1º - EEK_FANTASIA DE EQUILIBRISTA
2º - COISA LINDA SOUND SYSTEM_ROCHEDO DE PENEDO
3º - ZECA BALEIRO_CONCERTO
4º - MARCELO JENECI_FEITO PRA ACABAR
4º - TULIPA RUIZ_EFÊMERA
6º - MAQUINADO_MUNDIALMENTE ANÔNIMO
7º - KARINA BUHR_EU MENTI PRA VOCÊ
7º - MY MIDI VALENTINE_MY MIDI VALENTINE
9º - ALMAZ_SEU JORGE AND ALMAZ
10º - MOMBOJÓ_AMIGOS DO TEMPO
10º - ROBERTA SÁ & TRIO MADEIRA BRASIL_QUANDO O CANTO É REZA
12º - PATO FU_MÚSICA DE BRINQUEDO
13º - CABRUERA_VISAGEM
13º - FINO COLETIVO_COPACABANA
15º - ANDRÉ ABUJAMRA_MAFARO
15º - RODRIGO MARANHÃO_PASSAGEIRO
15º - WILSON DAS NEVES_PRA GENTE FAZER MAIS UM SAMBA
18º - VANESSA DA MATA_BICICLETAS, BOLOS E OUTRAS ALEGRIAS
19º - GUIZADO_CALAVERA
19º - LUISA MAITA_LERO-LERO
21º - APANHADOR SÓ_APANHADOR SÓ
21º - MARKU RIBAS_4 LOAS
21º - MILTON NASCIMENTO_... E A GENTE SONHANDO
24º - E.M.I.C.I.D.A._EMICÍDIO
25º - SÍLVIA MACHETE_EXTRAVAGANZA
#CADÊ MEU CHINELO?
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
domingo, 27 de fevereiro de 2011
[massa crítica] A HISTÓRIA DE UM SOBREVIVENTE
::txt::Luciano Viegas::
“Carro é sinônimo de status”, diz o antropólogo Roberto Da Matta.
A massa crítica é um evento mundial, que tem em comum, em todos os lugares, o objetivo de propor a bicicleta como um MEIO DE TRANSPORTE urbano viável.
É um evento que surge num momento histórico em que já existe um consenso de que o transporte individual, o carro, é insustentável, e nos guia em direção a um SUFOCAMENTO dentro das grandes cidades – e não estou nem falando da fumaça.
Mas calma aí, é um consenso pra quem? é preciso botar o dedo na cara dos verdadeiros culpados.
A grande mídia mundial faz desde sempre o jogo duplo da “imparcialidade”. ao mesmo tempo em que aponta os “danos da poluição, e blá blá blá”, é ESCRAVA DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA.
São as grandes marcas de automóveis que sustentam o “jornalismo dominante”, colocando montantes absurdos de dinheiro dentro dessas empresas. Elas estampam diariamente em seus jornais, ou mostram em seus intervalos comerciais, o carro “mais em conta” pro consumidor.
Então vamos dar nome aos bois:
RBS e RECORD (desculpe se eu esqueci de alguém, hehe), as duas grandes indústrias de notícias que apareceram ontem, imediatamente após o atropelamento de dezenas de pessoas, na José do Patrocínio.
A mídia é CÚMPLICE das feridas das 11 vítimas que precisaram ir ao hospital após serem arremessadas pra cima daquele golf preto.
E ainda têm coragem de dizer que foi um “acidente”? entendo “acidente” como algo que acontece por acaso.
Quem viu com os próprios olhos sabe que foi uma TENTATIVA DE CHACINA por parte de um indivíduo que representa a personificação da mentalidade dessa nossa sociedade do automóvel. Uma linha de pensamento que nivela as pessoas por quem tem mais dinheiro, se veste melhor e tem o carro do ano – crias da mesma mídia.
Não quero me passar por teórico da escola de frankfurt: a imprensa não é um fator único na construção desse pensamento hegemônico, mas alimenta a desigualdade sócio-econômica no imaginário dos seus consumidores – sim, porque o jornalismo é só mais um produto nessa liberdade pra escolher a cor da embalagem.
