#CADÊ MEU CHINELO?

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quarta-feira, 25 de julho de 2012

[agência pirata] CARANGUEJO ESCALDADO: FRED 04 FALA SOBRE OS 20 ANOS DO MANIFESTO MANGUEBIT










::ntrvst::Rodrigo Ortega::


Não parece que Novas Lendas da Etnia Toshi Babaa, lançado no fim do ano passado, é só o sexto álbum do Mundo Livre S/A. Em 2012, o grupo pernambucano completa 28 anos e no dia 11 de julho seu líder, Fred Zero Quatro, fez 50. Aos 30 ele escreveu o manifesto “Caranguejos com cérebro”, texto que ajudou a chamar atenção para a cena musical de Pernambuco que incluía a Nação Zumbi e o falecido Chico Science. O ex-jornalista Zero Quatro conversa com a Billboard Brasil sobre o texto escrito “na munheca” em julho de 1992, e conta como o grupo tenta se adaptar aos tempos digitais.


Há 20 anos você fez o manifesto “Caranguejos com cérebro”. O que lembra de quando escreveu?
Eu era repórter de TV, do SBT. Fazia dois anos, todo dia estava no batente fazendo, duas, três reportagens com aquele texto bem medíocre. Coincidiu que a gente começou, no final de 1991, esse evento Viagem ao Centro do Mangue. Era uma cooperativa informal – Mundo Livre, Chico Science e Nação Zumbi, Lamento Negro e tal. O público em Recife foi crescendo, assimilando esse discurso dos caranguejos com cérebro. Em junho de 1992 eu fui demitido da TV por chegar nos plantões detonado dos shows. Passei algum tempo bancando as farras da galera com o dinheiro da demissão, e com mais tempo para escrever coisas mais livres, numa linguagem que eu gosto e que estava reprimida. O evento ainda não tinha um release, nada pra imprensa. Peguei algumas expressões que estavam sendo criadas nos shows, criei outras, e veio aquele formato.
Eu estava na casa de uma menina alemã em Boa Viagem. Ela estava assustada, era a época daquelas passeatas do impeachment. Ela via aquelas passeatas lá de cima, era uma cobertura. Eu empolgadíssimo, ela nervosa. E aí eu disse: fica calma que eu vou ficar só escrevendo aqui. E fiquei um dia inteiro, viajando nessa história, a turma lá querendo o impeachment de Collor e eu fazendo o manifesto. Escrevi na munheca mesmo. Mandei pra DJ Dolores, ele fez a diagramação e a gente mandou para algumas pessoas que conhecia nos jornais. Aí alguém colocou na mão de uma pessoa da MTV que estava em Recife.


E você esperava toda a repercussão?
Depois que a MTV fez  a matéria com a gente em Recife,  ficamos com aquela espectativa de que ia ser veiculado. Isso foi em agosto de 1992, logo depois do manifesto. E isso ficou engavetado, toda semana a gente ia ver se tinha alguma coisa. Eu já tinha até desistido, achando que eles tinham reavaliado. Mas eles soltaram  na maior audiência que a emissora tinha conseguido, no intervalo do show do Nirvana. E começou um interesse de uma galera que queria registrar essa cena. O Paulo André [produtor do Abril Pro Rock] teve o insight de criar um evento em Recife que servisse de vitrine pra isso. E aí rolou uma superexposição do primieiro Abril Pro Rock. Foi uma fagulha que deu uma velocidade que a gente não imaginava.


E como esse contexto da época é diferente de hoje?
A indústria era baseada na venda de discos. O elo que viria para subistituir essa receita, o messias da web 2.0, até agora não apareceu. A música perdeu muito do valor simbólico. A musica é só uma porcaria que o sujeito baixa enquanto está fazendo outras coisas na internet. A pessoa vai para um show e não está nem aí, fica tuitando. Isso é uma coisa que os músicos e muitas pessoas demoraram para comecar a perceber. A internet é uma grande ferramenta para democratizar o acesso à informação infinita. O que as pessoas não perceberam no início é que tem um outro lado, o profissional. E pro lado profissional foi trágico.


O último disco tinha sido anunciado há muito tempo. O que causou a demora no lançamento?
A ideia era lançar o disco em 2009, marcando os 25 anos de fundação da banda. Mas nos deparamos com uma realidade muito diferente. Quando estávamos lançando o CD anterior, chegamos a comentar: “É possível que esse seja o nosso último CD físico.” Já naquela época se falava sobre a viabilidade da mídia física. Mas as músicas foram começando a ganhar força, começamos a tocar músicas novas no show, a resposta foi muito boa. Aos poucos o disco foi se impondo, o conceito ficando mais redondo. Chega um momento que não tem como voltar atrás.


E o que acha dessa nova realidade?
Quando surgiu essa coisa da web 2.0, muita gente teve uma postura bem deslumbrada. Como se fosse uma redenção do músico, que finalmente ia ser livre da interferência das gravadoras, ter mais autonomia sobre o trabalho. Nunca acreditei nessa história. Não era só a receita de venda de disco que a gravadora representava. Tinha essa coisa da produção executiva, de proporcionar uma gravação com padrão, cronograma, ter uma estratégia de lançamento. Toda uma coisa que livrava o músico da parte chata da administração, da produção executiva. Você acaba canalizando boa parte da sua energia com algo que não é a sua praia.


