#CADÊ MEU CHINELO?
segunda-feira, 6 de julho de 2009
A NOVA MÚSICA BRASILEIRA
# agência pirata #
E seus caminhos
txt: Romulo Fróes
Caminhando para o fim da primeira década do século XXI, já é possível identificar um traço comum entre os artistas surgidos na música brasileira a partir dos anos 2000? Será esta uma geração de artistas à altura de nossa tradição? Perguntas como estas já circulam por aí e demonstram que ainda figura um desejo de organização de um tempo, em que se consiga reunir argumentos para qualificar para o bem e para o mal, determinada época. Neste caso, além de compreender a unidade década, há ainda o agravante de ser esta a primeira de um século que se inicia, o que a faria ser comparada também ao conjunto de todas as outras do século anterior, numa espécie de partida injusta de dez contra um.
A geração atual de artistas da música brasileira surgiu ainda no século passado, em meio a uma profunda transformação, atrelada a uma iminente falência da indústria musical. Mais do que por novos modelos de difusão ou comercialização, ela foi moldada por um novo modo de produção musical. Até o começo dos anos 1990, o caminho para um artista chegar ao disco era muito difícil, pra não dizer quase impossível, se pensarmos que o filtro criado pelas grandes gravadoras para a produção de um disco era, antes de tudo, econômico. Com raríssimas excessões, eram elas que detinham os meios de gravação. Uma vez que esses meios se democratizaram, passou a ser possível a qualquer artista gravar seu próprio trabalho, elevando a produção de discos, ao menos no que se refere ao seu registro fonográfico, a patamares nunca antes imaginados. Todo artista agora, podia ter seu disco e surgiu uma nova figura, a do artista-produtor. É claro que existiam anteriormente artistas-produtores, mas a noção de produção passava muito mais pelo âmbito estético do que técnico, pertencia mais ao campo abstrato das idéias do que na matéria real da obtenção da melhor captação, ou na escolha certa dos microfones e amplificadores. Isso era para os técnicos, que afinal estavam a serviço do artista.
O artista de hoje produz seu disco, porque afinal conquistou essa liberdade e também porque em última instância, é a única maneira de fazê-lo. Por isso seu conhecimento de todas as etapas de uma gravação, da captação à edição e chegando mesmo até sua fabricação. Verdade que à príncipio, tal processo se deu de forma muito precária, uma vez que ainda não se dispunha de grandes recursos técnicos, na época pouco acessíveis, e tão pouco havia-se adquirido a experiência do novo ofício.
Com o avanço da tecnologia, a experiência e o acesso a novos recursos de gravação, abriu-se aos artistas um novo vocabulário de produção artística, a meu ver inédito na música brasileira. É muito comum hoje, um jovem artista falar de seu trabalho mais do ponto de vista técnico, do que das questões artísticas de sua obra, isso se encararmos como coisas desligadas uma da outra. Não raro, um leigo se depara no depoimento de um novo artista, com termos que parecem pertencer a uma nomenclatura de ficcão científica. E isto não é pouca coisa, se pensarmos que grandes artistas de nossa música nunca pensaram no som que teriam seus discos, acreditando única e exclusivamente no poder de sua música. Ou ainda, se pensarmos em artistas como Tim Maia e Caetano Veloso, que no início de suas carreiras, mesmo sabendo exatamente o “som” que queriam em seus discos, sempre se disseram frustrados por não consegui-lo, simplesmente por não saberem até então se comunicar com os técnicos. É um fato relevante, pra não dizer histórico, que aconteça de novos artistas se envolverem profundamente com o processo de gravação, tendo mesmo um interesse verdadeiro por seus aspectos técnicos, ainda que ironicamente, muitas vezes se valham de experiências acontecidas no passado, em discos gravados por exemplo, na década de 1960 e 1970. Vintage é uma palavra adorada por estes jovens artistas. Seus instrumentos, microfones, captadores, pré-amplificadores, pedais e tudo o mais têm de ser vintage, porém seu comportamento, suas cabeças, suas crenças, estas estão no presente.