Logo após o crime, chegou a polícia. Antes mesmo do socorro ser prestado às vítimas, quatro robôs enfileirados empunhavam seus fuzis para a “proteção” dos envolvidos. Pois bem: O ESTADO TAMBÉM É CÚMPLICE do politraumatismo sofrido por um dos atropelados.
E parece que para o deslocamento da lendária “delegacia móvel” (que não apareceu), é necessário estar “morto e estaquiado no chão”, palavra de um deles. É preciso que alguém MORRA para que mudanças aconteçam – e olhe lá.
Nossos REPRESENTANTES no poder nunca priorizaram o planejamento urbano com a devida atenção que essa causa merece. Essa tentativa de assassinato é só o estopim de longos anos de políticas públicas voltadas em benefício dos automóveis, em detrimento dos trens, das bicicletas, das pessoas.
Essas fábricas se alastraram pelo mundo com total apoio dos governos locais, através dos seus incentivos fiscais (oi, Juscelino Kubitschek), do estímulo à compra para superar a crise financeira (e aí, Lulinha paz e amor). Tudo isso, é claro, desvinculado de qualquer preocupação educacional, como é de praxe no Brasil desde os tempos mais remotos.
As mesmas pessoas que em 2005 votaram “não” para o referendo que previa o desarmamento, sabem que não é necessário ter uma pistola e munição pra acabar com a vida de uma multidão de pessoas. Basta um golf preto.
Carro: a arma mais popular e acessível do século. E dá pra parcelar em até 96 vezes.
mais informações podem ser encontradas no site da Massa Crítica.
“Carro é sinônimo de status”, diz o antropólogo Roberto Da Matta.
A massa crítica é um evento mundial, que tem em comum, em todos os lugares, o objetivo de propor a bicicleta como um MEIO DE TRANSPORTE urbano viável.
É um evento que surge num momento histórico em que já existe um consenso de que o transporte individual, o carro, é insustentável, e nos guia em direção a um SUFOCAMENTO dentro das grandes cidades – e não estou nem falando da fumaça.
Mas calma aí, é um consenso pra quem? é preciso botar o dedo na cara dos verdadeiros culpados.
A grande mídia mundial faz desde sempre o jogo duplo da “imparcialidade”. ao mesmo tempo em que aponta os “danos da poluição, e blá blá blá”, é ESCRAVA DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA.
São as grandes marcas de automóveis que sustentam o “jornalismo dominante”, colocando montantes absurdos de dinheiro dentro dessas empresas. Elas estampam diariamente em seus jornais, ou mostram em seus intervalos comerciais, o carro “mais em conta” pro consumidor.
Então vamos dar nome aos bois:
RBS e RECORD (desculpe se eu esqueci de alguém, hehe), as duas grandes indústrias de notícias que apareceram ontem, imediatamente após o atropelamento de dezenas de pessoas, na José do Patrocínio.
A mídia é CÚMPLICE das feridas das 11 vítimas que precisaram ir ao hospital após serem arremessadas pra cima daquele golf preto.
E ainda têm coragem de dizer que foi um “acidente”? entendo “acidente” como algo que acontece por acaso.
Quem viu com os próprios olhos sabe que foi uma TENTATIVA DE CHACINA por parte de um indivíduo que representa a personificação da mentalidade dessa nossa sociedade do automóvel. Uma linha de pensamento que nivela as pessoas por quem tem mais dinheiro, se veste melhor e tem o carro do ano – crias da mesma mídia.
Não quero me passar por teórico da escola de frankfurt: a imprensa não é um fator único na construção desse pensamento hegemônico, mas alimenta a desigualdade sócio-econômica no imaginário dos seus consumidores – sim, porque o jornalismo é só mais um produto nessa liberdade pra escolher a cor da embalagem.
