#CADÊ MEU CHINELO?

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

[gonzo níus] PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE QUALQUER COISA

:: txt :: Fausto Erjili ::

  Disseram que eu havia morrido, que eu estava cheio de formigas na boca, atirado numa valeta por aí, mas posso provar que é boato, na verdade o motivo do meu distanciamento foi justamente para me aproximar das coisas que andam acontecendo aqui e acolá, questão de concentração, sabe? Poder assistir tudo de onde quer que eu estava, sem a interferência do próprio mundo; e posso dizer que deu muito certo, pois vomitava quase todo dia, a princípio pensei que pudesse ter sido o bíter, mas não.

 Ocasionalmente, nessa época de eleições e a copa que a precedeu, eu andava lendo, entre uma parada, rodoviária do interior, ou um posto qualquer, o livro Manifesto Contra o Trabalho, dos ativistas alemães do Grupo krisis (um sujeito me questionou certa feita se o Grupo Krisis era uma banda alemã de krautrock, defenestrei-o), aí eu vi quão amadores são esse pessoal que fica protestando de forma inútil contra coisas idiotas e ainda se acham o máximo. Porra, os caras do Krisis são contra o TRABALHO! Não há nada mais anarquista do que isso. A esquerda política sempre adorou entusiasticamente o trabalho, ela não só o elevou à essência do homem, mas também o mistificou como pretenso contra-princípio do capital, é um princípio coercitivo social! É claro que não há nada de errado com o auto-sustento, uma forma alternativa de se sobreviver, o grande problema são as empresas, os patrões, os bancos, e toda essa gente filha da puta que nos inseriu nesse sistema-labirinto, e isso já há muito, muito tempo atrás; o trabalho está tão enraizado na nossa cultura que sequer cogitamos a possibilidade de pensar que existem outras formas de se sobreviver, sem necessariamente enriquecer essa pelegada, como diria Tony da Gatorra.

  Mas vou mudar de assunto porque nesse exato momento estou sentindo as golfadas. Ontem voltei de viagem, estava cobrindo a grande temporada de Corrida de Charretes, em São Gabriel/RS, que ia da Vila Boa Vista até a Vila Camita, dando voltas e mais voltas por toda a cidade, 19 dias e 20 noites de pura efervescência, poeira pra todo lado, acidentes homéricos, brigas de facão, tiroteio, tudo, é claro, com o maior respeito ao próximo e dentro do espírito desportivo. O vencedor (tive a oportunidade de entrevistá-lo e inclusive tirei photos, mas infelizmente o rolo de 36 poses da fujifilm que coloquei em minha Zenit 122 queimou completamente) foi o Adão Tibiquira, um cara por volta de seus 63 anos, que vestia (durante todo o decorrer do certame) uma calça de tactel com guaiaca, uma camiseta da candidata Sandra Xarão e chinelos Samoa, que falou que estava ali para representar, segundo o próprio, todo o povo deste país chamado São Gabriel, a Terra dos Marechais [sic] e que não via a hora de comemorar a vitória (o prêmio foram duas cestas básicas, cortesia do mercado Três Estrelas) junto com seus ermãos na budega do Juvenal, à base de muita canha de butiá e vanerão.

    Atropelando tudo e finalizando este txt de forma brusca, hoje é 31 de outubro, então vamos celebrar o Dia do Saci, que não por acaso cai no mesmo dia mundial da poupança.

  "Ao vencedor, as batatas!"

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

[baderna] O FIM DA POLÍTICA

:: txt :: Grupo Krisis ::

A crise do trabalho arrasta consigo necessariamente a crise do Estado e, portanto, da política. Basicamente, o Estado moderno deve a sua carreira ao facto de o sistema produtor de mercadorias precisar de uma instância superior que garanta, no quadro da concorrência, os fundamentos jurídicos e os pressupostos da valorização do capital – incluindo um aparelho repressivo para o caso de o material humano se insubordinar contra o sistema. Na sua forma amadurecida de democracia de massas, no século XX, o Estado teve de assumir, de forma crescente, encargos de natureza socio-económica: não apenas o sistema de segurança social, mas também a saúde e a educação, a rede de transportes e de comunicações, infra-estruturas de todo o tipo que se tornaram indispensáveis para o funcionamento da sociedade do trabalho, enquanto sociedade industrial desenvolvida, mas que não podem ser organizadas de acordo com o processo de capitalização da economia empresarial. E isto porque as infra-estruturas têm de estar permanentemente disponíveis para o conjunto da sociedade e têm de cobrir todo o território, não podendo portanto ser obrigadas a adaptar-se às conjunturas da oferta e da procura no mercado.

Mas como o Estado não é uma unidade autónoma de valorização do capital, e portanto não pode transformar trabalho em dinheiro, tem de ir buscar dinheiro ao processo de capitalização realmente existente para financiar as suas tarefas. Esgotado o processo de ampliação do capital, esgotam-se também as finanças do Estado. Aquele que parecia ser o soberano da sociedade revela-se afinal totalmente dependente da cega e fetichizada economia da sociedade do trabalho. Pode legislar como bem entender, mas, quando as forças produtivas crescem para além do sistema de trabalho, o direito estatal positivo fica no vazio, uma vez que só pode referir-se a sujeitos do trabalho.