Aos 50 anos, você acha que o seu trabalho é visto como referência para as novas gerações?
Temos esse patrimônio acumulado, da nova geração indo aos shows, até ouvindo mais em rádio. Com o desmonte quase absoluto do esquema de jabá, depois da crise da indústria, começamos a tocar mais nas rádios. A minha receita como autor, a parte de execução com rádio e TV, aumentou dez vezes de três anos pra cá.  


Dá pra se sustentar com essa receita?
Se eu fosse solteiro, não tivesse filho, daria pra me manter só com receita de direito autoral, com uma situacão tranquila. Mas esse ano foi uma coisa até surpreendente, pela primeira vez a gente lança um disco e, antes mesmo de chegar na loja, já temos trinta shows marcados. Talvez conte o fato de ter sido uma banda que nunca deu o salto para o mainstream. No mesmo anos a gente tocou no palco principal do Tim Festival, com Strokes, e tava fazendo pub no interior do Rio Grande do Sul. Sempre foi essa banda na fronteira.


Já pensou se tivesse sido diverente, se tivesse tido apoio irrestrito de grande gravadora?
Nunca cheguei a fazer esse tipo de especulação. Na boa, é um jogo. Sempre admirei nos roteiros do Woody Allen a importância do acaso. Sorte é 80%. Se não tiver que rolar, não vai; se tiver, vai. Eu estava lendo na Billboard Brasil a entrevista do Nick Manson, do Pink Floyd, falando que nem se fosse muito louco ia prever o sucesso do Pink Floyd com Dark Side of the Moon. E me lembro que quando estávamos gravando “A Bola do Jogo”, em 1994, o Charles Gavin disse: “Meu irmão, se essa música não bombar em todas as rádios eu nunca mais vou produzir nada” (risos). Mas a gente nunca foi prioridade de gravadora para pagar jabá, então não tocou.   

Mangue, a cena
Trecho do Manifesto Caranguejos Com Cérebro
Emergência! Um choque rápido ou o Recife morre de infarto! Não é preciso ser médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruindo as suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O que fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife.
Em meados de 91, começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um núcleo de pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo era engendrar um *circuito energético*, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama.
Hoje, Os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em hip-hop, colapso da modernidade, Caos, ataques de predadores marítimos (principalmente tubarões), moda, Jackson do Pandeiro, Josué de Castro, rádio, sexo não-virtual, sabotagem, música de rua, conflitos étnicos, midiotia, Malcom Maclaren, Os Simpsons e todos os avanços da química aplicados no terreno da alteração e expansão da consciência.
Bastaram poucos anos para os produtos da fábrica mangue invadirem o Recife e começarem a se espalhar pelos quatro cantos do mundo. A descarga inicial de energia gerou uma cena musical com mais de cem bandas. No rastro dela, surgiram programas de rádio, desfiles de moda, vídeo clipes, filmes e muito mais. Pouco a pouco, as artérias vão sendo desbloqueadas e o sangue volta a circular pelas veias da Manguetown.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

[ato 1] ZIRIGDUM DO ALÉM



::crdl::Jucazito::

Chico Science subiu ao céu
Sem saber pra onde ia
Se era noite ou era dia
Ai, ai, ai, que confusão !
Mas quando a porta se abriu
Na espinha deu calafrio
Ele viu o fura cão

Muita gente ao seu redor
Grandes homens da história
Porém nenhum da escória
Ai meu Deus, que sensação !
Num canto tava o Zumbi
Pedindo um colomy
Para Virgulino Lampeão

Encoberto com um véu
Clara Nunes triste sorria
O mangue boi nada entendia
Vixe Maria, que gozação !
Bateu bola com Mané
Com Mussum bebeu um mé
Num copo com limão

O caranguejo entón pensou
Que talvez, se acaso fosse
Uma viagem legal de doce
Cruz credo, como tá bão !
Ver Machado e Guimarães
Abraçados com as mães
Dançando Gonzagão

Chico deu um descanso
Estourou um com Bob Marley
Andou no cometa Harley
Arriégua, que chapação !
Cartola ainda o convidou
Para um samba de Nagô
Com pandeiro e violão

O caranguejo tava faceiro
E quero que o jornal publique
Assistiu a um Kubrick
Nossa mãe do céu, que telão !
Sua nave era 2001
E o som zirigdum
Num era ficção

Depois de ver o filme
Um barbudo, coisa rara
Seu nome Che Guevara
Viva la Revolución !
Chico rezou Ave Maria
E jurou que levaria
A Águia Sam até o cão

Lampião ouviu a promessa
Chamou Chico pruma prosa
- Cabra macho não é rosa
Ó diabos, que facão !
Talvez por medo ou pavor
Mas o caranguejo aceitô
em integrar a missão

Dali pintou o mapa
Com o caminho até o inferno
Também lhe deu um terno
Oiga tchê, que arrumação !
Torça comigo você
Pra tudo certo acontecer
E Chico ganhar o perdão

Para ilustrar a jornada
Quantas fitas eu não sei
Tinha Jackson e Marvin Gaye
Caramba, que canção !
Chegou a hora agá
De Chico se vingar
Desta triste danação

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

[release] ORTINHO, O HERÓI TRANCADO



::txt::Ronaldo Bressane::

Cuidado: este álbum contém hits chicletosos e canções de romantismo rasgado

Este é um álbum de rock'n'roll. Não, pera lá. É um álbum de pop romântico. Também não é só isso... Digamos, então, que seja um álbum de jovem guarda. Só que um álbum de jovem guarda adulta. Um disco da Jovem Guarda de Caruaru, em plenos anos 2010. Difícil de entender? Claro: estamos falando de Ortinho, fiel seguidor do lema do também pernambucano Chacrinha: "Eu vim pra confundir, não pra explicar".