Logo após o crime, chegou a polícia. Antes mesmo do socorro ser prestado às vítimas, quatro robôs enfileirados empunhavam seus fuzis para a “proteção” dos envolvidos. Pois bem: O ESTADO TAMBÉM É CÚMPLICE do politraumatismo sofrido por um dos atropelados.
E parece que para o deslocamento da lendária “delegacia móvel” (que não apareceu), é necessário estar “morto e estaquiado no chão”, palavra de um deles. É preciso que alguém MORRA para que mudanças aconteçam – e olhe lá.
Nossos REPRESENTANTES no poder nunca priorizaram o planejamento urbano com a devida atenção que essa causa merece. Essa tentativa de assassinato é só o estopim de longos anos de políticas públicas voltadas em benefício dos automóveis, em detrimento dos trens, das bicicletas, das pessoas.
Essas fábricas se alastraram pelo mundo com total apoio dos governos locais, através dos seus incentivos fiscais (oi, Juscelino Kubitschek), do estímulo à compra para superar a crise financeira (e aí, Lulinha paz e amor). Tudo isso, é claro, desvinculado de qualquer preocupação educacional, como é de praxe no Brasil desde os tempos mais remotos.
As mesmas pessoas que em 2005 votaram “não” para o referendo que previa o desarmamento, sabem que não é necessário ter uma pistola e munição pra acabar com a vida de uma multidão de pessoas. Basta um golf preto.
Carro: a arma mais popular e acessível do século. E dá pra parcelar em até 96 vezes.
mais informações podem ser encontradas no site da Massa Crítica.
sábado, 26 de fevereiro de 2011
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
[over12] JORNALISMO É SABOTAGEM
::txt::Arlei Arnt::
Um acontecimento recente envolvendo um blog alternativo e uma poderosa rede de comunicação alimenta uma discussão cada vez mais atual e importante. O tal blog utilizou uma foto publicada pelo portal da rede e dias depois teve que retirar a foto, a pedido da rede, sob a chantagem de um processo judicial caso a foto não fosse retirada.
Não posso concordar com tamanho abuso de poder. Mas essa não é a questão principal que pretendo abordar. Vejamos, leitor: um jornal publica determinada foto. Se por um lado gasta dinheiro (muito pouco) pra pagar o fotógrafo, por outro lado lucra com a venda do jornal em bancas, assinaturas e anunciantes. Ou seja, já houve o ressarcimento financeiro de eventuais despesas, e com certeza teve (muito lucro) com a circulação do jornal.
Porém, há porém, a questão financeira também não é o que mais assombra nesse tipo de caso. Se tal foto transmite a ideia de uma notícia, e se a notícia sempre é, ou deveria ser, um bem público, por que impedir a livre circulação dessa informação? Dando o devido crédito à fonte, que mal tem?
Infelizmente não é assim que os grandes meios de comunicação pensam. Pelo menos quando o conteúdo é produzido por eles, pois o inverso já é prática constante. É cada dia mais comum jornais, revistas, emissoras de televisão e rádio e grandes portais na internet utilizarem conteúdo produzido pelos leitores, ouvintes e telespectadores, que nada recebem em troca. Talvez seus nomes nem sejam mencionados, em alguns casos.
Vivemos num mundo cada vez mais globalizado, altamente conectado, com uma rapidez jamais vista em trocar conteúdos online. Mesmo com todo esse dinamismo tecnológico, parece que sempre haverá barreiras no caminho para impedir que a informa circule. Lembram do caso do blog da Petrobrás, que foi atacado por jornais por publicar as respostas para perguntas feitas pelos mesmos? Pois é, a mentalidade retrógrada segue em voga.
Meu recado final ao editor do blog e pros seus leitores: é interessante repetir o feito. E de preferência, sem creditar o autor da foto. Jornalismo é sabotagem!
*Domínio Público. Nenhum direito reservado.
