#CADÊ MEU CHINELO?

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terça-feira, 26 de abril de 2011

[baú] AS ONOMATOPÉIAS MUSICAIS DE JACKSON DO PANDEIRO



::txt::Tiago Jucá Oliveira::

Você aí da poltrona já imaginou que alguns sapos pudessem ser a inspiração para determinado cantor? Porém, há porém, não estamos nos referindo a letras de músicas que falam sobre sapos (e nenhum desses sapos é o barbudo neocoronelista) . O personagem em questão é Jackson do Pandeiro, que aperfeiçoou o modo de interpretar seus cocos ouvindo os sapos cantarem no rio que havia perto de sua casa em Alagoa Grande, no agreste da Paraíba.

Há alguns anos a editora 34 lançou a biografia de “Jackson do Pandeiro: O Rei do Ritmo”, escrita por Fernando Moura e Antônio Vicente. Os dois lembram que quando Jackson gravou a hoje famosa “Cantiga do Sapo”, em meados dos anos 70, “a inspiração partiu das lembranças infantis na terra natal: ‘é tão gostoso morar lá na roça/ numa palhoça perto da beira do rio’. O coaxo da sapataria uma verdadeira ‘toada improvisada em dez pés resultou no popular refrão: ‘Tião?/ oi!/ fosse?/ fui!/ comprasse?/ comprei!/ pagasse?/ paguei!/ me diz quanto foi?/ foi quinhentos réis...’

A editora 34 vem se destacando no mercado editorial brasileiro como uma das poucas e raras editoras que promovem o estudo da música popular, ao abordar diversos segmentos diferenciados. Nesse contexto está a biografia do rei do ritmo, pois ela nos sugere alguns casos para ressaltar a influência de sapos na obra do artista. Detalhes que talvez sejam pequenos demais, se comparados a grandeza de seu fruto cultural.

Em 1977, quando grava ‘Vem Cá, Maria’, de Dominguinhos e Durval Vieira, cujo tema envolve um outro sapo que vivia debaixo da pia, namorando e dando ‘beijoca na boca da jia’, Jackson intervém no final da música – como fez em quase tudo que cantou – e lança mais uma pista sobre suas recordações de infância: ‘ah, sapinho enxerido, miserave... Me lembro do rio de Alagoa Grande, naquela cheia, que eu era moleque, o sapo se grudava na cacunda da sapa, dava um trabalho da bexiga...’

José Teles, jornalista pernambucano, autor do livro “Do Frevo ao Manguebeat”, também lançado pela editora 34, qualifica Jackson como um “excepcional cantor, cuja influência no canto brasileiro ainda precisa ser devidamente avaliada”. O autor encerra dizendo que “não seria exagero afirmar que os três cantores mais influentes na formação do canto popular brasileiro urbano foram Orlando Silva, João Gilberto e Jackson do Pandeiro”.

Para finalizar este breve ensaio, outra vez vamos buscar as palavras de Fernando e Vicente que melhor definem a importância das cantigas de sapos sobre o modo xuxu beleza de cantar de um dos artistas mais folclóricos da música brasileira. Os biógrafos de Jackson entendem que, ‘ao sair de Alagoa Grande, ganhando o mundo com sua voz, ele teria levado presos em suas cordas vocais todos os timbres, onomatopéias e nuances sonoras dos sapos do lugar. Daí sua capacidade inigualável de divisão rítmica, usando e abusando das síncopas com a naturalidade da fauna brejeira que
conhecera quando criança”.

*este texto está sob Domínio Público. Nenhum direito reservado.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

[noéspecial] O CARÁTER REVOLUCIONÁRIO DO CANGAÇO



::txt::Tiago Jucá Oliveira::

Que aspectos de revolução tem os cangaceiros ? Como indivíduos, adverte Eric Hobsbawm, em “Bandidos”, são “menos rebeldes políticos ou sociais, e menos ainda revolucionários, do que camponeses que se recusam à submissão, e que, ao fazê-lo se destacam entre seus companheiros; excluídos da carreira habitual que lhes é oferecida, são forçados à marginalidade e ao crime”.

