#CADÊ MEU CHINELO?

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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

[agência pirata] SEXUALIDADE DA MACONHA



::txt::Sergio Vidal::

Primeiro peço desculpas por esse texto está mais uma semana saindo atrasado. É realmente difícil acompanhar o ritmo intenso da redação do Hempadão, e continuo me esforçando, mas as vezes não dá para ser pontual. Me desculpem. Agora vamos direto a mensagem dessa semana, que tem haver com a sexualidade da cannabis e as diferenças entre plantas macho e fêmeas.

"Me dei liberdade de tirar uma duvida com vocês, eu cultivo outdoor tbm, mas comecei esse ano, ja li muitos livros mas não encontrei muita coisa sobre o sexo da planta, e pela primeira vez acho que nasceu "macho", dizem só dar semente né, então, ela entrou na pré-floração e está saindo uns botões, típicos de sementes, mas em apenas um dos galhos, há a possibilidade de ela ser hemafrodita ? dar flor e semente ? e se o sexo da planta é definido durante o crescimento, pela quantidade de sol e agua, isso existe? mandarei algumas fotos, espero que possam me ajudar"

Essa mensagem é realmente muito legal por nos dar a oportunidade de discutir alguns temas importantes para as pessoas que cultivam cannabis. A mensagem também é uma oportunidade única, pois pela primeira vez um leitor enviou as fotos das suas plantinhas para ajudar a tirar sua dúvida. Algumas pessoas não sabem, mas maconha é uma planta que se reproduz de forma sexuada. Os espécimes têm sexos bem distintos, com funções reprodutivas próprias. A planta macho tem flores parecidas com pequenas bolsas, sacos no formato de bananinhas, onde é produzido o polém. Quando as flores macho se abrem, liberam polém por todo ambiente, com a intenção de fecundar as plantas fêmeas. Ao contrário do que o leitor falou, a planta macho não produz as sementes sozinhas. O macho produz o polém, e o polém fecunda as flores fêmeas. São as plantas fêmeas que fazem a gestação do polém e produzem as sementes.

As flores fêmeas e macho são bastante distintas. As flores fêmeas parecem minúsculos cálices, onde abrigam as sementes. Muita gente não sabe, mas só quem produz resina psicoativa em quantitade suficiente para ser considerada droga são as plantas fêmeas. Em outras palavras, só as fêmeas dão algum barato. Quando não são fecundadas, as plantas fêmeas continuam produzindo resina psicoativo até sua completa maturação. Quando são polinizadas, as plantas fêmeas desviam a energia que era destinada à produção de resina, e passam a produzir as sementes. A maior parte dos cultivadores elimina todas as plantas com flores macho antes delas se abrirem e liberarem o polém. Assim, eles obtem plantas fêmeas extremamente resinadas, pois elas continuarão produzindo resina até o momento da colheita, sem que haja qualquer polinização. Essa técnica é conhecida a milhares de anos, mas só mais recentemente, a partir da década de 1960, ela passou a ficar mais conhecida pelos cultivadores comerciais. Praticamente em todos os países do mundo a maconha vendida no mercado, seja ele lícito ou ilícito, não tem sementes. Por isso a maconha de alta potencia é conhecida em muitos países pelo nome de sinsemilla, ou sem semente.

Poucos lugares, como no Brasil, a maconha é vendida com grande quantidade de sementes. É importante também informar que algumas plantas têm tendencia genética ao hermafroditismo, ou seja, a produzir em um mesmo espécime flores de sexo feminimo e masculino. Essas plantas também devem ser eliminadas do jardim, para que não polinizem as fêmeas.

Não há como saber o sexo da planta até o momento em que ela começar a florir e mostrar suas pré-flores, ou primórdios, como são também chamadas. Não tem como distinguir o sexo pelas sementes, nem por outra característica do estágio vegetativo. Hoje em dia, alguns bancos de sementes vendem as chamadas sementes feminilizadas, que são genéticas trabalhadas para produzirem uma média estatísticade em geral de 99% de garantia de plantas fêmeas. Alguns cultivadores afirmam que não há qualquer forma de influenciar na sexualidade das plantas. Outros, afirmam que o sexo da planta está diretamente associado com as condições de cultivo e que em situações de strees haveria maior tendência ao aparecimento de machos. Certamente há bastante indicios de que o hermafroditismo, apesar de ser uma caracteristica genética, é disparado em situações de stress. Alguns cultivadores afirmam ainda que em condições ótimas de cultivo, com temperatura, umidade, circulação de ar, alimentação e luminosidade ideal, a maioria das plantas serão fêmeas.

Eu acredito que ainda há muito que pesquisar nessa área e que todas as experiências e opiniões são válidas, mas o melhor mesmo é tirar suas próprias conclusões através das suas próprias experiências.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

[agência pirata] USP: ENTRE O CAPUZ E O CAPACETE



::txt::Eugênio Bucci::

Há dois anos e meio, em 18 de junho de 2009, escrevi neste mesmo espaço um artigo sobre a Universidade de São Paulo (USP): O atraso no espelho. Poucos dias antes, a Cidade Universitária virara uma praça de guerra, ou quase. Com balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo, policiais haviam dissolvido uma passeata de estudantes e funcionários, que também não eram lá tão pacíficos. Ali ficou patente que a USP mergulhara num déficit de representatividade e de legitimidade, que abria campo para o recrudescimento da violência.

O déficit de representatividade expressava-se nos movimentos sindicais da universidade. Tanto o Diretório Central dos Estudantes (DCE) quanto o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), incapazes de mobilizar grandes contingentes entre seus presumíveis filiados, apostavam em ações supostamente radicais. Para propagandear suas reivindicações ocupavam gabinetes oficiais na base de piquetes que se valiam intimidações físicas. De outro lado, o déficit de legitimidade já era notório nos órgãos de poder da universidade, que estavam distantes do conjunto da comunidade, que não os reconhecia como interlocutores.

O atraso espelhado - um movimento sindical pouco representativo contra órgãos de poder pouco legítimos - deu no que tinha de dar: um ambiente desprovido de pontes institucionais de diálogo, no qual a força bruta substitui o debate.

Infelizmente, o quadro não mudou até hoje. A crise de representatividade e de legitimidade continua. O resto é sintoma. O debate sobre a presença da Polícia Militar (PM) dentro do câmpus era e é sintoma. A celeuma sobre o consumo de drogas pelos estudantes, também. A base profunda do mal-estar reside na inexistência de instâncias acadêmicas e administrativas que deem conta de resolver as interrogações que a vida universitária suscita naturalmente. O problema da USP não é tanto de autonomia jurídica, mas de autonomia intelectual: ela não dispõe dos meios institucionais para pensar e para resolver os desafios que ela própria produz em sua rotina. Como uma criança, precisa chamar o irmão mais velho na hora do aperto, tanto para fazer piquete como para afastar o piquete.

No final de 2011, temos um remake piorado do mesmo filme de 2009. No dia 27 de outubro, policiais tentaram deter estudantes que portavam maconha. A reação dos colegas foi imediata e barulhenta. Em questão de 48 horas, o velho roteiro de crise foi posto em marcha, incluindo a previsível e indefectível invasão da Reitoria. Desta vez, porém, com um déficit de representatividade ainda mais grave. A proposta de ocupação tinha sido rejeitada pela assembleia do DCE, mas a minoria que perdeu a votação manobrou o resultado: após o encerramento da assembleia, quando muitos estudantes já tinham ido embora, reinstalou às pressas a mesma assembleia - esvaziada - e, só aí, conseguiu aprovar o que queria. A ocupação ocorreu. Ato reflexo, a opinião pública voltou-se contra o movimento estudantil, que apareceu na foto como birra de gente mimada que quer fumar maconha na santa paz.

Na semana passada, quando 400 policiais, dois helicópteros, além de cavalos, desalojaram e indiciaram os 73 jovens que se encontravam acampados no prédio principal da USP, o quadro inverteu-se. A ação da PM efetivamente devolveu a Reitoria ao reitor, mas, inadvertidamente, devolveu o ânimo ao movimento estudantil. As assembleias lotaram, várias faculdades entraram em greve e, dessa vez, os mesmos estudantes que reprovavam a invasão passaram a condenar com veemência a ação dos policiais. Não porque estes se tenham excedido em maus tratos, o que não ficou provado. A revolta contra a presença dos policiais tem uma razão mais sutil: a comunidade universitária sente-se humilhada quando um excesso estudantil é removido por uma ação policial que lembra essas operações de combate a motim de presídio.

Aliás, quando eclode um motim entre presidiários, o pessoal de direitos humanos é chamado para tentar negociar uma solução antes da entrada da tropa. Na Cidade Universitária, nem isso houve. Que a PM patrulhe o câmpus com o objetivo de proteger a vida dos que ali estudam e trabalham pode até ser, mas chamar o batalhão para resolver manifestações políticas, sem que se esgotassem outras tentativas de mediação, isso é humilhante.

É verdade que o figurino adotado pelos invasores da Reitoria colaborou para que a crise da USP assumisse um visual de presídio amotinado. Com o rosto coberto, eles se achavam fantasiados de manifestantes antiglobalização da Europa, mas estavam ainda mais parecidos com presidiários do PCC e com traficantes, o que eu mesmo tive chance de dizer aos alunos numa aula aberta que fiz na quinta passada nos jardins da ECA. O capuz foi um erro estético, resultante do erro ético de afrontar uma decisão de assembleia. Do mesmo modo, os capacetes e escudos da PM foram um erro de método, este decorrente da ausência de instâncias de interlocução interna. Uma universidade que não dialoga é uma universidade que se bate, mais do que se debate.

Em síntese, de 2009 a 2011, a USP não deu um passo para a frente nem um passo para trás: deu apenas um passo para baixo, afundou-se no buraco em que se encontra encravada. Para onde ir agora?

Do ponto de vista das entidades de professores, alunos e funcionários, a palavra de ordem é a renovação completa das chapas, das bandeiras e dos métodos. As maiorias precisam entrar em cena, precisam falar. Só assim poderão desautorizar as minorias que acreditam mandar no grito. Quanto às instâncias oficiais da USP, precisam da mesma renovação, o que pode incluir até mesmo consultas à comunidade para a escolha de diretores e reitores. Aí, o diálogo poderá encontrar lugar institucional na vida acadêmica - e só o diálogo institucional pode esvaziar a violência e libertar a universidade.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

[agência pirata] ASSIM NÃO, PESSOAL



::txt::Antônio Prata::

Em 1998, na primeira semana do meu curso de ciências sociais, na PUC, fizemos um abaixo-assinado. Estávamos em fevereiro, a classe era abafada e pedimos para que a reitoria instalasse um ventilador. Redigimos um texto à mão, coisa de três linhas, e, durante o intervalo, uma colega foi até o Centro Acadêmico digitar e imprimir nossa justa e simples reivindicação. Mal chegou ao CA, um aluno ofereceu-se para ajudar.

