#CADÊ MEU CHINELO?

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sexta-feira, 30 de março de 2012

[rango] COZINHA TRADICIONAL vs. GASTRONOMIA MOLECULAR


Bodeg¢n con caballas, limones y tomates, 1886

::txt::Tiago Jucá Oliveira::
::jpg::Van Gogh::

A unidade IV do livro de Gastronomia e Alta Cozinha, do curso do IGA (Instituto Gastronômico Argentino), me despertou um interesse além do esperado. Conhecer as diversas cozinhas do mundo, por si só, já é o suficiente pra me manter antenado e querer aprender quais são os pratos típicos, os métodos, os ingredientes e os temperos de cada país.

Eis que o referido capítulo, sobre a cozinha espanhola moderna, traz algo muito mais curioso e que ainda não havia estudado: as rivalidades, o antagonismo e as divergências gastronômicas. E isso me interessa, me atrai, me fascina: o conflito de pensamentos. Não curto unanimidades, elas são burras, já dizia Nelson Rodrigues. Porém, divergir por divergir sem a argumentação necessária e apenas por implicância, ou em busca somente da polêmica, não pode nos nortear pra um debate sério. Não podemos dar ouvidos a egos ciumentos. É necessário argumentos.

Vamos aos fatos! Ferran Adrià é considerado um dos melhores chefes de cozinha do mundo, senão o melhor, de acordo com especialistas. Sua grande façanha foi introduzir novas e modernas técnicas, tais como a desconstrução, que, segundo o livro do IGA, “consiste em isolar os diversos ingredientes de um prato, geralmente típico, e reconstruí-lo de maneira não usual, de tal modo que o aspecto e textura sejam completamente diferentes enquanto o sabor permanece inalterado”. Para chegar a esse resultado, o cozinheiro catalão se abastece com artimanhas químicas e aditivos industriais, tipo espumas feitas com sifões, alginatos, nitrogênio líquido, etc.

Chef proprietário do restaurante El Bulli, situado em Girona (Catalunha) e fechado em julho de 2011 com um banquete de 50 pratos, Adrià já foi condecorado com três estrelas Michelin. O sucesso dele não se resume a estrelas e prêmios. Seu legado atrai muitos admiradores e originou outros tantos imitadores. E foi essa onda de cópia gastronômica que gerou severas críticas.

O maior crítico da cozinha de Adrià é Santi Santamaria, também catalão e que partiu daqui para melhor em fevereiro de 2011 enquanto visitava seu restaurante em Cingapura. Adepto da cozinha tradicional, Santamaria denominou o método molecular de “tecnoemocional”. Autor do livro “La Cocina al Desnudo”, Santamaria soltou o verbo, desencadeando uma polêmica na Espanha e no mundo sobre como devem e não devem ser os métodos gastronômicos de se fazer comida. Não tenho o livro e nem o encontrei pra baixar na internet, mas Santamaria tinha um blog (e segue mantido por admiradores que postam seus textos e pensamentos) no qual opinava a respeito das polêmicas geradas por ele.

No artigo “Dicen que tú no cocinas”, Santi introduz o tema com a língua mais afiada que suas facas de cortar carnes: “A los cocineros jóvenes que abren restaurante con ciertas pretensiones, les interesa hoy practicar una cocina con las mínimas referencias posibles a la tradición local. Defienden una creación vanguardista baseada, paradójicamente, en copiar a los cocineros de moda, cambiando o adaptando los ingredientes de sus recetas, y al resultado lo llamam 'cocina creativa'. El conocimento, la técnica y la precisión pasan a un segundo plano: lo importante es seguir la corriente dominante y, si es posible, participar en el circo mediático y salir en los rankings y listas de cierta crítica”.

Observe acima que a crítica se refere mais aos seguidores de Adrià do que ao próprio, embora também tenha indiretas ao “circo midiático” que dá holofotes a estes “jóvenes cocineros”, pois é a mídia quem cria as listas de melhores restaurantes nas quais todos querem estar. Nota-se também que na lista que ele linka no blog não consta, entre os dez melhores restaurantes do mundo de 2011, nenhum de sua propriedade, embora também não apareça o El Bulli, de Adrià. Engraçado, ou paradoxo, é que Santamaria é o primeiro chef catalão a receber três estrelas no Guide Michelin.

Quiero denunciar”, dispara a metralhadora de Santamaria em direção a Adrià, “la cocina que no respeta el entorno natural, social y cultural de su país, porque castra la libertad creativa de los cocineros y contribuye a la aculturación de la ciudadania. Quiero denunciar también el abuso que se hace de la ciencia al relacionaria con la cocina: el método científico permite que, mediante una serie de conjeturas y refutaciones, nuestras teorías se acerquen a la verdad. Este acercamiento a la verdad es el progreso científico. Pero, en cocina, ¿a qué verdad nos acercamos? ¿Qué progreso 'científico' nos lleva a preferir una espuma a un guiso? Denuncio, pues, la impostura de la novedad por la novedad, porque siempre habrá alguien, en algún rincón del mundo, que haya inventado algún artilugio o utilizado algún producto o empleado algún proceso antes que tú, pero no por eso su cocina será mejor que la tuya. La cocina es fundamentalmente cultura y, si quieren, puede llegar a ser arte. La ciencia es otra cosa”.

Quando há um ataque ríspido como o entre aspas acima, sempre haverá um contra-ataque igualmente ríspido. Santamaria não saiu ileso de suas críticas. Uma das contestações mais contundentes anti Santi que encontrei foi a do jornalista e professor da Universidade de Santiago de Compostela, Manuel Gago. Editor do site Capítulo Cero (un menú degustación da vida), o galego também mostra que é bom no tiroteio:

Cando se produciu a polémica do seu libro 'La Cocina al Desnudo',” inicia Gago, “comecei a ler o volume con calma, para tentar saber de que ía todo isto. (…). Podemos falar do que queiramos, pero o libro é mediocre. Ten tres problemas: unha baixa calidade de edición (reiteracións, estrutura caótica, unha sensación de que todo isto se podía ter escrito en tres parágrafos), unha demagoxia bastante barata e evidente e unha absoluta carencia de dados e de rigor. (…). Santamaría eríxese en defensor da boa cociña, da cociña de sempre, coidada e con gran atención do produto. Constrúe o seu discurso en base ao negativo, com dous grandes inimigos argumentais: o fast food de raíz norteamericana e a cociña experimental de Adriá. Ao lelo, dábame conta da torpe trampa argumental da súa redacción. Lembrei todas as veces que malcomín, com mal produtos, com mal aceite, coccións pésimas, en antros de comidas máis ou menos tradicional, … Todo un malcomer de oficinista ao que Santamaría esquece de forma pasmosa. Un Cociñero de prestixio podería axudar a reflexionar publicamente sobre o problema, pero non o fai. Obviamente, a Santamaría non lle preocupa a saúde pública, ainda que apele a ela continuamente: malia reflexionar sobre os beneficios dunha dieta saudábel e a orixe dos alimentos no epígrafe II (Natural) pero non se chega máis alá. O cociñero preocúpase, máis ben, polos extremos intocábeis das Whopper e os Menús de 200 euros, deixando fóra a boa parte da poboación á que pretende dirixirse... non é difícil decatarse de que máis que defender e propagar, o seu argumento está construído para atacar”.

Assim como no começo eu contrariei o simples fato de criticar por criticar, sem o embasamento necessário para uma antítese, Gago segue o mesmo pensamento. Segundo ele, Santamaria constrói seu argumento para atacar, sendo que aquilo que defende (dieta saudável, origem dos alimentos) se resume apenas a um capítulo do livro. Gago também toca em outro assunto polêmico. De acordo com ele, “La Cocina al Desnudo está construída a partir de recortes de prensa! ¡Este home case non leu ningún estudo completo para facer o libro! Páxinas e páxinas argumentadas a partir de titulares e dúas columnas de El País, La Vanguardia ou El Periódico sobre estudos alimentarios ou agrícolas, sen ir máis alá”. Santamaria é criticado acima pelo fato de teorizar a partir de mínimas referências possíveis, algo que o próprio chef também ataca com tenacidade. Basta observar o início deste texto que vos escrevo, no qual o catalão desce a mamona na rapaziada: “aos jovens cozinheiros interessam praticar uma cozinha com as mínimas referências possíveis...” para logo em seguida citar uma das mais famosas frases do pensador Eugenio D'Ors: “todo lo que no es tradición, es plagio”.

Para a professora espanhola Luisa, autora do blog El Fondo del Estanque, que assim como Santamaria evoca a famigerada frase de Eugenio D'Ors para refletir a respeito do plágio, “tradición significa la transmisión de noticias, composiciones literarias, doctrinas, ritos, costumbres, etc., hecha de generación en generación”. Já o plágio, no entender dela, “se entiende como una copia en lo sustancial de obras ajenas, dándolas como propias”. No entanto, assim como eu, ela reconhece que “no se pude hacer nada creador sin la tradición y como dice el filósofo Nicolai Hartmann, 'nadie empieza con sus propias ideas'. El hombre individual y colectivamente considerado no crea nada sino que sólo desarolla unas posibilidades recibidas. La tradición por lo tanto es necesaria: así como cada persona tenemos una memoria que nos hace ser nosotros mismos, la tradición es la memoria de la comunidad, en tanto que se sabe que todo lo que tiene lo debe a las generaciones pasadas. Sin memoria cada ser humano se iguala, de manera que sin tradición las sociedades se igualan, al mismo tiempo se mueren”.

Um dos livros que faz parte de minha biblioteca básica também recorre ao tema plágio, o empolgante “Distúrbio Eletrônico”. Segundo o Critical Art Ensemble, “o plágio tem sido há muito considerado um mal no mundo cultural. Tipicamente, tem sido visto como um roubo de linguagem, idéias e imagens executado pelos menos talentosos, frequentemente para o aumento da fortuna ou do prestígio pessoal. Talvez as ações dos plagiadores, em determinadas condições sociais, sejam as que mais contribuem para o enriquecimento cultural. Antes do Iluminismo, o plágio tinha sua utilidade na disseminação das idéias. Um poeta inglês podia se apropriar de um soneto de Petrarca (poeta italiano), traduzi-lo e dizer que era seu. O verdadeiro valor dessa atividade estava mais na disseminação da obra para regiões onde de outra forma ela provavelmente não teria aparecido”.