Com o desemprego de massas, sempre crescente, secam as receitas estatais provenientes dos impostos sobre os rendimentos do trabalho. As redes sociais rompem-se assim que se atinge uma massa crítica de «supérfluos» que, em termos capitalistas, só podem ser alimentados através da redistribuição de outros rendimentos financeiros. Na situação de crise, com o acelerado processo de concentração do capital, que ultrapassa as fronteiras das economias nacionais, desaparecem também as receitas fiscais resultantes da tributação dos lucros das empresas. Os trusts transnacionais obrigam os Estados em competição pelos investimentos à prática do dumping fiscal, social e ecológico.

É precisamente este processo que leva o Estado democrático a transformar-se em mero administrador da crise. Quanto mais se aproxima do estado de emergência financeira, mais se reduz ao seu núcleo repressivo. As infra-estruturas são orientadas segundo as necessidades do capital transnacional. Como outrora nos territórios coloniais, a logística social restringe-se cada vez mais a um número restrito de centros económicos, enquanto o resto fica abandonado. Privatiza-se o que pode ser privatizado, mesmo que com isso cada vez mais pessoas fiquem excluídas das mais elementares formas de abastecimento. Quando a valorização do capital se concentra num número cada vez menor de ilhas do mercado mundial, deixa de ser possível dar cobertura ao abastecimento das populações em todo o território.

Na medida em que tal não diga directamente respeito aos sectores relevantes para a economia, já não interessa saber se os comboios andam ou se as cartas chegam ao destino. A educação passa a ser um privilégio dos vencedores da globalização. A cultura intelectual, artística e teórica é entregue ao critério do mercado e agoniza. O sistema de saúde deixa de ser financiável e degenera num sistema de classes. Primeiro lenta e disfarçadamente, depois de modo aberto, passa a valer a lei da eutanásia social: quem é pobre e «supérfluo» deve morrer mais cedo.

Apesar de toda a abundância de conhecimentos, capacidades e meios da medicina, da educação, da cultura, da infra-estrutura geral, a lei irracional da sociedade do trabalho, objectivada em termos de «restrição ao financiamento», fecha-os a sete chaves, desmantela-os e atira-os para a sucata – exactamente como acontece com os meios de produção agrários e industriais que deixaram de ser «rentáveis». O Estado democrático, transformado num sistema de apartheid, nada mais tem para oferecer àqueles que até agora eram os cidadãos do trabalho do que a simulação repressiva da ocupação em formas de trabalho barato e coercivo, e o desmantelamento de todas as prestações sociais. Num estádio mais avançado, é a própria administração estatal que pura e simplesmente se desmorona. Os aparelhos de Estado tornam-se mais selvagens, transformando-se numa cleptocracia corrupta, os militares transformam-se em bandos armados mafiosos e a polícia em assaltantes de estrada.

Não há política no mundo que possa parar este desenvolvimento e, muito menos, invertê-lo. Pois a política é, por essência, uma acção em referência ao Estado; consequentemente, com a desestatização, ela fica sem objecto. A fórmula democrática de esquerda, que fala da «progressiva configuração política» das relações sociais, torna-se cada dia mais ridícula. Para além de uma repressão sem fim, do desmantelamento da civilização e do apoio ao «terror económico», já não há nada para «configurar». Uma vez que a finalidade autotélica da sociedade do trabalho é o pressuposto axiomático da democracia política, não pode haver nenhuma regulação político-democrática para a crise do trabalho. O fim do trabalho é o fim da política.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

[bolo'bolo] YALU


   Os bolos tendem a produzir sua comida tão perto quanto possível de suas construções centrais, de modo a evitar transportes e viagens longas, o que naturalmente significa perda de tempo e de energia. Por motivos semelhantes haverá muito menos importação de petróleo, forragem e fertilizantes. Métodos apropriados de cultivo, uso cuidadoso do solo, rodízios e combinação de diferentes plantios são necessários sob essas condições. O abandono da agricultura industrializada de larga escala não resulta necessariamente na redução da produção, porque pode ser compensada por métodos mais intensivos (já que existe uma força de trabalho agrícola maior) e pela preferência por calorias e proteínas vegetais. Milho, raízes, soja e outros feijões podem garantir combinações para uma alimentação segura*. A produção animal (que consome imensas quantidades exatamente das colheitas mencionadas acima) deverá ser reduzida e descentralizada, bem como, em grau menor, a produção de laticínios. Haverá bastante carne, mas porcos, galinhas, coelhos, ovelhas e cabras serão encontrados em volta dos bolos, nos quintais, correndo pelas antigas ruas. Assim, sobras de qualquer tipo podem ser usadas de uma forma integrada par produzir carne.