Desde que surgiu, no início dos 90, liderando a lendária Querosene Jacaré, Wharton Gonçalves Filho, dito Ortinho, demonstrou-se nota dissonante no cenário do rock pop nacional. Se sua banda recuperava as texturas de psicodelias setentistas como Ave Sangria ou do early Alceu Valença, as idéias de Ortinho integravam a primeira hora do manguebeat – é dele, por exemplo, o clássico "Sangue de bairro", gravada por Chico Science & Nação Zumbi. Nessa época, misturava ao rock lisérgico o coco, o maracatu, a ciranda e o samba, diluindo as fronteiras desses gêneros com voz rascante e percussiva, em letras cheias de jogos sonoros e nonsense que o colocaram como um dos melhores cantores e compositores de sua geração.

Ocorre que, com este O Herói Trancado, Ortinho afinal desoptou pela confusão. Trocou as dissonâncias pelo pop simples, largou a metralhadora giratória por um tiro certeiro: o rock clássico. O resultado é seu álbum mais coeso, mais maduro, mais exato – e mais do que nunca, pop até a medula. Em seus outros álbuns Ortinho lançou sonoridades e idéias que o tornaram um artista cult (meio sobrevoado por certa aura maldita); este disco, porém, este é pra tocar no rádio.

Se a jovem guarda sessentista conspira a favor de canções como a chicletosa "Pense duas vezes antes de esquecer" (parceria com Arnaldo Antunes e Marcelo Jeneci), o rock brasileiro dos anos 80 comparece depurado em "O cara do outro lado". A explicação é que, além da sombra de Antunes, parceiro em várias canções (cuja dobradinha Ortinho devolveu em algumas faixas do recente álbum de Arnaldo, Iê Iê Iê), tambén se ouve um timbre inconfundível daqueles tempos: o virtuosismo canhoto de Edgard Scandurra.

Em "Saudades do mundo" e "Modelo vivo", Ortinho mostra o outro lado da ponte, agregando à sonoridade robertocarliana a voz suingante de Jorge Du Peixe, a metaleira puxada pelo genial saxofonista Spok, os teclados de Chiquinho (Mombojó) e o piano prodígio de Victor Araújo. Só nesse time de allstars de três gerações se percebe a esperteza de Ortinho como catalisador de talentos – e se entende o álbum também como um recorte muito original do rock brasileiro de todas as épocas.

Com "Moldura", observa-se que o conteúdo social das obras anteriores deu lugar a um romantismo desesperançado, meio dark, mas não sem doses de humor e leveza (combinação repetida na largada "Retrovisores"). A canção é temperada, como o resto do disco, pela guitarra sutil de Yuri Queiroga, sobrinho de Lula Queiroga, que auxilia Ortinho na produção do disco. A faixa seguinte, canção-título, ganha participação de outro grande guitarrista: Luiz Chagas, que formou na Isca de Polícia de Itamar Assumpção. Pop pra dançar, clássica como aquelas canções que você sente que já tinha escutado em algum lugar, traz a melhor letra do disco, original na mistura de dor e humor:

"Fiquei trancado do lado de fora/ Deixando você livre para eu ir embora/ E agora vou aproveitar a minha vida/ Preso pelo mundo afora/ Não tô a fim de receber visitas/ Estou me sentindo livre feito um turista/ Tem muita gente que divide esse mundo comigo/ Alguns até são meus amigos/ Espero com sinceridade/ Que estejas bem/ Que tenhas ocupado/ Meu lugar com outro alguém/ Que sua casa esteja alegre colorida/ Fui condenado a viver sem você o resto de minha vida"

A grunge barra-limpa "Você não sabe dessa missa um terço", faixa-título de um álbum de Querosene Jacaré, ressurge leve e básica – e aqui louve-se o feijão-com-arroz bem temperado da dupla Vicente Machado (Mombojó) e Dengue (Nação Zumbí), que espalha por quase todo o disco uma eficiência quase transparente, limpa como as melhores cozinhas. Bom lembrar também que o álbum tem a mixagem segura de Yuri Calil, responsável pelos melhores momentos do Cidadão Instigado.

"Sonhar de novo" e "Café com leite de rosas" são mais dois exemplos do novo romantismo tchaptchura de Ortinho (a segunda trazendo, além do wah-wah de Scandurra, o sax barítono de Marcelo Monteiro), um retorno às letras diretas cujo recado é o seguinte: rock bom é sobretudo sobre sexo.

Mas, como com Ortinho nunca se sabe exatamente o que vai acontecer, o álbum se encerra com a fofa "Já fui rei", uma semiciranda cujo mantra entoado por várias crianças sinaliza, paradoxalmente, a segurança e a maturidade deste artista surgido há 40 anos da lama febril da cidade de Caruaru. Liberdade para o Herói Trancado!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

[noéspecial] QUANDO DEGOLARAM MINHA CABEÇA



::txt::Tiago Jucá Oliveira::

“Acorda Maria Bonita, levante e faça o café, que o dia já vem raiando e a puliça já tá de pé”. Como explicar que alguns compositores, em algumas músicas ou em trechos delas, tenham reencarnado a fala e até mesmo o pensamento de Lampião?

