Descobrindo Pito Karcoma
txt e phts: Junior Bellé
Ele não tem carro nem celular. Mas é vegetariano. Semanalmente ajudante num hospital público em Elche, Espanha. Musico multiuso nos domingos e feriados religiosos. Anarquista em epílogo e epígrafe insurrecional. Libertário em estilo integral. Não move os calcanhares um milímetro se no horizonte brilhar “MAINSTREAM”, como o néon importado de um pub granfino. Advogado da Pirataria Caseira. Há um tempo atrás tinha o cético hábito de invadir o palco todo encapuzado, apontando o violão para a têmpora dos inocentes e gritando: “Yo Soy Julio Bustamante”. Muita gente captou a idéia. E decodificou. Sua turnê girou os maiores e menores okupas e ateneus da Espanha reverberando seus acordes pirotécnicos. Felizmente ninguém saiu ferido. Na pele. Pra quem ainda não conhece, abaixo vai um bate papo virtual com o “Elvis Callejero das Partituras Libertárias”. Pito Karcoma!
Na sua página na Internet a biografia começa no ano de 1993, mas o que você fez antes dessa data, antes mesmo dos Black Carcomas? Dá uns pitacos da tua história, juventude, o contato com o punk e com o anarquismo.
Nasci em 1961, em plena ditadura franquista, a morte do ditador e, o que aqui se chamou “transição democrática”, me tomou em plena adolescência. Foi uma época de intenso ativismo na esquerda, ali eu comecei, conheci o anarquismo – também outros movimentos políticos –, através dos livros e da história primeiramente, depois já militando em múltiplos coletivos, tanto políticos como culturais, comecei a tentar depositar meu grãozinho de areia nessa tarefa coletiva que é a revolução. Queria começar a ser anarquista, acredito que nunca somos completamente, é um caminho a seguir. Então me filiei a anarcosindicalista CNT, lutei contras as usinas nucleares, contra o ingresso na OTAN, nas greves, contra o serviço militar, pelas okupações, contra mil coisas, sempre onde havia uma oportunidade para se mobilizar. De uma forma ou outra sempre perdemos aquelas batalhas, algumas vezes triunfamos, pouquíssimas... as vezes também fraquejamos, mas sempre voltávamos novamente para primeira linha e assim seguíamos, sem nos rendermos jamais frente ao capitalismo. Também, paralelamente ás atividades políticas, participei em fazines e publicações, tanto políticas quanto musicais. Fizemos durante dois anos um programa de rádio chamado “Barrikada” em uma emissora livre, a “Radio Punxa”. Também estive em algumas experiências teatrais, mas na musica comecei desde muito jovem escutando os cantores que resistiam à ditadura. Logo já se podia escutar ao menos outras vertentes musicais, primeiro o rock ou o heavy - aquele feito aqui possuía um compromisso social que hoje desapareceu quase completamente – e assim chegou o punk. Ou melhor, chegou todo o rock radikal Vasco, e de outros lugares do país, tudo muito rápido, e isso marcou um método de fazer as coisas que ainda atualmente perdura, tanto em novos grupos como no público. Para mim, o punk não é uma moda ou uma forma de vestir. É uma atitude. Faça você mesmo. Tome seu próprio poder e comece a fazer as coisas que queira. Isso é o que há de realmente revolucionário no punk, o resto não deixa de ser as vezes apenas moda, ainda que, seguramente, é uma moda bastante selvagem. (risos)
Sobre os Black Carcomas. Vocês eram um grupo de punk, mas qual era a influência musical, ideológica? A distância do mainstream era proposital? E, outra coisinha, pra emendar, o Black era um projeto temporal?
O Black Carcomas nasceu por casualidade, já no ano de 1993, e foi formado por quatro amigos: Txno, Kurro, Tado e eu. Totalmente diferentes quanto à personalidade, gosto musical e projetos de grupo. Se bem que não havia nenhum projeto de grupo no começo. Simplesmente no juntamos para tocar, para nos divertirmos e fazer barulho. Então enfiamos um ideário e aquilo começou a rodar. Por isso nos chamaram de “um grupo de punk rock”, porque decidimos fazer as coisas por nós mesmos, sem necessidade de grandes músicos, sem aspirar ser uma estrela do rock, e neste ponto sim, estávamos todos de acordo. Por outro lado, o fato de sermos todos tão diferentes trouxe uma criatividade especial e coletiva. Se você ouve as canções, somos um grupo de guitarras, baixo, bateria e voz, que tem a atitude punk, mas que musicalmente era só o que podíamos e sabíamos tocar. Aqueles cinco anos foram A Bomba! (risos). Como todo grupo que se preze, éramos terríveis em cima e em baixo do palco.