    Será que a comida do bolo’bolo vai ser mais monótona? Decairá a gastronomia, já que a importação exótica e produção em massa de bifes, galetos, filés e picanhas será drasticamente reduzida? Será a Idade das Trevas dos gourmets? É verdade que se pode encontrar uma grande variedade de comidas em supermercados dos Trabalhadores A – cocos no Alaska, mangas em Zurich, vegetais no inverno, todos os tipos de frutas em lata e de carnes. Mas ao mesmo tempo a comida nativa é freqüentemente preterida, apesar de sua qualidade e frescor. Onde a variedade de comida local é pouca (por motivos de baixa produção, ou porque seu cultivo é intensivo demais sob certas condições econômicas), há importações onerosas de produtos de baixa qualidade, sem gosto, defeituosos, pálidos e aguados, vindo de áreas onde a mão-de-obra é barata. É uma falsa variedade, e só por esta razão a novíssima alta cozinha francesa se tornou a cuisine du marché, ou seja, usa comida fresca e produzida no local. Produção massiva de comida e distribuição internacional não são apenas nonsense e razão da permanente crise de fome mundial: também não nos dão uma boa comida.

    A verdadeira gastronomia e a qualidade da nutrição não dependem de importações exóticas e da disponibilidade de carnes. Cultivos e criações caprichados, tempo, refinamento e inventividade são muito mais importantes. O lar da família nuclear não se presta a esses requisitos: o horário das refeições é muito curto, e o equipamento muito pobre (mesmo sendo altamente mecanizado). Força a dona-de-casa ou outros membros da família a cozinha de maneira simples e rápida. Em grandes kana ou cozinhas de bolos, pode haver um excelente restaurante (grátis) em cada bloco, e ao mesmo tempo uma redução de trabalho, energia e desperdício. A ineficiência e a baixa qualidade culinária das pequenas casas é justamente a contrapartida da agroindustrialização.

    Em muitos casos, cozinhar é um elemento essencial na identidade cultural de um bolo, e nesse contexto não é realmente trabalho, mas parte das paixões artísticas produtivas de seus membros. É exatamente a identidade cultural (nima) que traz mais variedade à cozinha, não o valor dos ingredientes. É por isso que muitos pratos simples (e freqüentemente sem carne) de um país ou de uma região são especialidades em outro lugar. Spaghetti, pizza, moussaka, chili, tortillas, tacos, feijoada, nasi-goreng, curry, cassoulet, sauerkaut, goulash pilaf, borsht, couscous, paella, etc. são pratos populares relativamente baratos em seus países de origem.

    A possível variedade de identidades culturais nos bolos de uma determinada cidade produz a mesma variedade de cozinhas. Numa cidade há tantos bolo-restaurantes típicos quantos bolos existirem, e o acesso a todos os tipos de comidas étnicas ou outras será muito mais fácil. Hospitalidade e outras formas de troca permitem um intenso intercâmbio de comensais e cozinheiros entre os bolos. Não há razão para a qualidade desses bolo-restaurantes (eles podem ter diferentes formas e locais) não ser mais alta que a dos restaurantes de hoje, particularmente devido à redução do stress: não haverá necessidade de calcular custos, nem correrias, nem horários de almoço ou de jantar (a hora das refeições vai depender sempre da bagagem cultural de cada bolo). No geral haverá mais tempo para a produção e preparação de comida, já que isso faz parte da autodefinição de um bolo. Não existirão multinacionais de alimentos, nem supermercados, nem garçons nervosos, donas-de-casa estafadas, cozinheiros em turnos eternos...

    Uma vez que o frescor dos ingredientes é crucial para a boa cozinha, as hortas perto do bolo são muito práticas (na zona 1). Os cozinheiros podem plantar muitos ingredientes pertinho da porta da cozinha, ou conseguí-los em cinco minutos de uma horta próxima. Teremos muito tempo e espaço para esses cultivos em pequena escala: ruas convertidas ou estreitadas, garagens de automóveis, tetos de laje, terraços, canteiros e parques puramente decorativos, áreas de fábricas, pátios, porões, viadutos, lotes vazios, todos estarão cheios de terra para hortas, galinheiros, ranários, lagos de peixes e patos, tocas de coelhos, morangos, culturas de cogumelos, pombais, colmeias (a melhor qualidade do ar vai ajudar muito), árvores frutíferas, plantações de cannabis, vinhas, estufas, culturas de algas, etc. Os ibus vão estar rodeados por todos os tipos de produção molecular de comida. (E é claro que cachorros também são comestíveis.)

    Os ibus terão tempo bastante para coletar comida em bosques e outras áreas não cultivadas: cogumelos, amoras, camarões de água doce, mexilhões, pescados, lagostas, caracóis, castanhas, aspargos selvagens, insetos de todos os tipos, caça miúda, urtigas e outras plantas selvagens, nozes, faias, caroços de jaca, cocos de todos os tipos, bardana, bolotas de carvalho, etc. Podem servir para fazer pratos surpreendentes. Embora a dieta básica possa ser (dependendo da identidade cultural do bolo) monótona (milho, inhame, feijão, couve) pode variar com inumeráveis molhos e pratos complementares. (Mesmo que a gente assuma no momento uma puramente ecológica atitude do menor esforço.)