ARTE MODERNA: UM PARALELO COM A GASTRONOMIA PARA CONTRIBUIR COM O DEBATE SOBRE A DIALÉTICA ENTRE O MODERNO E O TRADICIONAL


Bodeg¢n con limones y botella, 1887

O filósofo catalão Eugenio D'Ors foi um dos maiores críticos da Arte Moderna, expressão artística manifestada em diversas áreas (literatura, arquitetura, design, pintura, escultura, teatro, música) de diferentes tendências (cubismo, expressionismo, futurismo, surrealismo, dadaísmo) surgida da virada do século XIX para o XX, e que se contrapunha à tradição acadêmica em vigor até então. Dos modernistas mais conhecidos e fundamentais para a ruptura com o passado podemos destacar os pintores Kandinsky, Picasso, Van Gogh, Mondrian; escritores como T.S. Eliot, Virginia Woolf, James Joyce, Marcel Proust, Franz Kafka; os músicos Schömberg, Stravinsky; e os arquitetos Le Corbusier e Gropius. Junto com o modernismo há o advento do cinema, e Sergei Eisenstein é o pioneiro modernista na sétima arte. Aqui no Brasil os modernistas eclodem com a Semana de Arte Moderna, em 1922; os principais nomes são os irmãos Oswald e Mário de Andrade, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Manuel Bandeira, Villa Lobos, Menotti del Picchia, Tarsila do Amaral, Plínio Salgado. O modernismo brasileiro é uma inspiração fundamental pra inovações musicais posteriores, tais quais a Bossa Nova (João Gilberto, Tom Jobim), o Samba-Jazz (Moacir Santos, J.T. Meirelles, Sergio Mendes) e o Tropicalismo (Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Os Mutantes).

Assim como há uma ruptura com a cozinha tradicional feita por Adrià e uma reação feroz por parte de Santi, a Semana de 22 foi duramente criticada por Monteiro Lobato. O escritor acreditava na ideia que o verdadeiro brasileiro era o homem do interior, então, por conta disso, a cidade de São Paulo e seu povo nunca foram fontes de inspiração para ambientar sua obra nem para caracterizar seus personagens. Ainda mais uma São Paulo que emergia culturalmente e industrialmente, e que seria sede da Semana de Arte Moderna. Uma das raras vezes em que falou sobre a capital paulista, Lobato estava a ironizar a modernidade e urbanidade da metrópole, mas também a cutucar Mário de Andrade, autor do poema “Anhangabaú”, de Paulicéia Desvairada, em 1920:

parques do Anhangabaú nos fogaréus da aurora
oh larguezas dos meus itinerários!...
estátuas de bronze nu correndo eternamente
num parado desdém pelas velocidades...


No conto “O Fisco”, Lobato se mostra talentoso como humorista satírico: “No princípio era pântano, com valas de agrião e rãs coaxantes. Hoje é o parque do Anhangabaú, todo ele revaldo, com ruas de asfalto, pérgola grata a namoricos noturnos, a Eva de Brecheret, a estátua dum adolescente nu que corre – e mais coisas. Autos voam pela via central, e cruzam-se pedestres em todas as direções. Lindo parque, civilizadíssimo”, conclui com fina e elegante ironia.

Antes disso, em 1917, duas exposições de pinturas são realizadas em São Paulo, nas quais Lasar Segall e Anita Malfatti concretamente trazem a arte moderna pro Brasil. A reação de Lobato, homem de princípios estéticos conservadores, veio através dum artigo publicado nO Estado de S. Paulo, em dezembro de 1917, com o título “A Proprósito da Exposição Malfatti”: “todas as artes são regidas por princípios imutáveis, leis fundamentais que não dependem do tempo nem da latitude. Quando as sensações do mundo externo transformaram-se em impressões cerebrais, nós 'sentimos'; para que sintamos de maneira diversa, cúbica ou futurista, é forçoso ou que a harmonia do universo sofra completa alteração, ou que o nosso cérebro esteja em 'pane' por virtude de alguma grave lesão. Enquanto a percepção sensorial se fizer normalmente no homem, através da porta comum dos cinco sentidos, um artista diante de um gato não poderá 'sentir' senão um gato, e é falsa a 'interpretação' que do bichano fizer um totó, um escaravelho ou um amontoado de cubos transparentes”.

Como vimos, não é de hoje que se dá esse embate entre o tradicional e o moderno, sobre o que é certo ou errado, sobre o que é melhor ou pior, seja no mundo das artes ou da gastronomia. Eu, ainda nos primórdios dos estudos culinários e com recente iniciação profissional na área, não tenho o embasamento suficiente, muito menos a ousadia e pretensão de querer firmar aqui uma posição categórica nessa briga entre Adrià e Santamaria. Tenho opiniões como consumidor e amante da comida. Entendo que as mudanças na gastronomia são essenciais e necessárias, bem como as experimentações que nela precisam ser feitas constantemente. E respeito também aos que se preocupam em manter vivo antigas receitas e costumes. Uma cozinha não vive sem a outra. E nem sempre me atrai o “nada no prato, tudo na conta”, como sabiamente cunhou Paul Bocuse sobre os “palácios da moda”. Precisamos muito de Adrià para o progresso e experimentalismo gastronômico e pela não predominância de matérias-primas de elevado custo (“uma boa sardinha é melhor que uma má lagosta”) sem por isso esquecer da importância conceitual de Santamaria sobre a qualidade dos ingredientes:

Yo quiero que el público pueda probar en los restaurantes una cocina que no se haga a base de sopas liofilizadas o de bote, ni caldo en pastillas o cubitos, ni tomate de lata, congelados semipreparados, píldoras multivitamínicas y todo el arsenal que la industria química incorpora a nuestra alimentación. Quiero que el comensal pueda escoger producto fresco, elaborado con el máximo cuidado, con una combinación de sabores que no le estrague el paladar, y que se sienta bien tratado en todos los sentidos”.

O melhor seria se, enquanto eu fiquei na frente dos livros e do computador lendo e escrevendo, os dois estivessem preparando a minha janta. Mas não estão. Fui pra cozinha!

terça-feira, 28 de setembro de 2010

[cc] REVALORIZAR O PLÁGIO NA CRIAÇÃO



::txt::Critical Art Ensemble::
::plg::Baixa Cultura::

“Pegue suas próprias palavras ou as palavras a serem ditas para serem ‘as próprias palavras’ de qualquer outra pessoa morta ou viva. Você logo verá que as palavras não pertencem a ninguém. As palavras tem uma vitalidade própria. Supõem-se que os poetas libertam as palavras – e não que as acorrentam em frases. Os poetas não têm “suas próprias palavras”. Os escritores não são os donos de suas palavras. Desde quando as palavras pertencem a alguém?”Suas próprias palavras”, ora bolas! E quem é você?”

Não é de hoje que o plágio tem sido considerado um mal no mundo cultural. Normalmente, a palavra é usada para designar algo francamente ruim, um “roubo” de linguagens, ideias e imagens executado por pessoas pouco talentosas que só querem aumentar sua fortuna ou seu prestígio pessoal. No entanto, como a maioria das mitologias, o mito do plágio pode ser facilmente invertido. Não é exagero dizer que as ações dos plagiadores, em determinadas condições sociais, podem ser as que mais contribuem para o enriquecimento cultural.

Antes do Iluminismo, por exemplo, o plágio era muito utilizado na disseminação de ideias. Um poeta inglês poderia se apropriar de um soneto do poeta italiano Francesco Petrarca, traduzi-lo e dizer que era seu. De acordo com a estética clássica de arte enquanto imitação, esta era uma prática aceitável e até incentivada, pois tinha grande valor na disseminação da obra para regiões que de outro modo nunca teriam como ter acesso. Obras de escritores ingleses que faziam parte dessa tradição – Geofrey Chaucer, Edmund Spenser, Laurence Sterne e inclusive o todo-poderoso Shakespeare – ainda são parte vital de uma tradição inglesa, e continuam a fazer parte do cânone literário até hoje.

No oriente, a idéia do plágio é ainda mais disseminada. O plágio é parte do processo de aprendizado. Todos começam a escrever, calcular, dançar e se socializar por meio da imitação e da cópia. A estrutura social, da mitologia à autoajuda, é perpetuada pela reprodução. Mesmo entre os criativos são raros os músicos, escritores ou pintores que não tenham no plágio seu ponto de partida.



Ao mesmo tempo em que a necessidade de sua utilização aumentou com o passar dos séculos, o plágio foi, paradoxalmente, sendo jogado na “clandestinidade”, acusado de ser um crime de má fé contra à sobrevivência dos autores. Passou, então, a ser camuflado em um novo léxico por aqueles desejosos de explorar essa prática enquanto método e como uma forma legitimada de discurso cultural.

Assim é que, durante o século XX, surgem práticas como o ready-made, colagens, intertextos, remix, mashup, machinima, detournement, todas elas representando, em maior ou menor grau, incursões de plágio. Embora cada uma destas práticas tenha a sua particularidade, todas cruzam uma série de significados básicos à filosofia e à atividade de plagiar, pressupondo que nenhuma estrutura dentro de um determinado texto dê um significado universal e indispensável.

A filosofia manifestada nestas ações ainda hoje subversivas é a de que nenhuma obra de arte ou de filosofia se esgota em si mesma; todas elas sempre estiveram relacionadas com o sistema de vida vigente da sociedade na qual se tornaram eminentes. A prática do plágio, nesse sentido, se coloca historicamente contra o privilégio de qualquer texto fundado em mitos legitimadores como os científicos ou espirituais. O plagiador vê todos os objetos como iguais, e assim horizontaliza o plano do sua ação; todos os textos tornam-se potencialmente utilizáveis e reutilizáveis.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

LAWRENCE LESSIG FALA DE REMIX




# agência pirata #
O mundo é um remix

txt: Edson Andrade de Alencar

O remix e o plágio criativo são duas pedras no sapato do espírito de regulamentação jurídica do novo panorama tecnológico de produção cultural. O debate sobre os efeitos econômicos de uma cultura livre, como Reuben bem apontou, tem suplantado o debate sobre produção e criatividade pelo simples fato de se concentrar exaustivamente no âmbito da distribuição de obras intelectuais. Todos estão discutindo “como faremos para distribuir os mesmos filmes milionários de sempre da forma mais proveitosa para todos” e esquecem da proteção a novas formas criativas.

O plágio criativo e o remix são modalidades criativas que crescem em efetividade à medida que nós, seres humanos copiadores por natureza, percebemos que não há mais nada pra ser “inventado”. É muito difícil ver algo puramente novo por aí, principalmente quando ganhamos a ciência de que tudo aquilo que sempre consideramos original na verdade é uma colagem de influências e idéias retransmitidas. O remix, por exemplo, já é amplamente aceito por vários artistas e muitos destes já o encorajam abertamente. É o que faz a banda Nine Inch Nails ao disponibilizar seu álbum The Slip em versões de alta qualidade (próprias para remixagem) com as seguintes palavras: we encourage you to remix it/share it with your friends, post it on your blog, play it on your podcast, give it to strangers, etc (tradução: nós o encorajamos a remixar este álbum/compartilhá-lo com seus amigos, postá-lo no seu blog, tocá-lo no seu podcast, dá-lo a estranhos, etc).