Na hora de compor éramos somente em dois, normalmente: Tomas Rometo – “El Txino”, que tinha as influências do power punk e do pop mas cru, feito na guitarra -; e eu. Me seduzia mais o punk com a mensagem política, ainda que não tivesse nojo de outros estilos menos ortodoxos. Algumas canções compúnhamos meio-a-meio, acho que isso é perceptível nas diferente musicas. A experiência comercial do grupo foi mínima, já que atuávamos geralmente em circuitos políticos e alternativos, ou em bares de rock. Até fizemos algumas apresentações com empresário para edição do CD... eu não gostava daquilo, era uma empresa a mais, algo para se vender, ainda que na época eu tivesse que mentir, etc. Sinceramente, não gostei nada de tratar com esse tipo de gente. E nisso o grupo se dissolveu e alguns deixaram a musica. E aqui estou eu já há 10 anos como Pito Karcoma.
Assim eu produzi o cassete “Música del baile, vol.1” e o CD “En el corazón de la calle”, mais algumas musicas ao vivo em alguma compilação. Porque a verdade é essa, nunca conseguimos no estúdio a força e a raiva que tínhamos ao vivo, nem a velocidade. (risos). Era no palco que os Black Carcomas eram os azes, eram os mais rápidos. Simples, mas rápidos. E esse é o truque do punk!
Agora ventilando o leque. Como foi participar da encenação da “Resistencia” do Edilio Peña?
Foi uma oportunidade única. Na minha cidade, Elche, há um grupo de teatro chamado “La Carátula”, já com quarenta anos de trajetória. No ano de 1996 eles decidiram colocar em prática o projeto “Resistencia”, um texto do escritor venezuelano Edilio Peña. Queriam fazer algo novo e, ao mesmo tempo, que aproximasse duas facetas culturais que poucas vezes se encontravam, o teatro e o mundo do rock. Todo mundo se conhecia, inclusive o Txino era um dos atores numas montagens anteriores. Pensaram no Black Carcomas para fazer a musica ao vivo de uma plataforma, e participar no cenário tocando. Não éramos os melhores músicos, mas éramos quem podia se identificar com o texto, um texto que fala de poder, de sua relação, de como realmente utiliza seus mecanismos para perpetuar-se, fala do controle ideológico, da ambição, da tortura e da morte se for necessário, e como, ao mesmo tempo, a resistência, a dignidade e a ética acabam renascendo no indivíduo de uma forma ou de outra. Quando li o texto do Edilio me apaixonei pela obra, então participamos atuando, compondo a trilha sonora, compomos uma canção que tem o mesmo nome do texto e que interpretávamos ao finalizá-la. Além de grandes efeitos especiais, também levávamos uma tela gigante para passar vídeos, onde projetávamos, paralelamente ao teatro, imagens realmente duras e demolidoras que carregavam o espetáculo com um sentido de denúncia ainda maior.
Durante um ano fizemos uma dezena de atuações em grandes teatros, que para nós era um cenário desconhecido, e penso que para o público teatral era realmente impactante todo aquele desenvolvimento. Também acredito que conseguimos que o público dos shows percebesse que existiam espetáculos teatrais que podiam ser tão interessantes como um concerto de rock, em nível ideológico ou mesmo ao transmitir algumas sensações. A obra era dura, algumas pessoas não puderam suportar as cenas mais cruas de tortura, levantando da cadeira e saindo, e nós lá atuando e sabendo que não estávamos inventando nada.