Minha amiga voltou uma hora depois, com os olhos arregalados. As três linhas tinham virado um manifesto de duas páginas, que falava do "sucateamento" da educação no Brasil, dos salários dos professores nas escolas públicas, citava Maio de 68 e terminava exigindo: "a) a divisão da turma em dois; b) a mudança para uma classe maior; ou c) ventiladores".

Sem entrar no mérito do longo manifesto, perguntei que história era aquela de dividir a turma em dois -o que implicaria dobrar o número de professores e custaria mais de R$ 100 mil-, se nós só pedíamos um ventilador? Ela disse que tentara explicar tal raciocínio ao membro do CA, mas ouviu em resposta que era "preciso dar uma alternativa à reitoria, para começarem a discutir". Alguém sugeriu, então, que pedíssemos: a) um ventilador ou b) um frigobar com Boêmias e Chicabons. Se a reitoria preferisse a segunda opção, não nos oporíamos.

A história seria cômica, não fosse por um detalhe: a educação pública no Brasil era -e é- uma lástima, os salários dos professores eram -e são- uma vergonha. Ao cobrar do reitor de uma universidade privada melhorias no ensino público, contudo -e no abaixo-assinado por um ventilador-, o guerrilheiro do CA não fazia nada pela educação no país, só tornava ridículo, aos olhos dos demais alunos, todos os que levantassem as bandeiras legítimas de um ensino de qualidade -além, é claro, de afastar definitivamente a possibilidade de conseguirmos o ventilador.

A invasão da reitoria da USP me fez lembrar daquele episódio. Que a polícia prenda jovens por consumo de maconha é lamentável. Que jogue gás lacrimogêneo contra os estudantes que protestam contra a prisão é uma violência desmedida. Mas que, em reação a isso, alunos invadam o prédio da reitoria e peçam a proibição da PM no campus é um raciocínio tão equivocado quanto sugerir a divisão da turma em dois, por causa do calor. Ou luta-se para que ninguém seja preso por porte de maconha e que ninguém tome porrada da PM -e acampa-se em frente do Palácio dos Bandeirantes, não na reitoria- ou o que se está exigindo é um privilégio. Sugerir que a PM possa entrar em todos os lugares, menos no campus da universidade, não é um pensamento libertário, é um vício classista: a velha ideia de que, neste país, todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros.

Com esta invasão, os guerrilheiros da reitoria não fizeram mal apenas à discussão sobre drogas e violência policial: ajudaram a tornar ridículos, aos olhos de toda a população, os milhares de outros jovens que, no Brasil e fora dele, lutaram e lutam por causas urgentes e fundamentais; não para serem tratados como cafés com leite.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

[agência pirata] HEMP CAR: MOVIDO À ERVA



::txt::Luis Guedes Jr.::

Você desce a serra atrás de uma fila de caminhões e subitamente o interior de seu carro é tomado pelo inconfundível perfume da maresia. Não, nada de brisa litorânea. O odor, neste caso, vem do escapamento dos caminhões à frente, que rodam com biodiesel de cânhamo.

Se as ideias de um pequeno grupo de ativistas norte-americanos ganhar corpo, essa cena será perfeitamente possível. Liderado por oito pessoas, entre elas um engenheiro da Nasa e um ex-executivo do alto escalão da Intel, o projeto Hemp Car (www.hempcar.org) defende o uso do óleo de cânhamo filtrado como combustível alternativo para os motores a diesel. A opção, mais limpa e sustentável ante os derivados do petróleo, ganha relevância quando lembramos que, na Europa e nos EUA, ao contrário do que ocorre no Brasil, o diesel não está limitado apenas aos veículos de carga, mas também aos modelos de passeio.

Para provar a viabilidade da proposta, a trupe percorreu mais de 24 mil km a bordo de um automóvel Mercedes-Benz convertido para a queima do chamado Hemp Fuel. Durante os 92 dias em que durou a viagem, passaram por mais de 50 cidades nos Estados Unidos e no Canadá, aproveitando para também “plantar” a ideia na cabeça de novos seguidores.

Para quem já imaginou um trânsito mais tranquilo, na paz, vale uma observação: apesar de o cheiro liberado pelo escapamento do Hemp Car lembrar o de um baseado, sua fumaça é absolutamente inofensiva. “O cânhamo industrial não possui propriedades psicoativas, portanto não pode ser considerado droga”, apressa-se em alertar o texto publicado no site da entidade, que luta por uma reforma na legislação norte-americana, atualmente contrária ao desenvolvimento industrial de produtos derivados da família Cannabis.

ATÉ TU, HENRY FORD?!

A ideia de converter maconha em combustível alternativo não é necessariamente nova. Já na década de 30 o visionário Henry Ford, pai do automóvel moderno e um dos maiores símbolos da industrialização norte-americana, defendia o uso de sementes, grãos e outros derivados agrícolas – inclusive o cânhamo – como fonte de energia renovável. “O álcool produzido por vegetais plantados ao longo de um ano em determinada área é suficiente para abastecer os tratores que irão cultivar essa mesma área pelos próximos cem anos”, afirmava.

A respeito da maconha, Henry Ford chegou a testar combustíveis batizados como “hempoline”, produzidos a partir do óleo das sementes e do caule do cânhamo. E defendia que a sua queima era mais limpa e menos tóxica se comparada à gasolina.
Completamente seduzido pelos poderes da erva, o industrial norte americano passou a cultivar cânhamo industrial a partir de 1937. E não se limitou apenas à questão energética. “No futuro, faremos com que os carros brotem da terra”, chegou a afirmar, fazendo analogia à sua crença de que era possível encaixar as plantas em praticamente todas as etapas da produção de um automóvel.

O maior de seus feitos, no entanto, está registrado na edição de dezembro de 1941 do tabloide Popular Mechanics Magazine: um carro com carroceria inteiramente moldada por resistentes placas de um plástico cuja fórmula levava 70% de fibras de celulose de cânhamo, sisal e palha de trigo; sendo os 30% restantes provenientes de resina.

A fotografia de Henry Ford batendo na carroceria com um bastão de madeira para demonstrar a resistência do “carro de plástico” – como preferiu chamá-lo – tornou-se emblemática em suas biografias. A imagem também pode ser vista em um vídeo comercial que ele chegou a gravar e que está disponível no YouTube. Basta digitar “Henry Ford hempcar”.

A entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial e o chamado de ajuda para toda indústria que trabalhasse com aço desviaram a atenção de Henry Ford de suas pesquisas botânicas. Mas ficou plantada a semente, reacendida agora com o pessoal de certo Mercedes-Benz “psicodélico”...

sexta-feira, 1 de julho de 2011

[agência pirata] INVENTANDO DEUS



::txt::Henrique Goldman::

Numa madrugada em 1977, esperando por um ônibus na avenida Paulista, conheci um hippie holandês que perambulava pela América Latina e ficamos muito amigos. Apresentei ele para a galera e o levei pras baladas. Era um cara inteligente e engraçado, que contava aventuras incríveis. Tinha fumado ópio no Nepal e tomado peiote num deserto mexicano. A simples menção desses lugares e dessas drogas já nos dava barato.

O holandês ficou umas semanas em São Paulo e logo foi para a Bolívia. Passados alguns meses, ele nos mandou de Amsterdã pelo correio um disco de vinil do King
Crimson, de capa dupla. Na dobra da capa dupla tinha um canudo fechado dos dois lados. O canudo continha uma carga muito valiosa: três pedrinhas de LSD! Naquela época, no Brasil – e ainda mais para um bando de moleques – tomar LSD era um sonho inatingível, inspirado pelos livros do Aldous Huxley e do Timothy Leary. Que grande tesão!

Eu, o Pimenta e o Serginho nos mandamos para a Barra do Sahy. Naquela época, muitas praias do litoral norte de São Paulo só eram acessíveis através de trilhas na mata, ainda eram desertas e paradisíacas, o lugar ideal para a nossa primeira trip. Chegamos com nossa barraca, nossos violões e as pedras preciosas de LSD.

O dia seguinte amanheceu ensolarado e de café da manhã tomamos os ácidos e de cara fumamos um beque (que na época chamávamos de “bêisi”). A primeira e inesquecível sensação foi um cair de ficha fenomenal, a tomada de consciência de que nada existe de verdade, de que o mundo é uma ilusão animal, uma piada divina, protagonizada por homens, bichos e coisas. Passamos muitas horas fechados na minúscula barraca, rindo convulsivamente de tudo e de nada.

Entre os nossos mantimentos, trouxemos uma caixa de doce de caju cristalizado. A marca era Palmeirón. Nunca tínhamos ouvido esse nome antes e o próprio som da palavra Palmeirón era uma viagem absurda. Ficamos um tempo repetindo a palavra Palmeirón como se fosse um mantra. Logo percebemos que a caixa de doce de caju cristalizado tinha um cheiro peculiar e entramos numas de que cheirar a caixa de doce de caju nos fazia viajar ainda mais alto.

Foi aí então que tivemos a epifania. Sentimos a presença de Deus, claramente entre nós. Era um Deus anárquico e ridículo mas imensamente sagrado. Ficamos horas fechados naquela barraca, cheirando a caixa de doce de caju, fumando um beque atrás do outro, nos deleitando na imanência daquele Deus psicodélico.

Quando finalmente resolvemos sair da barraca, o sol mais lindo do mundo nos esperava, se pondo, redondo e dourado, atrás do mar. Nos ajoelhamos na areia e nos prostramos, comovidos com a beleza e sacralidade da ilusão que chamamos de mundo e de Deus. Com lágrimas nos olhos, batizamos nosso deus de Deus Caju-Menino.

Contra a caretice

Para a minha geração tomar drogas era – muito além do barato em si – um gesto anticonformista, um ato de adesão à contracultura e à revolução sexual, um grito rebelde contra a caretice da burguesia e a burrice da ditadura militar.
Não fui só eu – que hoje em vez de tomar drogas prefiro malhar na academia – que mudei. O mundo também mudou e foi ficando cada vez mais cínico e careta. Sei que o meu papo é bem de tiozão mas sinto muitas saudades de quando sonhava-se mais com coisas que não têm nada a ver com poder e dinheiro.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

[agência pirata] MARCHAS CARETAS E MARCHAS MUITO LOUCAS



::txt::Arnaldo Jabor::

"A maconha marcha, gente boa... Até na Argentina, México e Colômbia está descriminalizada. Os tabus vão sendo quebrados. Aqui, as marchas foram liberadas pelo STF, numa decisão muito louca: pode marchar, mas não pode fumar. Por que será que a maconha provoca tanta inquietação? Evangélicos marcham contra, xingam FHC pelo filme Quebrando o Tabu, "mermão", qual é a deles? É tanto auê, tanta onda por causa de uma mixaria dessas que eu tenho de alugar vocês sobre essa "parada". É... já escrevi sobre esse lance aqui e repito: a maconha não é nada, ou quase nada. Não é uma droga que corrói o fígado como o álcool. Não mata como a cocaína, esse veneno de rato branco que você aspira, depois de malhada pelos afro-negões da favela; é erva natural, não tem o sangue jorrando atrás dela desde a Bolívia até os morros, nem precisa dos bujões de éter no meio da floresta. Não é como o ácido lisérgico que te faz ver uma grande gelatina na realidade, onde tudo se mexe como uma rumba azul. Por que, então, tanto medo?