Os cangaceiros, em grupo, “representam pouco mais do que sintomas de crise e tensão na sociedade em que vivem; não constitui um programa para a sociedade camponesa, e sim uma forma de auto-ajuda, visando escapar dela, em dadas circunstâncias. Exceção feita à sua disposição ou capacidade de rejeitar a submissão individual, os bandidos não tem outras ideias senão as do campesinato de que fazem parte. São ativistas, e não ideólogos ou profetas dos quais se deve esperar nova visões ou novos planos de organização política”, define Hobsbawm.



De acordo com Rui Facó, “eram elementos ativos de uma transformação que prepara mudanças de caráter social, que subvertem a pasmaceira imposta pelo latifúndio durante séculos, provocam choques de classes, lutas armadas”. Segundo Facó, autor de “Cangaceiros e Fanáticos”, o cangaço não era ainda “a revolução social, mas são o seu prólogo”, muito menos uma luta pela terra, mas “uma luta em função da terra”.

Para Hobsbawm, “uma vez que os horizontes dos bandidos são estreitos e circunscritos, como os do próprio campesinato, os resultados de suas intervenções na História talvez não sejam o que eles esperavam”. Talvez “o oposto daquilo que esperavam”, o que não faz do banditismo “uma força histórica menor”.



No âmbito cultural, o cangaço é força constante há várias décadas. O Movimento Manguebit, surgido em Pernambuco nos anos 90, causou uma revolução na música brasileira, ao misturar os tambores de maracatu com riffs de guitarra, mangue com antena parabólica, caranguejos com cérebro, samba com noize. A sonoridade e a estética tinham discurso. A letra de “Monólogo ao Pé do Ouvido”, faixa inicial do primeiro álbum de Chico Science & Nação Zumbi, 'Da Lama ao Caos”, introduz heróis rebeldes pra embasar a novidade artística que o movimento propõe:

“Modernizar o passado/ é uma evolução musical/ cadê as notas que estavam aqui/ não preciso delas/ basta deixar tudo soando bem aos ouvidos/ Viva Zapata!/ Viva Sandino!/ Viva Zumbi!/ Antônio Conselheiro/ todos os Panteras Negras/ Lampião, sua imagem e semelhança/ eu tenho certeza eles também cantaram um dia”. Na música que vem na sequência, “Banditismo por uma questão de classe”, compara a violência do passado sertanejo com o presente suburbano:

“Oi sobe morro, ladeira, córrego, beco, favela/ a polícia atrás deles e eles no rabo dela/ acontece hoje, acontecia no sertão/ quando um bando de macaco perseguia Lampião/ E o que ele falava outros ainda falam/ 'Eu carrego comigo: coragem, dinheiro e bala'/ em cada morro uma história diferente/ que a polícia mata gente inocente/ e quem era inocente hoje já virou bandido/ pra poder comer um pedaço de pão todo fodido”.

A influência do cangaço sobre o imaginário popular e a cultura nordestina é um dos pilares do movimento que revolucionou alguns conceitos artísticos na final do breve século passado. Como diria Chico, “banditismo por pura maldade, por necessidade, por uma questão de classe”. A ruptura não foi somente na estética. O manguebit “roubou” a cena. E da lama, nos trouxe o caos.

*este texto pode ser plagiado.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

#SACFABICO

Semana Acadêmica de Comunicação
:txt:Tiago Jucá Oliveira

Esta semana a Escola Técnica de Comunicação da UFRGS, através do DACOM, promove várias atividades interessantes, como palestras, seminários e oficinas. A menos interessante, e por esse motivo você deveria ir, é uma palestra que Alexandre Haubrich, editor do Jornalismo B e também animal desta arca de Noé, e eu vamos dar. Não menos interessante por causa dele, e sim culpa minha. Sei porra nenhuma do que vou falar. Mas vou falar! Quinta, 9h. Fabico.

Talvez eu possa contar um pouco da lama que foi a fabiculdade nos anos 90. Vivíamos o auge do manguebit, e não só os caranguejos do Recife batucavam os ouvidos. Também tinha O Rappa, Thaíde & DJ Hum, Beck, Jamiroquai, Planet Hemp, Beastie Boys, entre tantos artistas que recriaram sons somando influências.

Chico Science trazia o caos a lama. E aquele museu de professores nos remetia ao mangue. Dali daquele circo de comunicação da UFRGS também queríamos extrair o adubo da merda. Se é ruim, não vamos ficar parados, fingir que aprende e pegar um diploma no fim.

