “Janelas negras de tinta/Que raspei com minhas unhas/Vejo outros como eu/ Porque eles não tentam fugir/ Eles levam pra fora os mais velhos/Apontam na minha direção/Eles chegam como um facho de luz/ E levam minha família embora/.

Kurt encerra letra apontando para a solidariedade com os excluídos e condenando aqueles que apenas ridicularizam a situação: E bem depois eu aprendi/A aceitar alguns companheiros de ridículo/Toda a minha existência é para sua diversão/E é por isso que eu estou aqui com vocês!/ Para levá-los comigo/Direto para o Nirvana/.

O progressivo abandono de todo o radicalismo, o abandono de todos os elementos, de fato insurrecionais, em todos os planos, nos joga no reformismo. Nos tempos atuais, este abandono de todas as tradições radicais nos empurra, crescentemente, para a idéia de que as reformas são salvadoras. Nos empurra na manutenção (apenas) das formas de sobrevivência. Sobreviver é a palavra de ordem. Até quando a vida será apenas a luta pela sobrevivência?

Busco a vida. Agradeço aos meus alunos por aprender, por me possibilitarem descobertas: a história de Kurt Cobain e do Nirvana é recente. Peço desculpas (é verdadeiro o que estou dizendo) não consigo escrever de forma mais anárquica. Cada vez mais tenho dificuldades para encenar o papel de professor. É um paradoxo.

“A violência mudou de sentido. Não que o rebelde tenha se cansado de combater a exploração, o tédio, a pobreza e a morte: o rebelde simplesmente resolveu não combatê-los mais com as armas da exploração, do tédio, da pobreza e da morte. Já que a primeira vítima de tal luta é aquele que se compromete em desprezar sua própria vida. O comportamento suicida se inscreve na lógica do sistema que tira seu proveito do esgotamento gradual da natureza terrestre e da natureza humana.”

Nem revolução, nem reforma. Rebelião sempre.

Em um muro de Chiapas está escrito: somos um exército de sonhadores, por isso somos invencíveis.

Mesmo quando perdemos Kurt Cobain.

#ALGUNS DIREITOS RESERVADOS

Você pode:

  • Remixar — criar obras derivadas.

Sob as seguintes condições:

  • AtribuiçãoVocê deve creditar a obra da forma especificada pelo autor ou licenciante (mas não de maneira que sugira que estes concedem qualquer aval a você ou ao seu uso da obra).

  • Compartilhamento pela mesma licençaSe você alterar, transformar ou criar em cima desta obra, você poderá distribuir a obra resultante apenas sob a mesma licença, ou sob licença similar ou compatível.

Ficando claro que:

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