Há quem se comporte assim. Chico Science, como vimos na edição anterior, trazia o capitão cangaceiro como mártir, mas em certos momentos tomou o corpo de Lampião pra sua revolução estético-musical ficar mais eficaz. O cangaço pra justificar o manguebit.

O episódio da morte de Lampião e de quase todos de seu bando marcou a história do país, encerrando assim o ciclo do cangaço. Imagens de cabeças degoladas e expostas ao público após a emboscada povoam até hoje o imaginário popular.

Na letra de “Sangue de Bairro”, Chico toma o cérebro de Lampião, já decapitado, por mais um breve instante. Ele relata o nome de 24 cangaceiros do bando de Lampião, antes de tomar uma decisão: “quando degolaram minha cabeça, passei mais de dois minutos vendo meu corpo tremendo e não sabia o que fazer; morrer, viver, morrer, viver!”.

O assalto ao corpo de Lampião não teve monopólio. Lirinha, líder do grupo Cordel do Fogo Encantado, também baixou o espírito do rei do cangaço. A canção “O Cordel Estradeiro” apresenta o local inóspito: “meu moxotó coroado, de xiquexique e facheiro, onde a cascavel cochila, na boca do cangaceiro”, para em seguida assumir sua personalidade: “eu também sou cangaceiro”, e, enfim, salientar o poder de sua peixeira agora reencarnada em versos: “e o meu cordel estradeiro, é cascavel poderosa. (…) é canção de lavadeira, peixeira de Lampião, as luzes do vagalume (…) pois meu verso é feito a foice, do cossaco cortar a cana”.

A curiosa relação sobre o poder do vagalume, mais brilhante na intensidade do horizonte da árida vegetação da caatinga, remete a própria morte de Lampião e Maria Bonita. Em entrevista à revista TPM, de março de 2001, Sila, mulher do cangaceiro Zé Sereno, ambos sobreviventes da tragédia de Angico, lembra que na noite de véspera da emboscada, ela e Maria Bonita conversavam no alto de uma ribanceira: “vi uma luz que acendia e apagava, até perguntei a ela se era uma lanterna. Ela disse que devia ser vagalume. Se eu tivesse descido e falado com Zé Sereno, não teria acontecido o que aconteceu”.

Em “Profecia Final (ou No Mais Profundo)”, Lirinha encarna o messiânico Antônio Conselheiro - “Adeus povo, adeus árvores, adeus campos, aceitai minha despedida” - antes de voltar a ser Rei do Cangaço. A letra contém trechos de uma famigerada carta enviada por Lampião em novembro de 1926 para o governador de Pernambuco, através de Pedro Paulo Magalhães Dias, inspetor da Esso que se fizera preso pelo bando, mas que fora liberado com a missão de entregar a carta. Nela, o rei do cangaço se auto proclama governador do sertão E apresentava uma “proposta que desejo fazer ao senhor para evitar guerra no sertão e acabar de vez com as brigas. Se o senhor estiver no acordo, devemos dividir nossos territórios”. Lampião queria limites, e Lirinha repetiu: “fico governando esta zona de cá, por inteiro, até as pontas dos trilhos em Rio Branco. E o senhor do seu lado, governa do Rio Branco até a pancada do mar”, no Recife.

Coincidência ou não, Rio Branco, como era conhecida antes a cidade de Arcoverde, a porta de entrada pro sertão, é onde surgiu o Cordel do Fogo Encantado.

* este texto pode ser reencarnado. Domínio Público!

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

[noéspecial] O CARÁTER REVOLUCIONÁRIO DO CANGAÇO



::txt::Tiago Jucá Oliveira::

Que aspectos de revolução tem os cangaceiros ? Como indivíduos, adverte Eric Hobsbawm, em “Bandidos”, são “menos rebeldes políticos ou sociais, e menos ainda revolucionários, do que camponeses que se recusam à submissão, e que, ao fazê-lo se destacam entre seus companheiros; excluídos da carreira habitual que lhes é oferecida, são forçados à marginalidade e ao crime”.

Os cangaceiros, em grupo, “representam pouco mais do que sintomas de crise e tensão na sociedade em que vivem; não constitui um programa para a sociedade camponesa, e sim uma forma de auto-ajuda, visando escapar dela, em dadas circunstâncias. Exceção feita à sua disposição ou capacidade de rejeitar a submissão individual, os bandidos não tem outras ideias senão as do campesinato de que fazem parte. São ativistas, e não ideólogos ou profetas dos quais se deve esperar nova visões ou novos planos de organização política”, define Hobsbawm.



De acordo com Rui Facó, “eram elementos ativos de uma transformação que prepara mudanças de caráter social, que subvertem a pasmaceira imposta pelo latifúndio durante séculos, provocam choques de classes, lutas armadas”. Segundo Facó, autor de “Cangaceiros e Fanáticos”, o cangaço não era ainda “a revolução social, mas são o seu prólogo”, muito menos uma luta pela terra, mas “uma luta em função da terra”.

Para Hobsbawm, “uma vez que os horizontes dos bandidos são estreitos e circunscritos, como os do próprio campesinato, os resultados de suas intervenções na História talvez não sejam o que eles esperavam”. Talvez “o oposto daquilo que esperavam”, o que não faz do banditismo “uma força histórica menor”.



