#CADÊ MEU CHINELO?
terça-feira, 30 de novembro de 2010
[cc] EM CADA MORRO UMA HISTÓRIA DIFERENTE E A POLÍCIA MATA GENTE INOCENTE
::txt::Luciano Viegas::
Em 1969 os norte-americanos chegaram à lua e plantaram a sua bandeira. Hoje os militares subiram o morro e reproduziram o gesto. Agora os dois acontecimentos travam uma disputa pelo título da maior farsa da história. “A paz reina no morro”, diz o telejornal.
É o espetáculo da classe média e dos gringos. Os inúmeros fãs de Counter Strike e Call of Duty chegam ao êxtase com o show da vida real. Hoje cheguei a ouvir: “Adoro isso, tem que colocar mesmo os militares pra trabalhar”. Logo depois, a mesma pessoa solta: “Tem que matar toda essa negrada aí”. O autor das frases é homossexual. De certo não sabe o que é ser vítima de preconceito.
Tive que acompanhar o deslumbramento do sujeito com a cobertura ridícula da Globo News, exaltação à maior ação repressiva da história do Rio de Janeiro. O discurso é de libertação. A polícia finalmente trouxe a paz ao morro, libertou a comunidade. A paz nunca virá por alguém que porta um fuzil. O Estado brasileiro esteve ausente do Morro do Alemão durante o ano inteiro. Enquanto isso o esgoto continua correndo a céu aberto.
Vale contextualizar que, no mandato do oligarca Rodrigues Alves, na época do café com leite, o Rio de Janeiro passou por uma “reforma de urbanização”, que expulsou do centro da cidade as pessoas pobres, em grande parte negros, ex-escravos, que foram obrigados a se deslocar para a periferia das cidades. Eis o surgimento das favelas e seu consequente crescimento desordenado. O Governo não só criou o Morro do Alemão, como o largou às moscas. Ainda assim, o julgamento imediato é o de criminalizar e condenar as pessoas envolvidas com o tráfico.
Mas você, Luciano, defende os traficantes.
Não defendo, não. Talvez seja uma leitura muito ousada de minha parte, mas o tráfico surge como uma das poucas alternativas para um povo totalmente fudido. Alguns aproveitam para assumir a posição de liderança e conquistam o apoio da comunidade, mas também são eles que roubam o caminhão do gás e abastecem a casa de todo mundo que precisa, ganhando confiança, fazendo o papel do ausente governo. Nunca botei o pé dentro de uma favela, é verdade. Não aplaudo traficante, mas não condeno. Também sei que o apoio da comunidade, nesse caso, nunca é total, então não quero generalizar. O que eu quero dizer com toda essa lenga-lenga é que o tráfico é produto direto da política de criminalização do Estado.
Mas você, Luciano, é um maconheiro em potencial e só quer fumar sossegado.
É óbvio que eu tenho a noção de que é o consumidor quem financia a existência do comércio de qualquer tipo de produto. Partindo do mesmo princípio, mas por razões diferentes, não como carne, leite, ovos e ainda me esforço pra boicotar um monte de marcas. Nenhuma dessas coisas que eu não compro, no entanto, é proibida de ser comercializada. Pelo contrário, a agropecuária é o orgulho nacional. Com as drogas é diferente. Elas não podem ser comercializadas, nem produzidas para o consumo próprio.
Parto do princípio que cada um faz consigo o que bem entender, desde que não prejudique outras pessoas com suas atitudes. Não é o usuário “quem financia essa porra”, como afirmava a frase emblemática do Tropa de Elite 1, mas quem financia essa porra é a lei. A saída é óbvia, mas não interessa aos chefes dos chefes do crime, que moram no Leblon, no Morumbi ou até mesmo no exterior, por isso o governo prefere o combate temporário ao tráfico a acabar de vez com ele.
Mas, Luciano, não temos condições de saúde pública para legalizar tudo.
Engraçado como não temos dinheiro pra investir em saúde, mas temos pra investir em segurança. O que custa mais, uma arma de última geração produzida com alta tecnologia norte-americana ou um remédio genérico? Os puliça e os milicos estão todos bem equipados pra invadir casa por casa. Sei que não é tão simples assim, mas é preciso uma mudança de prioridades.
Captura-se milhares de traficantes, mas não se acaba com o tráfico. Tudo ilusão.
Concluindo: nunca pisei no Morro do Alemão, mas não tenho dúvidas de que a visão dominante sobre o que acontece lá dentro é completamente enviasada. Até hoje não sei como o Bezerra da Silva um dia já teve exposição midiática. Ele foi um dos maiores porta-vozes dessa multidão de fudidos durante o século XX:
Dizem que eu sou malandro
cantor de bandido e até
revoltado somente porque
canto a realidade de um
povo falido e marginalizado
Recomendo ainda esse documentário sobre a maconha. Não fumem, mas abram as portas da percepção.
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