A gente queria bagunça, festa, atrito com professores e direção, futebol, vagalume, cerveja e maconha. Aquele tempo tinha bar com cerveja e se fumava maconha como se fuma crivo hoje lá, no mesmo lugar. Dizem os relatos que também trepavam muito em algum cantinho da escola.

A geração que na época fazia baderna é justamente a mesma que hoje trilha caminhos interessantes, alternativos e de talento no jornalismo ou nas artes. E a turma do deixa disso, com raras exceções, faz o arroz e feijão nas emissoras caturritas. Tenho uma felicidade enorme em me tornar amigo de algumas pessoas com as quais eu estudei. Trocamos muitas informações, desde lá. A melhor aula era na rua, carburando na sombra, livros, discos e filmes pra fumaça subir pra ideia.

Exceto alguns professores, a gente ia pra aula pra bagunçar. Até prova a gente cancelou, sem o professor saber, é claro. Ninguem foi a aula, só ele, o único a não saber que estava doente e que, portanto, não teria a prova.

Não é saudosismo. Não somos melhores do que você por ter vivido aquilo. Mas somos os filhos rebeldes daquele monstro. Hoje a Fabicu tá mais bonita e equipada, e você tem tecnologias e internet que lhe capacitam pra propor algo tão legal como muitos de nós dos 90 propomos hoje.

O DILÚVIO nasceu sem essas ferramentas que temos agora. Você pode fazer melhor. Subverta!

domingo, 18 de abril de 2010

COISA LINDA SOUND SYSTEM



#bat papo
Embelezando a música das Alagoas: uma conversa com Marcelo Cabral

txt n ntrvst: Tiago Jucá Oliveira
phts: Augusto Gerbase

Conheci Marcelo Cabral em 2001, Taguatinga, durante o Encontro Nacional dos Estudantes de Comunicação. O encontro ficou famoso por um campeonato que rendeu muitas notícias e comentários polêmicos na grande mídia. Marcelo e eu éramos uns dos jurados. Nunca perdemos o contacto um com o outro, e através de e-mails e redes sociais trocamos muitas ideias. Tivemos apenas uma oportunidade de nos ver novamente, num fim de tarde Forno Alegre Original Style, beirando os 40° C.

Hoje Marcelão comanda a Coisa Linda Sound System, banda de Maceió, capital das Alagoas. O recente disco da CLSS figurou entre os melhores de 2009 do Prêmio Uirapuru de Música Brasileira. O álbum apareceu na lista dos 50 discos do ano segundo a crítica animal, e conquistou um terceiro lugar na opinião do público leitor.

Marcelo também é um dos diversos colaboradores que O DILÚVIO tem espalhado pelo Brasil. Sua colaboração poderá ser mais efetiva caso a gente consiga a aprovação de um projecto.

Quando começou o CLSS?

Começou lá pelo começo dos anos 00, como Trio Coisa Linda, a banda que me acompanhava e que já contava com o Aldo Jones, em 2002 já estavamos com uma dos formações mais duradouras com o Aldo nas guitarras, André Meira (baixo) e Tido Moraes (bateria) e eu tocando violão, guitarra e cantando. Em 2005 lançamos o primeiro disco homonimo, produzido por mim e pelo Aldo, e a partir no final de 2007 chamei o Aldo pro front dessa parceria e reestruturamos a banda com o tecladista Dinho Zampier (Mopho) e o baterista Rodrigo Peixe (Wado). Com tudo definido gravamos Da Vida e do Mundo, que foi lançado no segundo semestre de 2009.

Ou seja, antes tinha mais uma cara de carreira solo sua, né? ou não?

Sim, exatamente, mas a coisa evoluiu pra que o Aldo viesse pra dianteira do trabalho comigo, pela afinidade artística, entrosamento e também passamos a compor juntos e inserir músicas dele como Temp 02 no nosso repertório. Ajuda bastante na divisão do trabalho e é sempre bom ter uma segunda opinião na qual se confia para tomar decisões sobre o trabalho.

Pro leitor e ouvinte leigo, você define o som do CLSS de que maneira?

Essa pergunta é bem dificil. Queremos sempre gravar algo diferente do que fizemos antes, então, basicamente, somos uma banda de música brasileira indie pop freestyle tropical rock world music.

Mas me parece que esses anos de embrionagem renderam já um público fiel da banda. O Prêmio Uirapuru dos leitores é um exemplo.