Está provado que a birita, o cigarro careta fazem muito mais mal que uma frágil "diamba", um reles "bagulho", um baseadinho inocente... Aliás, declaram cientistas e doidões, a maconha faz até bem para o coração de muitos ansiosos; era comprada em qualquer farmácia nos anos 30 com o nome de Cigarros Indianos, lindos pacotinhos com uma índia de cocar colorido, cigarros que acalmavam a angústia das senhoras antigas, combatiam a depressão, as "flores brancas", as dismenorreias, as alvas enxaquecas, os desmaios histéricos, as dores desconhecidas, as insônias. A maconha, dizem os "manos", é o remédio melhor para o glaucoma e dizem que ela produz um relaxo legal nos músculos e uma tranquilidade que poucos calmantes te proporcionam. Muito médico acha que inúmeros remédios e panaceias poderiam advir do refino da mesma, para acalmar velhinhos em asilos, para tranquilizar agitados em suas camisas de força, ervinha que, uma vez fumada antes do ato sexual, provoca prazeres inauditos, podendo não só fazer com que ejaculadores precoces se segurem, quanto frígidas senhoras se soltem e uivem nos laços de um polvo invisível e voltejante, numa teia de loucos estertores entre gritos operísticos.

Isso dizem alguns, não eu, claro, que sou um pobre-diabo, nunca me aproximaria dessa erva do Demônio, dessa "maria juana" temível. Contam alguns que o prazer sexual aumenta muito, já que a noção de tempo também se alonga, ficando tudo em câmera lenta, coisa desagradável se você está num túnel ou num engarrafamento de trânsito, mas que é delicioso não nos dois braços, mas nos cinco braços, ou nas cinco asas brancas de uma mulher amada e que o amor vira uma grande dança num paraíso e que mesmo os lençóis brancos semelham ondas do mar, dependendo da qualidade do "back", que pode ser um "acapulco gold" ou mesmo um "da lata", (oh!!! As maravilhas que contam daquelas latas lançadas por um navio muito louco nas águas da Guanabara em 84 e que até hoje são lembradas por velhos chincheiros). Thomas de Quincey fumava, Baudelaire fumava, Rimbaud queimava altos haxixes em Aden... Em suma, gente boa, como eu dizia acima, dependendo da qualidade da "massa", "nêgo" podia ficar curtindo horas seguidas, ajudado pelo Hendrix, Stones... tudo muito louco.

Mas, a razão deste raciocínio - não posso me perder, "mermão" - é a seguinte transação: por que causa tanta raiva nos caretas? Todo mundo fala em "reacionário", de "esquerda", de "direita" e coisa e tal, e os caretas? Onde ficam? Muito da nossa desgraça política deve-se à caretice. Porque "careta" é o cara que vive com a cara torta, armando uma pose, fingindo que é democrata sem ser, fingindo que é honesto sendo ladrão. Os vícios se escondem atrás de uma "careta", daí a origem da expressão... ah, ah... tá ligado? Pega esses deputados e senadores aí, todos enforcados em gravatas e ternos escrotos e me respondam: por que temem tanto a "diamba", aquela turminha braba que depois da Câmara vai tudo encher a cara com uísque no Piantella, entre peruas, gargalhadas e conchavos, por que essa gangue tem tanto medo do fumo?

A resposta é simples, cara... Diferentemente da coca, da birita e outros bichos, a maconha libera o filho da mãe. O sujeito queima o fumo e dá um "relaxo". A vida fica mais democrática, gente boa; evola-se uma nuvem azulada nos céus, como uma espécie de inconsciente artificial, e o mundo fica diferente, as obsessões perdem a valia, as culpas, os superegos diminuem, e some a sensação de que a vida é uma grande Câmara dos Deputados, onde nunca há quorum para aprovar nossos desejos! Ah!... Ah!... boa comparação... E a vida fica mais bela que o bigode do Sarney ah ah... ou seja, a liberdade que ela provoca no sujeito é, digamos, "incopatível", como é que se diz mesmo? - im-com-pa-tível... ah... ah... essa palavra é muito louca, gente boa, a maconha é "incampatível" com a caretice necessária ao bom exercício da política. Me diz, me diz como um cara vai para a tribuna doidão para armar uma roubalheira? Como enfiar uma maracutaia numa MP com a cara cheia de um "paraguaio com mel", nem mesmo precisa um "skunk" , basta um "pernambuco light"...

Já imaginaram o Congresso muito louco? O Pedro Simon desbundando e indo morar em Trancoso, cheio de fitas no pescoço? O PC do B falando em "revolução interior"? Mas, que eu estava dizendo mesmo?... ah... lembrei... o seguinte: eu acho, numa "boa" mesmo, na "moral", que as autoridades têm medo da maconha porque ela dá uma ilusão de liberdade. Por isso, estão com tanto medo de comida de passarinho... ééé... ééé... Os canários cantam melhor com as sementes de "canabis"... E a sensação de liberdade é, como eu já disse, inco-incopa..."incopatível"...sei lá, deixa pra lá... E tem mais... o seguinte... quer dizer... esqueci... é isso aí, gente boa.... falei..."

quarta-feira, 22 de junho de 2011

[agência pirata] SEM BANDEIRA



::txt::Paulo Anis Lima::
::pht::creative commons::

Engraçado ver o efeito do tempo. Implacável e transformador quase sempre. Impotente diante de algumas coisas. O ano era 2001, mês de setembro... Bin Laden estava bem vivo. Tinha acabado de explodir as torres em Nova York. Fernando Henrique Cardoso era o presidente por aqui e parecia mais preocupado com o iminente fim de seu segundo mandato do que com questões "menores" e "complicadas do ponto de vista eleitoral" como as políticas nacionais sobre drogas e a maconha. Por seu turno, poucos meses antes, uma das mais respeitadas revistas do mundo, a The Economist, dava capa ao tema, defendendo expressamente a urgência da revisão e da liberação de todas as drogas, diante do absoluto fracasso das outras opções, em especial da política internacional de repressão a usuários e traficantes. Uma revista menos famosa fazia sua parte do lado de cá do equador. Falamos desta mesma Trip, que então ainda adolescente, com seus 15 anos recém-completados, dedicava 16 páginas a um caderno completo contendo trabalho extenso e deliciosamente pretensioso sobre um assunto que parecia merecer o carimbo de "urgente urgentíssimo": a revisão da legislação brasileira sobre drogas e a descriminação da maconha, posicionando-se com toda a clareza a favor das duas coisas.

Dez anos depois o país é outro, deu vigorosos passos na direção do desenvolvimento, tornou-se infinitamente mais respeitado de acordo com dezenas de quesitos e indicadores, afirmou-se como uma nação mais madura e capaz, ganhou respeito dentro e fora de suas fronteiras e musculatura mais robusta. Mas paradoxalmente, com relação às drogas e à maconha em especial, continua mergulhado numa nuvem estupefaciente de hipocrisia da pura. E, assim, aqui estamos novamente, dedicando não mais um caderno especial, mas uma edição inteira ao mesmíssimo tema. Bin Laden morreu, alguns dos personagens das nossas enquetes e reportagens de então também.

Outros aparentemente ficaram mais vivos, como parece ser o caso de FHC, que, antes tarde do que nunca, foi à luta para tirar o atraso e usar sua reputação e sua notável rede de relacionamentos na tentativa de oferecer elementos para que o país que governou por oito anos possa finalmente ganhar consciência mais equilibrada e clara sobre o problema, através do fundamental debate de que foi privado durante seu mandato.

E é essa exatamente a nossa intenção. Contribuir para que a reflexão inteligente e equilibrada frutifique e para que a planta que segundo fontes confiáveis responde tristemente por 80% do negócio do tráfico no mundo e que é utilizada por milhões de pessoas no Brasil e em boa parte da Terra seja regulamentada a partir de critérios amplos e aprofundados. Não apenas abordando os aspectos jurídicos da despenalização e da descriminação, mas indo além, planejando e legislando de forma madura e contemporânea sobre todos os pontos relativos a cultivo, uso e acesso, lançando mão do bom-senso, única arma capaz de afastar da sociedade o cinismo, a corrupção, a violência e as outras apresentações e formas da ignorância.

Ouvimos, novamente, representantes de todos os lados e vertentes da sociedade sobre o assunto, para concluir o que nosso colunista Ricardo Guimarães já bradava nestas mesmas páginas em setembro de 2001: a bandeira não é a da maconha, mas a da consciência, algo cada vez mais necessário para que todo esse poder colocado em nossas mãos, seja do dinheiro, da tecnologia, da força política, da energia nuclear ou das drogas, não destrua nossas cabeças, nossas relações e nosso planeta.


PS.: Se você não se lembra dos detalhes deste nobilíssimo caderno lançado pela Trip em 2001, graças às tecnologias que ainda eram embriões àquela altura, basta clicar aqui para reler o trabalho executado brilhantemente por uma equipe que, não por acaso, está hoje dstribuindo seu talento no comando de vários e importantes veículos de comunicação pelo país. Giuliano Cedroni, Ivan Marsiglia, Ronaldo Bressane, Jorge Colombo, Phydia de Athayde, André Viana, Fernando Costa Netto, Erica Gonsales, Moacyr Vieira Martins, Endrigo Chiri, Elisa Biagi e outras figuras igualmente competentes.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

[agência pirata] A GUERRA CONTRA AS DROGAS



::txt::Fernando Henrique Cardoso::

A guerra contra as drogas é uma guerra perdida e 2011 é o momento para afastar-se da abordagem punitiva e buscar um novo conjunto de políticas baseado na saúde pública, direitos humanos e bom senso. Essas foram as principais conclusões da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia que organizei, ao lado dos ex-presidentes Ernesto Zedillo, do México, e César Gaviria, da Colômbia.

Envolvemos-nos no assunto por um motivo persuasivo: a violência e a corrupção associadas ao tráfico de drogas representam uma grande ameaça à democracia em nossa região. Esse senso de urgência nos levou a avaliar as atuais políticas e a procurar alternativas viáveis. A abordagem proibicionista, baseada na repressão da produção e criminalização do consumo, claramente, fracassou.

Após 30 anos de esforços maciços, tudo o que o proibicionismo alcançou foi transferir as áreas de cultivo e os cartéis de drogas de um país a outro (conhecido como efeito balão). A América Latina continua sendo a maior exportadora de cocaína e maconha. Milhares de jovens continuam a perder as vidas em guerras de gangues. Os barões das drogas dominam comunidades inteiras por meio do medo.

Concluímos nosso informe com a defesa de uma mudança de paradigma. O comércio ilícito de drogas continuará enquanto houver demanda por drogas. Em vez de aferrar-se a políticas fracassadas que não reduzem a lucratividade do comércio - e, portanto, seu poder - precisamos redirecionar nossos esforços à redução do consumo e contra o dano causado pelas drogas às pessoas e sociedade.

