# que conversa é essa ?! #
De outro planeta
txt: China
pht: arquivo pessoal
Rafael Crespo, 35, guitarrista. Foi o responsável pelos hits mais importantes do Planet Hemp. Hoje em dia ele é sócio de um estúdio no Humaitá-RJ, e tenta montar uma banda de country/folk/rock no Rio de Janeiro. “A tarefa mais árdua que Deus me deu”.
Porque é tão difícil montar banda no Rio de Janeiro? Os músicos estão impregnados de clichês?
Primeiro porque tem pouco músico, mas rola um pouco disso que você falou também. Já ouvi não mais de uma vez que o Rio é o túmulo do rock, assim como dizem que São Paulo é o túmulo do samba, mas não acredite nas coisas que você ouve.
Eu acho que os cariocas num são bons pra cantar rock. Acaba sempre com aquela sonoridade B rock, anos oitenta.
Pode ser. Tem umas coisas boas mas o que se sobressai é mais isso mesmo. Talvez pelo fato de todas as grandes gravadoras, as emissoras de tv e rádio estarem concentradas aqui, criou-se essa cultura pop no Rio de Janeiro, enquanto São Paulo sempre foi mais underground, e os estados estavam muito distantes para se preocuparem com isso.
Tu acha que os anos 80 fizeram mal a cena rock que se criou depois?
A que veio depois não porque quem veio depois, veio puto com o que rolava antes. Falo de Raimundos, Planet Hemp, Chico Science...foi uma ruptura com aquela coisa de Blitz, Barão Vermelho Kid Abelha, o rock de mauricinho.
Nessa época tu já tinha banda ou foi no Planet Hemp que começou tua carreira?
Não. Comecei a tocar razoavelmente, o suficiente para ser aceito numa banda, lá pelo meio dos anos 80.
Guitarra?
Isso, guitarra. Lembro até hoje do Rock in Rio I, o Herbet Vianna chamando o Angus Young (ACDC) de mão dura. Me deu uma raiva, mas hoje eu entendo.
Porque ele disse isso?
Porque ele achava que o Angus Young só sabia tocar aquele som, que ele não tinha swingue para tocar um reggae ou um ska. Mas quem disse que o Angus precisa tocar ska, o cara tocava numa das maiores bandas de rock da época, era um guitarrista showmen, o cara não tava nem aí. Cada um faz o seu som.
Tu acha que o cara pra viver de música tem que ser, digamos assim, versátil?
Aqui no Brasil, sim. Já ouvi uma definição de malandragem que era o seguinte: Malandro era o cara que conseguia viver bem e se divertir sem dinheiro, ou seja, foi o jeito que o pobre inventou para viver melhor. Foi aí que surgiu a malandragem. Acho que o músico brasileiro é meio assim, se vira como pode para fazer o que gosta.
É, tu poderia ter feito parte de outras bandas rentáveis, mas você sempre investiu no underground.
É, eu fiz parte de uma banda que acho que vai ficar marcada na história de algum jeito, não sei se bom ou ruim. Podia ter me acomodado com o que tinha conseguido, mas não ia me sentir feliz e realizado enquanto visse tantas bandas boas e de qualidade serem desprezadas e subestimadas.
Porque tu saiu do Planet no meio do caminho? Só pra não ser preso? (Os músicos do Planet Hemp foram presos pela polícia em 1997, época em que Rafael se afastou da banda).
Pois é, você já viu aquele filme, Matchpoint, do Woody Allen?
Não.
Então vai ver! Ele diz que na vida tudo é uma questão de sorte. Acho que foi isso. Saí num momento em que não concordava com os rumos musicais que a banda tava tomando. Não consigo fazer uma coisa e olhar na cara das pessoas se eu não tiver tendo prazer no que faço e no convívio com eles. Então rolou aquilo, mas depois a gente amadurece, cresce e...sei lá, morre um dia, né?
Mas tu voltou pela grana ou porque se entendeu com os caras?
Eu me entendi com os caras no momento que eu tava mais duro, essas coincidências são foda, né?
Tu tem muita composição nos discos do Planet, mas ao mesmo tempo, você tem essa coisa de colocar os teus sons na internet . Aqui em Recife, os compositores que ganham bem com direito autoral, não querem botar as músicas na rede por medo de perder grana. O que tu acha? O cara perde, ou ganha na frente liberando as músicas?
Bom, eu não vejo música por esse ângulo. É como se o Picasso cobrasse pelo número de vezes que alguém visse um quadro dele. Acho que primeiro, música é uma arte(mas pode ser que eu esteja enganado), logo me considero um artista, e o que eu mais quero é que as pessoas ouçam minhas músicas, conheçam a minha arte. Dinheiro é conseqüência de vários fatores. Não é nisso que eu penso quando faço um som, nem quando tento achar um meio para que as pessoas possam, ter acesso. Acho que quem vive de música, quem tem um nível de vida elevado, não quer perder nunca o que conquistou. Desse ponto de vista eu ate entendo(embora não concorde), mas para o artista que ta começando, que não tem porra nenhuma, não faz diferença. É uma questão complicada, não é tão simples assim.