    Outra fonte de enriquecimento da bolo-cozinha é trazida pelos ibus viajores, hóspedes ou nômades. Eles introduzem temperos novos, molhos, ingredientes e receitas de países distantes. Como esses tipos de produtos exóticos só são necessários em pequenas quantidades, não há problema de transporte e eles estarão disponíveis em maior variedade do que hoje. Outra possibilidade para o ibu conhecer cozinhas interessantes é viajar; já que recebe hospitalidade onde quer que vá, pode provar os pratos originais de graça. Em vez de transportar produtos exóticos e especialidades em massa, com a conseqüente deterioração do ambiente, é mais razoável fazer de vez em quando uma volta ao mundo gastronômica. Como o ibu tem todo o tempo que quiser, o próprio mundo se tornou um supermercado real.

    Conservar, fazer picles, engarrafar, desidratar, defumar, curar e congelar (que são energeticamente razoáveis para uma kana inteiro ou um bolo) podem contribuir para a variedade da comida durante o ano inteiro. As despensas dos bolos vão ser muito mais interessantes do que as nossas geladeiras de hoje. Os diferentes tipos de vinho, cerveja, licor, uísque, queijo, tabaco, salsichas e drogas vão se desenvolver como especialidades de certos bolos e serão trocados entre eles. (Como era na Idade Média, quando cada monastério tinha sua especialidade.) O poder dos prazeres que foram destruídos e nivelados pela produção de massa pode ser restaurado, e redes de relações pessoais entre peritos vão se espalhar pelo planeta inteiro.



*Soja, milho, painço e tubérculos podem garantir a ração mínima, mas sozinhos não representam uma alimentação saudável. Têm que ser combinados com carne, vegetais, ovos, gorduras, óleos, queijo, ervas e temperos. A soja contém 33% mais proteína por unidade de superfície do que qualquer outra colheita. Combinada com arroz, milho ou trigo, seu aporte protéico aumenta de 13 a 42%. Ela pode ser usada para produzir uma ampla variedade de alimentos: leite de soja, queijo (tofu), tofu desidratado, okara (fibras), molho de soja (shoyu), massa de soja (misso), farinha de soja, especialidades regionais como tempeh, yuba, nato e um sem-número de outras. Na África, o feijão niebe é quase tão prático quanto o feijão de soja, (Albert Tevoedjre, La Pauvreté-Richesse des Peuples, Les Editions Ouvrières, Paris, 1978, p. 85.) Um dos problemas iniciais quanto à auto-suficiência baseada nessas colheitas será reintroduzir o material genético original (sementes) que foi substituído pelos produtos industriais, geralmente instáveis e vulneráveis.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

[agência pirata] O RETORNO DE GEORGE ORWELL


:: txt :: John Pilger ::
:: trdç :: Mariana Bercht Ruy ::

Uma noite dessas, assisti ao 1984, de George Orwell, interpretado no teatro, em Londres. Apesar de clamar por uma interpretação contemporânea, o alerta de Orwell sobre o futuro foi apresentado como algo de época: remoto, pouco ameaçador , quase tranquilizador. Foi como se Edward Snowden não tivesse revelado nada, o Grande Irmão não fosse um bisbilhoteiro digital e o próprio Orwell nunca tivesse dito “ninguém precisa viver em um país totalitário para ser corrompido pelo totalitarismo”.

Aclamada pela crítica, a hábil produção foi um sinal de nossos tempos, políticos e culturais. Quando as luzes acenderam, as pessoas já estavam de saída. Pareciam indiferentes, ou talvez outras distrações as atraíssem. “Que confusão”, disse uma jovem, ao ligar seu celular.

À medida que sociedades avançadas vão sendo despolitizadas, as mudanças são tão súbitas quanto espetaculares. No discurso cotidiano, a fala política está de ponta cabeça, como Orwell profetizou em 1984. “Democracia” transformou-se em um aparato retórico. Paz é “guerra permanente”. “Global” é imperial. O conceito, uma vez esperançoso, de “reforma” agora significa regressão, e mesmo destruição. “Austeridade” é a imposição do capitalismo extremo aos pobres e a benção da socialização das perdas para os ricos: um engenhoso sistema no qual a maioria paga as contas da minoria.

Nas artes, a hostilidade a quem diz verdades políticas é um artefato da fé burguesa. “O período vermelho de Picasso e por que política não faz boa arte”, diz uma manchete do Observer. Considere isso em um jornal que promoveu o banho de sangue no Iraque como uma cruzada liberal. A vida de Picasso, de oposição ao fascismo, é apenas uma nota de rodapé, assim como o radicalismo de Orwell desbotou do prêmio que leva seu nome.

