#CADÊ MEU CHINELO?

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

[copyleft] DECLARAÇÃO DOS DIREITOS (E DEVERES) DOS NARRADORES



::txt::Wu Ming::

Preâmbulo

O que é um narrador e quais são os seus deveres e direitos?

É narrador (ou narradora) quem conta histórias e reelabora mitos, conjuntos de referências simbólicas partilhadas — ou de alguma forma conhecidas e, quando for caso disso, questionadas, por uma comunidade.

Contar histórias é uma actividade fundamental para qualquer comunidade. Todos contamos histórias, sem histórias não estaríamos conscientes do nosso passado nem das nossas relações com o próximo. Não existiria qualidade de vida. Mas o narrador faz do contar histórias a sua actividade fundamental, a sua “especialização”; é como a diferença entre o passatempo do bricolage e o trabalho de carpinteiro.

O narrador desempenha — ou deveria desempenhar — uma função social comparável à do griot nas aldeias africanas, do bardo na cultura celta, do aedo no mundo clássico grego.

Contar histórias é um trabalho peculiar que pode trazer vantagens para quem o desenvolve, mas contudo é sempre um trabalho, tão integrado na vida da comunidade quanto o de apagar incêndios, cultivar os campos, assistir os incapacitados, etc..

Por outras palavras, o narrador não é um artista, mas um artesão da narração.

Deveres

O narrador tem o dever de não se considerar superior aos seus semelhantes. É ilegítima qualquer concessão à imagem idealística e romântica do narrador como criatura pressupostamente mais “sensível”, em contacto com dimensões do ser mais elevadas, também quando escreve sobre absolutas banalidades quotidianas.

No fundo também os aspectos mais ridículos e espalhafatosos do ofício de escrever baseiam-se numa versão degradada do mito do artista, que se torna uma “estrela” pelo facto de o considerarem de alguma forma superior aos “comuns mortais”, menos mesquinho, mais interessante e sincero e, num certo sentido, heróico já que suporta os “tormentos” da criação.

Pelo facto do estereótipo do artista “angustiado” e “atormentado” suscitar mais sensacionalismo e possuir mais peso do que a fadiga de quem limpa as fossas biológicas, podemos compreender o quão distorcida está a actual escala de valores.

O narrador tem o dever de não confundir a efabulação, sua principal missão, com um excesso de autobiografismo obsessivo e ostentação narcísica. A renúncia a estas atitudes permite salvar a autenticidade dos momentos, permite que o narrador tenha uma vida para viver sem que seja uma personagem por interpretar sob coacção.

Direitos

O narrador que cumpre o dever de refutar os estereótipos supracitados tem o direito de ser deixado em paz por quem, ao invés, enche os bolsos propagandeando-os (cronistas de costumes, paparazzi culturais, etc.). Qualquer estratégia de defesa contra as intromissões deve basear-se na não sujeição à lógica. Em suma, quem se quer passar por “estrela”, quem posa para estúpidas sessões fotográficas ou quem responde a perguntas sobre todos os assuntos, não tem o direito de se queixar dessas mesmas intromissões.

O narrador tem o direito de não aparecer nos media. Se um canalizador não aparece ninguém lhe pede explicações ou o acusa de snobismo.

O narrador tem o direito de não se tornar numa besta amestrada das soirées ou da coscuvilhice literária.

O narrador tem o direito de não responder a perguntas que não considera pertinentes (sobre a sua vida privada, preferências sexuais, gostos culinários, hábitos quotidianos, etc.).

O narrador tem o direito de não se fingir versado em todos os assuntos.

O narrador tem o direito de se opor, através da desobediência civil, contra as pretensões de quem o tente privar dos seus direitos (incluindo os editores).

Nenhum comentário:

#ALGUNS DIREITOS RESERVADOS

Você pode:

  • Remixar — criar obras derivadas.

Sob as seguintes condições:

  • AtribuiçãoVocê deve creditar a obra da forma especificada pelo autor ou licenciante (mas não de maneira que sugira que estes concedem qualquer aval a você ou ao seu uso da obra).

  • Compartilhamento pela mesma licençaSe você alterar, transformar ou criar em cima desta obra, você poderá distribuir a obra resultante apenas sob a mesma licença, ou sob licença similar ou compatível.

Ficando claro que:

  • Renúncia — Qualquer das condições acima pode ser renunciada se você obtiver permissão do titular dos direitos autorais.
  • Domínio Público — Onde a obra ou qualquer de seus elementos estiver em domínio público sob o direito aplicável, esta condição não é, de maneira alguma, afetada pela licença.
  • Outros Direitos — Os seguintes direitos não são, de maneira alguma, afetados pela licença:
    • Limitações e exceções aos direitos autorais ou quaisquer usos livres aplicáveis;
    • Os direitos morais do autor;
    • Direitos que outras pessoas podem ter sobre a obra ou sobre a utilização da obra, tais como direitos de imagem ou privacidade.
  • Aviso — Para qualquer reutilização ou distribuição, você deve deixar claro a terceiros os termos da licença a que se encontra submetida esta obra. A melhor maneira de fazer isso é com um link para esta página.

.

@

@