Gostei da analogia com os quadros de Picasso. Se ele cobrasse ia ser complicado mesmo. Tu agora tá tocando em quantas bandas? Quando eu te conheci, você tinha pelo menos umas seis.
Pois é, eu era jovem, né? Cheio de energia. Agora eu só toco com o Polara, e faço umas músicas que eu tô tentando divulgar sob o nome de Poniboy. Acho que é isso, não tenho mais nenhum plano ambicioso para conquistar o mundo, mas também não me contento com o que tenho. Então a questão é: Enquanto eu tiver criatividade para fazer música, enquanto não me provarem que o que eu faço e ruim, eu vou continuar fazendo e divulgando da maneira mais ética possível o meu trabalho.
Tu já se vendeu (ou se rendeu) a pressões de gravadora alguma vez?
Depende.
Como assim?
O q isso significa? Assinar um contrato e se render? Não. Nunca.
Fazer coisas que a gravadora insistiu e que não eram legais para a banda, essas coisas.
Eu já quebrei um disco de ouro uma vez na festa de entrega do nosso disco de ouro, acho que depois disso os caras ficaram meio com medo de mim.
Porque tu fez isso?
Pra começar porque eu tava completamente embriagado. E depois porque o nosso primeiro disco de ouro era igual aqueles que você vê em filme. Era um lp de 12 polegadas dourado, lindo. Tenho ate hoje. O segundo era um cdzinho mixuruca, e ainda por cima com um design de muito mau gosto. Como eu já tava insatisfeito por varias coisas que vinham ocorrendo. Acho que isso ficou no inconsciente, e a bebida ajudou a trazer tudo isso a tona. Na época eu achei engraçado. Hoje em dia eu acho muito mais engraçado ainda.
Pelo menos vai ter história pra contar pros netos.
Bom, algumas é melhor eles não saberem.
Hahahahahahahahahaha. E agora dono de estúdio? Deve ser chato ficar alugando equipamento pra galera destruir.
Até que não. Eu tenho me aprimorado bastante gravando, mixando, fazendo algumas experiências. Mas eu to me concentrando nessa história de tirar bons timbres, de tentar ser original, sei lá. Coisas que eu sempre questionei também quando era músico. Lembro que na gravação do nosso primeiro cd, ninguém sacava muito de estúdio nem nada, aí eu levei um cd de uma banda para o engenheiro de som e mostrei pra ele um som que começava parecendo que você tava ouvindo um ensaio da banda, e de repente entrava a gravação porrada. Eu achei aquilo foda. Falei pro cara que queria fazer igual. O cara ficou olhando pra mim e achando que eu tava brincando ou que eu era maluco, até que ele sacou que era sério, que ele ia ter que fazer aquilo mesmo. Ele ficou umas três horas para descobrir como fazia aquilo, e eu não tinha a menor idéia...só sei que depois que ele descobriu, eu disse que ia gravar a musica inteira daquele jeito.
Bom, depois que gravamos o som, o cara me chamou de canto e falou bem sério comigo. “Olha, quando você mostrar isso pros caras da gravadora, você explica pra eles que a intenção que você queria era essa mesmo. Fala aquilo que você falou pra mim, diz que não é defeito e nem que foi má qualidade do estúdio”. Hahahahahahahaha. Eu fiquei rindo da cara dele.
Não tava entendendo porque ele tava se preocupando, tinha ficado do caralho, fodasse o resto.
Hoje em dia eu me dou conta, de como as pessoas eram atrasadas e retrógradas naquela época. Nesse mundo de gravadoras e produtores ainda são, mas hoje as pessoas ousam mais. Naquela época era proibido você fazer alguma coisa diferente. Depois disso eu comecei a me interessar por produção e por todos os recursos que um estúdio oferece e que não é aproveitado.
Qual era essa música?
Skank. Era uma música instrumental. E tem uma escondida também, a última do cd que rola isso. Por mim, eu teria gravado o disco inteiro desse jeito.
Pega pra ouvir o primeiro disco do Defalla. O som é muito foda. O disco é de 1984, sei lá, por ai. Quando eu fui tocar com os caras perguntei pra eles como que os caras da gravadora deixaram eles fazer aquilo. O Edu K me contou história. Disse que o técnico de som, que também era o produtor do disco, era um porra louca e curtiu as idéias da banda, então fez tudo do jeito que eles queriam. Eles só mostraram o disco pra gravadora quando já tava tudo pronto.
Então, o primeiro disco deles lembra muito o usuário, do Planet, até os rifffs de guitarra são parecidos. Tu vivia ouvindo isso, né?