Mas, como eu dizia, o Direito ainda tem um longo caminho pela frente. É difícil permitir brechas na exclusividade de autoria para fomentar a criatividade alheia quando o ciúme e o orgulho ainda são marcas registradas da figura do autor. Não estou escrevendo esse post com intuito de propor qualquer solução para o tema, mas gostaria de deixar umas poucas palavras de um dos maiores doutrinadores (senão o maior) da cultura livre em um âmbito acadêmico. Lawrence Lessig, professor da Faculdade de Direito de Stanford, fala de maneira simples e bem direta da importância das novas ferramentas criativas, sem juridiquês, no pequeno vídeo que você pode ver clicando aqui.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

PUTAS A FODER



# manda chuva #
Ainda o chato assunto do diploma

txt: Tiago Jucá Oliveira


Primeiramente, eu gostaria de criticar e elogiar o pessoal do Jornalismo B. Criticar por que acho que debater exigência de diploma de jornalismo não leva a nada. Não vai mudar porra nenhuma, independente da obrigação ou não. E também pelo fato que não sou eu a pessoa indicada pra defender um dos lados das questões. Não pertenço a nenhuma entidade, movimento, coletivo ou ong que defenda a não obrigatoriedade. E por último, criticar por ter chamado uma pessoa do sindicato que não quer que vocês exerçam o jornalismo. Duvido que haja mais de cinco blogs, em Porto Alegre, melhores que o Jornalismo B. E eu, uma pessoa formada, sou muito pior fotojornalista do que a Thais, que é bióloga, e que faz fotos pro Jornalismo B, prO DILÚVIO e pro Jornal Já. Se depender do sindicato, seus dias de jornalismo e fotojornalismo estão contados. Vocês convidaram o inimigo pra trincheira.

Mas eu os elogio ao mesmo tempo, pois debater jornalismo sempre é bom. E também agradeço as palavras do Alexandre Lucchese sobre minha pessoa e sobre O DILÚVIO ao nos qualificar como um dos debatedores. Diz ele, no próprio blog, semana passada: “O Jucá e sua O DILÚVIO representam o que há de mais independente, autônomo e livre na imprensa de Porto Alegre – quer o próprio Jucá queira reconhecer isso ou não. Desde seus temas e pautas, até sua organização e ’sede’, passando pela diagramação e textos, O DILÚVIO congrega a grande maioria das características que qualquer veículo alternativo e informal gostaria de ter. E, acredito, é alguém que tem este tipo de experiência durante tantos anos que poderá levantar esta discussão de maneira genuinamente rica perante a entidade que busca formalizar o exercício do jornalismo.”

E acho que ele tem uma certa razão no que disse. O DILÚVIO é uma referência nacional em cultura livre, em reciclagem de idéias, em autonomia editorial, em jornalismo cultural. Já ganhamos uma bolsa da Fundação Avina pra produzir uma série de reportagens sobre licenças livres e multiplicação do conhecimento. Entre os 50 veículos contemplados com a bolsa de investigação, somente O DILÚVIO era uma publicação independente, no meio de grandes como CNN, Rádio CBN, Carta Capital, El Clárin, La Nación, Jornal do Conmércio, etc.

Também já fomos convidados pra debater jornalismo, com outras 40 experiências bem sucedidas de modelos alternativos de comunicação, no evento Onda Cidadã, promovido pelo Itaú Cultural. Recentemente, fomos escolhidos a 6º melhor publicação impressa do país, através do Prêmio Dynamite.

Portanto, se não sou o apropriado pra debater diploma, tenho uma certa credibilidade pra discutir jornalismo. Também temos forte personalidade pra dizer que ninguém vai nos obrigar a ter somente jornalistas com diploma em nossa revista. Leis que não consideramos justas, nós não obedecemos. Isto se deve ao nosso maior inspirador que é Henry Thoreau, autor do clássico A Desobediência Civil. Diz ele, em certo trecho do livro:

"Deve o cidadão, sequer por um momento, ou minimamente, renunciar à sua consciência em favor do legislador? Então por que todo homem tem uma consciência? Penso que devemos ser homens, em primeiro lugar, e depois súditos. Não é desejável cultivar pela lei o mesmo respeito que cultivamos pelo direito."

Conclui o mestre: "A lei jamais tornou os homens mais justos, e, por meio de seu respeito por ela, mesmo os mais bem-intencionados transformam-se diariamente em agentes da injustiça."

O DILÚVIO é uma revista que comete dezenas de desobediências, ilegalidades por dia. É só dar uma olhada na nossa comunidade no orkut, que tem quase 3.500 membros subversivos. Milhares de downloads de músicas protegidas pelo direito autoral são realizados a partir dos links disponibilizados lá na comunidade. Nosso perfil no orkut já foi denunciado por desrespeito aos direitos autorais e excluído duas vezes. Já criamos o terceiro, e rapidinho já chegamos a 500 amizades solidárias. E criaremos pela quarta vez, se for necessário.

No nosso blog, estamos cometendo outro delito, quase que diariamente. Utilizamos fotos, ilustrações e charges de outras pessoas sem pedir permissão e sem dar créditos ao autor. Motivo: são obras licenciadas em copyright, e não em Copyleft, Domínio Público ou Creative Commons. A gente faz pirataria e plágio com aqueles que não liberam a obra pra livre reprodução. E incentivamos isso. A propriedade é um roubo, disse Proudhon. Eu digo: a propriedade intelectual também é um roubo.

Duas pessoas da redação criaram uma obra que critica a desgovernadora Yedinha, e omitimos o nome destas duas pessoas. Ela está lá, nua, esperando que qualquer pessoa a use, que a plagie. E já vimos que ela já se espalhou por aí, no orkut já vi vários álbuns de fotografias com a obra lá, como se fossem de autorias de outras pessoas, e não nossa.

Não queremos ser donos de obras jornalísticas e artísticas. Queremos que as idéias se espalhem aos milhões. Pra mim é muito mais importante ver uma idéia minha sendo difundida e ampliada, modificada pra melhor e plagiada, do que dizer e obrigar que eu sou o autor dela. Esses dias eu vi no site do jornal O Globo a reprodução integral dum texto que já havia sido publicado na revista O DILÚVIO. Eles não citaram o autor da matéria. Problema nisso? Pra gente não.

Manu Chao, grande referência musical pra gente, também já reproduziu no seu site a entrevista que fizemos com ele, na íntegra e citando a fonte, sem nos pedir permissão, pois como usamos uma licença Creative Commons, já está pré-autorizada pra qualquer pessoa do mundo reproduzir nossas fotos e reportagens, da maneira como ela quiser, sem precisar nos contatar pra pedir autorização. Depois de publicado, nosso conteúdo deixa de ser de nossa propriedade e passa a ser do mundo. Assim como nossos filhos, dos quais somos pais, mas não somos donos. Depois de criados, eles também passam a ser do mundo em que vivem, sujeitos a ser justamente o oposto daquilo que os pais eram.

Quando alguém pega uma idéia nossa, não deixamos de possuir esta idéia, não nos sentimos roubados ou sem idéias. Assim como alguém acende uma vela na nossa, a gente não fica sem luz. Quem disse essa frase bonita não fui eu, foi o Thomas Jefferson, e está em domínio público. Se estivesse em copyright, eu diria que a frase era minha, ou não citaria o autor.

Enquanto isso, no senado federal, tramita o projeto de lei Azeredo, que vai vigiar e punir qualquer pessoa que fizer download ilegal de conteúdo protegido pelos direitos autorais. Se eu quiser fazer uma resenha do novo álbum da Sandy Junior, a filha do Chitãozinho e Xororó, eu vou precisar baixar o disco na web. A gravadora e a produtora dela não nos enviam CDs. Enviam somente a grandes meios de comunicação. Se eu quiser agir de forma legal, ou compro na loja, ou pago pra baixar no itunes. Isso vai me custar mais de 20 reais, quase 30. Ou seja, eu vou ter que pagar pra ajudar na divulgação do novo disco dela. Quem deveria me pagar era ela, pra eu ter que ouvir aquela bosta e ainda escrever uma resenha.

Ao mesmo tempo, aqui na província, um professor universitário e jornalista é censurado por uma empresa, que usa um cascateiro como laranja. A crítica mais contudente ao péssimo jornalismo que esta empresa faz está calada. Dizem que é uma pessoa processando outra por difamação. Não. É uma empresa censurando um jornalista por trazer a verdade a tona.

Há somente em Porto Alegre 26 emissoras de televisão e rádio com as outorgas já vencidas. Quem diz isso não sou eu, é a Anatel, é só entrar no site deles e conferir. E pra trabalhar nessas empresas que deveriam estar fechadas pela justiça, há pessoas aqui defendendo que se tenha o diploma. Como não vejo muita diferença em uma quadrilha de traficantes e estas emissoras, creio que vá se pedir diploma pra ser avião de traficante. Jornalista que trabalha numa dessas emissoras é um criminoso também. É cúmplice disso que eu qualifico como o pior jornalismo já feito na história no país. Nem nas ditaduras de Vargas e dos militares se fazia coisa pior.

Este ato contra a liberdade de expressão vai calar diversos comunicadores de rádios comunitárias. Já são calados na base da porrada pelo governo Lula, que é que mais fechou rádios comunitárias. Rádios comuntárias que são criminalizadas pelas rádios comerciais, são denunciadas e chamadas de piratas. Pirata é a rádio Gaúcha, a rádio Guaíba, a rádio Band, a rádio Cultura, a rádio da Universidade, a rádio Atlântida, a rádio Itapema, a RBS TV, a Band TV, etc. Todas elas estão com concessão pública vencida. Note, há duas rádios públicas que deveriam estar fora do ar. E nas rádios comerciais, governos municipais, estaduais e federal investem verbas publicitárias, pagas pelo nosso bolso.

E fiquei sabendo semana passada que meus amigos da Black Sonora e a Lica Tito tiveram que conseguir liminar pra poder se apresentar ao vivo. O que mais vai ser preciso ter diploma pra poder se expressar? Só falta os tucanos apresentarem um projeto que impeça analfabetos de concorrerem a presidência.