Alguns anos atrás, Terry Eagleton, então professor de Literatura Inglesa na Universidade de Manchester, avaliou que “pela primeira vez em dois séculos, não há nenhum poeta, dramaturgo ou romancista eminente inglês preparado para questionar os alicerces do modo de vida ocidental” Nenhum Shelley fala pelos pobres, ou Blake pelos sonhos utópicos; nenhum Byron condena a corrupção da classe dominante, nenhum Thomas Carlyle ou John Ruskin revela o desastre moral do capitalismo. William Morris, Oscar Wilde, H. G. Wells, George Bernard Shaw, nenhum tem equivalentes hoje. Harold Pinter foi o último a erguer sua voz. Entre as insistentes vozes dos consumidores de feminismo, nenhuma ecoa Virginia Woolf, que descreveu “ as artes de dominar outras pessoas… de mandar, de matar, de adquirir terra e capital”.

No National Theatre, uma nova peça, Great Britain, satiriza o escândalo da vigilância telefônica que levou a julgamento e condenou jornalistas, incluindo um antigo editor do News of the World, de Rupert Murdoch . Descrita como uma “farsa com dentes [que] põe toda a cultura incestuosa [midiática] na berlinda e a sujeita ao ridículo impiedoso”, a peça tem como alvos os “abençoadamente engraçados” personagens dos tabloides britânicos. Isso é muito bom, e também muito familiar. O que dizer da mídia não sensacionalista que se considera honrada e digna de crédito, mas desempenha um papel paralelo como arma de Estado e do poder corporativo, como na promoção da guerra ilegal?

O inquérito Leveson sobre vigilância telefônica permitiu ver de relance estes fatos impronunciáveis. Tony Blair dirigia-se ao público , reclamando ao Seu Senhor sobre o assédio dos tabloides à sua mulher, quando foi interrompido por uma voz da plateia. David Lawley-Wakelin, um cineasta, demandava a prisão de Blair por crimes de guerra. Houve uma grande pausa: o choque da verdade. Lorde Leveson ficou em pé em um salto, mandou expulsar o contador de verdades e pediu desculpas ao criminoso de guerra. Lawley-Wakelin foi processado; Blair ficou livre.

Os cúmplices permanentes de Blair são mais respeitáveis que grampeadores de telefone. Quando a apresentadora de artes da BBC, Kirsty Wark, entrevistou-o no décimo aniversário da invasão ao Iraque, ela o presenteou com um momento com o qual ele só poderia sonhar. Permitiu-lhe lamentar sua “difícil” decisão no Iraque, ao invés de chamá-lo a prestar contas sobre o seu crime épico. Isso fez lembrar a procissão de jornalistas da BBC, que, em 2003, declararam que Blair poderia se sentir “vingado” e o subsequente seriado da BBC, “The Blair Years”, para o qual David Aaronovitch foi escolhido como escritor, apresentador e entrevistador. Um bate-pau de Murdoch que fez campanha em favor dos ataques militares ao Iraque, Líbia e Síria, Aaronovitch soube bajular com esperteza.

Desde a invasão do Iraque – exemplo dum ato de agressão não provocada, algo que o procurador de Nuremberg, Robert Jackson, chamou de ”o supremo crime internacional, que diferencia-se dos outros crimes de guerra por conter acumulado em si todo o mal” – Blair e seu porta-voz e principal cúmplice, Alastair Campbell, têm recebido espaços generosos no The Guardian para reabilitar suas reputações. Descrito como uma “estrela” de partidos trabalhistas, Campbell buscou a simpatia de seus leitores por sua depressão e exibiu seus interesses, embora escondesse seu atual – de conselheiro, junto com Blair, da tirania militar egípcia.

Enquanto o Iraque vai sendo desmembrado como consequência da invasão de Blair e de Bush, uma manchete do Guardian declara: “Derrubar Saddam estava certo, mas fizemos isso muito cedo”. Isso coincide com um proeminente artigo de 13 de Junho, escrito por um antigo funcionário de Blair, John McTernan, que também serviu ao ditador iraquiano instalado pela CIA, Iyad Allawi. Ao falar da invasão repetida a um país que seu antigo mestre havia ajudado a destruir, McTernan não faz nenhuma referência às mortes de pelo menos 700 mil pessoas, à fuga de quatro milhões de refugiados e ao tumulto sectário de uma nação outrora orgulhosa da sua tolerância comum.

“Blair encarna a corrupção e a guerra”, escreveu o colunista radical do Gardian, Seumas Milne, em um artigo espirituoso em 3 de Julho. No comércio, isso é conhecido como “balanço”. No dia seguinte, o jornal publicou um anúncio de página inteira de um bombardeiro invisível norte-americano. Na imagem ameaçadora do avião, estavam as palavras ”O F-35. ÓTIMO para a Grã-Bretanha”. Essa outra encarnação da “corrupção e da guerra” vai custar aos contribuintes britânicos 2,1 bilhões de dólares, e seus modelos antecessores têm massacrado gente pelo mundo em desenvolvimento.

Em uma vila no Afeganistão, habitada pelos mais pobres dentre os pobres, filmei Orifa, ajoelhada no túmulo de seu marido, Gul Ahmed, um tecelão de tapetes, e de sete outros membros da sua família, incluindo seis filhos e duas crianças que foram mortas na casa adjacente. Uma bomba de “precisão” de mais de duzentos quilos caiu diretamente na sua casa de lama, pedras e palha, deixando uma cratera de 15 metros de largura. A Lockheed Martin,fabricante do avião, teve lugar de honra na propaganda do The Guardian.