Esse disco me marcou muito. Foi a primeira vez que eu vi alguém fazer rock de verdade na minha frente, a um metro de distância, fazendo loucura, tirando uns sons loucos. Aquilo mudou minha vida de verdade, tipo, eu devia ter uns 15 anos. Eu falei isso pra eles depois porque eu entendi que você não precisava ser nenhum virtuoso pra fazer um som bom, bastava ter bom gosto, atitude...é isso aí.
Tu acha que o Brasil pode se tornar referência mundial no quesito rock?
Acho, de verdade. Aqui é o único país do mundo que tem banda de tudo quanto é estilo, tudo mesmo, e com talento. O que falta é incentivo e estrutura. Nenhum lugar do mundo tem a variedade que tem no Brasil.
Aqui você tem desde country a black metal, desde forró, a milonga, ou seja, tem de tudo, é só incentivar.
Eu li uma entrevista do Millencollin (banda de hardcore melódico da Suécia) quando eles vieram ao Brasil a primeira vez. O jornalista perguntou se foi muito difícil para eles, porque eles não eram americanos e tal. Eles disseram que não. Eles montaram a banda e ganharam do governo os instrumentos, e depois que eles tinham gravado disco, o governo patrocinou a tour deles pelos EUA e Europa. Ele disse que lá isso é comum.
Tu concorda com a postura de Marcelo D2? Meter o pau em Faustão e Gugu e depois ir lá cantar. Tu iria no Faustão?
Olha, a gente uma vez ia no Ratinho, ai eu fui lá no apartamento do Marcelo e do Lobato (empresário do Planet Hemp) e disse que não queria ir.Disse que eu não concordava com ele, não apoiava aquele programa dele, não deixava minha filha assistir aquele tipo de programa, porque aquilo é um desserviço a cultura. Então eu não podia ir lá porque era contra meus ideais. Não sei o que eles acharam, mas a gente não foi.
Agora sobre o D2, acho que ele é dono do nariz dele, ele sabe o que é melhor pra ele. Não cabe a mim dizer se eu acho certo ou não.
Se tua filha quiser seguir carreira musical tu vai achar bom?
Lógico. Mas ela tem mais jeito para desenhar. Puxou a mãe.
Garota sensata.
Hehehehe. Mas uma coisa hoje eu me arrependo: De não ter estudado mais
Antes. Achava besteira, mas hoje acho que me faz falta.
Conhecimentos gerais?
Não, conhecimento específico mesmo. Eu estudei jornalismo, mas queria ser musico. Hoje em dia acho que poderia escrever melhor se tivesse levado mais a serio os meus estudos. Isso é uma coisa que eu sinto falta.
É, o ruim é ver tanto jornalista que estudou escrevendo besteira por aí...
Pois é, isso é o que mais tem.
Tem previsão pra sair esse disquinho de Poniboy?
Não. Um dia.
Não se sente seguro pra lançar esse material ainda?
Eu tô fazendo músicas novas. Aquelas músicas que estão no site da trama...aquilo foi só um retrato de um momento que eu passei. Nunca tinha pensado em fazer nada além daquilo. Hoje eu tenho feito muito mais músicas, e as músicas estão mais consistentes, mas ainda não tenho os arranjos prontos, queria gravar com uma estrutura, uma banda, tipo violino, piano, banjo, acordeom. Isso leva tempo, e sem dinheiro...leva mais ainda.
Primeiro, preciso montar a banda, mas tá clareando aqui a situação, dia 17 agora vou fazer o meu primeiro show.
Tu devia catar esses caras em faculdades de música. Gente nova, sangue novo.
Essa foi a idéia inicial, mas músico de faculdade, músico que estuda, tem outra filosofia. Eles põem notas demais. Prefiro pegar a molecada que tem mais o espírito punk mesmo. É só domar um pouco a testosterona deles que rola.
Tu gosta do Rio de Janeiro? Sempre achei que você odiava esse lugar. Até por tu ter ido morar em São Paulo um tempo.
Eu já odiei muito o Rio. Hahahahahaha. É sério, mas hoje em dia eu não odeio mais nada. Se pudesse escolher moraria em SP, acho que tem mais haver comigo. A cidade, as pessoas, o clima, tudo. Na verdade o fato é que eu não odeio o Rio, mas eu amo São Paulo. Mas pelo menos aqui eu tô perto da minha família, da minha filha, isso é importante também.
Tu acha que o Planet Hemp tem volta?
Não. Só se for daqui a uns 25 anos, tipo encontro de amigos.
Só pra ganhar uma grana.
Cara, espero que não. Espero resolver esse problema muito antes disso.
#CADÊ MEU CHINELO?
segunda-feira, 21 de julho de 2008
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Um comentário:
Ao menos o reencontro não levou 25 anos!!!!
Tenho o link desta matéria salva desde 2013.
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