Ficamos muito felizes com este retorno do público na votação do Uirapuru. Muito bom estar na lista desse ano e agradecemos a todos que curtem nossa música e votaram no disco.

É dificil pra vocês a questão 'distância de RJ-SP'? Como vocês buscam alternativas pra romper barreiras regionais?

Essa dificuldade existe para os artistas das regiões mais periféricas do Brasil. Temos que buscar alternativas. Aqui em Alagoas fazemos parte do Coletivo Popfuzz integrado ao Circuito Fora do Eixo, que vem realizando um trabalho de fôlego para exportar nossas produções para outros públicos e para receber bandas de outras estados em Maceió, Arapiraca e no Festival Maionese, que este ano vai para a sexta edição. Este tipo de experiência coletiva tem rendido bons frutos pelo país fazendo as bandas circularem. Estamos planejando a segunda parte da turnê de promoção do disco Da Vida e do Mundo para maio/junho. Na primeira etapa tocamos em São Paulo, Belo Horizonte, Maceió e Recife.



E em Maceió, da pra se virar, tipo, casas de show, rádio, público consumidor de discos e shows, etc?

Além das ações do coletivo. Eu, Aldo e Peixe atuamos como produtores culturais aqui, tocamos em eventos que produzimos e também recebemos convites para tocar. Algumas ações da prefeitura e governo do estado começam a acontecer também, como shows públicos de música autoral produzida aqui, editais de apoio a produção musical, etc. Tudo muito tímido ainda, mas vejo uma melhora gradual.

A música alagoana tem revelado muita coisa boa, mas ainda falta mais holofotes pra cena local? Há como dizer que ficaram um pouco ofuscado pelo Recife? Ou, pelo contrário, Maceió tem vindo na carona do manguebit?

Acredito que Pernambuco merece os holofotes. O setor público e privado, os artistas e o povo pernambucano, perceberam que a cultura, a arte produzida por lá, é um setor estratégico para o estado, e nas últimas duas décadas investiram pesado nisso. Hoje deve ser o principal destino de turismo cultural e um dos principais celeiros artísticos do país. Nada é à toa. Cabe a Alagoas e aos outros estados do Nordeste correr atrás do prejuízo. Aumentar o orçamento para o setor, incrementar os editais, pensar na sustentabilidade e promoção de seus artistas, ou viver reclamando. Temos que abandonar essa mentalidade colonizada do "coitadismo" e construir nosso próprio caminho.



Você e Aldo Jones tem uma relação musical antiga e forte, né?

Sim, temos referências muito próximas, preferências estéticas e conceitos bem afinados entre a gente. Nos conhecemos faz é tempo, fizemos um som juntos ainda garotos, tempo de escola e tal. Nos anos 90 seguimos projetos diferentes e no começo dos anos 00 voltamos a tocar juntos e de lá até hoje. Papo de 20 anos de amizade e 10 de trabalho musical juntos.

Qual o momento atual e os planos do CLSS?

Estamos articulando a segunda parte da nossa turnê para maio e junho pelo nordeste e sudeste. Nosso plano é tocar pelo país promovendo Da Vida e do Mundo em 2010, participar de festivais e divulgar o disco onde houver espaço para nossa música. Paralelamente, já estamos em estúdio gravando as faixas do terceiro trabalho, Rochedo de Penedo, que deve sair no próximo verão.

Qual ligação há com o nome do próximo álbum com Penedo (linda cidade e histórica das Alagoas)

A faixa título Rochedo de Penedo é um tema instrumental forte, consistente como as pedras do relevo daquele município do nosso estado. Uma homenagem a bela cidade histórica de Penedo, as margens do Rio São Francisco. Outras canções, como Flor da Montanha, por exemplo, faz referência ao estado de Minas Gerais e suas montanhas, onde nasce o chamado "rio da integração nacional" antes de correr os sertões pra vir desaguar no mar por aqui, dividindo os estados de Alagoas e Sergipe. A música título do disco já integra nosso repertório ao vivo, composição do nosso tecladista Dinho Zampier com arranjos da banda. No segundo semestre devemos apresentar pré-produções de algumas dessas faixas na internet.

terça-feira, 14 de julho de 2009

CLAYTON BARROS



# águas passadas #

“Uma nação que precisa de herói está fodida”

txt n' ntrvst: Tiago Jucá Oliveira
phts: Guilherme Carlin


Um dos melhores músicos do Brasil, Clayton Barros continua sendo um sujeito simples. Único membro do Cordel do Fogo Encantado que toca um instrumento harmônico, “no meio de um monte de percussionistas, tudo indignado, com raiva, com vontade de tocar”, Clayton fala da importância da banda se manter independente. Nesta entrevista você poderá saber um pouco mais da carreira dele e a do Cordel. Neste encontro entre O DILÚVIO e Clayton, a frase que sintetiza tudo só poderia ser “foi tanta água que meu boi nadou”.