Infelizmente era uma obra complexa e cara, com muito pessoal: atores, músicos, técnicos de vídeo, luzes e som, etc. Além do mais, incomodava as empresas de teatro e os teatros públicos, geridos por políticos, pelo conteúdo que possuía. Aqui na Espanha, ao contrário da música, quase todos os grupos teatrais são profissionais. Mas, sobretudo, recomendo a leitura do texto “Resistencia”, de Edilio Peña, que tivemos o prazer de conhecer já que veio à estréia. Até tentamos levar a peça para a Venezuela, mas o custo econômico, somente da viagem, era enorme, éramos mais de 15 pessoas além de todo o equipamento da obra.
Para mim foi muito gratificante, sempre utilizei todos os meios possíveis em nível cultural para expressar minhas idéias: zines, musica, teatro, rádio, cartazes ou debates. Como agora, que respondo a esta entrevista, esta foi uma grande oportunidade, o melhor de tudo é que sempre se acaba aprendendo algo novo para utilizar no futuro.
“Comando X” e a canção “Ya soy Julio Bustamante” é como um prelúdio musical, uma partitura identitária que abarca posturas como a dos coletivos Wo Ming e Luther Blisset. Você concorda com isso? E como surgiu a idéia de mesclar agitação política direta e música? Como foram os primeiros passos do “Comando X”?
Ano de 1997. A canção “Yo Soy Julio Bustamante” é uma brincadeira, mas foi a esquiva para que um grupo de encapuzados praticassem a guerrilha cultura. Gravamos essa canção em umas fitas cassetes editadas artesanalmente, e que vendíamos muito barato para animar as pessoas a utilizar os 30 minutos de fita virgem que sobrava para gravar e piratear seus artistas preferidos. Mas além da canção single, difundíamos manifestos e comunicados anarquistas, anti-sistema, animando as pessoas a interagirem com a ação direta cultural, política, pessoal, etc. Lançávamos santinhos e proclamávamos esses comunicados em concertos, tanto nossos como de amigos, em manifestações, em institutos de ensino, etc. Fazíamos ações, painéis, ações teatrais de guerrilha. Também fizemos um texto intitulado “Para esta canción no me hace falta la guitarra”. Foi um manifesto musical insurgente que debatia sobre o papel revolucionário da cultura e seus participantes. Algumas revistas nacionais fizeram eco para aquilo tudo, como “El Jueves”, “La Letra A”, também alguns zines, etc.
Pode parecer estranho, mas para mim não é, não me considero um músico, me considero um agitador cultural e político. E era divertido, o humor como arma anti-capitalista. Ao mesmo tempo, era um pouco arriscado, pois inúmeras vezes estava rompendo as fronteiras da legalidade e gritando coisas que não se podia gritar. Mas já que não podemos mudar o mundo nesse momento, gostamos muito de rir dos que nos oprimem com o respeito que merecem.
Sobre a influência, tínhamos meios precários, mas ainda assim, graças à difusão que comentei anteriormente, nossa mensagem chegou as pessoas, e pôde semear o debate do papel do artista que se sente revolucionário. Também foi possível interagir com diferentes componentes da ação de rua, e da ação artística, tudo ao mesmo tempo, utilizar o humor como arma frente á alienação ideológica a que nos submeteram os meios de propaganda. Um debate que, de qualquer forma, ainda está presente. E acredito que, a respeito deste da pirataria contra as grandes gravadoras, nós fomos um dos pioneiros ao reivindicar isso abertamente. Isso é o Comando X!
Como surgiu a idéia do “Hacer Reír, Hacer Bailar, Hacer Pensar”? Era um lance diferente do Black Carcomas, mas ainda tinha um vinculo com o “Comando X”, certo? Dá umas pinceladas sobre seu tur pela Espanha, de ônibus e trem, cantando em okupas, ateneus, etc. Era musica e propaganda, descarado, quase uma ação direta cultural, mas como foi a receptividade do público?
Sim, era uma continuação, na linha que marcou o “Comando X”, agora já atuando sozinho. O “Comando X” saia de cena com uma balaclava, através do público, a partir de qualquer lugar, de improviso, envolto em explosões pirotécnicas nem sempre bem controladas, com a nova canção “Cuidadano Terrorista”, ressonando pelo equipamento de som da sala, lançando um míssil desde o cenário e continuando com canções e scketchs humorísticos contra o Estado, a monarquia, os políticos, empresários, igreja, contra o fascismo, etc. Todos os nossos inimigos estavam na mira, dessa vez não para que fizéssemos sisudas análises críticas e artigos de opinião, senão simplesmente para rimos deles e ridicularizá-los com toda nossa gana e com toda nossa força!