Então você soma tudo disso: censura a jornalistas + limitar que somente uma elite possa se comunicar + fechamento de rádios comunitárias + grandes emissoras funcionando sem outorgas + proteção da não difusão do conhecimento + proibir artistas de se apresentarem ao vivo + concentração de emissoras de radio e TV em poucas mãos = menos democracia e péssimo jornalismo

Esta exigência besta de diploma quer é calar a voz da maioria. Somente uma elite formada e diplomada poderá ser capaz de fazer o serviço sujo de uma dúzia de famílias que comandam a comunicação e a mídia no Brasil. Não me venham com esse papo furado que é preciso diploma pra segurar um microfone, alisar o cabelo e dizer que hoje vai chover na fronteira e fazer frio na serra. O cara que tinha mais talento pra fazer isso não tinha diploma de jornalista, e hoje é deputado estadual. Era muito mais divertido ele do que essas menininhas formadas na Fabico ou Famecos de cabelo alisado. Qualquer Maísa dá a previsão do tempo.



TOMATE CRU

Duas meninas comentaram, uma no nosso blog, e outra no twitter: então me devolva o dinheiro que gastei na faculdade. Não pude deixar de responder: se tivesse estudado como eu estudei, tinha passado numa federal. Porra, a preocupação delas é somente dinheiro. Em nenhum momento parou pra pensar que elas, com diploma, tem uma qualificação a mais de quem não tem.

Não é exigido, pra ser jornalista, estudar inglês, francês e castelhano, fazer mestrado e doutorado, tirar um curso de fotografia no SENAC, freqüentar algumas aulas na história, cursar photoshop, ler livros sobre a profissão que os professores nunca exigiram ou jamais recomendaram. Vou eu pedir a livraria meu dinheiro de volta porque a lei não obriga ler Darcy Ribeiro pra exercer a profissão de jornalismo? Claro que não. Eu procurei me qualificar. Por isso que entrei numa faculdade. Foi lá que conheci, além do Darcy Ribeiro, o Eric Hobsbawm e o Marshal McLuhan.

O presidente da Fenaj ilustrou um caso pra defender a obrigatoriedade do diploma. Um cara que pediu carteira de jornalista, mas que era analfabeto. Eu pergunto: você tem medo de concorrer e perder emprego pra um cara analfabeto? Então vaza, meu filho, enquanto é tempo. Desista do jornalismo e vá fazer outra coisa, vá plantar batatas.

Também tem alguns que dizem que blog não é jornalismo, eu pergunto: mas pra trabalhar no blog da folha online? Ou num blog da rede globo? Neste caso blog é jornalismo? Levo a crer que jornalismo então é somente aquilo feito na grande mídia. O blog da Petrobrás foi um bom exemplo esta semana de um bom jornalismo, muito melhor que os jornais. O blog d’O DILÚVIO, o blog do Jornalismo B, o blog do Celeuma, o blog do Marcelo Tas, o blog do Luis Nassif, o blog do Wladymir Ungaretti, entre outros, não são jornalismo? Digo mais: se você estuda jornalismo e ainda não tem um blog, escolheu a profissão errada.

E livros como “Estação Carandiru”, do Drauzio Varela; “Noites Tropicais” e “Tim Maia – Vale Tudo”, do Nelson Motta; “Os Sertões”, de Euclides da Cunha; “Dez Dias que Abalaram o Mundo”, de John Reed; “A Sangue Frio”, de Truman Capote; “O Mistério do Samba” e “Mundo Funk Carioca”, de Hermano Vianna. Todos esses livros, entre tantos, não são jornalismo? Preciso de diploma pra escrever um livro reportagem?

E filmes? “Ônibus 174”, do José Padilha; “Notícias de uma Guerra Particular”, do João Moreira Salles. Estes filmes não são jornalismo? Se forem, preciso ter diploma pra fazer um documentário?

E quanto a esses caras que vou citar. MINO CARTA – Quatro Rodas, Carta Capital, Veja; ANDRÉ FORASTIERI – Bizz, Set, General, Conrad, Folha, MTV; ZIRALDO – O Pasquim, Bundas, Palavra; MACOS FAERMAN – Versus, Singular e Plural; SEBASTIÃO OLIVEIRA – Caac – centro de artes e alternativas de cidadania; ELIEZER MUNIZ – projeto canal motoboy; LOBÃO – Outra Coisa, MTV; IDELBER AVELAR – brilhante cobertura dos ataques israelenses à Palestina; REGINA CASÉ – Central da Periferia; HERMANO VIANNA – Música do Brasil, Overmundo e Central da Periferia; ARNALDO JABOR – Jornal da Globo; RONALDO LEMOS - Overmundo. Em comum entre todos estes nomes é que nenhum deles tem diploma. Vamos queimar a Carta Capital? Vamos tirar o Overmundo do ar?

Também dizem que assim que não for mais exigido o diploma, as empresas vão demitir os jornalistas formados. Alguém aqui acredita que a Globo vai demitir o Caco Barcelos ou o Carlos Eduardo Dornelles? Alguém acredita que O DILÚVIO não vai mais querer entre seus colunistas nomes como Bruno Lima Rocha e Wladymir Ungaretti. Só os medíocres acreditam nisso, pois só eles tem medo de perder emprego, porque sabem que são medíocres.

Nessa sexta que passou houve outro debate sobre o assunto, e ouvi várias vezes a palavra patrão. Que com diploma o patrão não vai nos explorar, vai pagar melhor, não vai nos demitir pra contratar outro em seu lugar. E notei que a grande preocupação dessas pessoas é não perder emprego nem ganhar mal na grande mídia. Elas não querem abolir a grande mídia, não querem boicotar a grande mídia. Não. Elas querem continuar sustentando, com diploma e mais qualidade, a grande mídia. Quere continuar dando coro a manipulação, engrossando o caldo da mentira. Mas com diploma, claro, a mentira terá mais qualidade. Um cara que não estudou jornalismo dificilmente estudou e sabe os quatro padrões básicos de manipulação utilizados pela grande imprensa. Ou será que eles acham que vão inverter a pauta do MST para um novo ângulo, para uma nova ótica?

Cito o grupo Krisis, autor do brilhante livro Manifesto Contra o Trabalho: “Trabalho e capital são os dois lados da mesma moeda. A esquerda política sempre adorou entusiasticamente o trabalho. Ela não só elevou o trabalho à essência do homem, mas também mistificou-o como pretenso contra-princípio do capital. O escândalo não era o trabalho, mas apenas a sua exploração pelo capital. Por isso, o programa de todos os "partidos de trabalhadores" foi sempre "libertar o trabalho" e não "libertar do trabalho". Tanto do ponto de vista do trabalho quanto do capital, pouco importa o conteúdo qualitativo da produção. O que interessa é apenas a possibilidade de vender de forma otimizada a força de trabalho. Os trabalhadores das usinas nucleares e das indústrias químicas protestam ainda mais veementemente quando se pretende desativar as suas bombas-relógio. E os "ocupados" da Volkswagen, Ford e Toyota são os defensores mais fanáticos do programa suicida automobilístico. Não só porque eles precisam obrigatoriamente se vender só para "poder" viver, mas porque eles se identificam realmente com a sua existência limitada. Para sociólogos, sindicalistas, sacerdotes e outros teólogos profissionais da "questão social", trabalho forma a personalidade. Personalidade de zumbis da produção de mercadorias, que não conseguem mais imaginar a vida fora de sua Roda-Viva fervorosamente amada.”

O jornalista Hélio Paz, que pensa parecido comigo sobre o diploma, disse: “os sindicatos vivem essa atrasada visão dicotômica de burguesia x proletariado quando o jornalista JAMAIS se constituiu em um proletário ou em um escravo miserável. Além disso, não enxergam bem outra possibilidade que não seja a de serem empregados injustiçados de um patrão totalitário.” Citei ele porque também ouvi muitos argumentos do tipo “jornalista é diferente de comentarista e colunista; o primeiro faz reportagens e os outros opinam”. Então jornalista não deve opinar? Jornalista é o pau mandado do editor que o coloca pra cobrir o que interessa a empresa?

Vou procurar adaptar a situação do jornalismo pra outra profissão bem parecida com a nossa. Digamos que haja diploma pra ser prostituta. Você acredita que uma diplomada diz pro patrão dela na zona e diz: “olha, eu só transo com o Brad Pitt e com o Rodrigo Santoro”. Mesmo com diploma, ela vai transar com qualquer um que pagar, seja gordo ou magro, alto ou baixo, bonito ou feio, vascaíno ou flamenguista, cabeludo ou careca, cepacol ou desdentado. E se pensar que nem pensam os favoráveis a exigência de diploma, vai fazer passeata em Brasília pra impedir que qualquer puta sem nível superior faça programa nas esquinas.

Eu digo: com diploma ou sem diploma, quem pensa assim vai sempre acabar se fudendo. E sendo assim, só posso dar este conselho: jornalista com caráter de puta que nem você tem mesmo é que tomar no cu.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

NOTAS INÉDITAS SOBRE COPYRIGHT E COPYLEFT




# agência pirata #

Copyright x Copyleft

txt: Wu Ming
trdç: Reuben da Cunha Rocha


1. Os dois lados do falso dilema

Começando pelo fim: o copyleft surge da necessidade de unir duas demandas básicas; podemos dizer duas condições indispensáveis à convivência civil. Se deixássemos de lutar por essas duas necessidades, deixaríamos de sonhar com um mundo melhor.

Não há dúvida de que a cultura e o conhecimento devem circular o mais livremente possível, e de que o acesso às idéias deve ser direto, equânime e livre de discriminações de classe, censura ou nacionalidade. Obras intelectuais não são apenas produtos do intelecto, é preciso que elas também produzam intelecto, disseminem conceitos e idéias, fertilizem mentes de modo que novas formas de pensar e imaginar sejam passadas adiante. Esta é a primeira necessidade. A segunda é que o trabalho seja remunerado, o que inclui o esforço de artistas e narradores. Quem quer que produza arte ou narrativas tem o direito de sobreviver do seu trabalho, de modo não ofensivo à sua própria dignidade. Obviamente, esta é só a melhor das hipóteses.

É conservador acreditar que tais necessidades sejam como dois lados irreconciliáveis de um dilema. “Não dá pra fazer as duas coisas”, dizem os defensores do copyright como se fosse óbvio. Para eles, copiar livremente significa apenas ‘pirataria’, ‘roubo’, ‘plágio’ – e esqueça a remuneração do autor. Se o trabalho circula gratuitamente, menos cópias são vendidas e menos dinheiro ganha o autor. Um silogismo bizarro quando visto de perto. A lógica deveria ser outra: se o trabalho circula gratuitamente, as pessoas gostam e o divulgam, a reputação do autor se beneficia disso e sua influência na indústria cultural (e não apenas nela) cresce. É um ciclo de benefícios. Um autor respeitado é constantemente convidado a fazer apresentações (despesas reembolsadas) e conferências (pagas); ele é entrevistado pela mídia (sendo promovido); cargos acadêmicos (remunerados) são oferecidos; assessorias (remuneradas), cursos de escrita criativa (remunerados); ao autor se torna possível negociar condições mais vantajosas com editores. Como estas coisas poderiam prejudicar a venda de livros?