No âmbito cultural, o cangaço é força constante há várias décadas. O Movimento Manguebit, surgido em Pernambuco nos anos 90, causou uma revolução na música brasileira, ao misturar os tambores de maracatu com riffs de guitarra, mangue com antena parabólica, caranguejos com cérebro, samba com noize. A sonoridade e a estética tinham discurso. A letra de “Monólogo ao Pé do Ouvido”, faixa inicial do primeiro álbum de Chico Science & Nação Zumbi, 'Da Lama ao Caos”, introduz heróis rebeldes pra embasar a novidade artística que o movimento propõe:

“Modernizar o passado/ é uma evolução musical/ cadê as notas que estavam aqui/ não preciso delas/ basta deixar tudo soando bem aos ouvidos/ Viva Zapata!/ Viva Sandino!/ Viva Zumbi!/ Antônio Conselheiro/ todos os Panteras Negras/ Lampião, sua imagem e semelhança/ eu tenho certeza eles também cantaram um dia”. Na música que vem na sequência, “Banditismo por uma questão de classe”, compara a violência do passado sertanejo com o presente suburbano:

“Oi sobe morro, ladeira, córrego, beco, favela/ a polícia atrás deles e eles no rabo dela/ acontece hoje, acontecia no sertão/ quando um bando de macaco perseguia Lampião/ E o que ele falava outros ainda falam/ 'Eu carrego comigo: coragem, dinheiro e bala'/ em cada morro uma história diferente/ que a polícia mata gente inocente/ e quem era inocente hoje já virou bandido/ pra poder comer um pedaço de pão todo fodido”.

A influência do cangaço sobre o imaginário popular e a cultura nordestina é um dos pilares do movimento que revolucionou alguns conceitos artísticos na final do breve século passado. Como diria Chico, “banditismo por pura maldade, por necessidade, por uma questão de classe”. A ruptura não foi somente na estética. O manguebit “roubou” a cena. E da lama, nos trouxe o caos.

*este texto pode ser plagiado.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

#SACFABICO

Semana Acadêmica de Comunicação
:txt:Tiago Jucá Oliveira

Esta semana a Escola Técnica de Comunicação da UFRGS, através do DACOM, promove várias atividades interessantes, como palestras, seminários e oficinas. A menos interessante, e por esse motivo você deveria ir, é uma palestra que Alexandre Haubrich, editor do Jornalismo B e também animal desta arca de Noé, e eu vamos dar. Não menos interessante por causa dele, e sim culpa minha. Sei porra nenhuma do que vou falar. Mas vou falar! Quinta, 9h. Fabico.

Talvez eu possa contar um pouco da lama que foi a fabiculdade nos anos 90. Vivíamos o auge do manguebit, e não só os caranguejos do Recife batucavam os ouvidos. Também tinha O Rappa, Thaíde & DJ Hum, Beck, Jamiroquai, Planet Hemp, Beastie Boys, entre tantos artistas que recriaram sons somando influências.

Chico Science trazia o caos a lama. E aquele museu de professores nos remetia ao mangue. Dali daquele circo de comunicação da UFRGS também queríamos extrair o adubo da merda. Se é ruim, não vamos ficar parados, fingir que aprende e pegar um diploma no fim.

A gente queria bagunça, festa, atrito com professores e direção, futebol, vagalume, cerveja e maconha. Aquele tempo tinha bar com cerveja e se fumava maconha como se fuma crivo hoje lá, no mesmo lugar. Dizem os relatos que também trepavam muito em algum cantinho da escola.

A geração que na época fazia baderna é justamente a mesma que hoje trilha caminhos interessantes, alternativos e de talento no jornalismo ou nas artes. E a turma do deixa disso, com raras exceções, faz o arroz e feijão nas emissoras caturritas. Tenho uma felicidade enorme em me tornar amigo de algumas pessoas com as quais eu estudei. Trocamos muitas informações, desde lá. A melhor aula era na rua, carburando na sombra, livros, discos e filmes pra fumaça subir pra ideia.

Exceto alguns professores, a gente ia pra aula pra bagunçar. Até prova a gente cancelou, sem o professor saber, é claro. Ninguem foi a aula, só ele, o único a não saber que estava doente e que, portanto, não teria a prova.

Não é saudosismo. Não somos melhores do que você por ter vivido aquilo. Mas somos os filhos rebeldes daquele monstro. Hoje a Fabicu tá mais bonita e equipada, e você tem tecnologias e internet que lhe capacitam pra propor algo tão legal como muitos de nós dos 90 propomos hoje.

O DILÚVIO nasceu sem essas ferramentas que temos agora. Você pode fazer melhor. Subverta!

sexta-feira, 17 de julho de 2009

SABOTAGE





# cabra da peste #

Cabeça de nego

txt: Miguel RMS

Como se a benção da inspiração tivesse confundido o Brooklyn de Nova Iorque com o seu xará mais pobre, o Brooklyn de São Paulo, nasceu Mauro Mateus dos Santos. Preto, pobre e inspirado, porque pobre se não tiver inspiração não se cria. É sério, vai pensando que é fácil sorrir morando no Canão, na beira da água espraiada, onde “só falta água e quando chove alaga”. Aliás só quem ri da espraiada em São Paulo é o Maluf, lembrando da obra superfaturada em R$ 432 milhões.