A antiga secretária de Estado e aspirante a Presidente dos Estados Unidos, Hillary Clinton, esteve recentemente no quadro da BBC “Hora das Mulheres” [“Women's Hour”], a quintessência da respeitabilidade da mídia. A apresentadora, Jenni Murray, apresentou Clinton como um farol das conquistas femininas. Ela não lembrou seus ouvintes sobre a mistificação de Clinton, segundo a qul o Afeganistão foi invadido para “liberar” mulheres como Orifa. Ela não perguntou nada a ex-secretária sobre a campanha de terror, conduzida por seu governo, usando drones, para matar mulheres, homens e crianças. Não houve menção à ameaça vã de Clinton, durante sua campanha para ser a primeira presidente mulher, de “eliminar” o Irã, e nada sobre o seu apoio à vigilância maciça e ilegal sobre os cidadãos e a perseguição a quem a denuncia.

Ah, sim – Murray fez uma pergunta indiscreta. Clinton perdoou Monica Lewinsky por ter um caso com seu marido? “O perdão é uma escolha”, disse Clinton, “para mim, foi certamente a melhor escolha ”. Isso fez lembrar a década de 90 e os anos consumidos pelo “escândalo” Lewinsky. O Presidente Bill Clinton estava, então, invadindo o Haiti e bombardeando os Balcãs, a África e o Iraque. Ele também estava destruindo a vida de crianças iraquianas; a Unicef reportou que as mortes de meio milhão de crianças iraquianas com menos de cinco anos foi resultado de um embargo liderado pelos EUA e a Grã-Bretanha.

As crianças não eram pessoas para a mídia, assim como as vítimas de Hillary Clinton nas invasões que ela apoiou e promoveu – Afeganistão, Iraque, Iêmen, Somália – não são pessoas para a mídia. Murray não fez referências a elas. Uma fotografia dela e da sua distinta convidada, sorridentes, aparece no site da BBC.

Na política, assim como no jornalismo e nas artes, parece que a dissidência, antes tolerada no “mainstream”, voltou a ser uma dissidência: um submundo metafórico. Quando comecei uma carreira na imprensa britânica, nos anos 60, era aceitável criticar o poder ocidental como uma força voraz. Leia os festejados relatos de James Cameron sobre a explosão da bomba de hidrogênio no Atol de Bikini, a guerra bárbara na Coreia e o bombardeio americano no Vietnã do Norte. A grande ilusão de hoje é sobre uma suposta Era da Informação quando, na verdade, vivemos em uma Era da Mídia, na qual a incessante propaganda corporativa é insidiosa, contagiosa, efetiva e liberal.

Em seu ensaio “Sobre a Liberdade” [“On Liberty”], de 1859, ao qual os liberais modernos prestam homenagem, John Stuart Mill escreveu: “Despotismo é um modo legítimo de governo no trato com bárbaros, desde que o fim seja melhorá-los, e tendo os meios justificados pelo cumprimento do objetivo”. Os “bárbaros” eram grandes setores da humanidade de quem era exigida “obediência implícita”. “É um mito bom e conveniente que os liberais são promotores da paz e os conservadores são os fomentadores da guerra”, escreveu o historiador Hywel Williams em 2001, “mas o imperialismo da veia liberal talvez seja mais perigoso, por causa da sua natureza aberta: sua convicção de que representa uma forma de vida superior”. Ele tinha em mente um discurso de Blair, em que o então primeiro ministro prometeu “reorganizar o mundo ao redor de nós” de acordo com os seus “valores morais”.

Richard Falk, respeitada autoridade em lei internacional e Relator Especial da ONU na Palestina, uma vez descreveu uma “tela moral e legal hipócrita, de via única, com imagens positivas de valores ocidentais e da inocência retratada como sob ameaça, que valida uma campanha de violência política irrestrita”. Isso é “tão amplamente aceito que é virtualmente incontestável.”

Posse e proteção recompensam os que se submetem. Na Rádio 4 da BBC, Razia Igbal entrevistou Toni Morrison, a afro-americana laureada pelo Nobel. Morrison se perguntava por que as pessoas estavam “tão bravas” com o Barack Obama, que era “legal” e desejava construir uma “economia e assistência médica fortes”. Morrison estava orgulhosa de ter falado ao telefone com o seu herói, que leu um de seus livros e a convidou à cerimônia de sua posse .

Nem ela, nem sua entrevistadora, mencionaram as sete guerras de Obama, nem a sua campanha de terror com drones, na qual famílias inteiras foram executadas, assim como quem tentava socorrê-las ou orava por elas. O que parecia importar era que um homem negro e “de fala elegante” havia subido ao mais alto comando do poder. Em “Os Condenados da terra”, Frantz Fanon escreveu que a “missão histórica” dos colonizados era servir de “linha de transmissão” para aqueles que comandavam e oprimiam. Nos tempos atuais, o emprego da diferença étnica no poder e sistema de propaganda ocidentais é visto como essencial. Obama exemplifica isso, ainda que o gabinete de George W. Bush – sua panelinha belicosa – tenha sido o mais multirracial na história presidencial.