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
[cc] OS NACIONALISTAS DA CULTURA
::txt::Pablo Ortellado::
A ascensão de Ana de Holanda para o Ministério da Cultura com a promessa de reavaliar a revisão da lei de direitos autorais “em defesa dos autores” gerou um acirrado debate que tem animado as páginas dos cadernos de cultura. No debate, tem aparecido com orquestrada frequência uma curiosa tese: os críticos da nova política do ministério são ingênuos manipulados pelas grandes empresas de Internet que querem se apropriar da cultura brasileira sem pagar pelo conteúdo. A revisão da lei de direitos autorais ampliando exceções e limitações, a supervisão estatal das sociedades de gestão coletiva (como o ECAD) e o estímulo ao licenciamento livre (por meio de licenças como as Creative Commons) causariam apenas prejuízo aos autores brasileiros. As grandes corporações do mundo digital, ao contrário, seriam as grandes beneficiadas, já que explorariam o acesso livre a esses conteúdos por meio de publicidade. Contra essas políticas inovadoras, seria preciso manter as regras e políticas de direito autoral atualmente em vigor que protegem razoavelmente bem os autores e são uma plataforma adequada para a projeção internacional da cultura brasileira.
A linguagem anti-imperialista surpreende, vindo de onde vem. Os defensores da tese são os sócios locais da indústria cultural internacional, sobretudo do setor fonográfico – empresas nada nacionais como a Warner, a Sony, a EMI e a Universal. Obviamente, a acusação é apenas um jogo retórico, mas como tem encontrado algum eco, não seria despropositado relembrar alguns fatos básicos.
No mercado de música brasileiro, os autores são brasileiros, mas as empresas são estrangeiras. O discurso pseudo-nacionalista só pode funcionar porque o Brasil tem uma situação ímpar: é o único país, fora os Estados Unidos, onde o consumo de música nacional é superior ao de música estrangeira. No entanto, essa música nacional é explorada por empresas majoritariamente estrangeiras: a Warner, a Sony, a EMI e a Universal. O que temos, portanto, é uma associação entre os grandes autores nacionais (os velhos nomes da MPB e os novos nomes do pop e do sertanejo) e as grandes empresas internacionais.
Os intermediários, em boa parte estrangeiros, se apropriam de mais de 50% do direito autoral. A venda de discos e a execução pública (rádio, TV e shows) movimentam juntos pelo menos 400 milhões de reais anuais em direito autoral. Esses valores são distribuídos para os atores da cadeia produtiva da música: de um lado, criadores strictu sensu como compositores, arranjadores, intérpretes e músicos e, de outro, intermediários como empresas fonográficas, associações de autores, produtores e o escritório de arrecadação (ECAD). Na divisão dos recursos do direito autoral, os intermediários ficam com 51% e a menor parte dos recursos é dividida entre os criadores.
O Brasil é altamente deficitário em direito autoral. Se há ainda alguma dúvida que a exploração do direito autoral é interesse estrangeiro, basta olhar a balança comercial de direito autoral do país com os Estados Unidos. Todos os anos enviamos mais de 2 bilhões de dólares como pagamento de direito autoral (em todos os setores – não apenas música). Os americanos, por sua vez, nos pagam apenas 25 milhões.
A remuneração aos autores brasileiros é concentrada, distorcida e segue critérios obscuros. A distribuição dos recursos de direito autoral no Brasil é, antes de tudo, distorcida pelo jabá, mecanismo pelo qual as empresas pagam para ter a música executada nas rádios e TVs para depois receberem o direito autoral de execução e vendas como “retorno”. Além disso, o escritório de arrecadação tem procedimentos obscuros que não podem ser auditados e que concentram a distribuição em muito poucos autores.
O que temos então é uma indústria predominantemente estrangeira que se apropria da maior parte dos recursos de direito autoral em detrimento dos verdadeiros criadores e os remete ao exterior para as matrizes. No entanto, como remunera bem alguns poucos autores brasileiros segundo procedimentos obscuros, estes agem como porta-vozes nacionais desta estrutura internacional de exploração da cultura brasileira.