Mas voltando pro Mauro, foi daqueles que cresceu como todos ali, convivendo com “a música, o crime e o futebol”. E ele fez suas opções aqui e ali, juntou todas dando mais espaço hora pro samba, hora pro Santos Futebol Clube, hora pro crime. Foi no crime que passou parte da infância, levando o respeito na cintura. Foi pro crime que perdeu o irmão que sempre citava nas letras. Foi ali que conheceu o rap, ainda no tempo da São Bento, participou do festival onde influenciou Pedro Paulo Soares da Silva a cantar rap, o mesmo Pedro que ia virar Mano Brown.

No crime foi rebatizado, falsificando a assinatura da mãe na Febem ganhou do irmão o apelido que levou pra vida: Sabotage! E foi sabotando o que estava previsto que o mano driblou a vida, largou o crime, gravou o disco “O Rap é Compromisso” pela gravadora do Pedro Paulo, a Cosa Nostra, com ele foi eleito artista revelação do ano no prêmio Hutuz de 2002 (dez anos depois de começar a cantar rap), fez participações em tantos discos que nem lembrava mais, fez parte da trilha sonora e o papel dele mesmo no filme “O Invasor”, ensinou gíria pro elenco e beijou a bunda da Rita Cadilac no filme Carandiru e ainda mudou a cara do rap nacional indo pela contramão.

Quando o rap se tornava cada vez mais sisudo e fechado, Sabote sorria seu sorriso sem dentes, cantarolava um samba antigo que dizia: “Se eu parar pra cantar tristeza meu tempo aqui não chega...”. Pra quem esperava o mito do rapper mau Sabote se mostrava simplesmente o “Maurinho do Canão”, preto, pobre, inspirado, falando sobre a vontade de subir no palco vestido de terno e gravata, só pra surpreender os que pensam que rap é roupa.

Assim como Chico Science foi o elo de ligação entre a lama e o mundo, o regional e o global, Sabotage foi o elo de ligação entre as várias correntes do rap, unia o discurso da favela com a levada do asfalto. Com ele o rap paulista ficou mais malandro, valorizou o jogo de palavras no verso, fez rap samba com o Instituto sem parecer imitação do Dr. Marcelo, mostrando que se pode falar de mulher em rap com todo respeito e poesia, afinal “todo malandro vira otário quando ama”. Às vezes nem precisava falar muita coisa, só citar o nome dos parceiros no verso, os presentes e ausentes, como ele mesmo dizia só pra falar que “se o crime fosse tudo isso esse pessoal todo ainda tava aqui”.

Uma vez falou pro Napoli que se via no som do outro Chico, o Buarque, onde o cidadão morreu na contramão atrapalhando o sábado. Sabote viveu na contramão, da sociedade enquanto estava no crime e na contramão da onda de separações e brigas quando estava no rap, mas morreu em uma sexta-feira, 24/01/2003 na mesma mão que muitos outros pretos e pobres do país, baleado, uma morte sem inspiração se é que existe inspiração na morte.

O elo foi perdido. O assassino? Não foi localizado, a mídia tratou como só mais um caso, a polícia tratou como a mídia. Uns dizem que um antigo desafeto matou Sabote, outros dizem que foi a inveja do seu sucesso. De repente foi o destino, que pisa na tentativa da mudança de caminhos escritos, e na coragem de se falar em construir um bom lugar morando no gueto do gueto. Sabote falou que as “estrelas nascem crescem evoluem e morrem”.

Mas ele vive na memória daqueles que conheceram, ouviram e adotaram o rap como compromisso. Se bobear o Maurinho tá por aí, aparece volta e meia no verso de um, na gíria de outro, no alto falante de um carro, no toca-disco de algum outro preto, pobre e inspirado, talvez no Canão, no Brooklyn, na Santo Afonso, no Boréu, Alvorada, Alto Zé do Pinho, Vila Jardim...

terça-feira, 14 de julho de 2009

CLAYTON BARROS



# águas passadas #

“Uma nação que precisa de herói está fodida”

txt n' ntrvst: Tiago Jucá Oliveira
phts: Guilherme Carlin


Um dos melhores músicos do Brasil, Clayton Barros continua sendo um sujeito simples. Único membro do Cordel do Fogo Encantado que toca um instrumento harmônico, “no meio de um monte de percussionistas, tudo indignado, com raiva, com vontade de tocar”, Clayton fala da importância da banda se manter independente. Nesta entrevista você poderá saber um pouco mais da carreira dele e a do Cordel. Neste encontro entre O DILÚVIO e Clayton, a frase que sintetiza tudo só poderia ser “foi tanta água que meu boi nadou”.

De onde vem essa técnica que você tem pra tocar violão?