Vamos falar de música. Ela circula gratuitamente, ela chama a atenção das pessoas; quem quer que a tenha feito passa a ser conhecido, e se o autor souber explorar isto passa então a ter a oportunidade de se apresentar (remunerado) com maior frequência e em mais lugares, conhece mais pessoas e consequentemente tem mais apoio, se ‘construir um nome’ passará a ser convidado para compor trilhas sonoras (remuneradas), fazer festas como DJ (remunerado), trabalhos de design sonoro para eventos – pode até acabar dirigindo festivais (remunerados) etc. Se pensarmos nos artistas pop, podemos incluir o que se ganha com camisetas, vendas on-line etc.

Assim se resolve o ‘dilema’: as necessidades dos consumidores são respeitadas (eles têm acesso à obra), como o são as dos artistas (beneficiados artística e financeiramente) e as da indústria (editores, produtores etc.). O que aconteceu? Por que o velho raciocínio é tão facilmente desmascarado por estes exemplos? Por não levar em consideração a complexidade e a riqueza das redes, das trocas, do incessante boca a boca de um meio para outro, as oportunidades de diversificar a oferta, o fato de que o ‘retorno econômico’ do autor possui diversos níveis, inclusive alguns (aparentemente) tortuosos.

É graças a uma inabilidade para compreender tal complexidade que o setor cultural (especialmente a indústria da música) perdeu anos e anos de inovações. Novas oportunidades que foram encaradas como ameaças ao invés de desafios, e reações histéricas que foram dirigidas ao Napster e a tudo o que se seguiu. Isto começou a mudar quando Steve Jobs mostrou que era possível, mas nesse meio tempo uma guerra foi travada contra exércitos de clientes em potencial, cuja confiança foi perdida para sempre.

Anti-marketing.


Qual a última coisa que alguém que faz e vende música deveria fazer? Certamente criminalizar o público, processando quem os ama. Valeu a pena? Em nossa opinião, não. ‘Direitos do autor’ (cuidado para não levar esta frase semifraudulenta a sério) tais como os conhecemos são um grande freio para o mercado.

Por outro lado, o copyleft (que não é um movimento ou ideologia, mas um termo que abriga uma série de práticas, cenários e licenças comerciais) encarna o que se precisa para reformar e adaptar as leis autorais ao ‘desenvolvimento sustentável’. A ‘pirataria’ é endêmica, inevitável, uma maré que sobe empurrada pelo vento da inovação tecnológica. Obviamente, os poderosos da indústria do entretenimento podem continuar fingindo que nada está acontecendo, como a Casa Branca negando o Greenhouse Effect, o aquecimento global e as mudanças climáticas. Nos dois casos, os que negarem a realidade só podem ser varridos para longe. Se você está determinado a não ratificar o Protocolo de Kyoto, determinado a não investir na renovação das fontes de energia, determinado a não resolver os problemas ambientais, cedo ou tarde um furacão Katrina vai bater à sua porta.





2. Censura e o nascimento do copyright: contra o liberal “mito das origens”


Agora, de volta ao início. Vamos listar os muito conhecidos e normalmente mencionados fatos. A história do copyright começa na Inglaterra do século 16. A difusão da imprensa, a possibilidade de distribuir muitas cópias do mesmo texto é excitante para quem quer que tenha algo a dizer, especialmente algo político. Há uma explosão de jornais e panfletos. A Coroa teme a difusão de idéias subversivas e passa a exercer controle sobre o que se imprime.

Em 1556 surge a Stationers’ Company ["Companhia dos Editores"], um grupo de profissionais que passa a deter com exclusividade o direito de copiar. A companhia possui o monopólio das tecnologias de impressão. Alguém que queira imprimir algo passa necessariamente por ela. Diferente do que ocorria até então, quando qualquer um podia imprimir para si cópias de livros ou peças sem que os autores se importassem, já que eles não detinham os direitos (eles não existiam). Importante era que as obras circulassem e sua fama crescesse, já que assim os autores chamariam a atenção de possíveis protetores (mecenas, corporações culturais etc.). A partir desse ponto só se imprimem obras que possuam autorização (na prática, o selo do censor do estado) e que estejam listadas no registro oficial – note o detalhe! – em nome de um editor. O editor se torna o dono da obra, com a conivência do estado.

A mitologia ‘liberal’ do copyright como um direito natural, nascido espontaneamente com o desenvolvimento e o dinamismo do mercado é…puro conto de fadas! As origens remotas do copyright se encontram na censura preventiva e na necessidade de restringir o acesso aos meios de produção cultural (restringir, portanto, a circulação de idéias). Um século e meio depois e a Coroa sofre ataques nunca vistos: a rebelião escocesa de 1638, a “Grande Representação” parlamentar de 1641, a deflagração da Guerra Civil um ano depois, a revolução de Cromwell e a decapitação do rei. No fim da década de 1650 o país retorna à monarquia, mas a situação permanece instável e finalmente o parlamento impõe à Coroa uma declaração de direitos. A partir disso a monarquia inglesa se torna constitucional.

É preciso listar tais eventos para que se entenda como as coisas dentro da monarquia sofreram mudanças ao longo de um século e meio, e como isto afetou o que se pensava sobre a censura preventiva e os próprios editores. Um grande ressentimento passou a ser direcionado a este grupo, tanto que afinal se decidiu pelo fim do monopólio de impressão.

Os editores são atingidos onde mais dói – o bolso – e reagem de acordo. Eles iniciam uma campanha para assegurar que a nova lei reconheça a legitimidade dos seus interesses e trabalhe em seu favor. Seu argumento é: o copyright pertence ao autor; o autor, no entanto, não possui máquinas de impressão; as máquinas pertencem aos editores; assim o autor necessita do editor. Como regular essa necessidade? Simples: o autor, interessado em que a obra seja publicada, cede os direitos ao editor por um determinado período. Na raiz, a situação permanece mais ou menos a mesma. Só muda a justificativa legal. A justificativa ideológica não se baseia mais em censura, mas na necessidade do mercado. Todos os mitos que daí derivam acerca dos direitos do autor se baseiam no lobby dos editores: autores são forçados a cederem seus direitos…mas isso é pro seu próprio bem. As consequências psicológicas são devastadoras, uma variação da ‘Síndrome de Estocolmo’ (quando o sequestrado se apaixona pelo sequestrador). De agora em diante, autores se mobilizarão em defesa de um status quo que consiste neles próprios esperarem ao pé da mesa pelas migalhas e por um tapinha na cabeça. Pá, pá! Au!

A lei é o famoso Estatuto de Anne, que passa a ter efeito a partir de 1710. Ela antecede todas as leis e acordos internacionais sobre copyright, desde a Convenção de Berna em 1971 até o Digital Millennium Copyright Act e o Decreto Urbani. É a primeira definição legal de copyright tal qual ainda o conhecemos hoje, ou o conhecíamos ontem. Porque hoje mesmo algumas pessoas começaram a ter dúvidas. Dúvidas que nascem do fato de que copiar algo está ao alcance de muito mais pessoas agora, talvez de todos. Um bom punhado de nós tem em casa aquela tecnologia que os editores um dia monopolizaram. Para copiar uma obra não é mais necessário dirigir-se a uma companhia profissional. O espólio dos editores tem sido minado pela revolução micro-eletrônica iniciada nos anos 70 com o advento da tecnologia digital, a ‘democratização’ do acesso à computação. Primeiro a fotocópia e a fita K7, depois o VHS e o sampler, então a gravadora de CD e o P2P, e finalmente os dispositivos de memória portáteis como o iPod…como alguém pode acreditar que a justificativa ideológica do copyright – aquela que inspirou o Estatuto de Anne – ainda é válida?

Está claro que as coisas precisam ser revistas; este processo mudou todo o modo de produção da indústria cultural! Novas definições dos direitos de quem cria, produz e distribui são necessárias. Se uma ‘obra intelectual’ pode chegar ao público sem a mediação de um editor, de uma gravadora, da televisão ou de um produtor, então estas pessoas precisam se perguntar o que fazer agora, chegar a uma solução, redefinir o papel social do seu trabalho. Lutar para manter um monopólio que não se sustenta mais com ameaças de prisão acaba levando a um beco sem saída. É como se comporta o Antigo Regime, é a autocracia czarista. Felizmente, algumas pessoas começaram a perceber isso.




3. Google Print e similares: a web, o gratuito e o ato de reconstruir


Numa biblioteca você tem acesso gratuito a um livro e numa livraria você o compra, mas não há conflito entre as duas opções: os países onde se vendem mais livros são também aqueles com mais pessoas nas bibliotecas. É natural: quanto mais um livro circula, mais ele é lido, maior seu impacto na literatura.

A palavra-chave é ‘biblioteca’. Ela representa uma longa história de liberdade de acesso, posta em questão apenas muito recentemente (uma batalha ainda em curso). Tanto faz falar em bibliotecas feitas de tijolos ou bits, são igualmente bibliotecas. Se, ao contrário, o download for pago, estamos falando de livrarias, simples assim. Dito isto: Seth Godin, um dos maiores pensadores do mercado, diz que se x pessoas compram um e-book, o mesmo livro disponível gratuitamente será baixado por quarenta vezes x pessoas. Inverter a equação pode ser muito útil: a cada quarenta pessoas que baixam um livro de graça há uma que o irá comprar. A soma destes ‘um a cada quarenta’ leitores é garantida. São eles que compram o livro primeiro, e que primeiro falam dele. Eles são as conexões, os ‘evangelistas’, as ‘matracas’. Cada passo deve ser dado com estas pessoas em mente. Esta é a tática de Godin: novas obras (eletrônicas ou de papel) são postas à venda. Mas antes de divulgar o release de uma nova obra, ele disponibiliza a obra anterior para download. É uma estratégia de lançamento formidável.

O download gratuito de um texto e sua visibilidade nas ferramentas de busca têm um fim comum, e confluem para o mesmo objetivo: restituir o acesso on-line de produtos culturais ao público, o que pode encorajar a venda de livros.

Editoras que se opõe ao Google Print são como aqueles estúdios de cinema que, vinte anos atrás, denunciaram os fabricantes de videocassetes e fitas K7 alegando que a cópia doméstica violava o copyright. O famoso caso “Universal x Betamax”. A Universal acabou perdendo na Suprema Corte norte-americana…para sorte dela. Nos anos seguintes, a indústria cinematográfica creditou seu lucro não às salas de cinema, mas ao home video. Sobreviveu a crises graças ao VHS primeiro, e depois ao DVD. A Universal teria fechado caso houvesse ganho aquele processo. Ela perdeu, e terminou salva.