Se tudo isso ainda não é suficiente, uma última e conclusiva evidência pode ser encontrada na contribuição da IIPA (International Intellectual Property Alliance) para o relatório 301. O relatório 301 é um mecanismo comercial do governo americano por meio do qual tenta interferir nas políticas de direito autoral de “países em desenvolvimento”. Esse relatório avalia se a política de direito autoral desses países, no entender dos Estados Unidos, é adequada – e se ele considerar que a de algum país não é, pode punir com sanções comerciais unilaterais. A IIPA que é uma organização que reúne as indústrias do software, do disco, do filme, do livro e dos games nos Estados Unidos, no seu último relatório defende exatamente as mesmas posições quanto à reforma da lei de direito autoral que o atual ministério da cultura – motivo pelo qual as posições da ministra são diretamente elogiadas.
É no mínimo curioso que agentes das grandes multinacionais utilizem um discurso nacionalista e até anti-imperialista para atacar os ativistas da cultura livre. É evidente que se trata de má-fé orientada a atingir resultados políticos. Mas como a mentira e a má-fé se disseminam talvez valha a pena esclarecer algumas coisas:
O movimento de cultura livre defende a independência dos criadores, não a indústria – nova ou velha. Embora o movimento seja uma rede mais ou menos solta de ativistas, sem um programa explícito, me parece claro um objetivo comum: o de produzir uma nova economia da cultura, na qual os criadores e não os intermediários sejam os principais beneficiários dos dividendos econômicos e na qual os bens culturais possam circular livremente sem barreiras de direito autoral, permitindo o acesso de todos ao patrimônio cultural. A cultura que se vislumbra é uma cultura na qual os criadores sejam remunerados e, simultaneamente, o público tenha acesso às obras. Há várias experiências bem sucedidas em curso sobre como realizar esse objetivo – principalmente aquelas na qual há deslocamento da fonte de remuneração do criador, do direito autoral para serviços, como shows e apresentações ao vivo. Esse movimento não pretende que os intermediários da velha indústria (gravadoras, editoras, etc.) sejam simplesmente substituídos por novos intermediários (empresas de Internet, editoras digitais, etc.), nem que os criadores não sejam remunerados. O movimento de cultura livre defende um modo de produzir cultura descentralizado, diverso, esteticamente autônomo, economicamente sustentável e no qual os bens culturais sejam acessíveis a todos.
O mundo que os novos intermediários vislumbram é diferente. É um mundo no qual o acesso às obras, gratuito ou apenas mais barato, é organizado por grandes empresas que comandam indiretamente a cadeia produtiva e geram dividendos com a venda da privacidade dos usuários para publicidade dirigida. É um mundo onde se pode ler livros ou escutar música na Internet gratuitamente sacrificando a privacidade pessoal para a venda de publicidade. Esse modelo traz grandes riscos para uma liberdade civil fundamental que é a privacidade, coloca em risco a autonomia econômica e estética dos criadores e ameaça a diversidade de oferta de obras para os consumidores.
Como se vê, o programa dos defensores da cultura livre é muito diferente do programa da nova indústria cultural. Mesmo assim, os defensores do velho modo industrial de produção da cultura tentam desqualificar o movimento de cultura livre apresentando-o como agente das novas empresas.
Não podemos ficar presos, no entanto, a duas alternativas corporativas, que subtraem, cada uma a seu modo, a autonomia de criadores e consumidores. O processo de mudanças nos modos de produção da cultura não nos leva a ter que escolher entre a EMI e a Google. Ele abre uma janela de oportunidades para novas práticas e novas políticas que emancipem e protejam os autores frente ao poder econômico dos grandes intermediários e que apoiem as potencialidades de acesso à cultura trazidas pelas novas tecnologias. É esse tipo de visão que esperamos do Ministério da Cultura.