Ao longo da história, sempre existiu algum tipo de consumo de droga nas mais diversas culturas. Hoje, o uso de droga existe por toda a sociedade. Pessoas de todos os tipos usam drogas por motivos de todos os tipos: para aliviar dores ou experimentar prazer, para escapar da realidade ou para incrementar a percepção dela.

A abordagem recomendada no informe da comissão, no entanto, não significa complacência. As drogas são prejudiciais à saúde. Minam a capacidade dos usuários de tomar decisões. O compartilhamento de agulhas dissemina o HIV/Aids e outras doenças. O vício pode levar à ruína financeira e ao abuso doméstico, especialmente de crianças.

A capacidade das pessoas de avaliar riscos e fazer escolhas estando informadas será tão importante para regular o uso das drogas quanto leis e políticas mais humanas e eficientes. A repressão aos usuários de drogas é também ameaça à liberdade.

Reduzir o consumo o máximo possível precisa, portanto, ser o objetivo principal. Isso, contudo, requer tratar os usuários de drogas como pacientes que precisam ser cuidados e não como criminais que devem ser encarcerados. Vários países empenham-se em políticas que enfatizam a prevenção e tratamento, em vez da repressão - e reorientam suas medidas repressivas para combater o verdadeiro inimigo: o crime organizado.

A cisão no consenso global em torno à abordagem proibicionista é cada vez maior. Um número crescente de países na Europa e América Latina se afastam do modelo puramente repressivo.

Portugal e Suíça são exemplos convincentes do impacto positivo das políticas centradas na prevenção, tratamento e redução de danos. Os dois países descriminalizaram a posse de drogas para uso pessoal. Em vez de registrar-se uma explosão no consumo de drogas como muitos temiam, houve aumento no número de pessoas em busca de tratamento e o uso de drogas em geral caiu.

Quando a abordagem política deixa de ser a de repressão criminal para ser questão de saúde pública, os consumidores de drogas ficam mais abertos a buscar tratamento. A descriminalização do consumo também reduz o poder dos traficantes de influenciar e controlar o comportamento dos consumidores.

Em nosso informe, recomendamos avaliar do ponto de vista da saúde pública - e com base na mais avançada ciência médica - os méritos de descriminalizar a posse da canabis para uso pessoal.

A maconha é de longe a droga mais usada. Há um número cada vez maior de evidências indicando que seus danos são, na pior hipótese, similares aos provocados pelo álcool ou tabaco. Além disso, a maior parte dos problemas associados ao uso da maconha - desde o encarceramento indiscriminado dos consumidores até a violência e a corrupção associadas ao tráfico de drogas - é resultado das atuais políticas proibicionistas.

A descriminalização da canabis seria, portanto, um importante passo à frente para abordar o uso de drogas como um problema de saúde e não como uma questão para o sistema de Justiça criminal.

Para ter credibilidade e eficiência, a descriminalização precisa vir acompanhada de campanhas sólidas de prevenção. O declínio acentuado e persistente no consumo de tabaco nas últimas décadas mostra que as campanhas de prevenção e informação pública podem funcionar, quando baseadas em mensagens consistentes com a experiência das pessoas que são alvo desses esforços. O tabaco foi desglamourizado, tributado e regulamentado; não foi proibido.

Nenhum país concebeu uma solução abrangente ao problema das drogas. A solução, no entanto, não exige uma escolha cabal entre a proibição e a legalização. A pior proibição é a proibição de pensar. Agora, enfim, o tabu que impedia o debate foi quebrado. Abordagens alternativas estão sendo testadas e precisam ser cuidadosamente avaliadas.

No fim das contas, a capacidade das pessoas de avaliar riscos e fazer escolhas estando informadas será tão importante para regular o uso das drogas quanto leis e políticas mais humanas e eficientes. Sim, as drogas corroem a liberdade das pessoas. É hora, no entanto, de reconhecer que políticas repressivas em relação aos usuários de drogas, baseadas, como é o caso, em preconceito, medo e ideologia, são da mesma forma uma ameaça à liberdade.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

[agência pirata] O QUE É ISSO, MACONHEIRO?



Globo acende o debate até a última ponta

::txt::Xico Sá::

Hey, Dude! Nessas encruzilhadas históricas sempre lembro do meu amigo Dude, que atua no filme em cartaz aí acima. Fica na maresia aí, Dude, joga o teu boliche, viaja no tapete, que preciso ganhar aqui honestamente a minha segundona.

E não é que a Marcha da Maconha, canetada pela turma da toga preta e reprimida nas ruas pelos frios homens de cinza, foi realizada em pleno “Fantástico” da rede Globo?!

#Fato, como diz a juvenília das redes, avarandados e puxadinhos sociais.

#Contradições do sistema, diria um velho comuna outsider.

Inevitável lembrar um ditado popular carioca que ouvi pela primeira vez no filmaço “Rio Babilônia” (1982) e que o Tim Maia repetia com frequência: no Brasil, traficante cheira, puta goza, cafetão se apaixona e o dólar paralelo é mais baixo que o dólar oficial.

Que adubado latifúndio de espaço a Globo deu ao assunto, Dude! Tão bom para o plantio quanto as ilhotas do rio São Francisco, o generoso Velho Chico.

O gancho, essa terrível e empobrecedora necessidade jornalística, ah o mané gancho, foi o documentário “Quebrando o Tabu”, dirigido pelo jovem Fernando Grostein Andrade, que estreia na próxima sexta, 03, nos cinemas.

O ator principal: o ex-presidente FHC, que defende o plantio para consumo e a regulamentação da maconha. Não farei, só por hoje, amém, o trocadilho siglístico com THC, o princípio ativo tetra-hidro-canabinol. Passo, embora nada combine mais com baseado do que trocadilho, como verão aqui nesse texto-palha.

[Inevitável lembrar, porém, do tratamento que o saudoso Casseta & Planeta dava ao ex: Viajando Henrique Cardoso].

Ótimo, mas voltemos ao chão da praça.

A marcha global, distante do gás-pimenta da PM comandada pelo tucanismo em SP, foi de efeito moral imediato: 57% de telespectadores convidados a opinar sobre o assunto, na enquete do programa, disseram sim à descriminalização do barato.

Sim, não temos o número de votantes, mas é bem significativo para uma emissora de massa. Se a reportagem conseguiu fazer ou não a cabeça da maioria, não importa. O bom é que o assunto já não é mais tão escandaloso assim como a tropa de choque da caretice imagina.

Além de FHC, outros ex-presidentes aparecem no doc do menino Andrade com discurso semelhante: Ernesto Zedillo (México), César Gaviria (Colômbia), Jimmy Carter e Bill Clinton (EUA).

O “Fantástico”, na sua marcha dominical nos lares doces lares, lembrou também que outro dia o líder do PT na Câmara, deputado Paulo Teixeira (SP), defendeu o plantio coletivo de maconha, em cooperativas.

A carroça da história desembestou e avançaremos mesmo nessa questão?

Veremos. Bom é que as marchas das ruas acionaram o piloto automático dos avanços.

Sim, a gente que foi à Paulista tem uma saúde dentária de anúncio dentifrício, não havia um só desdentado, como tirou onda o gênio reacionário Nelson Rodrigues sobre os protestos de 1968. Como argumentam hoje outros enfezados sem a genialidade do tio Nelson.

Mas já valeu, tá valendo, é um luxo ter uma fatia da classe média moderna acendendo uma ponta do avanço histórico em vez de tocar fogo na fogueira eterna da liga das senhoras católicas.

Que a segundona lhe seja leve!

terça-feira, 24 de maio de 2011

[agência pirata] NÃO SOMOS CONDUZIDOS, CONDUZIMOS

::txt::Bruno Torturra Nogueira::


Tá na Constituição. Mas o juiz e a PM não sabiam

Sabem de uma coisa? Hoje eu fui na marcha da maconha e usei tóxicos. Usei mesmo! Eu e uma cambada que descia a Consolação. Ficamos com os olhos vermelhinhos, tossindo pra caramba. Como a gente descolou a parada? Ora, com a Polícia Militar de São Paulo, com quem mais? O tóxico, no caso, chama-se Clorobenzilidenemalononitrila, o gás CS, mais conhecido como gás lacrimogênio. É considerado uma “arma branca” pelas forças de segurança, e toda tropa de choque que se preza porta um belo estoque quando vai às ruas.

Hoje tive a involuntária chance de tragar o gás em quatro oportunidades. A primeira foi na frente de um abandonado cinema Belas Artes. Uma bomba de efeito moral estourou bem ao meu lado, e meu ouvido zuniu pelo resto do dia. Corri, e tive a sabedoria de não olhar para trás quando escutei os tiros de escopetas com balas de borracha. Elas não matam, mas cegam facilmente quem as toma nos olhos. Estava seguindo em frente pelo canteiro do meio da Consolação, entre os desavisados cidadãos que esperavam um ônibus no ponto do corredor. Foi ali que o gás chegou primeiro em meus olhos e narinas. Bem como nas mucosas de crianças, jovens, adultos e idosos de ambos os sexos que esperavam uma condução apenas.

A última inalada, e mais intensa, foi entre as esquinas da Consolação com Sergipe e Maria Antônia. Eu já não estava mais no miolo da manifestação, mas seguia pelo outro lado da rua, tirando fotos da tropa de choque e me juntando ao coro de manifestantes que, já meio dispersos, apontavam suas palavras contra a polícia. Foi quando duas bombas foram atiradas na pista oposta, sentido Paulista, onde não havia marcha, nem manifestantes em grande número. Apenas automóveis engarrafados, pedestres atravessando a rua e o comércio aberto. Segui em frente, protegendo minhas vias com um lenço verde (distribuído aos montes no começo da marcha como mordaça pela censura, tornou-se máscara).

Vi dezenas de pessoas levando a mão ao rosto, vi senhoras correndo com dificuldade para fugir da fumaça, um pasteleiro sufocado, encurralado pelo gás dentro de seu trailler. Queima, quimicamente falando. A pior coisa que já respirei. Ainda pior do que o gás de pimenta que sorvi ano passado, na marcha da maconha de 2010, no Parque do Ibirapuera. Com o gás lacrimogênio, a pele e os olhos sentem uma agressão corrosiva, intolerável. Prendi a respiração e corri em frente. Tentando alcançar o resto do pessoal. Eu precisava estar lá para ver o desfecho.


A foto é mais ou menos, mas mostra o momento em que o gás lacrimogênio foi atirado entre cidadãos desavisados

A Consolação foi intoxicada porque a “lei” não tolera outra fumaça. Aliás, a “lei” não tolera quem fale sobre a tal fumaça sem condená-la. Pelo entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, em uma decisão tomada menos de 24hs antes da realização da Marcha, é ilegal dizer que maconha não deveria ser ilegal. Proibido, o evento se concentrou no MASP, levantou cartazes e cantos, e acordou com o Capitão Benedito Del Vecchio, comandante da 1a companhia do 7o batalhão da PM, a realização da marcha pela liberdade de expressão, condenando a censura sofrida.