Poderíamos mencionar também a batalha absurda das gravadoras contra a introdução das fitas K7 nos anos 70, um prelúdio da guerra contra o download, travada apesar do fato de que (como mostra o iTunes) a verdadeira questão é oferecer ao público um modo legal de acesso à fonte.

A presente batalha custeada pelas editoras é ela também uma missão suicida contra inovações potencialmente vantajosas. Para o seu próprio bem, elas devem perder. Caso ganhem, as editoras terão encontrado um péssimo jeito de entrar para a história.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

LICENÇAS LIVRES parte 2

# noéspecial #
Licenças Livres e a multiplicação do conhecimento

txt: Tiago Jucá Oliveira

Capítulo 3 – Todos Direitos Invertidos (copyleft)



Desobedientes

“Deve o cidadão, sequer por um momento, ou minimamente, renunciar à sua consciência em favor do legislador? Então por que todo homem tem uma consciência?”, pergunta Henry Thoreau. O próprio escritor responde: “penso que devemos ser homens, em primeiro lugar, e depois súditos. Não é desejável cultivar pela lei o mesmo respeito que cultivamos pelo direito. A única obrigação que tenho o direito de assumir é a de fazer a qualquer tempo aquilo que considero direito”. A essa desobediência ele justifica ao inverter a lógica da legislação: “a lei jamais tornou os homens mais justos, e, por meio de seu respeito por ela, mesmo os mais bem−intencionados transformam−se diariamente em agentes da injustiça”.

Hoje em dia é difícil encontrar quem nunca transgrediu alguma lei de direitos autorais. Jean-Jacques Rousseau, escritor suíço do século XVIII, sabia que “quando o vínculo social começa a afrouxar e o Estado a enfraquecer, quando os interesses particulares principiam a fazer-se sentir e as pequenas sociedades a influir sobre a grande, o interesse comum se altera e encontra opositores”. Esse interesse comum dos tempos modernos é responsável pela difusão e recombinação do conhecimento de uma maneira jamais vista. Se antes dos direitos autorais tínhamos uma cultura oral e livre, no entanto reproduzida somente no boca a boca, agora temos diversas opções de interação entre autor, obra e público, A tecnologia tem oferecido ao homem diversas formas de produzir, copiar, transmitir, reproduzir e transformar obras culturais: máquinas de fotografar e filmar, fitas e vídeos cassete, CDs e DVDs regraváveis, samplers, programas de computador, internet, p2p, mp3, blogs, etc.

Uma barreira legislaiva impede isso, ou tenta impedir. Wu Ming 1 alerta que “a cada noite e a cada dia milhões de pessoas, sozinhas ou coletivamente, cercam/violam/rechaçam o copyright. Desviam-se com astúcia de qualquer obstáculo técnico ou legislativo. Surpreendem no contrapé as multinacionais do entretenimento erodindo seus (até agora) excessivos ganhos”. De acordo com Pablo Ortellado, “desde que obras e patentes passaram a ser registradas, os direitos sobre elas passaram a ser violados”. A desobediência civil, nesse caso, para Ortellado, “é uma violação pública das leis motivada por seu caráter ilegítimo. A desobediência civil se faz abertamente e ela não reconhece que a lei que está sendo infringida seja justa”.



Piratas

Nem todos desobedecem por opções ideológicas. Muitos marginalizam-se às leis por motivos econômicos. Utilizam-se de tecnologias para reproduzir obras com qualidade inferior à original e revender por um preço mais barato. Em países pobres e em desenvolvimento, a pirataria encontrou o meio para melhor se desenvolver. Local onde, apesar das leis serem tão obsoletas e repressoras quanto às do primeiro mundo, não há a mesma eficiência no combate ao crime. Uma chance informal de ganhar dinheiro, para os desclassificados do concorrido e cada vez mais gabaritado mercado de trabalho, somada à oferta do preço da versão pirata, para o consumidor de menor poder aquisitivo e sem recursos para comprar obras originais, que são vendidas a preços irreais para o contexto social desses países.

Luciano complementa o orçamento de casa através da venda de CDs piratas. Fatura mais de 300 reais pra ajudar no sustento do lar onde mora com a esposa. As ruas centrais das grandes cidades brasileiras estão tomadas por camelôs que vendem tudo que produtos piratas: CDs, DVDs, softwares e games. Por elas circulam pessoas como Luís, apaixonadas por música, porém sem os 30 reais necessários pra comprar os CDs originais de seus ídolos, como Marcelo D2 e O Rappa, muito menos pra ter um computador e uma banda larga e baixa-los de graça na internet.

Copiando e colando...

A grande maioria das pessoas não sabem que estão infringindo a lei. Como já foi dito, a indústria do entretenimento inventa brinquedos que nos marginaliza perante a legislação. Tipo a fita cassete, que alegrava as viagens de carro que Gustavo costumava fazer no verão rumo à praia junto com os amigos. Ele escolhia dentre seus CDs aqueles que considerava os melhores e, através de seu aparelho 3 em 1, gravava várias fitas virgens pra poder ouvir no toca-fita do automóvel. Atualmente temos outras formas de copiar música. Existem dezenas de programas de computador que ripam CDs e o transformam em arquivos de música em formato mp3. Vendido a um real em qualquer supermercado, o CD-R permite o usuário gravar em torno de 150 músicas.

Márcio é torcedor fanático do Grêmio. A cada vitória tricolor ou derrota do rival colorado, ele procura no site de um jornal gaúcho a foto do atacante comemorando o gol triunfal, salva-a no seu computador e a usa como imagem no seu perfil pessoal do Orkut. Fã número um de Zeca Pagodinho e Snoop Doggy Dogg, Antônio Carlos pesquisa videoclipes de ambos no You Tube, peneira os mais interessantes, copia as URLs e cola no seu blog pessoal.

Uma comunidade do Orkut tem mais de 250 mil membros. Os tópicos de assuntos giram em torno de nomes de artistas do Brasil e do mundo, e de suas respectivas discografias, obviamente sob a tutela dos direitos autorais. Você pede um disco, a comunidade viabiliza seu pedido. Lá se encontram obras completas de Gilberto Gil a Rolling Stones. Noutra comunidade, a desta revista, em proporções menores e com outros objetivos, os membros estão antenados e organizados em postar links para downloads de lançamentos nacionais e internacionais – nenhuma novidade fica de fora. Mais de 100 discos lançados ano passado, no Brasil, foram compartilhados entre seus membros, o que viabilizou ao público leitor um apurado olhar comparativo para escolher os melhores de 2008 do Prêmio Uirapuru.

...e transformando a canção

Nossa cultura recombinante teve uma boa pincelada com o movimento hip hop. No começo dos anos 80, o Sugar Hill Gang pega a base de “Good Times”, sucesso do Chic, e transforma em “Rapper’s Delight”. Foi um dos primeiros e importantes passos do rap, mas não impediu que o Chic tentasse instalar um processo por plágio. No Brasil, a dupla Thaíde & DJ Hum, aproveita a base de “Mr. Big Stuff”, de Jean Knight, e nos presenteia com “Sr. Tempo Bom”, uma adaptação da periferia paulistana e que ajudou a popularizar o gênero em todo o país.



Do Japão surge o fenômeno dos doujinshi, quadrinhos que imitam outros quadrinhos, mas como lembra Lawrence Lessig, “um doujinshi não é apenas uma cópia: o artista deve contribuir com a arte que ele copia, transformando-a de modo sutil ou significativo”. Esse tipo de mangá tem um enorme mercado consumidor, e o que era para ser concorrência aos originais, acaba por populariza-los também.

Um universo anônimo de pessoas está em constante processo de recombinação. Ane não tinha dinheiro pra comprar um presente pro dia das mães, mas tinha cabeça e um pequeno aparato tecnológico. Pegou o telefone celular e tirou uma fotografia de sua mãe; com um scanner, copiou a capa de um livro e passou pro computador. Com um editor de fotografias, juntou as imagens e fez parecer que sua mãe era a personagem principal. Na internet, achou uma poesia bacana, colou alguns versos num programador de arte e imprimiu juntamente com a capa.

A serpente

A briga travada pela indústria cultural em nome dos direitos autorais talvez não existisse caso ela não tivesse inventados suas tecnologias. Por ironia do destino, “as mesmas corporações que vendem samplers, fotocopiadoras, scanners e masterizadores”, segundo Wu Ming 1, “controlam a indústria global do entretenimento, e se descobrem prejudicadas pelo uso de tais instrumentos”.

O surgimento do videocassete trouxe reações espantosas. Criado pela Sony, o Betamax permitia gravar e armazenar filmes. A Universal e a Disney se posicionaram contra essa nova tecnologia, pois as pessoas deixariam de ir ao cinema. Em 1888, George Eastman inventou uma maneira mais barata de tirar fotografias, através de filmes flexíveis, com objetivo de expandir o número de fotógrafos. “Os tribunais foram questionados sobre se o fotógrafo”, segundo Lessig, “precisaria de permissão antes de capturar e revelar qualquer imagem que quisesse”.

Quando o Príncipe Modupe, na África Ocidental, conheceu a biblioteca de um padre, transcreve Marshal McLuhan, ele compreendeu “que as marcas sobre as páginas eram palavras na armadilha. Qualquer um podia decifrar os símbolos e soltar as palavras aprisionadas, falando-as. A tinta de impressão enjaulava os pensamentos; eles não podiam fugir”. Assim hoje vemos uma imensidão de obras culturais presas pelo copyright. Filmes já sem mercado comercial enferrujando com o tempo e que não podem ser digitalizados. Livros apodrecendo nas estantes de bibliotecas sem poderem ser copiados ou traduzidos. Discos fora de catálogo sem permissão de chegar aos ouvidos.

Lessig retoma os ditos de Thomas Jefferson: “aquele que recebe uma idéia minha aprende sobre ela tanto quanto eu, sem diminuir o que eu já sei; assim como quem acende seu lampião no meu recebe luz sem me deixar no escuro”. De acordo com Lessig, “extremistas nesse debate adoram dizer 'você não entraria em uma livraria e pegaria um livro da prateleira sem pagar; por que seria diferente com música on-line?'”. Um bom exemplo serve para contrapor a questão: “A diferença é que quando você rouba um livro a livraria tem uma cópia a menos para vender. Quando você baixa uma mp3 em uma rede de computadores não há um CD a menos à venda. A mecânica da pirataria do intangível é diferente da mecânica da pirataria do tangível”, ilustra Lessig.

