# agência pirata #
Condenação dos responsáveis por site de troca de arquivos levanta a velha questão sobre a quem pertence a produção artística
txt: Leonardo Foletto
De 16 de fevereiro a 17 de abril deste ano, o mundo digital esteve como nunca atento ao que acontecia na longínqua Suécia, especialmente ao pequeno Tribunal Distrital de Estocolmo, capital do país. Essas duas datas marcaram o início e o fim de um dos julgamentos mais importantes dos últimos anos: governo sueco X Pirate Bay, conhecido site de troca de arquivos digitais e ícone do que se convencionou chamar de “pirataria digital”.
A ação julgada tratava da violação de 33 leis internacionais de direitos autorais por parte do Pirate Bay, que oferecia gratuitamente links para servidores que hospedavam diversos arquivos, especialmente produtos culturais como filmes e músicas.
O veredito final do caso, dado em 17 de abril de 2009, foi surpreendentemente duro com o Pirate Bay. Sob a alegação de que os fundadores e colaboradores do site – Hans Fredrik Neij, Gottfrid Svartholm Warg, Peter Sunde e Carl Lundström – “assistiam a disponibilização de conteúdo protegido por copyright”, a Justiça sueca condenou os quatro a um ano de cadeia. Foi exigido ainda o pagamento de 3,62 milhões de euros a diversos estúdios de Hollywood e gravadoras de música, representados, respectivamente, pela Motion Picture Association of America (MPAA) e International Federation of the Phonographic Industry (IFPI).
Em nota divulgada à época, a IFPI dizia que “o Pirate Bay, ao violar sistematicamente os direitos de autor, prejudica os artistas e produtores de arte”. Como é uma decisão em primeira instância, havia a possibilidade de recorrer. Enquanto o caso se desenrolava, outros processos parecidos ocorriam ao redor do mundo. Em setembro de 2008, o blog Som Barato, que disponibilizava para download gratuito centenas de discos raros de música brasileira, foi retirado do ar pelo Google, que alegou ter recebido diversas denúncias de abusos de violação de direitos autorais e terminou por apagar todo o conteúdo da página.
Não muito tempo depois, outros blogs de download de música – como o Um que Tenha e o Só Pedrada – receberam notificações da empresa estadunidense para apagar conteúdos específicos de seu acervo, ao mesmo tempo em que a brasileira Associação Antipirataria de Cinema e Música (APCM), de tanto insistir, conseguiu fechar a comunidade do Orkut Discografias, que oferecia um acervo gigantesco de discos e contava com mais de 700 mil integrantes.
Estes episódios são recorrentes na odisseia que as grandes empresas detentoras dos direitos autorais travam contra a livre circulação de informações na rede. E, pelo menos nos casos aqui citados, têm se mostrado inúteis: tanto o Som Barato quanto Um que Tenha e a comunidade do Orkut Discografias continuam existindo, com nomes ligeiramente diferentes e número de arquivos disponibilizados até maior do que antes.
Ofensivas agridem o público e o próprio artista
Embora o pano de fundo da batalha contra o download de produtos culturais sejam os lucros cada vez menores dos cartéis culturais, o argumento ideológico preferido de seus representantes é a defesa dos “direitos do autor” – mesmo que a produção cultural em si jamais tenha diminuído por causa da “pirataria”. O problema é que, ao contrário do que afirmam as companhias, as ofensivas agridem, além do público, o próprio artista – os dois lados da produção cultural.
Surgido na Inglaterra do século 16, quando a difusão da imprensa passou a possibilitar a cópia massiva de textos, o copyright sempre esteve associado a empresas, e não a criadores. Tão logo a cópia de textos passou a se difundir, o estado inglês criou, em 1556, a Stationers’ Company (Companhia dos Editores), um grupo de profissionais que passa a deter com exclusividade o direito de copiar. A partir daí, passariam a ser impressas apenas obras que tivessem autorização (ou seja, o selo do censor do Estado) e que estivessem listadas no registro oficial em nome de um editor.
O editor se torna o dono da obra, com a conivência do Estado. O copyright surge da censura preventiva e da necessidade de restringir o acesso aos meios de produção cultural. Desde sua concepção, portanto, o copyright submeteu a criação cultural aos interesses de empresas, ferindo o principal interesse do artista: alcançar o público. E uma cultura em que o público não tem acesso aos bens culturais é, no mínimo, antidemocrática. Só no momento em que surge a Internet, barateando os meios de produção e oferecendo tecnologias como o Peer-to-Peer e o MP3, que o acesso aos bens é facilitado.
A “pirataria” tem estado presente nas principais descobertas científicas e criações artísticas. Quando Thomas Edison inventou o fonógrafo, os músicos que ganhavam dinheiro acusaram-no de roubar seu trabalho. Segundo eles, a invenção iria acabar com os músicos e, consequentemente, com a música – algo parecido com o que ouvimos hoje de alguns artistas sobre o download de músicas. Mais tarde, o próprio Edison criou a tecnologia para exibir filmes e exigiu de quem quisesse usá-la o pagamento de uma taxa. Para escapar do pagamento, um grupo de cineastas saiu de Nova York, onde morava Edison, e foi para a costa Oeste americana, onde começou a produzir seus filmes sem pagar a tal taxa. Alguns destes, anos depois, criariam Hollywood, e o resto é história.