O espetáculo [Hacer Reír, Hacer Bailar, Hacer Pensar] mantive girando por dois anos, ao redor de todo o país, muitas vezes viajando de ônibus ou de trem, eu não tenho carro nem celular, é uma opção tão política quanto possa ser a escolha pelo vegetarianismo, e com o público tive um êxito incrível. E isso aconteceu principalmente porque eu unia musica, teatro e ação, as pessoas estavam acostumadas a ver grupos de rock, ou cantores, mas meu espetáculo tinha uns 50% de teatro, com disfarces, pirotecnia, elementos vários, tudo com um humor que também poderíamos chamar de punk. Talvez um palhaço punk. Ou um cômico punk, essa poderia ser uma boa definição para o que eu fazia. Por isso digo que nos discos há sempre uma falta. No boca-a-boca aquilo se espalhou como espuma, e até hoje me perguntam, quando chego a algum lugar, se vou fazer o espetáculo com os petardos. Milagrosamente ninguém nuca saiu ferido com o fogo, nem sequer eu, mesmo fazendo aquelas maluquices em qualquer boteco pequeno. Bem, a fumaça asfixiava as pessoas, mas eu estava acostumado com a pólvora, vivo em um lugar onde há essa tradição popular, e é espetacular.
Durante minhas viagens, na maleta eu levava uma parafernália com meia dezena de balaclavas, já que sempre fazia um concurso e repartia elas com o público, todos os petardos pirotécnicos, armas simuladas, navalhas, também um par de narizes de palhaço, disfarces, perucas, etc. Mas também levava material político para distribuir, e também recolhia materiais para levar para minha região: publicações, cartazes, panfletos, etc. Felizmente a polícia nunca me pegou, senão, queria ver que explicação eu iria arrumar. (risos)
Desde 2001 a sua musica tem se aproximado de uma certa latinidade, do acústico também, é bastante perceptível no disco “Inventario”, e especialmente com o “Kilombo Agitación”. Houve uma guinada na sonoridade?
Cronologicamente falando, depois de dois anos no “Comando X”, encontrei um pessoal para fazer umas bandas de musica, totalmente instáveis quanto à duração, e delas saíram discos, uso as musicas para atuar, as vezes sozinho, outras com o “Kilombo Agitación”. Eles eram tremendos, sempre é mais divertido tocar com outras pessoas, com formação acústica, percussão, ventos, vozes, etc. Minhas musicas são tão latinas como eu mesmo, nunca gostei das fronteiras, mas me sinto mais próximo da cultura da América do Sul do que da cultura anglosaxã. Não apenas pelo idioma, mas também pela forma de viver a vida, aliás, essa é uma boa explicação.
Além do mais, a cultura musical, e não somente musical, que acontece na América do Sul, para mim, é muito mais rica, variada e alegre que os três acordes do rock and roll e todos seus derivados. Por um lado isso se impõe na cultura juvenil por vir oferecendo seu modelo faturado desde suas multinacionais. Para comparar, é o mesmo que acontece no cinema, as projeções de Hollywood tomam as telas, mas existe muito cinema para se descobrir em muitos outros países.
Também existe o fato de eu ser amigo e companheiro de latinos de muitos países, e dos que vivem aqui. Alguns deles também foram parte do “Kilombo Agitación”, “Kato y Karola”. E outros conheci por cartas ou Internet. Assim tenho muitos amigos e contatos lá, como por exemplo neste momento, nesta entrevista. E também graças a isso vou conhecendo um pouco melhor a realidade da América do Sul, recebendo e intercambiando zines, revistas, agora já com páginas web. Essa é uma das partes boas da Internet. Alguns projetos foram adiante por conta desses contatos.
Creio que tenho essas influências latinas, não sei muito bem como, mas, por exemplo, quando todos meus colegas escutavam punk nos 80 e começo dos 90, eu curtia mesmo as toadas dos velhos intentos revolucionários mexicanos, pra mim eram grandes canções.