Aqueles que não ainda sabiam que eram contraventores da lei, esperamos que agora saibam que fazem parte de um universal processo de livre difusão do conhecimento. Para Wu Ming 1, “a conseqüente reação em cadeia de paradoxos e episódios grotescos nos permite compreender que terminou para sempre uma fase da cultura, e que leis mais duras não serão suficientes para deter uma dinâmica social já iniciada e envolvente. O que está se modificando é a relação entre produção e consumo da cultura”. A serpente, segundo Wu Ming 1, “morde sua cauda e logo instiga os deputados para que legislem contra a autofagia”. Nos deram a vela, mas o copyright insiste em manter a humanidade no escuro.

* caso não tenha lido a parte 1 desta reportagem, não perca tempo: leia >>>AQUI<<<

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quarta-feira, 20 de maio de 2009

LICENÇAS LIVRES parte 1



# noéspecial #
Licenças livres e a multiplicação do conhecimento

txt: Tiago Jucá Oliveira


Estamos reproduzindo uma série especial sobre comércio justo. O tema Licenças livres e a multiplicação do conhecimento foi um dos 50 projetos aprovados e beneficiados pela Fundação Avina, através da Bolsa de Investigação Jornalística para o Desenvolvimento Sustentável na América Latina, e publicada na revista O DILÚVIO em uma série de três reportagens.

O assunto abordado envolve muita polêmica. Nunca foi tão fácil trocar arquivos na internet, remixar músicas e reproduzir trechos de livros, e, ao mesmo tempo, nunca tivemos uma legislação tão protecionista sobre os direitos autorais. Recentemente, em outubro do ano passado, a Federação Internacional da Indústria Fonográfica e a Associação Brasileira de Produtores de Discos anunciaram que vão processar judicialmente usuários brasileiros por baixarem músicas na internet. Enquanto isso, na África, milhões de pessoas morrem de AIDS porque, no preço dos remédios, está embutido a patente dos cientistas que inventaram medicamentos contra o vírus HIV. A propriedade intelectual de uma única pessoa, assim sendo, vale mais que milhões de vidas.

A primeira parte desta série especial procura resgatar a tradição oral e plagiadora de nossa sociedade, e traçar a linha evolutiva das leis de direitos autorais nos últimos 300 anos. Na seqüência, como os avanços tecnológicos puseram em cheque o objetivo inicial da legislação do copyright. E a parte final destaca as alternativas concretas de um comércio justo sob licenças jurídicas que protegem a riqueza cultural em tempos de fácil reprodução de obras de arte.

Quem nos conhece sabe que não estamos neutros na questão. Ao estudar tempos passados e localizar os meios atuais de difusão do conhecimento, poderemos apontar caminhos viáveis para um futuro onde a informação esteja ao alcance de todos, de forma sustentável e propulsora do maior bem coletivo da humanidade: o saber.


Capítulo 1 – Nenhum direito reservado (domínio público)

Instinto plagiador

O que seria desta revista não fosse o plágio? O nome – dilúvio - foi tirado da bíblia, e o slogan – não chove no molhado – copiamos de uma expressão popular. E como seria possível realizar esta reportagem sem se apropriar de idéias alheias como se fossem nossas? De que forma poderíamos nos expressar sem que houvesse, ao longo da evolução humana, o aprimoramento do conhecimento que a partir de agora passamos a abordar e defender? Tente imaginar Einstein sem que antes existisse toda bagagem da ciência química e da filosofia; ou Pitágoras, se não tivesse os números; ou Mozart, sem o piano e as notas musicais. Estes exemplos servem para ilustrar que ninguém inventa a partir do nada. A humanidade sempre se baseou no conhecimento adquirido pelos seus antepassados para a construção de novos saberes para seus descendentes.

Claro, há quem ignore e considere o plágio como uma prática inoportuna, conforme o grupo Critical Art Ensemble traz a tona: “o plágio tem sido há muito considerado um mal no mundo cultural. Tipicamente, tem sido visto como um roubo de linguagem, idéias e imagens executado pelos menos talentosos, frequentemente para o aumento da fortuna ou do prestígio pessoal”. Mas esse “mito”, segundo o coletivo defensor do plágio, é capaz de se inverter, pois “talvez as ações dos plagiadores, em determinadas condições sociais, sejam as que mais contribuem para o enriquecimento cultural. Antes do Iluminismo, o plágio tinha sua utilidade na disseminação das idéias. Um poeta inglês podia se apropriar de um soneto de Petrarca (poeta italiano), traduzi-lo e dizer que era seu. O verdadeiro valor dessa atividade estava mais na disseminação da obra para regiões onde de outra forma ela provavelmente não teria aparecido”.

Quem enriquece o pensamento acima é outro coletivo europeu, Wu Ming 1: “se houvesse existido a propriedade intelectual, a humanidade não haveria conhecido a epopéia de Gilgamesh, o Mahabharata e o Ramayana, a Ilíada e a Odisséia, o Popol Vuh, a Bíblia e o Corão, as lendas do Graal e do ciclo arturico, o Orlando Apaixonado e o Orlando Furioso, Gargantua e Pantagruel”, que, com base nessa afirmação, são “todos eles felizes produtos de um amplo processo de mistura e combinação, re-escritura e transformação, isto é, de ‘plágio’, unido a uma livre difusão e a exibições diretas”.

O jornalista André Azevedo da Fonseca destaca essa virtude humana: “nas sociedades ágrafas, um dos fatores que mais enriquecem os relatos populares é a diversidade das versões; ou seja, cada um que ouve um caso apropria-se da estrutura narrativa e acrescenta elementos de seu universo cultural ao conta-lo. De boca em boca, temperadas pelas sutilezas do cotidiano, as histórias adquirem novos sabores e acabam por reunir os ingredientes mais significativos do imaginário coletivo de uma época”. Conforme as palavras de Fonseca, “a antropologia ensina que o ser humano é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Somos herdeiros de um longo processo acumulativo, fundamentado no conhecimento adquirido por gerações de ancestrais”.

Revoluções

No entanto, não somente a arte, a cultura e a ciência evoluíram. Novas relações comerciais e processos industriais se fizeram necessárias no decorrer dos tempos. A partir daí nossa longa tradição oral e recombinante começa a perder espaço com o advento da Revolução Industrial e da Revolução Francesa. Uma é causa da criação da prensa de Gutenberg, enquanto que a outra traz a propriedade para a esfera do individualismo de seus ideais.

O direito intelectual é conseqüência do novo modo de produção literária pós-Gutenberg. A primeira lei a respeito do assunto, surgida na Inglaterra em 1710, vem com o objetivo de proteger os autores. A legislação inglesa daquele ano “dava ao criador o direito exclusivo sobre um livro por 14 anos e, se o autor ainda estivesse vivo quando o direito expirasse, poderia renovar o direito por mais 14 anos”, recorda Pablo Ortellado, doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo.

Wu Ming 1 lembra que “quando o copyright foi introduzido, não existia nenhuma possibilidade de 'cópia privada' ou de 'reprodução sem fins de lucro', porque só um editor concorrente tinha acesso às máquinas tipográficas. O copyright não era percebido como anti-social era a arma de um empresário contra um outro, não de um empresário contra o público”. Ou seja, o direito autoral era uma proteção para que terceiros não reproduzissem a obra para fins comerciais sem remunerar autores e editores.

Mesmo sob o argumento da proteção autoral, o copyright vem ao mundo com distorções. Ortellado nos lembra que “a distribuição de livros, discos e outros produtos sempre foi relativamente cara e havia muitos autores para poucas empresas interessadas em lança-los. Isso fez com que as empresas tivessem um poder muito grande de determinar as condições dos contratos e conseguissem assim uma grande participação nos dividendos advindos da exploração comercial da obra. Era evidente que se o objetivo era estimular o autor e não beneficiar as grandes empresas, não havia porque o monopólio de exploração comercial ser cedido à empresa. A melhor forma de beneficiar o autor teria sido ele manter para si o monopólio de exploração e ceder para diferentes empresas concorrentes o direito não exclusivo de publicação da obra. Assim, com a concorrência entre as empresas, a obra seria barateada e melhor difundida e os dividendos se concentrariam com os autores que poderiam disputar licenças de exploração mais vantajosas. Com o monopólio de exploração comercial oferecido pelos direitos autorais sendo cedido integralmente para as empresas, não eram mais os autores que se beneficiavam primariamente, mas as grandes empresas da indústria cultural”, conclui Pablo.


Capítulo 2 – Todos os direitos reservados (copyright)

A evolução das leis

Após o ano de 1710, data da pioneira lei de propriedade intelectual, sucessivas mudanças acontecem. Os americanos, em 1790, copiam a lei inglesa, e estabelecem os mesmos 14 anos de direito autoral renováveis por mais 14. Conforme algumas obras venciam seus prazos e caíam em domínio público, as editoras passaram a pressionar o congresso dos EUA para aumentar esses prazos. Em 1831 o copyright previa 28 anos de direitos autorais, podendo ser renovados por mais 14. Em 1909 há uma nova mudança, desta vez prorrogando a renovação por outros 28 anos. A partir de 1955 os períodos de abrangência dos direitos autorais e de patente começam a ser prolongados constantemente, até atingir, em 1998, através do Ato Sonny Bono de Extensão de Contrato de Copyright, os excessivos 95 anos de direito exclusivo sobre uma obra, mesmo sem que o autor a registre.

O caso foi apelidado como Mickey Mouse Protection Act, pois a Disney estava preocupada que o famigerado rato caísse em domínio público em 2003, assim como Pluto em 2005, Pateta em 2007 e Pato Donald em 2009. Walt Disney ficou conhecido por sua genialidade em fazer desenhos animados, porém poucos sabem que seu personagem mais famoso nasceu de uma paródia chamada Steamboat Bill, Jr., inspirado no filme Steamboat Willie, de Buster Keaton. Não somente Mickey é baseado em obra alheia. Outros tantos personagens de Disney são recriações em lendas e obras de domínio público: Robin Hood, Cinderela, Peter Pan, Pinóquio, Alice no País das Maravilhas, 101 Dálmatas, Branda de Neve, Dumbo, A Bela Adormecida, A Dama e o Vagabundo, entre outros. A conclusão é óbvia: teria sido Walt Disney o gênio que foi sem o domínio público?