Existe um divisor de águas na minha história enquanto músico, antes do Cordel e depois do Cordel. Eu sempre ouvi os violonistas cantores brasileiros como João Bosco, Geraldo Azevedo, pessoas que tinham talento pra tocar, cantar e compor. Então essa foi a turma que eu procurava, e também uns instrumentistas como Baden Powell, hoje o Yamandu Costa e o pessoal de fora Al Di Meola, Paco de Lucía, flamenco e tal, eu tenho umas coisas espanholas no meu som que eu trago. Uma coisa moura também, essa mistura. Meu pai fala ‘entonce’, que é então em espanhol. Não que eu tenha uma influência da vida da Espanha, mas respiro naturalmente essa coisa do rasgo, de tanger as cordas dessa forma e também trabalhar dedilhados. Eu não curto só o trabalho de violão quando se usa só batidas. Eu gosto de um violão que seja trabalhado ritmo e com condições de você fazer solos e bases simultâneos. O Cordel é uma banda extremamente percussiva, e pelo fato de eu ter tocado muito na noite, sozinho, voz e violão, eu desenvolvi uma técnica que eu conseguia, entre primas e bordões, fazer base e ritmo, tinha que segurar a noite, quatro horas tocando. Quando a gente inventa e monta o Cordel, aí eu começo a utilizar uma coisa mais agressiva, não aquela informação mais suave que eu trabalhava nas noites. Porque o Cordel cada vez mais ele ia crescendo, a nossa instiga, nosso próprio ímpeto de se inserir, de fazer um trabalho, de luta, de independência. Isso é transmitido na música, na força do braço, na pancada que a gente dá. Então foi inevitável que o som no Cordel precisasse um pouco mais de peso, um pouco mais de drive, mesmo em cordas de nylon, que é mais difícil a captação, pra você trabalhar mais efeitos. Hoje eu não uso mais um instrumento acústico, meu violão é elétrico desde o início. Não que não fosse no começo da banda, mas a gente era mais suave. O segundo disco a gente já tinha modificado nosso som pra mais agressivo, tanto é que eu uso uns pedais ali e uns efeitos, não por intenção de modernizar o som ou não, mas por necessidade de poder amplificar determinado timbre, determinado sinal, pra ser compatível com a pancadaria que os meninos desenvolvem, que não é brincadeira não. É só um instrumento harmônico no meio de um monte de percussionistas, tudo indignado, com raiva, com vontade de tocar. Eu montei essa técnica junto com os meninos, de tocar mais forte.

Como você entrou no Cordel?

Pois é, o Cordel vem da cabeça de Lirinha. Eu morava no Recife, já estava lá uns quatro anos. O Lirinha já recitava e já agrupava pessoas para encontros e tal. E antes de eu voltar pra Arcoverde, e a gente montar o Cordel junto, ele tinha desenvolvido um espetáculo chamado Brasil Caboclo com outros amigos lá. Quando eu cheguei já tinha uma idéia circulando, que era texto, sonorização, bem pouca música, mais a idéia da palavra e teatral. Eu já era um músico que ganhava uma grana e o resto do pessoal não. Eu sobrevivia de música, tocava na noite desde os 16 anos.

Você se interessou por música e violão a partir de quando?


Meu primeiro flerte com música foi na escola, com banda marcial, tocando sopro. Foi meu primeiro contato. Numa das férias eu fui pra casa da minha irmã no Recife, lá tinha um violão e eu aproveitei as férias pra ficar brincando e desenvolvi um interesse grandioso, uma paixão. Sabe quando você tem aquele estalo: “é isso que eu quero, que eu vou agarrar com unhas e dentes”. Eu fazia datilografia em Arcoverde, meu pai pagava, e eu deixava de ir às aulas pra ver ensaio de bandas e estar perto de músicos, xeretando mesmo, aperreando. Isso eu tinha uns 14 ou 15 anos, foi muito cedo. Até foi um determinado espanto pra família, porque aquela visão do trabalho burocrático de você dar certo no mundo. Arte sempre sugere um risco. Na verdade tudo sugere um risco, a meu ver. A arte é uma coisa maravilhosa e “perigosa” de ser feita, porque existe muita quebra de mitos. Com 16 anos eu já tava tocando na noite, já ouvia muito esses compositores brasileiros que te falei, escutava muita música em casa, ainda não desenvolvia pegar música de ouvido, também nunca estudei música, partitura pra mim é grego. Embora saiba que necessito porque já perdi muita música por não ter escrito ou não ter um gravador na hora. As vezes vem um riff e algumas coisas não dá pra você lembrar. O rádio sempre foi presente lá em casa. Eu quando criança acordava muito cedo e o pai sempre tava ouvindo AM, muitas músicas nordestinas eu ouvi. Em 1989 fiz minha primeira incursão no sudeste, pra conhecer uma parte da família que eu não conhecia e trabalhar como operário, e aí comecei a ouvir música estrangeira, rock, heavy metal, trash. Aí passei dois anos em São Paulo, não me adaptei, não era aquilo que eu queria, saudades e tal, volto pra Arcoverde, mas já com a cabeça mexida por conta dessa incursão no sudeste. Aí foi quando nessas férias eu conheci o violão, comecei a me dedicar à música, parei de ouvir um pouco o rock e comecei a me dedicar mais a música do nordeste e do Brasil. Comecei a gostar de bossa nova, a ouvir os compositores lá da região, grandes nomes como Toquinho, Baden. Acho ingrato dizer nomes porque tem um milhão que você não diz. A descoberta foi Jorge Bem, curto muito o trabalho que foi feito em A Tábua de Esmeraldas, aqueles violões são muito bem gravados, a pegada dele é muito fodida, muito boa, embora ele não dedilhe, e sim é um ritmista do samba rock. As harmonias e a pegada me interessam bastante, a forma de compor, embora eu seja mais melodista. Aprendi muito com o Cordel, mas antes eu era muito melodista, ainda sou, tanto é que estou fazendo um disco infantil, que vai se chamar Outros Planetas, tem todas essas coisas que não cabem no Cordel, como letras e algumas inspirações, que são coisas minhas, assim como todos do Cordel tem suas informações pessoais. Mas também estou trazendo nesse disco infantil essas coisas do começo, mais leves e mais suaves, inevitável não trazer o ritmo e a pegada que eu desenvolvo na banda. Não foi um disco programado, foi algo natural.