Mais perto de nós, o século 20 inteiro foi marcado por disputas desse tipo. Invenções hoje obsoletas, como o VHS e a fita K7, foram fartamente atacadas pela indústria, a mesma que hoje acusa o Pirate Bay e a livre troca de arquivos digitais. O que essas empresas não lembram é que, passado o período de acusações, elas próprias lucraram com aquelas invenções.
Democratização da cultura
O que todas essas tecnologias têm em comum é o fato de colocarem em prática um conceito central para qualquer sociedade que se preze: a democratização da cultura. Tanto do acesso do artista aos meios de produção (é cada vez mais barato gravar, ou publicar, por exemplo), quanto do público aos produtos – que podem ser shows gratuitos, livros baratos ou arquivos baixados da Internet. No último caso, embora a prática ainda seja comumente rotulada de “pirataria”, vários artistas já lançam suas obras assim. Para citar casos de sucesso, vale falar da banda Nine Inch Nails, que não apenas tem lançado seus últimos discos oficialmente em formato virtual como tem se mantido campeã de vendas, ou das brasileiras Mombojó (com dois discos disponíveis no site oficial) e Móveis Coloniais de Acaju, que lançou em março deste ano seu segundo disco, C MPL T E, pelo projeto Álbum Virtual, da gravadora Trama.
– A lei e a tecnologia estão sendo alteradas para dar aos detentores do copyright um nível de controle sobre nossa cultura que jamais tiveram antes – já escreveu o americano Lawrence Lessig, referência mundial na discussão e autor, dentre outros, do livro Cultura Livre.
E, ao contrário do que pregam as propagandas da indústria, Lessig afirma:
– Uma cultura livre não é uma cultura sem propriedades; não é uma cultura onde os artistas não são pagos. Ela é composta por regras de propriedade e contratos que são garantidos pelo estado.
Regulamentação é bom, mas não é por isso que mais regulamentação será melhor – neste caso, pode-se correr o risco de que regras excessivas engessem a inovação e a criatividade. Há gêneros musicais inteiros, como o hip hop e o dub, que não existiriam sem o sampler – uma das formas mais criativas de “pirataria”. E várias obras e artistas jamais teriam sido descobertos se não fosse pela livre circulação de arquivos na Internet. As grandes empresas estão comprovadamente lucrando menos, mas não é difícil perceber que a sociedade está lucrando cada vez mais.
#CADÊ MEU CHINELO?
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terça-feira, 8 de setembro de 2009
quarta-feira, 17 de junho de 2009
LAWRENCE LESSIG FALA DE REMIX

# agência pirata #
O mundo é um remix
txt: Edson Andrade de Alencar
O remix e o plágio criativo são duas pedras no sapato do espírito de regulamentação jurídica do novo panorama tecnológico de produção cultural. O debate sobre os efeitos econômicos de uma cultura livre, como Reuben bem apontou, tem suplantado o debate sobre produção e criatividade pelo simples fato de se concentrar exaustivamente no âmbito da distribuição de obras intelectuais. Todos estão discutindo “como faremos para distribuir os mesmos filmes milionários de sempre da forma mais proveitosa para todos” e esquecem da proteção a novas formas criativas.
O plágio criativo e o remix são modalidades criativas que crescem em efetividade à medida que nós, seres humanos copiadores por natureza, percebemos que não há mais nada pra ser “inventado”. É muito difícil ver algo puramente novo por aí, principalmente quando ganhamos a ciência de que tudo aquilo que sempre consideramos original na verdade é uma colagem de influências e idéias retransmitidas. O remix, por exemplo, já é amplamente aceito por vários artistas e muitos destes já o encorajam abertamente. É o que faz a banda Nine Inch Nails ao disponibilizar seu álbum The Slip em versões de alta qualidade (próprias para remixagem) com as seguintes palavras: we encourage you to remix it/share it with your friends, post it on your blog, play it on your podcast, give it to strangers, etc (tradução: nós o encorajamos a remixar este álbum/compartilhá-lo com seus amigos, postá-lo no seu blog, tocá-lo no seu podcast, dá-lo a estranhos, etc).
Mas, como eu dizia, o Direito ainda tem um longo caminho pela frente. É difícil permitir brechas na exclusividade de autoria para fomentar a criatividade alheia quando o ciúme e o orgulho ainda são marcas registradas da figura do autor. Não estou escrevendo esse post com intuito de propor qualquer solução para o tema, mas gostaria de deixar umas poucas palavras de um dos maiores doutrinadores (senão o maior) da cultura livre em um âmbito acadêmico. Lawrence Lessig, professor da Faculdade de Direito de Stanford, fala de maneira simples e bem direta da importância das novas ferramentas criativas, sem juridiquês, no pequeno vídeo que você pode ver clicando aqui.
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