Lawrence Lessig, advogado que em 1998 defendeu na Suprema Corte americana a não prorrogação dos direitos autorais, recorda que em 1928, “a cultura da qual Disney podia extrair livremente era relativamente recente. O domínio público em 1928 não era muito antigo e, portanto, era muito vibrante”. Nas estimativas de Lessig, “94% dos filmes, livros e música produzidos entre 1923 e 1946 não estão disponíveis comercialmente”. Uma ampla maioria de obras artísticas só não pode ser reproduzida, traduzida ou readaptada porque há alguma editora de plantão para processar quem a faça sem pedir autorização. Mesmo que os autores dessas obras sequer estejam vivos para impedir ou autorizar.

Legislação brasileira

A legislação brasileira sobre direitos autorais não poderia ser diferente da americana. A lei número 9.610/98, em seu artigo 28, confere ao autor “o direito exclusivo de usar, fruir e dispor da obra literária, artística e científica”. E o que seria essa exclusividade, pergunta Carlos Affonso Pereira de Souza, coordenador adjunto do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas/RJ e membro da Comissão de Direito Autoral e do Entretenimento da OAB/RJ. A resposta vem em seguida, no artigo 29: “depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: a reprodução, parcial ou integral; a edição; a adaptação, o arranjo musical e quaisquer transformações; a tradução; a inclusão em fonograma ou produção audiovisual, a distribuição; (...) além de quaisquer modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas”. Porém, “não constitui ofensa aos direitos autorais: a reprodução, em um só exemplar, de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro”, segundo o artigo 46, II, da mesma lei.

Com base nessa lei, não será considerado infração se uma pessoa gravar somente um pedaço de uma música, ou se você mesmo tirar um xérox de um trecho de um livro. Tente imaginar alguém ouvindo um CD-R com canções pela metade ou impedindo que outro faça uma fotocópia de um texto para você, pra evitar que se cometa o precioso crime de infração aos direitos autorais. Pois, mesmo parecendo ridículo ou hilário, é assim que nossa obsoleta legislação trata o assunto. “Proteger através da exclusão parece ter sido a marca dos direitos de propriedade erigidos originalmente no Direito Romano, e reforçados pelas concepções individualistas da Revolução Francesa”, define Carlos Affonso. Ao infringir a lei, nos tornamos criminosos em massa. Mas se todos obedecerem à mesma, isso pode representar um enorme entrave a criação e difusão da cultura e do conhecimento. Novas relações de um comércio justo de obras artísticas e científicas precisam ser pensadas e reformuladas, para que gerações futuras não fiquem às margens do processo criativo e assimilativo, do qual sempre fomos livres.

Referências bibliográficas usadas e transcritas nesta reportagem.

André Azevedo da Fonseca, Copyleft: a utopia da pane no sistema.

Carlos Affonso Pereira de Souza, Seminário Software Livre – novos rumos para a Cultura e Comunicação, realizado em 09 de novembro de 2005.


Critical Art Ensemble, Distúrbio Eletrônico. Coleção Baderna, Editora Conrad.

Lawrence Lessig, Cultura Livre: Como a grande mídia usa a tecnologia e a lei para bloquear a cultura e controlar a criatividade. Trama.


Pablo Ortellado, Por que somos contra a propriedade intelectual?


Wu Ming 1, Copyright e Maremoto.


Wu Ming 1, O Copyleft explicado às crianças.


>>> Licenças livres parte 2 <<<

terça-feira, 30 de outubro de 2007

COMÉRCIO JUSTO

Licenças Livres e a Multiplicação do Conhecimento (mix version)

txt: Tiago Jucá Oliveira
clb: Pedro Jatobá e Isaias Morto


O que seria desta revista não fosse o plágio? O nome - dilúvio - foi tirado da bíblia, e o slogan - não chove no molhado - copiamos de uma expressão popular. E como seria possível realizar esta reportagem sem se apropriar de idéias alheias como se fossem nossas? De que forma poderíamos nos expressar sem que houvesse, ao longo da evolução humana, o aprimoramento do conhecimento que a partir de agora passamos a abordar e defender? De acordo com o grupo Critical Art Ensemble, "o plágio tem sido há muito considerado um mal no mundo cultural, visto como um roubo de linguagem, idéias e imagens executado pelos menos talentosos. Talvez as ações dos plagiadores sejam as que mais contribuem para o enriquecimento cultural. Antes do Iluminismo, o plágio tinha sua utilidade na disseminação das idéias. Um poeta inglês podia se apropriar de um soneto de Petrarca, traduzi-lo e dizer que era seu".

Quem enriquece o pensamento acima é o escritor italiano Wu Ming 1: "se houvesse existido a propriedade intelectual, a humanidade não haveria conhecido a Ilíada e a Odisséia, a Bíblia e o Corão, todos eles felizes produtos de um amplo processo de mistura e combinação, re-escritura e transformação, isto é, de 'plágio', unido a uma livre difusão e a exibições diretas". O direito intelectual é conseqüência do novo modo de produção literária pós-Gutenberg. A primeira lei a respeito do assunto, surgida na Inglaterra em 1710, vem como o objetivo de proteger os autores. A legislação inglesa daquele ano dava ao criador o direito exclusivo sobre um livro por 14 anos e, se o autor ainda estivesse vivo quano o direito expirasse, poderia renovar o direito por mais 14 anos.

Após o ano de 1710, sucessivas mudanças acontecem. Os americanos, em 1790, copiam a lei inglesa, e estabelecem os mesmos 14 anos de direito autoral renováveis por mais 14. Conforme algumas obras venciam seus prazos e caíam em domínio público, as editoras passaram a pressionar o congresso dos EUA para aumentar esses prazos, até atingir, em 1998, através do Ato Sonny Bono de Extensão, os excessivos 95 anos de direito exclusivo sobre uma obra, mesmo sem que o autor a registre. O caso foi apelidado como Mickey Mouse Protection Act, pois a Disney estava preocupada que o famigerado rato caísse em domínio público em 2003. Mas, assim como o Mickey, outros tantos personagens de Disney são recriações de lendas e obras de domínio público: Robin Hood, Peter Pan, Pinóquio, etc.

"Deve o cidadão, sequer por um momento, renunciar à sua consciência em favor do legislador? Então por que todo homem tem uma consciência?", pergunta Henry Thoreau. Ele mesmo responde: "penso que devemos ser homens, em primeiro lugar, e depois súditos. A lei jamais tornou os homens mais justos, e, por meio de seu respeito por ela, mesmo os mais bem-intencionados transformam-se diariamente em agentes da injustiça". Hoje em dia é difícil encontrar quem nunca transgrediu alguma lei de direitos autorais. Todos responsáveis pela difusão e recombinação do conhecimento de uma maneira jamais vista. Se antes dos direitos autorais tínhamos uma cultura oral e livre, reproduzida no boca a boca, agora temos diversas opções de interação entre autor, obra e público. A tecnologia oferece variadas formas de produzir, copiar, colar, transmitir, reproduzir e transformar obras culturais. Mas uma barreira ligeslativa impede isso, ou tenta impedir. Wu Ming 1 alerta que "a cada dia milhês de pessoas violam o copyright". A desobediência civil, para Pablo Ortellado, "é uma violação pública das leis motivada por seu caráter ilegítimo e não reconhece que a lei que está sendo infringida seja justa".

Nem todos desobedecem por opção ideológica. Muitos marginalizam-se por motivos econômicos. Utilizam-se de tecnologias para reproduzir obras com qualidade inferior à original e revende-las por um preço mais barato. O paulistano Luciano complementa o orçamento da casa através da venda de CDs piratas. Fatura mais de 300 reais mensais pra ajudar no sustento do lar. As ruas centrais das grandes cidades brasileiras estão tomadas por camelôs, que vendem todo tipo de produto pirata. Por elas circulam pessoas como o paranaense Luís, porém sem os 30 reais necessários pra comprar os CDs originais de seus ídolos.

Nossa cultura recombinante teve uma boa pincelada com o movimento hip hop. No começo dos anos 80, o Sugar Hill Gang pega a base de "Good Times", sucesso do Chic, e transforma em "Rapper's Delight. Foi um dos primeiros e importantes passos do rap, mas não impediu que o Chic tentasse instalar um processo por plágio. A briga travada pela indústria cultural em nome dos direitos autorais talvez não existisse caso ela própria não tivesse inventado suas tecnologias. "As mesmas corporações que vendem samplers, fotocopiadoras, scanners e masterizadores se descobrem prejudicadas pelo uso de tais instrumentos".

Assim, hoje vemos uma imensidão de obras culturais presas pelo copyright. Filmes já sem mercado comercial decompondo-se com o tempo e que não podem ser digitalizados, livros raros apodrecendo que não são copiados ou traduzidos e discos fora de catálogo sem permissão de chegar aos ouvidos.

Com o avanço tecnológico e com as contradições das obsoletas leis autorais, muitos artistas optaram por disponibilizar suas obras com licença livre. O caso da banda recifense Mombojó é o mais curioso. Ela lançou seu primeiro CD - Nadadenovo - pra ser vendido, e ao mesmo tempo o deixou liberado para download no seu site. O CD vendeu em torno de 20 mil exemplares em todo Brasil. Shows nas maiores cidades do país, participações em festivais e eventos importantes e contrato com a gravadora Trama. De acordo com o guitarrista Marcelo Machado, colocar as músicas na internet "ajudou a aumentar as pessoas que vão aos shows e cantam as músicas. E quem gosta, compra o CD. Outro integrante do Mombojó, Marcelo Campello, também liberou seu disco de carreira solo, pois tem certeza de que o disco cairia na internet "independente da minha vontade, então prefiro canalizar essa energia pra minha página - dessa forma tenho acesso às estatísticas e estabeleço um contato mais direto com as pessoas".

Convidado para fazer a trilha sonora do filme Narradores de Javé, o sergipano DJ Dolores preferiu apenas compor e deixou para outros músicos a missão de remixar a trilha inteira. "Quando você permite que as pessoas mexam na sua música, isso dá possibilidade dela ser várias vezes multiplicada. Quem sabe alguém não faça algo melhor e aquilo estoure?", pergunta Dolores, que já fez turnês pela Europa, onde chegara livremente em formato mp3.

O jornalismo tem muito a progredir com as licenças livres. Faz surgir um elemento antes inviável aos pequenos meios de comunicação: cobertura à distância de fatos e eventos sem a necessecidade do correspondente. Cada meio torna-se uma potente sucursal de outros, e vice-versa. O seu blog pessoal pode cobrir o festival RecBeat, realizado todo ano no Recife, com vídeos do site Recife Rock e incrementa com podcast do site CircuitoPE.

Em todo país brotam experiências colaborativas. São múltiplas as possibilidades de ação. O fortalecimento do conhecimento compartilhado e economias solidárias são objetivos fundamentais, que vamos perseguir em busca do comércio justo entre as pessoas.

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Você pode:

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