O Cordel vem fazendo um relativo sucesso, porém mantendo-se independente e sem jabá de gravadora, ou seja, é pela qualidade mesmo da banda.

A gente não tinha grana e a gente não faria isso e nem faremos, porque é a ideologia que construímos juntos e dentro de cada um prevalece esse instinto guerreiro, essa coisa de andar na contramão e não se tornar uma coisa boba.

Aquela edição da Trip que trazia encartado um CD com 10 músicas do Cordel mais uma inédita do Chico Science foi muito importante pra banda ser conhecida nacionalmente.

Essa edição da Trip vendeu 60 mil exemplares no país todo. Logo em seguida sai o primeiro CD, aí depois na própria Trip saiu o CD do RecBeat, com várias bandas, inúmeras coisas aconteceram.

O DILÚVIO também tem atacado nessa área de encartar CDs de bandas independentes por um preço justo.

Eu acho uma pena a Trip não ter feito isso mais. Se vocês puderem, continuem fazendo. Parabéns cara, isso é uma coisa importantíssima. Banda e revista crescem juntas. O problema da independência é distribuição, porque você fica pouco refém, porque as gravadoras tomam conta desse mercado. Nossa distribuição é inferior das gravadoras, que detêm esse domínio. Hoje nós estamos com uma distribuidora independente, que é um anexo de artistas independentes da Trama. Eu confesso que não chegou onde eu queria e esperava. Pensei que ia chegar numa loja e encontrar, e não estou encontrando. Não seria uma queixa, e sim uma expectativa que eu tive e não foi atendida.



O que o Cordel tem a agradecer ao movimento manguebit?

Eles são grandes guerreiros, como foram Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro para abrir portas. A gente chegou aqui no sul por conta de Mundo Livre S/A e Otto, viemos no ônibus com eles, quer dizer, os caras abriram as portas pra nós. Nossos primeiros shows como banda foi viajando com o MLSA. Gutie, nosso produtor e que era produtor do MLSA na época. Temos um grande respeito, já gostávamos dos caras. E eu tenho uma gratidão particular, sou muito amigo de Bactéria, se encontramos em Arcoverde, tomamos uma cerveja, ele é figura ilustríssima, sujeito sangue muito bom, um cara alegre, pra cima. Os caras têm um peito muito forte, são grandes lutadores. Fred 04 está sempre aqui quando rolam o Fórum Social Mundial, é uma figura muito equilibrada, politicamente falando, tem postura e atitude, apesar de atitude ser uma palavra tão desgastada já, mas são pessoas importantíssimas pra música.

O Cordel não chega a ter essa postura política nas letras.

Nós somos mais metafóricos, mas mesmo assim no nosso primeiro disco a gente fala de Xicão, da tribo Xucurú, a gente fala dessa questão da agua em “Chover”, da seca, da alegria de um povo fodido pelos outros. Sabemos que o nordeste elege mal os seus representantes. Existe também uma má construção do nordeste nas outras partes do Brasil. Inúmeras eleições no nordeste são compradas, assistencialismo, paternalismo e coronelismo. Fica difícil mudar essa condição em pouco tempo. E agora mais uma frustração política que estamos vendo no momento. Não me espanta tanto porque sempre achei que o problema não é quem vai sentar lá, o problema é a cadeira, que já ta corrompida, o sistema ta todo corrompido, troca o presidente e entra outro, mas vão negociar com os mesmos de sempre, com o crime organizado. E a gente não pode também ficar esperando que heróis nos salvem. Uma nação que precise de herói ta fodida. A gente precisa aprender a fazer das nossas vidas o melhor possível. São detalhes mínimos, como não jogar lixo no chão, saber lutar, procurar os seus direitos, se informar pra saber como surgiu o seu país e sua cidade. Eu tenho uma admiração muito grande por Eduardo Bueno, o Peninha, um escritor que me abriu muito os olhos. E a gente caminha por aí, com umas letras mais poéticas e metafóricas, existem as panfletárias que a gente admira como Chico Science e Fred 04, também temos essa postura política, mas a gente não utiliza o microfone pra discurso. O texto que está ali no disco já é o nosso discurso.

Falando em herói, Lampião e o cangaço são temas em algumas letras do Cordel, tipo aquela famosa carta que ele enviou ao governador de Pernambuco se intitulando governador do Sertão (utilizadas por mim em meu trabalho de conclusão do curso de jornalismo: a influencia do cangaço na música nordestina). Você que é de lá pode contar melhor como é essa influência de Lampião no imaginário popular?

O povo é dividido. Não própria cidade dele, Serra Talhada, ergueu-se uma estátua e rolou uma discussão muito grande, porque pra uns ele era um criminoso, pra outros era um grande herói. A figura de Lampião foi despertada por causa da opressão que rolava no nordeste. Ele se tornou cangaceiro por conta do assassinato do pai dele, e se tornou um Robin Hood do nordeste, que influenciou bastante a música, tem até um disco do Volta Seca (cangaceiro do bando de Lampião) cantando músicas dele. Mas eu não diria herói ou bandido, mas um ícone importantíssimo. Eu sou mais para Lampião do que pra Severino Cavalcanti e Lula. Acho que Lula não tem muita culpa nessa merda, não, a galera que está por trás é que está fodendo, mas eu ainda prefiro não a arma em punho, sou contra luta armada, mas acho que a língua, a caneta, a mão, o pensamento, o disco, o microfone são grandes armas que a gente pode utilizar bem.

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