Quando a cidade iraquiana de Mosul caía sob o poder dos jihadistas do ISIS, Obama afirmou: “O povo americano faz grandes investimentos e sacrifícios para dar aos iraquianos a oportunidade de traçar um destino melhor”. Quão “legal” é essa mentira? Quão “elegantemente falado” foi o discurso de Obama na academia militar West Point, em 28 de maio? Quando fez seu discurso a respeito da “situação mundial”, na cerimônia de graduação daqueles que “vão exercer a liderança americana” ao redor do mundo, Obama disse: “Os Estados Unidos vão usar força militar, unilateralmente se necessário, quando os nossos interesses centrais demandarem isso. A opinião internacional importa, mas a América nunca vai pedir permissão…”

Ao repudiar o direito internacional e os direitos das nações independentes, o presidente norte-americano reivindica uma divindade baseada no poder da sua “nação indispensável”. Essa é uma mensagem familiar da impunidade imperial. Evocando o começo do fascismo na década de 30, Obama disse: “eu acredito na excepcionalidade americana com todas as fibras do meu ser”. O historiador Norman Pollack escreveu: “No lugar da marcha ao passo de ganso [típica do fascismo], coloque a militarização de toda a cultura, aparentemente mais inócua. E em vez do líder tonitruante, nós temos o projeto de reformista, alegre no seu trabalho, planejando e executando assassinatos, sorrindo todo o tempo’.

Em fevereiro, os EUA montaram um dos seus golpes “coloridos” contra o governo eleito na Ucrânia, explorando protestos genuínos contra a corrupção em Kiev. A secretária de Estado assistente de Obama, Victoria Nuland, escolheu pessoalmente o líder para um “governo interino”. Ela o apelidou “Yats”. O vice presidente Joe Biden foi a Kiev, assim como o diretor da CIA, John Brennan. As tropas de choque do seu putsch eram fascistas ucranianos.

Pela primeira vez desde 1945, um partido neo-nazista, abertamente anti-semita, controla setores fundamentais do poder público em uma capital europeia. Nenhum líder europeu ocidental condenou essa recuperação do fascismo na fronteira através da qual as tropas invasoras de Hitler tiraram milhões de vidas russas. Eles eram apoiados pelo Exército Insurgente Ucraniano (UPA), responsável pelo massacre de judeus e russos que chamam de “vermes”. O UPA é a inspiração histórica do atual Partido Svoboda e seus companheiros de viagem da direita. O lider do Svoboda, Oleh Tyanybok, pediu o expurgo da “máfia moscovita-judia” e “outra escória”, incluindo gays, feministas e pessoas de esquerda.

Desde o colapso da União Soviética, os Estados Unidos cercaram a Rússia de bases militares, aviões nucleares de guerra e mísseis, como parte do seu Projeto de Ampliação OTAN. Renegando uma promessa feita ao presidente soviético Mikhail Gorbachev em 1990, de que a não se expandiria “uma polegada para o leste”, a OTAN tem, com efeito, ocupado militarmente a Europa Oriental. No antigo Cáucaso Soviético, a expansão da OTAN é a maior mobilização militar desde a Segunda Guerra Mundial.

O Plano de Ação para Adesão à OTAN é o presente de Washington ao regime golpista em Kiev. Em Agosto, a “Operação Rapid Trident” vai colocar tropas norte-americanas e britânicas na fronteira russa da Ucrânia; e a “Sea Breeze” vai colocar navios de guerra estadunidenses tão próximos dos portos russos que poderão ser vistos a olho nu. Imagine a resposta, se esses atos de provocação e intimidação fossem executados nas fronteiras americanas.

Na recuperação da Crimeia – que Nikita Kruschev separou ilegalmente da Rússia, em 1954 – os russos defenderam-se como têm feito por quase um século. Mais de 90% da população da Crimeia votou favoravelmente a reincorporar o território à Rússia. A Crimeia é a base da Frota do Mar Negro e sua perda significaria vida ou morte para a Marinha Russa e um prêmio para a OTAN. Confundindo as forças em guerra em Washington e Kiev, Vladimir Putin retirou as tropas da fronteira ucraniana e pediu aos russos do leste da Ucrânia que abandonassem o separatismo.

De maneira orwelliana, isso foi invertido no Ocidente, para se converter na “ameaça Russa”. Hillary Clinton associou Putin a Hitler. Sem ironia, comentaristas de direita alemães disseram o mesmo. Na mídia, os neo-nazistas ucranianos são tratados com eufemismos: “nacionalistas”, ou “ultra-nacionalistas”. O que eles temem é que Putin esteja buscando uma saída diplomática e talvez tenha sucesso. Em 27 de junho, em resposta ao último ajuste de Putin – seu pedido ao parlamento russo para rescindir da lei que lhe deu poder para intervir pelos russos na Ucrânia – o secretário de Estado John Kerry emitiu mais um de seus ultimatos. A Rússia deveria “agir dentro das próximas horas, literalmente” para acabar com a revolta no leste da Ucrânia. Não obstante Kerry seja amplamente reconhecido como um bufão, o propósito sério desses “avisos” é conferir à Rússia o status de pária e suprimir as notícias da guerra do regime de Kiev ao seu próprio povo.