De onde vem essa técnica que você tem pra tocar violão?


Existe um divisor de águas na minha história enquanto músico, antes do Cordel e depois do Cordel. Eu sempre ouvi os violonistas cantores brasileiros como João Bosco, Geraldo Azevedo, pessoas que tinham talento pra tocar, cantar e compor. Então essa foi a turma que eu procurava, e também uns instrumentistas como Baden Powell, hoje o Yamandu Costa e o pessoal de fora Al Di Meola, Paco de Lucía, flamenco e tal, eu tenho umas coisas espanholas no meu som que eu trago. Uma coisa moura também, essa mistura. Meu pai fala ‘entonce’, que é então em espanhol. Não que eu tenha uma influência da vida da Espanha, mas respiro naturalmente essa coisa do rasgo, de tanger as cordas dessa forma e também trabalhar dedilhados. Eu não curto só o trabalho de violão quando se usa só batidas. Eu gosto de um violão que seja trabalhado ritmo e com condições de você fazer solos e bases simultâneos. O Cordel é uma banda extremamente percussiva, e pelo fato de eu ter tocado muito na noite, sozinho, voz e violão, eu desenvolvi uma técnica que eu conseguia, entre primas e bordões, fazer base e ritmo, tinha que segurar a noite, quatro horas tocando. Quando a gente inventa e monta o Cordel, aí eu começo a utilizar uma coisa mais agressiva, não aquela informação mais suave que eu trabalhava nas noites. Porque o Cordel cada vez mais ele ia crescendo, a nossa instiga, nosso próprio ímpeto de se inserir, de fazer um trabalho, de luta, de independência. Isso é transmitido na música, na força do braço, na pancada que a gente dá. Então foi inevitável que o som no Cordel precisasse um pouco mais de peso, um pouco mais de drive, mesmo em cordas de nylon, que é mais difícil a captação, pra você trabalhar mais efeitos. Hoje eu não uso mais um instrumento acústico, meu violão é elétrico desde o início. Não que não fosse no começo da banda, mas a gente era mais suave. O segundo disco a gente já tinha modificado nosso som pra mais agressivo, tanto é que eu uso uns pedais ali e uns efeitos, não por intenção de modernizar o som ou não, mas por necessidade de poder amplificar determinado timbre, determinado sinal, pra ser compatível com a pancadaria que os meninos desenvolvem, que não é brincadeira não. É só um instrumento harmônico no meio de um monte de percussionistas, tudo indignado, com raiva, com vontade de tocar. Eu montei essa técnica junto com os meninos, de tocar mais forte.

Como você entrou no Cordel?

Pois é, o Cordel vem da cabeça de Lirinha. Eu morava no Recife, já estava lá uns quatro anos. O Lirinha já recitava e já agrupava pessoas para encontros e tal. E antes de eu voltar pra Arcoverde, e a gente montar o Cordel junto, ele tinha desenvolvido um espetáculo chamado Brasil Caboclo com outros amigos lá. Quando eu cheguei já tinha uma idéia circulando, que era texto, sonorização, bem pouca música, mais a idéia da palavra e teatral. Eu já era um músico que ganhava uma grana e o resto do pessoal não. Eu sobrevivia de música, tocava na noite desde os 16 anos.

Você se interessou por música e violão a partir de quando?