A interpretação do Tenente ao texto do TJ, foi a seguinte: qualquer um que leve cartaz, camiseta, material ou slogans que incluam a palavras maconha, ou legalização, ou qualquer referência que induza à maconha, serão punidos. Cobriu-se a maioria dos cartazes com faixas ou tinta preta, e a polícia disse que apenas iria escoltar a marcha – e seria esse o saldo do dia.



E quando o assunto é proibido?

Eu arrisco dizer que havia duas mil pessoas marchando pela Paulista. A causa não era mais a legalização da maconha, exatamente. Era um protesto pelo direito de pedir a legalização da maconha. Uma planta de inequívocas propriedades medicinais, industriais e e dona de uma amistosa psicoatividade. Eis todo o problema. Psicoatividade. Que, para mim, mostra o que está por trás dessa tarde de sábado: consciência. E o que fazer para alterá-la. Aos fatos:

Análises médicas do gás lacrimogênio indicam que ele causa danos graves ao fígado e ao coração. Também é indutor de anomalias genéticas em células mamárias (aka câncer de mama). Quando metabolizado, o gás CS deixa traços de cianureto no corpo humano… coisas assim. Fatos que duvido que conste nas cartilhas de formação de um PM como o Cap. Del Vecchio (no mesmo sábado, 93 novos soldados ganharam seus espadins, gaba-se o único tweet do dia do @pmesp). Ou nos calhamaços dos exmos. juízes do TJ. Duvido que a toxidade do gás lacrimogênio conste no repertório do médico Geraldo Alckmin, hoje governador de São Paulo. Mas foi essa a substância que a Força sobre seu comando atirou, em pleno sábado de sol, em gente indefesa, pelas costas, por discordar de uma lei – ou que apenas circulavam por São Paulo na hora errada.


Tá aqui sua democracia. ass: Cap. Del Vecchio.

A troco de que? O parecer do desembargador Teodomiro Mendes é claro: “o evento que se quer coibir não trata de um debate de ideias, apenas, mas de uma manifestação de uso público coletivo de maconha, presentes indícios de práticas delitivas no ato questionado, especialmente porque, por fim, favorecem a fomentação do tráfico ilícito de drogas (crime equiparado aos hediondos)”.

Sim, eu vi gente acendendo baseados na marcha. Imediatamente reprimidos pelos próprios participantes que, em grupo, falavam que “não era a hora”. Toda a argumentação que vi na Marcha é em torno de um debate de ideias que, invariavelmente, aponta para a extinção do tráfico (“equiparado aos crimes hediondos”) através do cultivo legal de canabis (equiparado à jardinagem).

Sim, eu vi gente sendo presa na marcha. Ninguém por porte de drogas. Apenas por distribuir um jornal, e debater ideias, chamado “O Anti-proibicionista”, feito pelo coletivo DAR. A polícia não deu satisfações aos jornalistas que questionavam o motivo da prisão. Tive uma escopeta (com balas de borracha, suponho) apontada para mim quando tentei me aproximar para fotografar um dos membros do coletivo indo em cana.

Marchei até o fim, e peguei um táxi para o 78 DP na Rua Estados Unidos, para tentar entrevistar o delegado e os presos na marcha. Saber qual era, enfim, o B.O. Cheguei no primeiro grupo de pessoas, e não pude, nem como repórter, falar com o delegado ou os presos. Foi de lá que mandei meu primeiro de muitos tweets do dia, e vi chegar mais tropa de choque, um helicóptero, e vi a rua Estados Unidos ser fechada para impedir a chegada dos manifestantes mais resolutos que subiram e desceram de novo a Augusta para pedir a soltura dos dois que ainda restavam presos no 78. E foi quando entendi que aquela não era mais uma marcha da maconha. Não era sequer uma marcha pela liberdade de expressão. Era um explícito enfrentamento da consciência coletiva consigo mesma.


PMs da ROCAM sem idenficação para esculachar sem maiores problemas

Consciência era o tema de hoje, eu preveni. E o que fazer para alterá-la.

Nossa extrema e recente capacidade de obter informação e conexões redimiu os libertários. Temos a rede, os argumentos, a vontade de união. Mas como em um pesadelo Junguiano, esse despertar gera seu exato oposto… a sedimentação de preconceitos e discriminações que infla os intolerantes, os donos da verdade, os demagogos. As balas não eram contra nós, eram contra nossos argumentos, contra nossa capacidade de demonstrar que o mundo que a ignorância oferece é pior do que o da tolerância. Com o twitter na mão, vi meus breves relatos sendo retransmitidos e espalhados para muitos milhares de pessoas em segundos. Assim como tantos por ali, meu telefone era só um uma sinapse de um cérebro maior, coletivo.

Não, essa briga não é pela maconha. Assim como a luta por direitos LGBT, das mulheres, dos negros… nada disso é apologia de raça, sexo ou formas de amor. São gritos por tolerância, respeito, igualdade de direitos. E uma luta da consciência por mais consciência. E pela transformação dela em grupo, em rede, em sociedade.


Repórter da Globo cobre a marcha atrás do Choque. Deu na lamentável matéria do JN

Consciência! Eu insisto. E especulo aqui, com pouco medo de errar: PMs, juízes, governadores, legisladores… devem saber tanto sobre o males do gás lacrimogênio quanto sobre os da maconha. Nada. E não serei eu o infinitésimo mártir a enumerar fatos científicos e culturais sobre a planta que provam, sem controvérsia, que ela pode conviver entre nós como uma verdadeira aliada, em vez de uma falsa ameaça. Ameaça que se tornou violentamente real com a proibição. É um mercado bilionário que flui diretamente para os cofres do crime organizado e da inevitável corrupção policial. É a base da renda da enorme malha criminosa. Tudo por causa de uma planta quase sempre benigna.

Consciência… e me lembro das pessoas não envolvidas com a marcha que viram a brutalidade da polícia, respiraram um gás trocentas vezes mais tóxico do que a mais vil das maconhas de bocada, e não se indignaram com a PM. Mas conosco, os maconheiros, os vagabundos que financiam o tráfico de drogas. “Porque vocês não vão trabalhar?”, me sugeriram no twitter enquanto eu reportava abusos da polícia. Não tiveram a chance, a boa-vontade (ou a inteligência?) de pensar um pouco além do que lhes oferece o mais ignóbil jornalismo televisivo. Não sabem que ex-coronéis da PM comandam 25 das 31 subprefeituras de São Paulo. Não entenderam o significa ser governado por gente que confunde Ordem com Justiça. Não entenderam, ou concordam, também pensam dessa forma. Ainda assim, fazem parte do mesmo cérebro coletivo em que pia meu twitter.

Hoje, sentimos na pele o que é viver no meio de um nó cego de ignorância, ideias preconcebidas e uma sórdida conveniência comercial e política. Eis a receita invariável da qual a direira (a extrema direita, eu quero dizer) se alimenta. E provo o que digo com uma uma cena, a mais importante de todo o evento para mim.

Durante a concentração no MASP, a maioria ainda nem havia chegado, uma turma de uns 20 neonazistas, facistas, ultra-nacionalitas, se colocou em fila para protestar contra a marcha. Diziam defender a família, o Brasil, o nacional-socialismo. A polícia não os molestou. Ao contrário, fez um cordão para os manter isolados das centenas de manifestantes que foram chegando. Quando as primeiras bombas voaram, o pequeno grupo nazi aplaudiu. Eu vi. Eu e muita gente viu. E você também pode ver se procurar na rede. Facistas batendo palmas para a polícia que reprimia com extrema violência um protesto pedindo liberdade de expressão.


Neo-nazistas, ultra nacionalistas, contra a marcha. Protegidos pela polícia, aplaudiram a violência

Essa é uma cena triste? Não ainda. Ela é um sintoma, apenas, dessa bipolaridade social que estamos vivendo. E a cena diz mais sobre quem não estava lá do que sobre a PM, os nazis, ou os maconheiros. Sobre as centenas de milhares de pessoas que sabiam da marcha, e preferiram não ir, por preguiça, por medo de ridículo, por medo da polícia ou por puro descaso. Sobre os incontáveis artistas e figuras públicas que adoram um baseado, mas se escondem na hora do debate. Um silêncio que dá força às balas de borracha, às liminares de última hora, a uma política cínica sobre drogas no país. Um silêncio que abafa o eco da bombas de gás e dá mais voz aos desinformadores de plantão.

Eu saí indignado da marcha. Mas não saí triste. O protesto durou mais de seis horas. Andamos metade da Paulista, descemos toda a Consolação, voltamos até os jardins, sob porrada e abusos, para soltar nossos companheiros. Temos que nos orgulhar. A marcha de São Paulo nunca mais será a mesma. Mas viramos mais do que uma página na luta pela legalização e regulação do mercado de maconha no Brasil. Ficou evidente, em fotos, vídeos, relatos, cicatrizes e saudações integralistas que nossa democracia é tudo, menos madura.

E se isso não é motivo para lotar a Paulista no sábado que vem, então, lamento informar, mas os facistas terão muitos motivos para aplaudir a PM de São Paulo. Na esquina da Augusta com a Estados Unidos foi decidido que um novo protesto, contra a violência policial, será feito no MASP, às 14hs do dia 28. É hora de mostrar para o governo Alckmin o significado do lema da bandeira da nossa cidade: Non ducor, duco. Em latim: não sou conduzido, conduzo.

Por isso, eu dedico esse texto a todos que fumam maconha e que não foram hoje à Marcha da Maconha. Peço, humildemente, que antes de enrolar o próximo baseado dêem uma olhada na sua erva. Tente imaginar por quais mãos ela passou. Para quem esse dinheiro foi. Pense em quantas pessoas morrem todo dia por conta desse mercado criminoso que a lei criou. E pense também nas duas mil (?) pessoas que foram às ruas por você. Para que sua maconha seja limpa, em carma e substância. E não se culpe pela ausência de hoje, digo isso com sinceridade. Apenas acenda o baseado, fume, e prometa a si mesmo que na próxima marcha você vai. E que vai levar gente consigo. E que vai fazer o impossível para aparecer sábado que vem, no MASP, às 14hs, para protestar na rua contra a violência do Estado de São Paulo. Eu vou.