A ascensão de Ana de Holanda para o Ministério da Cultura com a promessa de reavaliar a revisão da lei de direitos autorais “em defesa dos autores” gerou um acirrado debate que tem animado as páginas dos cadernos de cultura. No debate, tem aparecido com orquestrada frequência uma curiosa tese: os críticos da nova política do ministério são ingênuos manipulados pelas grandes empresas de Internet que querem se apropriar da cultura brasileira sem pagar pelo conteúdo. A revisão da lei de direitos autorais ampliando exceções e limitações, a supervisão estatal das sociedades de gestão coletiva (como o ECAD) e o estímulo ao licenciamento livre (por meio de licenças como as Creative Commons) causariam apenas prejuízo aos autores brasileiros. As grandes corporações do mundo digital, ao contrário, seriam as grandes beneficiadas, já que explorariam o acesso livre a esses conteúdos por meio de publicidade. Contra essas políticas inovadoras, seria preciso manter as regras e políticas de direito autoral atualmente em vigor que protegem razoavelmente bem os autores e são uma plataforma adequada para a projeção internacional da cultura brasileira.
A linguagem anti-imperialista surpreende, vindo de onde vem. Os defensores da tese são os sócios locais da indústria cultural internacional, sobretudo do setor fonográfico – empresas nada nacionais como a Warner, a Sony, a EMI e a Universal. Obviamente, a acusação é apenas um jogo retórico, mas como tem encontrado algum eco, não seria despropositado relembrar alguns fatos básicos.
No mercado de música brasileiro, os autores são brasileiros, mas as empresas são estrangeiras. O discurso pseudo-nacionalista só pode funcionar porque o Brasil tem uma situação ímpar: é o único país, fora os Estados Unidos, onde o consumo de música nacional é superior ao de música estrangeira. No entanto, essa música nacional é explorada por empresas majoritariamente estrangeiras: a Warner, a Sony, a EMI e a Universal. O que temos, portanto, é uma associação entre os grandes autores nacionais (os velhos nomes da MPB e os novos nomes do pop e do sertanejo) e as grandes empresas internacionais.
Os intermediários, em boa parte estrangeiros, se apropriam de mais de 50% do direito autoral. A venda de discos e a execução pública (rádio, TV e shows) movimentam juntos pelo menos 400 milhões de reais anuais em direito autoral. Esses valores são distribuídos para os atores da cadeia produtiva da música: de um lado, criadores strictu sensu como compositores, arranjadores, intérpretes e músicos e, de outro, intermediários como empresas fonográficas, associações de autores, produtores e o escritório de arrecadação (ECAD). Na divisão dos recursos do direito autoral, os intermediários ficam com 51% e a menor parte dos recursos é dividida entre os criadores.
O Brasil é altamente deficitário em direito autoral. Se há ainda alguma dúvida que a exploração do direito autoral é interesse estrangeiro, basta olhar a balança comercial de direito autoral do país com os Estados Unidos. Todos os anos enviamos mais de 2 bilhões de dólares como pagamento de direito autoral (em todos os setores – não apenas música). Os americanos, por sua vez, nos pagam apenas 25 milhões.
A remuneração aos autores brasileiros é concentrada, distorcida e segue critérios obscuros. A distribuição dos recursos de direito autoral no Brasil é, antes de tudo, distorcida pelo jabá, mecanismo pelo qual as empresas pagam para ter a música executada nas rádios e TVs para depois receberem o direito autoral de execução e vendas como “retorno”. Além disso, o escritório de arrecadação tem procedimentos obscuros que não podem ser auditados e que concentram a distribuição em muito poucos autores.
O que temos então é uma indústria predominantemente estrangeira que se apropria da maior parte dos recursos de direito autoral em detrimento dos verdadeiros criadores e os remete ao exterior para as matrizes. No entanto, como remunera bem alguns poucos autores brasileiros segundo procedimentos obscuros, estes agem como porta-vozes nacionais desta estrutura internacional de exploração da cultura brasileira.