Foi você quem criou a Kiriki Récords? Como é o trabalho numa “produtora ilegal”?
Assim surgiu, um desenho de uma companheira, uma imagem que era apenas um papagaio toatalmente tropikal, com uma bonita crista punk de cor vermelha. Ninguém negou que era bonito. O nome é Kiriki, o grito do galo briguento, é uma estupenda forma de definirmos.
Kiriki Récords é uma produtora de cultura, por isso não é nenhuma empresa. A idéia surgiu quando comecei a editar cassetes e depois CDs. Tanto dos grupos em que participava, quanto compilações, e coisas de outros grupos. Tampouco são muitos. Uma coisa que me iludiu foi co-editar um livro, o tema eram os presidiários, mas fazer um suporte como o livro, para mim foi uma batalha ganha. A Kiriki Récords é uma maneira para que as pessoas reconheçam que existe uma continuidade nos trabalhos, não apenas como Pito Karcoma, mas agora está difícil editar, o melhor é a web. Mas estamos aí ainda.
Lendo um tanto sobre você, me pareceu que tem uma afinidade grande com a Venezuela. Em 2004, você gravou o clipe “Siempre Ciudad”, do disco “Em Busca y Captura”, com o Maracaibo Teatro. Depois “El Libertario” de Caracas edita aquele pitelzinho do “Notas de Libertad”, compilação em que você participa. Você tem mesmo uma conexão especial com a Venezuela, amigos ou uma afinidade com o pessoal de lá?
É verdade, aquí em Elche, minha cidade, no começo por conta de um grupo chamado La Carátula, que tem uma longa trajetória de atuações na Venezuela, conhecemos pessoas e textos de lá. La Carátula organiza anualmente um festival de oralidade, onde há falas de contos, oradores, etc. Tudo na base da palavra. Mas não apenas da Venezuela, gente de quase todos os países latinos tem passado por aqui, e temos nos empapado mutuamente de histórias, textos, poesias que nos trazem os sentimentos daqueles lados. É lindo, e também interessante.
O Maracaibo Teatro é um grupo que saiu do La Carátula e iniciou sua própria trajetória, dirigida ao teatro de rua, de animação, etc. Apenas optaram por esse nome. Com Juan Carlos García, um dos criadores, fizemos o vídeo-clipe “Siempre Ciudad”. Nele participaram pessoas de outros grupos de teatro daqui, o negócio é que os participantes são todos amigos, nos conhecemos não apenas do movimento cultural, mas por nos encontrarmos bastante nos bares, e esse é um lugar onde há tempo de imaginar e colocar em prática muitas coisas.
Em contra partida, o contato com o periódico “El Libertario” surgiu por carta, e num contexto mais ativista. Conheci o Rafael Uzcategui e aceitei seu oferecimento. Com isso pude convidar e recopilar alguns dos músicos espanhóis que aparecem, já que havíamos participado juntos em alguns projetos, e tocado em festivais libertários, e nisso surgiu um grande trabalho, o CD “Notas de Libertad, “Recompilatorio Internacional de Trovadores Libertarios ”. Tenho muito orgulho de ter participado deste trabalho, da pequenina colaboração que tive, para que isso tudo nascesse, primeiro o disco e depois, na Internet, na direção Notas de Libertad. Ainda seguimos em contato regularmente com o Rafael, através de blogs, webs e correios eletrônicos.
Mas, como disse, tenho contato com gente de toda América Latina. No México, com a Biblioteca Social Reconstruir, editei minha primeira k7 “Komando X Tropikala”, envio regularmente discos para lá, tenho correspondência, fiz algumas entrevistas, agora a Biblioteca está fazendo duas recompilações e me pediram algumas canções. Esses contatos, nos quais troco informações, zines, webs, como disse, me permitem conhecer essas realidades, ou, pelo menos, ter uma idéia delas. Por fim, se o contato se mantém acaba chegando na amizade, ainda que seja através das letras.
Uma perguntinha de café no boteco: como está a vida, a música, a política libertária, os jornais e livros?