__________________________

Um breve comentário: há tempos que minha relação com a maconha anda em crise. Não tenho mais tanto prazer quando fumo um baseado. Ao longo dos anos os efeitos foram mudando em mim. Hoje posso ficar ansioso, confuso, anti-social, durmo pior… Raramente fumo, pois com frequência me arrependo. Mas semana passada ganhei uma pequena belota de uma maconha caseira, cultivada por um amigo do interior. Hoje, ao chegar da marcha, tomei um banho, vi a repercussão no twitter, e enrolei a erva. Perfumada, verde, saborosa. Fumei. Há anos não me sentia tão amigo da maconha. Sentei, chapado, para escrever meu relato, e meu desabafo. Com uma florzinha solta, colhida por amigo, eu a maconha fizemos as pazes. Vou dormir bem.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

[agência pirata] MACONHA: REGULARIZE JÁ




::txt::Alê Youssef::
::ilstrç::Kevin Taylor::

As pessoas que defendem a mudança da política de drogas no Brasil se prendem à discussão entre legalização e descriminalização – e se perdem no jogo de palavras. O conceito-chave de um novo olhar sobre o assunto é a regulação

Conheci recentemente a condessa de Wemyss, Amanda Feilding, cabeça da Beckley Foundation, entidade que busca financiar e conduzir pesquisas sobre consciência e estados alterados da consciência e avançar no debate sobre política de drogas no mundo. O encontro foi articulado pelo amigo, colega de Trip e militante da causa, Bruno Torturra Nogueira, uma das vozes mais coerentes do Brasil a respeito do tema.

A revisão da política sobre drogas é um dos paradigmas de nossa sociedade. Trata-se de assunto de extrema importância, de interesse direto das novas gerações e que nos últimos anos vem se perdendo em radicalismos e utopias.

O discurso da erradicação – feito pelos políticos conservadores que, batendo bumbo na ideia do medo, visam conquistar votos de uma parcela da sociedade que insiste em apostar na repressão – já não consegue se manter. A tragédia do modelo repressivo é vista em rede nacional toda vez que algum morro carioca se rebela. Por outro lado, o posicionamento utópico do legalize, sem dados e informações, banaliza a discussão e joga todos os defensores de uma reforma na vala comum dos sonhos impossíveis de atingir, coisa que a sociedade pragmática dos dias de hoje não engole.

Para embaralhar mais ainda o tema, mesmo os que defendem a mudança da política se prendem à discussão entre legalização e descriminalização. No jogo de palavras, muitos deixam de aprofundar a questão com medo da opinião pública. Descriminalizar tornou-se socialmente mais aceitável e, portanto, está mais presente nos fóruns e nas opiniões dos que se dispõem a debater o tema. Mas será que é, isoladamente, uma saída para a questão?

O papo com a condessa de Wemyss foi muito inspirador e confirmou minha crença de que o caminho a seguir é o do modelo antiproibicionista. As drogas envolvem riscos e efeitos danosos, mas a proibição absoluta não é a melhor maneira de lidar com isso. As pessoas consomem de qualquer maneira e até certo ponto devem ter o direito de fazê-lo, e as consequências da estigmatização e da cadeia de comércio ilegal são graves demais.

Melhor investir em comércio lícito regulado, campanhas de educação e informação e apoio a dependentes, do mesmo modo que já fazemos com álcool e tabaco. Obviamente que, nesse contexto, é necessário estratificar a regulação de acordo com o potencial nocivo de cada substância – do mesmo modo que já fazemos com remédios controlados e outras substâncias perigosas.

Dedo na Ferida
Nesse sentido, o que se pode fazer a curto prazo no Brasil para avançarmos? Corre no Congresso projeto do deputado Paulo Teixeira para alteração da Lei 11.343/06, conhecida como Lei das Drogas. Mesmo antes de ser votado, o projeto precisa urgentemente de revisões pontuais. É fundamental definir com clareza quem é consumidor e quem é traficante, estratificar penas de acordo com a importância do traficante, além de descriminalizar de fato o consumo como fizeram Portugal e outros países.

A palavra-chave desse novo olhar é regulação, e o grande avanço está na discussão econômica do problema. O comércio lícito e regulado atingiria em cheio a cadeia de produção/distribuição e geraria muito dinheiro em impostos, que poderia ser investido em campanhas educativas e outras políticas públicas prioritárias ao país.

A hipocrisia domina esse assunto e o Brasil, que em tantas áreas dá sinais evidentes de amadurecimento e consolidação, precisa enfrentar essa discussão com seriedade. Não bastam opiniões esporádicas de figurões ou ações isoladas e paliativas no Congresso Nacional.

Precisamos pôr o dedo na ferida e ter coragem de erguer a bandeira da regulação das drogas no país, para combater o modelo falido que só enriquece policiais corruptos e os chefes dos grandes cartéis de drogas no mundo.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

WE CAN NABIS





# agência pirata #
Jornal dos EUA abre vaga para ‘crítico de maconha’

txt: BBC Brasil

Um jornal de Denver, no Colorado, está procurando um jornalista para escrever resenhas sobre maconha para uso medicinal.

Ao ser oferecida em um blog, a vaga do Westword recebeu em poucos dias mais de 120 candidaturas.

Segundo o jornal, o “crítico de baseados” escreverá uma coluna onde dará sua avaliação sobre os diferentes locais onde pacientes com prescrição médica podem comprar marijuana e as diferentes variedades da planta disponíveis, desde as produzidas localmente até algumas, importadas, que chegam a custar US$ 100 a onça (28 g).

O uso da droga é proibido por lei federal nos EUA, mas pode ter uso medicinal para aliviar a dor em alguns Estados, entre os quais o Colorado.

“Com o número de pessoas buscando autorização para o uso medicinal de maconha crescendo mais rápido que o número de farmácias autorizadas a distribuir maconha neste Estado, soubemos que não apenas havia uma necessidade de informação crítica, mas que não haveria falta de candidatos qualificados”, explicou o jornal.

O post com a proposta de emprego recebeu a primeira candidatura em cinco minutos. A ideia contou com a ajuda de matérias sobre o assunto em grandes jornais americanos como o New York Times e o Wall Street Journal.

“Todos os furos de jornalismo (do Westword) são fumaça perto da atenção que atraímos com o post procurando um crítico de farmácias de maconha”, comentou a jornalista Patrícia Calhoun em um artigo.

A ideia do cargo foi do jornalista Joel Warner, que escreve sobre a indústria da maconha no Colorado. Em seus posts, ele dá dicas de onde comprar e o que comprar, e sublinha a importância de garantir a procedência da erva para não acabar aumentando, inadvertidamente, o lucro dos cartéis de droga.

Importância

O prazo para submissão das candidaturas, que só são consideradas válidas se o candidato tiver permissão para comprar a droga e usá-la medicinalmente, já terminou. Em um artigo na seu site, o jornal compilou as razões que alguns aspirantes ao cargo apresentaram em seu favor.

“Por que a maconha médica é importante para mim? Ela não apenas salvou minha vida, mas me devolveu a pessoa que eu era antes de um acidente que mudou minha vida”, disse um deles. “A maconha não é apenas importante para mim; é minha vida.”

Outro candidato se descreveu como um “chapado altamente capaz”. “Sou seu connoisseur na arte de fumar maconha com credenciais impecáveis para as características do Westword.”

Já outro afirmou que, “quando as farmácias se tornarem tão comuns quanto as lavanderias, as pessoas verão que o céu não está caindo sobre elas ou que as coisas não estão dando errado. Elas começarão a se questionar e desafiar os pressupostos”.

“Talvez você possa fumar maconha e ter um trabalho. Talvez ela não te deixe mole. Talvez um dia possamos até ter uma discussão pública e honesta sobre isso. Sinto que os ventos da mudança estão soprando, e que quando a poeira assentar vou gostar do que verei. PS: Se desperdicei seu tempo, ou se você se sentir mais idiota por ter lido meu texto, desculpas adiantadas. Estou medicado.”

terça-feira, 27 de outubro de 2009

PEQUENO BANDIDO

# escrituras marginais #

Um retrato do submundo das drogas
txt: Tiago Jucá Oliveira

V. é um carinha que vive no mundo do narcotráfico desde a adolescência. Passou um tempo na prisão e de lá não esquece algumas lições, do tipo "comia massa a alho e óleo e não podia reclamar". Fomos até a baia do cara, que foi logo tirando as cartas das mangas: "tenho o que tu quiser: maconha, haxixe, cocaína. Tem até umas notas de 50. Pra ti eu faço por 20".

Pra minha surpresa, o cara abriu uma dessasa pastinhas plásticas com mais de uma dezena de folhas de papel ofício, cada uma tendo impressa, bem ao meio, uma nota de 50 pronta pra ser recortada e cambiada nas ruas. As ofertas não param por aí. V. tem também chave pra orelhão e um quartinho de fumo por cem conto de reais.

Disse que tinha um pó violento, do qual me ofereceu uma carreira pra dar um teco. Respondi que não curtia, mas ele insistiu pra eu experimentar a qualidade. Diante de minha recusa, ele pediu pra eu passar uma cara na língua. Em pouquíssimos segundos, minha lingua estava toda dormente.

O som que rolava era Cypers Hill, RZO, Thaíde & DJ Hum. Manifestei meus raps favoritos: Public Enemy, 2 Pac, Snoopy Dogg Doggy, Dr. Dre. Pra este último V. fez cara feia porque é um cantor de funk. Expliquei que o cara também faz um hip hop da hora.

"Emoção é comigo mesmo"

Antes de V. me levar à casa de seu fornecedor, fui obrigado a conhecer as minas que o rodeiam. Observando uma delas, pergunto se ela não havia brigado com outra mina um domingo desses no parque. A resposta deixa V. perplexamente feliz: "tu anda brigando agora, mulher?"

Há um porquinho vigiando a zona. Precavido, V. entra na caranga meia quadra adiante. Quando chegamos na baia do traficante, V. entra sozinho.

Volta com uma bola de pó do tamanho de uma de tênis, junto com umas dez bolinhas de haxixe. "Não te falei que eu sou confirmado com o patrão?".

No caminho, V. conta que recentemente pagou dois mil reais pra uns policiais. Ele foi pego com drogas e não queria voltar pra prisão. De acordo com V., ainda hoje ele tem que dar uma grana pra um policial o deixar em paz.