Um terço da população da Ucrânia é russo-falante e bilíngue. Buscam há muito tempo uma federação democrática que reflita a diversidade étnica da Ucrânia e que seja tanto autônoma quanto independente de Moscou. A maioria não é nem “separatista” nem “rebelde”, mas cidadãos que querem viver com segurança em seu país. O separatismo é uma reação aos ataques da junta de Kiev contra eles, que provocaram a fuga de cerca de 110 mil pessoas (segundo estimativa da ONU)pela fronteira, em direção à Rússia. Tipicamente, são mulheres e crianças traumatizadas.

Assim como as crianças vítimas do embargo ao Iraque, ou as mulheres e crianças “liberadas” do Afeganistão, aterrorizadas pelos senhores da guerra da CIA, esse povo étnico da Ucrânia não é gente para a mídia ocidental. Seu sofrimento e as atrocidades cometidas contra ele são minimizados ou suprimidos. Nenhum senso da escala da agressividade do regime é relatado nos meios de comunicação ocidental tradicionais. Isso não é sem precedentes. Relendo o magistral “A Primeira Vítima: o correspondente de guerra como herói, propagandista, e criador de mitos” de Phillip Knightley, pude renovar minha admiração por Morgan Philips Price, que, pelo Manchester Guardian, foi o único repórter ocidental a permanecer na Rússia durante a revolução de 1917 e reportar a verdade sobre a desastrosa invasão dos aliados ocidentais. Justo e corajoso, Philips Price sozinho sacudiu aquilo que Knightley chama de “silêncio negro” anti-russo no Ocidente.

Em 2 de maio, em Odessa, 41 ucranianos de etnia russa foram queimados vivos na sede da central sindical, com a polícia assistindo. Há um vídeo horrível como evidência. O líder da direita, Dmytro Yarosh, comemorou o massacre como “mais um dia brilhante na nossa história nacional”. Na mídia norte-americana e britânica, o ocorrido foi reportado como uma “tragédia obscura”, resultando de confrontos entre “nacionalistas” (neo-nazistas) e “separatistas” (pessoas coletando assinaturas para um referendo em favor de um sistema federativo para a Ucrânia. O New York Times enterrou a notícia, tendo considerado “propaganda russa” os alertas sobre as políticas fascistas e anti-semitas dos novos clientes de Washington. O Wall Street Journal responsabilizou as vítimas – “Incêndio Ucraniano Mortal Iniciado por Rebeldes, diz o governo”. Obama felicitou a junta pela sua “moderação”.

No dia 28 de junho, o Guardian dedicou a maior parte de uma página às declarações do “presidente” do regime de Kiev, o oligarca Petro Poroshenko. Novamente, a regra de inversão de Orwell aplicada. Não havia golpe; não havia guerra contra a minoria ucraniana; os russos eram culpados de tudo. “Nós queremos modernizar nosso país”, disse Poroshenko. “Nós queremos introduzir liberdade, democracia e valores europeus. Alguém não gosta disso. Alguém não gosta de nós por isso.”

Segundo seu próprio texto, o repórter do Guardian, Luke Harding, não questionou estas afirmações, nem mencionou o massacre de Odessa, os ataques do regime, por ar e canhões, contra áreas residenciais, a execução e sequestro de jornalistas, a explosão de um jornal de oposição e a ameaça de Poroshenko de “livrar a Ucrânia da sujeira e dos parasitas”. Os inimigos são os “rebeldes”, “militantes”, “isurgentes”, “terroristas” e lacaios do Kremlin. A história evoca os fantasmas do Vietnã, Chile, Timor Leste, África do Sul, Iraque; observe os mesmos rótulos. A Palestina é o sinal mais claro dessa manipulação imutável. Em 11 de julho, na sequência de mais um massacre israelense em Gaza, praticado com equipamento americano, em Gaza – 80 pessoas, incluindo seis crianças em uma família foram mortas –, um general israelense encreveu, no Guardian, um texto intitulado: “Uma demonstração de força necessária”.

Na década de 70, conheci Leni Riefenstahl e perguntei a ela a respeito dos seus filmes que glorificavam os nazistas. Usando técnicas revolucionárias de luz e câmera, ela produziu um documentário que hipnotizou os alemães; era o seu “O Triunfo da Vontade” que, como se sabe, lançou o feitiço de Hitler. Perguntei a ela sobre a propaganda nas sociedades que se consideram superiores. Ela respondeu que as “mensagens” nos seus filmes eram dependentes não das “ordens de cima”, mas de um “vazio submisso” na população alemã. “Isso inclui a burguesia liberal e educada?” perguntei. “Todos,” ela respondeu, “e, é claro, a intelligentsia”.

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