# agência pirata #
Pela Abolição da Cultura do Pãnico
txt: Alexandre Oliva
Abrindo um parêntese na série “Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa: Sociedade versus Indústria dos Estados Unidos de Pãnico”, vou apresentar algums pensamentos meus relativamente recentes a respeito do direito autoral, inclusive alguns posteriores aos artigos em que se baseia a palestra, tanto o sobre direitos humanos quanto o outro, ainda inédito, a ser publicado em livro organizado pela Comunidade Sol, que trata de licenciamento de obras culturais mas é temperado com a novela “União dos Estados de Pãnico”. Aproveito para agradecer à Comunidade Sol pela oportunidade de participar do projeto do livro e pela contribuição que fez à Fundação Software Livre América Latina.
Há anos, eu tenho entendido o direito autoral em sua concepção original de incentivo à publicação de obras. Embora venha sofrendo transformações tão significativas quanto lamentáveis, pois que o distanciam do bem comum que toda lei deveria almejar, é notável o fato de que se tornou insuficiente para a própria indústria editorial, à qual eu carinhosa e metaforicamente me refiro como Indústria do Pãnico.
A adoção de mecanismos tanto jurídicos quanto tecnológicos que excedem os privilégios concedidos a autores por meio da legislação de direito autoral é hoje prática comum. DRM, a gestão digital de restrições, e a Tivoização, usada em geral para implementar DRM com Software ex-Livre, são dois exemplos de medidas técnicas usadas para impor não apenas as restrições estabelecidas na legislação, senão também quaisquer outras que se possam imaginar e codificar. Na linha jurídica, a adoção de contratos de lacre (shrink-wrap) e de acordos com usuário final (EULAs) implementados através de cliques do mouse em sítios e programas de instalação, também tem gerado obrigações contratuais além das estabelecidas no direito autoral.
O fato de ambas as formas estarem em largo uso, se sobrepondo integralmente ao direito autoral e indo além dele, é demonstração cabal da ausência de necessidade do direito autoral, tanto para seu fim, o incentivo à publicação de obras, quanto para o meio, de conferir um monopólio temporário e limitado aos autores, durante o qual, se teorizava, grande número deles se valeria do poder de exclusão monopolístico para monetizar (bingo!) o incentivo concedido pela sociedade.
Ocorre que, independente de qualquer legislação, autores dispõem de acesso exclusivo à obra assim que ela é criada, e podem se valer dessa exclusividade para obterem remuneração por seu trabalho, assim como em todos os trabalhos que produzam bens, tangíveis ou não. Nada impede que implementem, através de medidas técnicas ou contratuais, modelos de negócio equivalentes aos que anteriormente se baseavam em direitos autorais, e que hoje em dia utilizam canhões mais poderosos.
Mas então, se daria no mesmo com ou sem direito autoral, pra que mexer? Porque, embora possa dar no mesmo em relação a uma determinada obra, cujo autor escolha um modelo de negócios baseado no direito autoral ou equivalente técnico-contratual, para todas as demais obras deixaria de existir o manto de medo (se preferir, Pãnico) que impede ou dificulta a produção cultural, quando não se consegue encontrar o titular que poderia conceder permissão para uma adaptação, derivação, remix ou reaproveitamento.
Pior ainda, a restrição por padrão também propicia à Indústria do Pãnico uma ferramenta poderosa para preservar o controle sobre os meios de divulgação (na dúvida, não publique, e la garantía soy yo), para justificar leis cada vez mais draconianas para resolver o “problema” da “pirataria”, para descontar do pagamento aos autores custos cada vez maiores de policiamento, de corrupção de legisladores e judiciários, de sustentação de campanhas de distorção da lei, da realidade e da noção de certo e errado (ajudar o próximo, compartilhar virou do mal). Custos que, embora descontados da remuneração dos autores, são pagos pela sociedade, em afronta semelhante a cobrar da vítima a conta da energia elétrica utilizada para torturá-la.
Tudo isso sem falar das campanhas de extorsão judiciária, baseadas inteiramente na cultura do Pãnico. Juram que é para beneficiar o autor, mas alguém crê que algum centavo do que pagam os acusados em acordos extra-judiciais, ou mesmo em reparação ou multas por violação de direito autoral, chega às mãos dos autores pagos por cópia vendida legalmente? Se todos os demais males acima permanecerem possíveis com a extinção do direito autoral, mas este cair por terra, já terá valido a pena. Se diminuir o receio de compartilhar e criar obras, melhor ainda.
Por isso recentemente me transformei de alguém que tolera o direito autoral, apesar de toda a mentirataria que o cerca, a defensor de sua abolição, a partir da constatação de que direito autoral (patrimonial) não vale a pena e induz a uma divisão do bolo que privilegia a Indústria do Pãnico, em detrimento tanto da sociedade quanto dos autores.
E se, ao contrário de proteger, direito autoral aprisiona obras e as subjuga a interesses mesquinhos, sua extinção seria uma possibilidade de libertá-las da servidão. Embora a extinção imediata desse poder de exclusão possa parecer tão inatingível quanto a abolição da escravatura um dia foi, por retirar privilégios já concedidos a quem pouco se preocupa com direitos humanos, faz sentido começar por discutir um análogo à Lei do Ventre Livre, assim como adaptações à lei dos Heptagenários (após a morte do autor) para prazos mais compatíveis com a realidade ciberfrenética.
Quando Richard Stallman, pai do Software Livre, sugeriu um prazo de vigência de 10 anos, num debate sobre direito autoral, Cory Doctorow, conhecido autor canadense de ficção científica, retrucou indignado que qualquer prazo acima de 5 anos seria um absurdo, pois quase nenhuma obra é exploradas comercialmente por mais de 2. Isso, vindo de alguém que ganha a vida a partir da própria produção cultural, e que é supostamente beneficiado pela legislação vigente, é claro indício de que há algo de podre no discurso mesquinho da Indústria do Pãnico.
#CADÊ MEU CHINELO?
quinta-feira, 28 de maio de 2009
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