"Quando saí da prisão, fiquei calmo por um tempo. Não usava nenhuma droga. Mas acabei voltando com tudo de novo. Não adianta, eu sou um criminoso. Mas não sou ruim, sabe? Eu não sou mau, faço isso de vagabundagem, pra gastar em besteira. Aqui no bar eu gasto setenta conto por dia. Esses dias vieram uns porco aqui na baia. Eu corrí os cara com o cano. Disse que sem mandato não podem ir entrando assim. Eu tô ligado, meus peso ficam numa outra baia, não deixo nada aqui em casa, só o de consumir. Não dá pra marcar bobeira, dusmeu. Vivo com o cano na cintura ou debaixo da cama. Aí eu fico a noite inteira acordado cheirando uma branca. Caminho por dentro de casa de um lado pro outro, espiando pela janela e jurando que há alguém lá fora me cuidando. Já teve vez que eu chorava de pavor, escondido atrás do sofá, vendo o demônio. Mas eu rezava pra Deus me proteger. Conheci o Senhor na prisão, e todos os dias eu rezo agradecendo a vida que tenho. Já disse, sou uma boa pessoa, rodeado de amigos e mulheres. Quer mulher e drogas? Fala comigo. Dinheiro falso também. Emoção é comigo mesmo"

Fugindo dos homens da lei

"Eu e o F. era, há bastante tempo, visado pelo polícia. Uma noite a gente pegou alguns quilos de pó e de fumo em outro pico. Alguém entregou a gente. Os homens seguiram nossa caranga até nos alcançarem. Foi aquele tiroteio. O carro ficou totalmente baleado. Tõ vivo porque as bala não atravessaram oo banco, mas o F. foi atingido de raspão. Mesmo assim ele manobrou o carro pra direita e pulou um barranco de cinco metros de altura e fugiu dos homem. Mas no outro dia a gente acabou sendo preso"

sábado, 16 de maio de 2009

É PROIBIDO FUMAR




# águas passadas #
Baseado em fatos reais


txt: Fabricio Ungaretti Coutinho

A Maconha está presente nas diversas áreas que compõem nossa realidade histórica, econômica, política, cultural, médica, jurídica, social, filosófica, psicológica e mesmo espiritual. A falta de um olhar crítico sobre a utilização da planta pelo ser humano leva a vários caminhos perigosos, pois sempre existem aqules que, investidos de más intenções, acusam de apologistas os que não concordam com as argumentações "oficiais". Esquecem inclusive que apologia quer dizer defesa. E de que, tanto quem é a favor quanto contra algo, está apenas defendedo seu ponto-de-vista.

Os meios massivos de comunicação reproduzem os discursos oficiais, quase sempre com a ótica policial. Os padrões de manipulação são nítidos, a começar pela "ocultação", cuja força leva as salas de redação ao silêncio forçado e torna todos filhos da pauta. Quando expostos os fatos, a fragmentação no turbilhão pirotécnico das notícias-espetáculo os descontextualiza, como se existissem desprendidos de suas causas e conseqüencias.

Inversões e induções. O Showrnalismo precisa do picadeiro. A violência causada pelo tráfico de drogas é o recorte torto mostrado pela mídia sensacionalista ao grande público, mas ela nunca apresenta o debate sobre a descriminalização do uso como opção séria para combater essa tragédia anunciada, que tem como principal culpado o Estado ausente. E como vítima o cidadão comum, eu e você.

Por outro lado, um veículo de jornalismo livre demonstra independência por ter a coragem de inverter o olhar e se posicionar de maneira crítica. A proibição é uma falácia a partir do momento em que o Estado se acovarda e, ao invés de acolher o usuário como cidadão, criminaliza sua conduta e o mata em primeira instância moralmente. Joga-o às margens da sociedade e o transforma em marginal. Em vez de colocar o usuário como refém do tráfico, o considera reponsável por ele e indica que a partir da compra da maconha o mercado paralelo se alimenta, em uma verdadeira "lei de oferta e demanda". Porém, não há lógica em tratar da mesma maneira traficante e usuário, pois suas motivações são diferentes.

Enquanto o traficante busca proveito em uma falha no sistema, o usuário é levado a entrar no mercado paralelo exatamente por ela. A proibição é sobretudo nociva a quem consome, pois este acaba visto de forma deturpada, como parte apenas de uma questão de segurança. O Resultado é um efeito contrário, muitas vezes fatal para quem está, usuário ou não, no meio das balas-perdidas trocadas entre órgãos governamentais de segurança, traficantes e milícias pára-policiais.

Milícias estas que, apesar de integradas por funcionários públicos, oferecem seus serviços extras de "segurança" em troca do comando das comunidades. Assim fica claro, a demagogia da repressão é fruto da ausência do estado na prevenção. E essa falha na política de drogas começa pelo medo hipócrita do debate público e amplo sobtre o tema proibição. O questionamento não é sobre a maconha, mas sobre a criminalização.

Por que é proibido fumar?

Não se sabe ao certo quando a fumaça começou, mas existem relatos antigos, datados de 2737 a.C, que comprovam o consumo em rituais sagrados na China. Natural que a Cannabis Sativa, uma planta que brota da terra e se alimenta do céu, fosse considerada, e ainda seja, por alguns, um elo com a natureza, a criação, o transcendental.

O uso era um costume de diversar tribos religiosas orientais, como os árabes, africanos e indianos. Na religião Hindu, Os Sadhus, homens-santos, seguidores de Shiva, são um exemplo. Fumam pra se aproximar da divindade, o deus da transformação. É livre a permissão para consumo, pois trata-se de algo culturalmente enraizado.

No Brasil, os escravos africanos usavam a erva em rituais de religiões como o Candomblé, Umbanda e Nação. O nome Maconha é de origem africana. Mahaña é a planta de Exu, o orixá da comunicação, aquele que foi sincronizado absurdamente com o Satanás da visão judaico-cristã. O puritanismo ocidental incutiu na sociedade o espírito da punição para quem fumasse o "cigarrinho do Diabo" e, em seu preconceito mais que latente, marginalizou os imigrantes do oriente.

Não entraremos nos méritos das pesquisas científicas focadas na saúde, pois inúmeras delas são controversas e contraditórias. Os diagnósticos são diversos, ora apontando malefícios como danos cerebrais na memória de curto prazo e diminuição de esperamatozóides, ora para benefícios como a utilização em tratamentos do sistema imunológico em casos de esclerose múltipla, Mal de Parkinson e AIDS. De qualquer forma, caso compravados os malefícios, deve haver uma política de saúde em primeiro plano.

A Cannabis Sativa já foi responsável por grande parte da fabricação mundial de papel e artigos têxteis, porque o cânhamo presente no caule da planta é uma das fibras mais resistentes do mundo, podendo ser cultivada em vários tipos de solo. Porém, a partir dos anos 20, com a entrada no mercado capitalista de fibras sintéticas como o náilon e a implantação de uma tecnologia de produção de papel feito do eucalipto (que é totalmente prejudicial aos solos), as multinacionais estadunidenses passaram a intervir economicamente para que uma ampla política anti-maconha fosse espalhada por toda América do Sul, inclusive no Brasil.

Um dos arquitetos do plano foi o estadunidense William Randolph Hearst. Além de magnata da grande mídia, ele foi dono de várias fábricas de plantio de eucalipto para produção de papel e assim usou toda influência que seus jornais, revistas, agências de notícias e publicidade, emissoras de rádio e TV detinham sobre a opinião pública. Hearst construiu uma forte campanha contra a maconha e os usuários, predominantemente imigrantes mexicanos. Do alto de seu Xanadú, Hearst, o Cidadão Kane de Orson Welles, comandou a apoteose do jornalismo sensacionalista. Começou a publicar em seus veículos que crimes eram cometidos por mexicanos sob efeito da erva. Inclusive foi responsável pela universalização do nome "Marijuana" em suas campanhas racistas.
No Brasil, os negros, historicamente excluídos, foram também marginalizados pelo uso. Descendentes de escravos, em sua maioria pobres, consumiam efetivamente a droga no início do século. E assim como os mexicanos nos Estados Unidos, devido ao grande abismo social entre as duas classes, quando cometiam crimes, o uso da maconha era associado à determinados comportamentos agressivos. O que também não é verdade, já que a maconha apresenta características calmantes.

Ainda hoje, presos nas zonas periféricas das grandes cidades, sem oportunidades, alguns pobres, caem na criminalidade, para buscar uma vida mais confortável. Uma grande parcela através do tráfico, embora muitos morram antes disso acontecer. Ricos ficam só os grandes traficantes, tal qual Al Capone na Lei Seca, pois são os que controlam os meios de produção, detêm o poderio sobre a economia e o mercado paralelo e, através da corrupção, interferem em órgãos de segurança do Estado, mantendo seu status quo.

Nos últimos tempos, alguns outros políticos resolveram fazer coro ao Deputado Federal Fernando Gabeira, pioneiro nacional neste tema, nos manifestos sem eco. A exemplo do Governador do Rio de janeiro, Sérgio Cabral, emplacaram na mídia o debate sobrea descriminalização e apresentaram opções para o maior controle do Estado. Obviamente o Brasil tem suas características, e importar modelos é sempre contra indicado, mas exemplos como o da Holanda são citados.

Lá, em cafés autorizados pelo governo, é permitido o consumo de pequenas quantidades - apenas dentro dos estabelecimentos - e farmácias vendem a erva para doentes que precisam aliviar as dores, mediante apresentação de receita médica. Assim como acontece com a cerveja e o cigarro aqui, o Ministério da Saúde da Holanda fiscaliza a qualidade da maconha, oferecendo menos riscos aos usuários-cidadãos e gerando impostos para o Estado.

Claro que, pelas falhas no controle das drogas hoje consideradas lícitas, a descriminalização no Brasil passa por prever reformas profundas de médio prazo, a começar pelo controle da venda para menores de 18 ano e investimentos do dinheiro gerado pelos impostos em campanhas de assistência social, educação e saúde. Além, é lógico, de propiciar oportunidades de trabalho para aqueles hoje sem alternativas, que entram no tráfico. Sem inclusão e atenção a essas pessoas, mesmo com a descriminalização elas irão possivelmente apenas mudar de foco para outros crimes.

Se a discussão da descriminalização ainda roda longe de um aprofundamento, ao menos em relação aos usuários a política foi revista em 2005, com a criação de um novo plano, onde o porte de drogas continua proibido, mas a compreensão de que são cidadãos e não marginais já é um avanço. Ao invés da prisão direta, os consumidores agora são julgados por tribunais especias, e sujeitos à medidas sócio-educativas, como advertência sobre os efeitos da droga ou prestação de seviços à comunidade, que serão impostas de acordo com a quantidade e situação da apreensão.

Com certeza esse novo olhar foi baseado em argumentos sérios, que tentamos aqui elucidar para colaborar com a construção de uma sociedade mais informada e consciente. Acendemos a pergunta, puxamos o debate, prensamos as idéias e passamos o conhecimento adiante. Cabe agora a cada um manifestar suas opiniões, contrárias ou não. Mas que sirvam pra debater melhorias para a população, para a massa.

NdE: Este texto foi publicado pela primeira vez na edição #12 da revista O DILÚVIO e reproduzido pelo site do jornal O Globo.

sábado, 9 de maio de 2009

PSICODELIA PARA PRINCIPIANTES

# agência pirata #
Em vez de proibir o fumo, que tal liberar as drogas?



txt1: André Forastieri
txt2: André Forastieri e José Augusto Lemos


Sou a favor da descriminalização de todas as drogas. Acho que elas são divertidas e necessárias. Particularmente para espíritos criativos. Boa parte da arte que mais interessa não teria sido produzida sem o auxílio de aditivos químicos.

Minha droga favorita é álcool. Felizmente ela não é ilegal, ainda. Mas me agrada de vez em quando sorver grandes quantidades de álcool em bares, acompanhados de muitos cigarros e comidas gordurosas. E só fumo quando bebo.

Agora, uma nova lei quer me tirar este prazer. Os argumentos são pífios.

Faz todo sentido que alguns estabelecimentos permitam o fumo e outros não. Com uma placa na porta, “Aqui se Fuma”. Aliás podia ter também estabelecimentos com plaquinhas tipo “Aqui se fuma Maconha”, “Aqui se injeta heroína” etc. Quem quiser entrar que entre.