Bem, essa pergunta me permite dizer que eu não sou um artista ou um musico profissional, eu sou um trabalhador que trabalha para ganhar o salário. Quase todos os dias, como quase todo mundo. Trabalho em um hospital público como ajudante, no mais baixo escalão. Assim me sobra pouco tempo para fazer as coisas, tocar violão, cantar, e também escrever, ler, informar-me. Além do mais, é preciso limpar a casa, fazer comida, fazer um pouco de exercício físico para se manter ágil e forte. Some-se a isso que todo fim de semana rola alguma atuação própria, ou algum ato político, ou algum show interessante. Ainda assim sobra um tempo para o ativismo social. Mas não posso contar tudo (risos). Há um ano fui preso enquanto apoiava uma greve e me processaram (risos). Isso que só estávamos pintando! A gente faz o que pode!
Eu, como Pito Carcoma, cantor e compositor, ou algo assim, armado com seu violão e sua voz, me sinto mais próximo à literatura que à musica, mas também mais próximo à política que à musica. Isso se nota no meu trabalho, meu cenário não é rock, meu cenário é a revolução, ou seus espaços, e para notar isso é só ver onde toco normalmente. É ali onde se luta, quase sempre para companheiros e cobrindo economicamente os gastos de viagem, nada mais. Não há nada mais que falar.
O que produzo se pode acompanhar na minha página http://pitokarcoma.org , onde há as datas das apresentações, informações biográficas mais detalhadas para os que tenham mais curiosidade. Além do mais, é possível baixar gratuitamente todos meus discos e meu último trabalho em DVD – “Cosas Que Pasan”, editado recentemente. A web, além das informações, oferece um meio de difusão e distribuição muito mais eficiente e barato do meu trabalho. É um instrumento básico no meu trabalho diário, como o de outras tantas pessoas. Mas o mais importante de tudo é que existe uma filosofia não-comercial, de não fazer da cultura, da música, um negócio. Arte e Dinheiro são termos antagônicos, o dinheiro apodrece a arte e a liberdade. Evidente que tudo isso é uma atitude anti-capitalista, não somente no terreno cultural, mas também no econômico. É arte livre, não depende do que vão pagar ela, isso seria dar todo o poder ao mercado.
Sobre escrever, já me dediquei a isso em algumas vezes. Têm horas que sinto o impulso de escrever sobre coisas que vejo que passam em branco, mas há outras pessoas que escrevem. O certo é que, se um dia eu deixasse de tocar, me dedicaria a escrever. Mas no momento isso não está nos meus planos, é necessário dedicar muito tempo para ter a experiência para escrever bem. Por enquanto, leio muito o que os outros escrevem, há escritores e jornalistas que adoro ler, pessoas com as quais me sinto identificado, com quem aprendo, e isso me tranqüiliza.
Pra encerrar, um pedido ingrato: faz um Top 5 dos melhores grupos atualmente.
(risos) Impossível. Muitos me ajudaram para que eu esteja aqui, entre os que têm mais culpa, creio eu, estão “La Polla Récords”, agora tenho escutado bastante o “Evaristo canta con Gatillazo” – pura sociologia incendiária nas letras. Já disse um, mas a lista seria eterna, e com certeza já os conheceriam. Dessa forma, para atender seu pedido, vou apresentar um projeto que vai mais além do formato canção-grupo musical.
Eu falei sobre a Internet, e nela há uma página bacana, a http://masquepalabras.org/, onde se pode encontrar e escutar um monte de grupos com conteúdo social: cantores-autores, mestiços, HC, punk, Hip-hop. Totalmente recomendável, todos com algo em comum, com muito em comum. O administrador é o Bene, antigo componente da dupla “Paso a Paso”, um grande ativista e amigo, agora em alguns grupos musicais muito mais agressivos, mas ainda assim levando adiante este projeto que oferece uma seleção de grupos que, certamente, não serão os melhores da atualidade, mas que recomendo que conheçam. Estão esperando, todos na órbita anti-comercial, fazendo cultura, arte, reivindicação. Nada de business. Para mim, estes músicos são muito mais interessantes, os melhores, independente da própria música – www.masquepalabras.org.
Um Saludo aos leitores e muito obrigado pela paciência, nos vemos em www.pitokarcoma.org
Salud y libertad!
#CADÊ MEU CHINELO?
terça-feira, 8 de julho de 2008
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