Meu primeiro flerte com música foi na escola, com banda marcial, tocando sopro. Foi meu primeiro contato. Numa das férias eu fui pra casa da minha irmã no Recife, lá tinha um violão e eu aproveitei as férias pra ficar brincando e desenvolvi um interesse grandioso, uma paixão. Sabe quando você tem aquele estalo: “é isso que eu quero, que eu vou agarrar com unhas e dentes”. Eu fazia datilografia em Arcoverde, meu pai pagava, e eu deixava de ir às aulas pra ver ensaio de bandas e estar perto de músicos, xeretando mesmo, aperreando. Isso eu tinha uns 14 ou 15 anos, foi muito cedo. Até foi um determinado espanto pra família, porque aquela visão do trabalho burocrático de você dar certo no mundo. Arte sempre sugere um risco. Na verdade tudo sugere um risco, a meu ver. A arte é uma coisa maravilhosa e “perigosa” de ser feita, porque existe muita quebra de mitos. Com 16 anos eu já tava tocando na noite, já ouvia muito esses compositores brasileiros que te falei, escutava muita música em casa, ainda não desenvolvia pegar música de ouvido, também nunca estudei música, partitura pra mim é grego. Embora saiba que necessito porque já perdi muita música por não ter escrito ou não ter um gravador na hora. As vezes vem um riff e algumas coisas não dá pra você lembrar. O rádio sempre foi presente lá em casa. Eu quando criança acordava muito cedo e o pai sempre tava ouvindo AM, muitas músicas nordestinas eu ouvi. Em 1989 fiz minha primeira incursão no sudeste, pra conhecer uma parte da família que eu não conhecia e trabalhar como operário, e aí comecei a ouvir música estrangeira, rock, heavy metal, trash. Aí passei dois anos em São Paulo, não me adaptei, não era aquilo que eu queria, saudades e tal, volto pra Arcoverde, mas já com a cabeça mexida por conta dessa incursão no sudeste. Aí foi quando nessas férias eu conheci o violão, comecei a me dedicar à música, parei de ouvir um pouco o rock e comecei a me dedicar mais a música do nordeste e do Brasil. Comecei a gostar de bossa nova, a ouvir os compositores lá da região, grandes nomes como Toquinho, Baden. Acho ingrato dizer nomes porque tem um milhão que você não diz. A descoberta foi Jorge Bem, curto muito o trabalho que foi feito em A Tábua de Esmeraldas, aqueles violões são muito bem gravados, a pegada dele é muito fodida, muito boa, embora ele não dedilhe, e sim é um ritmista do samba rock. As harmonias e a pegada me interessam bastante, a forma de compor, embora eu seja mais melodista. Aprendi muito com o Cordel, mas antes eu era muito melodista, ainda sou, tanto é que estou fazendo um disco infantil, que vai se chamar Outros Planetas, tem todas essas coisas que não cabem no Cordel, como letras e algumas inspirações, que são coisas minhas, assim como todos do Cordel tem suas informações pessoais. Mas também estou trazendo nesse disco infantil essas coisas do começo, mais leves e mais suaves, inevitável não trazer o ritmo e a pegada que eu desenvolvo na banda. Não foi um disco programado, foi algo natural.



O Cordel vem fazendo um relativo sucesso, porém mantendo-se independente e sem jabá de gravadora, ou seja, é pela qualidade mesmo da banda.

A gente não tinha grana e a gente não faria isso e nem faremos, porque é a ideologia que construímos juntos e dentro de cada um prevalece esse instinto guerreiro, essa coisa de andar na contramão e não se tornar uma coisa boba.

Aquela edição da Trip que trazia encartado um CD com 10 músicas do Cordel mais uma inédita do Chico Science foi muito importante pra banda ser conhecida nacionalmente.

Essa edição da Trip vendeu 60 mil exemplares no país todo. Logo em seguida sai o primeiro CD, aí depois na própria Trip saiu o CD do RecBeat, com várias bandas, inúmeras coisas aconteceram.

O DILÚVIO também tem atacado nessa área de encartar CDs de bandas independentes por um preço justo.

Eu acho uma pena a Trip não ter feito isso mais. Se vocês puderem, continuem fazendo. Parabéns cara, isso é uma coisa importantíssima. Banda e revista crescem juntas. O problema da independência é distribuição, porque você fica pouco refém, porque as gravadoras tomam conta desse mercado. Nossa distribuição é inferior das gravadoras, que detêm esse domínio. Hoje nós estamos com uma distribuidora independente, que é um anexo de artistas independentes da Trama. Eu confesso que não chegou onde eu queria e esperava. Pensei que ia chegar numa loja e encontrar, e não estou encontrando. Não seria uma queixa, e sim uma expectativa que eu tive e não foi atendida.



O que o Cordel tem a agradecer ao movimento manguebit?

