#CADÊ MEU CHINELO?
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
[cc] O SERTÃO VAI VIRAR MAR
::txt::Carlos Brickmann::
Dizem que Rudolf Hess, por muitos anos o segundo homem da Alemanha nazista, quando morreu foi logo ao inferno, para encontrar-se com Hitler. Diante da pergunta a respeito das coisas na Terra, respondeu: "Führer, o senhor não vai acreditar. Os alemães estão fazendo negócios e os judeus estão fazendo guerra".
Ou, como diria Sebá, o último exilado, grande personagem de Jô Soares, "vocês não querem que eu volte". Pois não é que o Clube Militar promoveu um encontro sobre liberdade de expressão e o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo abrigou uma reunião contra a imprensa?
Está bem, não é "contra a imprensa". É "a favor da democratização da comunicação", contra "a velha mídia", "a imprensa golpista", "os que tentam o golpe midiático", "os jornais que assumiram o papel de partidos políticos de oposição". Em outras palavras, aqueles meios de comunicação que vivem inventando factóides a respeito de irregularidades no governo – factóides tão sem pé nem cabeça que o governo passou uma semana demitindo parentes da ministra-chefe da Casa Civil; factóides tão ridículos que a ministra anterior, Dilma Rousseff, disse que não tinha nada a ver com sua sucessora, e o presidente Lula, além de garantir que foi traído, afirmou que quem tenta se aproveitar de favores oficiais sempre acaba sendo surpreendido e derrubado.
O mais curioso, entretanto, é o que se entende por "democratização da comunicação". O PCdoB, por exemplo, partido comunista que segue a vertente chinesa, será favorável à democratização da comunicação? Há algum país comunista, linha soviética, chinesa, albanesa, norte-coreana, cubana, em que haja essa "comunicação democrática" que nos sirva de exemplo? Dizem que existe comunicação democrática, sim: todos têm acesso à mesma informação. E ai deles se não tiverem.
Mas sigamos o que diz o próprio manifesto que convocou a manifestação: "Vamos dar um basta às baixarias da direita!" Aonde foi parar o arco democrático? PCdoB pode, mas Cláudio Lembo não pode? O evento se proclamou pluripartidário – desde que só participe gente de esquerda. E que é ser de esquerda? Parece que o partido de Marcelinho Carioca, de Gabriel Chalita e de Paulo Skaf é de esquerda, tanto assim que uma representante do PSB fez um discurso muito aplaudido. Parece que o partido de Aldo Rebelo, porta-voz da bancada ruralista no Congresso, é de esquerda, porque foi um dos organizadores da manifestação. Parece que Ney Santos, aquele ex-presidiário que é dono de postos de gasolina, carros Ferrari e patrimônio de R$ 50 milhões, também é de esquerda, porque seu partido, o PSC de Régis de Oliveira (o vice de Celso Pitta), está coligado nacionalmente ao PCdoB e ao PT. Ou talvez não seja, porque em São Paulo apóia o PSDB de Alckmin e Serra. Só mesmo um profundo estudo ideológico poderá resolver o problema.
E, naturalmente, temos o astro maior dessa coligação marxista da linha Groucho: o revolucionário midiático Tiririca, do PR. Seus votos ajudarão a eleger não apenas Valdemar Costa Neto, líder de seu partido, idealizador de sua candidatura, mas também o pessoal do PT, PCdoB, PSC. É isso aí! E Netinho na cabeça, como já comprovaram alguns repórteres e também sua aterrorizada ex-mulher.
O nome das coisas
Há muitos e muitos anos, o grande Saul Galvão dizia que, para saber que o interlocutor era comunista, bastava prestar atenção no que dizia: chamava a Rússia de União Soviética e caboclo de camponês. Hoje a linguagem ficou mais requintada: para identificar um progressista, é preciso observar se chama a imprensa de "mídia", Fernando Henrique de "FHC", oposição de "golpismo", reportagens sobre irregularidades no governo de "factóides" ou "sensacionalismo". Importante: isso vale se as irregularidades ocorrerem no governo federal. Se envolverem governos estaduais de partidos que se opõem ao presidente Lula, não são espúrias: são é escondidas pela mídia, que nada divulga a esse respeito. (A propósito, como é que tomaram conhecimento dessas notícias? Bingo! Pela imprensa).
Cadê o meu?
Alguns colegas foram ainda mais longe do que a "democratização da informação": defenderam, nos acirrados debates provocados pela manifestação contra a imprensa dentro do Sindicato dos Jornalistas, a estatização dos meios de comunicação. OK, para eles deve ser bom: é a melhor maneira de conseguir emprego para quem não o consegue sem QI nem parentes importantes e bem situados na máquina.
Millôr, sempre Millôr
A propósito, a tese de que jornalismo é oposição não é da Associação Nacional de Jornais, nem da "velha mídia golpista": é muito mais antiga. Quem melhor a formulou foi Millôr Fernandes – que enfrentou a ditadura, que não pediu indenização por sua luta, que há muitos e muitos anos é um dos mais brilhantes jornalistas brasileiros: "Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados". A imprensa tem de ser crítica, e portanto é objetivamente oposicionista. Mas tem de ser crítica seja Fernando Henrique o presidente, ou Lula, Dilma, Serra ou Marina. Um meio de comunicação pode tomar posição, nas eleições, declarando seu candidato. E, se esse candidato for eleito, será crítico do mesmo jeito.
Não, os meios de comunicação não devem se limitar a noticiar. Devem analisar, devem pesquisar, devem descobrir como é que as coisas acontecem, devem ser críticos. Devem ficar perto das autoridades o suficiente para obter informações e tão longe quanto possível para evitar contaminações. Imparcialidade quer dizer que isso se fará com qualquer governo, seja qual for.
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