Mas a lei exige que ninguém fume em nenhum lugar fechado, restaurante, bar, casa de show etc. Pretende-se proteger garçons do fumo passivo. Mas a nova lei não vai protegê-los do desemprego. É pra rua que vão os garçons, se realmente a marcação anti-fumo for cerrada. Duvido que seja. Deve acontecer a mesma coisa que com a lei seca: fogo de palha. Mais um factóide sem fiscalização.

Muitíssimo pior que o fumo é a fumaça. São Paulo acorda todo dia tossindo, espirrando, fungando, de olhos vermelhos e com dor de cabeça. Porque? Poluição hardcore, industrial - a Petrobras é a empresa que mais polui no estado de São Paulo, sabia? - e poluição automotiva. Mas a inspeção veicular é só para carros com menos de cinco anos, os que menos fazem estrago. E para ajudar as montadoras, o governo do país baixou os impostos e estimula a compra de mais carros.

O que causa mais problemas respiratórios: a fumaça que todos respiramos, ou a fumaça de segunda mão que alguns garçons iriam respirar?

Mas é difícil ir contra os interesses dos grandes. Muito mais fácil legislar sobre os direitos do indivíduo.

Agora, uma defesa apaixonada do uso de drogas psicodélicas.

O texto a seguir foi escrito a quatro mãos em abril de 1990, dezenove anos atrás. Foi um dos textos mais ambiciosos que eu escrevera até então. José Augusto Lemos tinha acabado de me contratar para a Bizz. Eu era um moleque. Ele não, ou não me parecia. Eu tinha 25, ele menos de trinta, mas com repertório, ambição e elegância que me deixavam no chinelo.

Tive que me esforçar para fazer bonito neste artigo sobre o espírito psicodélico e hoje, relendo, ainda me orgulho do resultado. Foi minha primeira Bizz como editor, capa do Pink Floyd original. Foi meu professor mais importante na arte de fazer revista.

Não tenho mais contato com José Augusto Lemos, obras da vida. Perda minha. Continuo devedor e admirador.

Agradeço publicando, sem pedir autorização, nosso único artigo conjunto.



Psicodelia Para Principiantes: Ligue-se… Sintonize… Caia Fora (do Sistema)



“Turn on, tune in, drop out”, o slogan máximo do psicodelismo criado por Timothy Leary, pode sugerir hoje ranço e hippismo.

Afinal, pós-perestroika, as drogas foram eleitas inimigo número um da civilização ocidental. E entre seus consumidores — um mercado global que movimenta cerca de cem bilhões de dólares ao ano, quase a dívida externa brasileira — as químicas mais procuradas não são mais as alucinógenas, mas as estimulantes: cocaína, crack, anfetaminas diversas. A maconha continua popular, mas seu consumo cai regularmente no mundo inteiro há anos.

Substâncias alteradoras do funcionamento da mente são cada vez mais mal vistas. Para a geração que cresceu sob a ofensiva antidrogas de Reagan, é inimaginável o fato de que há pouco menos de trinta anos a utilização de alucinógenos como expansores da consciência era defendida com unhas e dentes por uma fração razoável da elite científica do planeta.

A psicodelia — “manifestação do espírito”, em grego — tem raízes milenares. Praticamente todas as civilizações de que se tem notícia usaram um ou outro tipo de alucinógeno, quase sempre com fins religiosos. Mas a maneira como o movimento psicodélico floresceu no início dos anos 60, principalmente na costa oeste dos EUA, tem uma base distinta no New Deal, política de realinhamento econômico promovida nos anos 30 e 40 pelo presidente Franklin Roosevelt.

A América pós-New Deal foi pautada por quatro explosivos elementos: o maior desenvolvimento econômico da história, a maior distribuição de renda, a maior expansão da rede de comunicações, a maior explosão demográfica. O termo baby boom é perfeito: entre 1946 e 1964, 86 milhões de crianças foram colocadas numa sociedade superafluente, em meio à uma explosão informacional inédita. A televisão colocou o mundo ao alcance de todos e forneceu a essa geração uma fortíssima ilusão de livre arbítrio.

O material humano para a aventura psicodélica já estava, portanto, a ponto de bala. O material químico também: já em 1938, o bioquímico suíço Albett Hoffman havia sintetizado o vigésimo-quinto derivado do ácido lisérgico, mais conhecido como LSD.25. Em 1958, sintetizou a psilocibina, princípio ativo dos “cogumelos mágicos” mexicanos. E a maconha, claro, já era consumida nos circuitos jazzísticos.

A Califómia dos anos 50 foi um foco privilegiado para o nascimento da chamada “contracultura”, reunindo artistas expatriados como Aldous Huxley e a produção local dos hipsters e beatniks, amantes do jazz e da poesia libertária de Walt Whitman e Thoreau.

Na linha de frente, o grupo de escritores beat, comandado por Jack Kerouac, Alien Ginsberg e a farmácia ambulante, cobaia de si mesmo na experimentação de toda e qualquer droga, William S. Burroughs. Entre eles, o interesse pelo hinduísmo e pelo zen-budismo (disseminados pelos escritores Alan Watts e D.T. Suzuki) lançava as sementes para o movimento hippie da década seguinte.

A primeira bíblia do psicodelismo veio assinada por Aldous Huxley, descrevendo sua experiência com a mescalina, princípio ativo do peiote (cacto mexicano). Editado em 54, “As Portas Da Percepção” adquiria uma credibilidade com que os beatniks não podiam sonhar; seu autor era um romancista e ensaísta inglês consagrado. Em seu leito de morte, em 63, Huxley pediu uma dose de LSD.25, não recusada. (O ácido lisérgico, comercializado em cubinhos de açúcar e depois papel mata-borrão, só foi proibido em outubro de 66)

A coisa toda poderia ter continuado como uma brincadeira de elite, como o ópio entre os poetas românticos ingleses e o haxixe entre os românticos e simbolistas franceses (Théophile Gautier, Baudelaire e Nerval chegaram a fundar um Clube do Haxixe na Paris do século dezenove). As comunicações de massa não deixaram, ajudadas pelo doutor em psicologia clinica Timothy Leaiy, professor da prestigiosa universidade de Harvard que desde 60 pesquisava a psilocibina e o LSD, até ser expulso em 63.\

Perseguido pelo establishment e sem dinheiro para continuar suas pesquisas, Leary viu a saída apontada numa conversa com o mais influente teórico das comunicações dos 60, Marshall McLuhan. O conselho: “Se você realmente acredita no LSD, faça proselitismo, palestras, happenings, shows, coisas criativas. Não perca uma chance de divulgar suas idéias na mídia. Se você ficar sozinho, está ferrado”. Leary seguiu-o à risca — com enorme sucesso. O livro reunindo suas palestras e entrevistas — “The Polítics of Ecstasy” — tornou-se a segunda bíblia psicodélica.

Quando veio a década de 60, São Francisco já cultivava a boemia beatnik como uma tradição e, aos poucos, seu cenário musical começou a refletir isso. O culto ao jazz foi trocado por uma onda de folk de protesto, que por sua vez fez a transição para o rock psicodélico da primeira geração: Jefferson Airplane, Quicksilver Messenger Service, Moby Grape e o maior de todos, o Grateful Dead — com sua legião de seguidores, batizados de “deadheads”.

Comandado por Jerry Garcia, o grupo participou integralmente dos acid tests (festas de som e imagem, a primeira versão das atuais raves inglesas) organizados pelo escritor Ken Kesey e sua turma, os Merry Pranksters. Quem lê inglês, não deve perder “The Eletric Kool-Aid Acid Test”, de Tom Wolfe, que acompanhou todo o trajeto dos Merry Pranksters e, por tabela, escreveu a história definitiva do movimento hippie.

O florescimento do psicodelismo — que teve seu auge entre 65 e 66, e iniciou sua massificação mundial em 67, o chamado “Verão do Amor” logo fez uma ponte com a Europa, através de Londres. Carnaby Street, com suas butiques hippies, passou a ser o equivalente à esquina da rua Haight com a rua Ashbury, o centro do turbilhão em São Francisco. O intercâmbio era feito basicamente através de rock stars em turnê. Segundo a lenda, os Beatles fumaram maconha pela primeira vez com Bob Dylan; e Tom Wolfe descreve, no livro citado, o primeiro contato do quarteto de Liverpool com o underground californiano.

Em pouco tempo, Londres tinha no Pink Floyd o seu Grateful Dead. Com um light show lisérgico e encabeçado pelo freak Syd Barrett, o grupo era a principal atração do underground e não perdeu o séquito de fãs quando, contratado pela Columbia, passou a freqüentar as paradas de sucesso.

A descoberta de que o flower power já contava com uma multidão de adeptos se deu com a organização de um festival de grupos psicodélicos organizado pelos Merry Pranksters e o Grateful Dead: grátis, ao ar livre, o First Human Be-ln reuniu milhares no Golden Gate Park, em janeiro de 67 em São Francisco. A indústria fonográfica — sediada ao lado, em Los Angeles — percebeu o potencial e, em junho do mesmo ano, promoveu o Monterey Pop Festival.

A movimentação era divulgada via satélite para o mundo todo, mas a contracultura criava seus próprios sistemas de divulgação: rádios pirata, fanzines, gibis underground, jornais como o Detroit Free Press, revistas como Rolling Stone, International Times e — na Inglaterra, IT e Oz.

A reação veia a cavalo, com a maioria conservadora dos EUA elegendo Nixon em 68 e as grandes empresas aproveitando a onda — como a Wamer Bros. ao transformar o festival de Woodstock num megaevento de marketing. Morreram Hendrix, Janis Joplin, Brian Jones, Jim Morrison, e John Lennon arriscou um epitáfio: “O sonho acabou”.

Acabou nada. A contracultura e a psicodelia — mesmo banalizadas em musicais como “Hair” — foram um salto evolutivo no comportamento da raça humana, com um saldo político inegável.

Na música pop nem se fala. Muito antes que o De La Soul sampleasse os ultrapsicodélicos Turtles, e o cenário acid house detonasse o verão londrino de 86 (com a adoção de um novo químico, o ecstasy), sua influência já podia ser sentida, de toda uma safra pós-punk inglesa ao funk de Prince. Boa parte da cultura pop vive hoje da criação de novas embalagens para os mitos dos 60 — para enorme alegria dos executivos das gravadoras e do establishment em geral, que preferem lidar com nostalgia inofensiva do que com novas formas de subversão.

Quem quiser saber mais sobre a movimentação dos 60 tem pelo menos dois bons livros à disposição no mercado brasileiro. “Flashbacks” é a autobiografia de Leary que traça o mapa do sonho psicodélico. “Las Vegas Na Cabeça”, do jornalista gonzo e integrante da equipe original da Rolling Stone, Hunter S. Thompson, mostra com humor negríssimo o outro lado da moeda, a derrocada dos mais altos ideais da contracultura.

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