Pois depois de aprendido “as manhas” da produção, ainda era preciso aplicar esse aprendizado à criação. Sim, porque antes uma grande canção mal gravada do que uma bobagem de altíssima qualidade sonora. E seguindo a máxima de que a quantidade gera qualidade, acho que a contribuição destes novos artistas para a música brasileira começa a ganhar forma. Há muito tempo não se via tantos artistas com trabalhos tão diversos e com tamanha qualidade, quanto agora. Talvez a palavra novo, tão desgastada por seu uso, não seja aplicável ao que vêm fazendo, mas sim ao modo “como” vêm fazendo. Já não é mais possível abarcar o Brasil, como fizeram por exemplo os Tropicalistas. Não só todo o vocabulário incluído por estes em sua música como a baixa e a alta cultura, a guitarra elétrica, o regionalismo, a mídia, a publicidade, a sexualidade, a tecnologia e tudo o mais ainda está em voga, como ainda outros tantos verbetes surgiram e continuam a surgir todos os dias. Daí o conceito de novidade já nascer datado. É com a Internet, esta ferramenta que mudou nossa percepção de mundo, onde se deparam a toda hora com tudo, quero dizer “tudo”, que já foi dito, pensado e vivido por todos, no passado, no presente e às vezes parece que até no futuro, que os artistas de hoje produzem. E se eles se fartam dessa nova ordem, a carga de influência que sofrem é tamanha e tão diversa, que talvez seja impossível a formação de um “novo” pensamento sobre música popular brasileira hoje e talvez não seja mesmo mais tão necessário. O que é necessário ainda e sempre, é que se produza arte boa, mesmo que esta tão somente revele as influências de quem a criou.
Matisse dizia ver Cézanne como um bom Deus da pintura e por mais perigosa que fosse sua influência, dizia não temê-la, pois consideraria isso uma covardia consigo mesmo. Acreditava que a personalidade do artista se afirma pelas lutas que enfrenta e que seria uma tolice não olhar em que direção os outros trabalham. “Aconteceu-me aceitar influências. Mas creio que sempre soube dominá-las”.
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3 comentários:
Não é só na música brasileira que isso tem acontecido. O rock como um todo pode ser um exemplo disso. Não há como no passado movimentos como o punk ou o grunge, que marcaram as épocas em que existiram.
A caraterística da multi caracterização da música é na verdade uma parte do que acontece em toda a arte contemporânea (começando com a arte pós-moderna), devido ao enorme acervo que temos para pesquisa na internet.
com certeza, doutor. mas creio que romulo quis focar naquilo que tem um conhecimento mais próximo, que é a nossa músicaa. mas vc tem razao.
abz
Creio eu que ainda é muito cedo para termos uma idéia distanciada do que significa esta década para a música nacional,a internet(como citou o Rômulo)acabou com o conceito de novidade,até o final do século passado demorava-se meses para conhecermos algum grupo/artista novo,tudo era mais precário e difícil,demandava muito mais tempo e dinheiro,e como foi citado,ainda tinha-se o funil($$$) das gravadoras e consequentemente o funesto"jabá",até meus 15 anos de idade(90),tudo o que eu conhecia era o que eu escutava nas rádios,e raramente encontrava-se algum programa que tocasse músicas sem se preocupar com o retorno financeiro.Hoje em dia não escuto mais rádio,com exceção da CBN,eu mesmo faço minha programação musical,seja no carro,andando na rua ou em casa. A internet deixou tudo meio que instantâneo,diariamente leio ou escuto falar de uma banda que nunca ví ou ouví na vida,é fisicamente impossível conhecermos tudo o que aparece no meio musical brasileiro atualmente,mas como o Rômulo disse no texto,quantidade gera(rá)qualidade,e somente daqui mais uma década poderemos fazer um balanço do que esta primeira dezena de anos do século XXI deixou de significante musicalmente.
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