Eles são grandes guerreiros, como foram Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro para abrir portas. A gente chegou aqui no sul por conta de Mundo Livre S/A e Otto, viemos no ônibus com eles, quer dizer, os caras abriram as portas pra nós. Nossos primeiros shows como banda foi viajando com o MLSA. Gutie, nosso produtor e que era produtor do MLSA na época. Temos um grande respeito, já gostávamos dos caras. E eu tenho uma gratidão particular, sou muito amigo de Bactéria, se encontramos em Arcoverde, tomamos uma cerveja, ele é figura ilustríssima, sujeito sangue muito bom, um cara alegre, pra cima. Os caras têm um peito muito forte, são grandes lutadores. Fred 04 está sempre aqui quando rolam o Fórum Social Mundial, é uma figura muito equilibrada, politicamente falando, tem postura e atitude, apesar de atitude ser uma palavra tão desgastada já, mas são pessoas importantíssimas pra música.

O Cordel não chega a ter essa postura política nas letras.

Nós somos mais metafóricos, mas mesmo assim no nosso primeiro disco a gente fala de Xicão, da tribo Xucurú, a gente fala dessa questão da agua em “Chover”, da seca, da alegria de um povo fodido pelos outros. Sabemos que o nordeste elege mal os seus representantes. Existe também uma má construção do nordeste nas outras partes do Brasil. Inúmeras eleições no nordeste são compradas, assistencialismo, paternalismo e coronelismo. Fica difícil mudar essa condição em pouco tempo. E agora mais uma frustração política que estamos vendo no momento. Não me espanta tanto porque sempre achei que o problema não é quem vai sentar lá, o problema é a cadeira, que já ta corrompida, o sistema ta todo corrompido, troca o presidente e entra outro, mas vão negociar com os mesmos de sempre, com o crime organizado. E a gente não pode também ficar esperando que heróis nos salvem. Uma nação que precise de herói ta fodida. A gente precisa aprender a fazer das nossas vidas o melhor possível. São detalhes mínimos, como não jogar lixo no chão, saber lutar, procurar os seus direitos, se informar pra saber como surgiu o seu país e sua cidade. Eu tenho uma admiração muito grande por Eduardo Bueno, o Peninha, um escritor que me abriu muito os olhos. E a gente caminha por aí, com umas letras mais poéticas e metafóricas, existem as panfletárias que a gente admira como Chico Science e Fred 04, também temos essa postura política, mas a gente não utiliza o microfone pra discurso. O texto que está ali no disco já é o nosso discurso.

Falando em herói, Lampião e o cangaço são temas em algumas letras do Cordel, tipo aquela famosa carta que ele enviou ao governador de Pernambuco se intitulando governador do Sertão (utilizadas por mim em meu trabalho de conclusão do curso de jornalismo: a influencia do cangaço na música nordestina). Você que é de lá pode contar melhor como é essa influência de Lampião no imaginário popular?

O povo é dividido. Não própria cidade dele, Serra Talhada, ergueu-se uma estátua e rolou uma discussão muito grande, porque pra uns ele era um criminoso, pra outros era um grande herói. A figura de Lampião foi despertada por causa da opressão que rolava no nordeste. Ele se tornou cangaceiro por conta do assassinato do pai dele, e se tornou um Robin Hood do nordeste, que influenciou bastante a música, tem até um disco do Volta Seca (cangaceiro do bando de Lampião) cantando músicas dele. Mas eu não diria herói ou bandido, mas um ícone importantíssimo. Eu sou mais para Lampião do que pra Severino Cavalcanti e Lula. Acho que Lula não tem muita culpa nessa merda, não, a galera que está por trás é que está fodendo, mas eu ainda prefiro não a arma em punho, sou contra luta armada, mas acho que a língua, a caneta, a mão, o pensamento, o disco, o microfone são grandes armas que a gente pode utilizar bem.

#ALGUNS DIREITOS RESERVADOS

Você pode:

  • Remixar — criar obras derivadas.

Sob as seguintes condições:

  • AtribuiçãoVocê deve creditar a obra da forma especificada pelo autor ou licenciante (mas não de maneira que sugira que estes concedem qualquer aval a você ou ao seu uso da obra).

  • Compartilhamento pela mesma licençaSe você alterar, transformar ou criar em cima desta obra, você poderá distribuir a obra resultante apenas sob a mesma licença, ou sob licença similar ou compatível.

Ficando claro que:

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