Se tudo isso ainda não é suficiente, uma última e conclusiva evidência pode ser encontrada na contribuição da IIPA (International Intellectual Property Alliance) para o relatório 301. O relatório 301 é um mecanismo comercial do governo americano por meio do qual tenta interferir nas políticas de direito autoral de “países em desenvolvimento”. Esse relatório avalia se a política de direito autoral desses países, no entender dos Estados Unidos, é adequada – e se ele considerar que a de algum país não é, pode punir com sanções comerciais unilaterais. A IIPA que é uma organização que reúne as indústrias do software, do disco, do filme, do livro e dos games nos Estados Unidos, no seu último relatório defende exatamente as mesmas posições quanto à reforma da lei de direito autoral que o atual ministério da cultura – motivo pelo qual as posições da ministra são diretamente elogiadas.
É no mínimo curioso que agentes das grandes multinacionais utilizem um discurso nacionalista e até anti-imperialista para atacar os ativistas da cultura livre. É evidente que se trata de má-fé orientada a atingir resultados políticos. Mas como a mentira e a má-fé se disseminam talvez valha a pena esclarecer algumas coisas:
O movimento de cultura livre defende a independência dos criadores, não a indústria – nova ou velha. Embora o movimento seja uma rede mais ou menos solta de ativistas, sem um programa explícito, me parece claro um objetivo comum: o de produzir uma nova economia da cultura, na qual os criadores e não os intermediários sejam os principais beneficiários dos dividendos econômicos e na qual os bens culturais possam circular livremente sem barreiras de direito autoral, permitindo o acesso de todos ao patrimônio cultural. A cultura que se vislumbra é uma cultura na qual os criadores sejam remunerados e, simultaneamente, o público tenha acesso às obras. Há várias experiências bem sucedidas em curso sobre como realizar esse objetivo – principalmente aquelas na qual há deslocamento da fonte de remuneração do criador, do direito autoral para serviços, como shows e apresentações ao vivo. Esse movimento não pretende que os intermediários da velha indústria (gravadoras, editoras, etc.) sejam simplesmente substituídos por novos intermediários (empresas de Internet, editoras digitais, etc.), nem que os criadores não sejam remunerados. O movimento de cultura livre defende um modo de produzir cultura descentralizado, diverso, esteticamente autônomo, economicamente sustentável e no qual os bens culturais sejam acessíveis a todos.
O mundo que os novos intermediários vislumbram é diferente. É um mundo no qual o acesso às obras, gratuito ou apenas mais barato, é organizado por grandes empresas que comandam indiretamente a cadeia produtiva e geram dividendos com a venda da privacidade dos usuários para publicidade dirigida. É um mundo onde se pode ler livros ou escutar música na Internet gratuitamente sacrificando a privacidade pessoal para a venda de publicidade. Esse modelo traz grandes riscos para uma liberdade civil fundamental que é a privacidade, coloca em risco a autonomia econômica e estética dos criadores e ameaça a diversidade de oferta de obras para os consumidores.
Como se vê, o programa dos defensores da cultura livre é muito diferente do programa da nova indústria cultural. Mesmo assim, os defensores do velho modo industrial de produção da cultura tentam desqualificar o movimento de cultura livre apresentando-o como agente das novas empresas.
Não podemos ficar presos, no entanto, a duas alternativas corporativas, que subtraem, cada uma a seu modo, a autonomia de criadores e consumidores. O processo de mudanças nos modos de produção da cultura não nos leva a ter que escolher entre a EMI e a Google. Ele abre uma janela de oportunidades para novas práticas e novas políticas que emancipem e protejam os autores frente ao poder econômico dos grandes intermediários e que apoiem as potencialidades de acesso à cultura trazidas pelas novas tecnologias. É esse tipo de visão que esperamos do Ministério da Cultura.
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
[Do Amor] E QUE BALANÇO É ESSE?
::txt::Luciano Viegas::
A baixa densidade demográfica no concerto veio pra desbancar de vez a teoria malthusiana, bem como a falácia da autodenominada cidade do rock. Não mais que 50 pessoas foram assistir ao baita show do Do Amor, banda carioca cacofonia-inevitável que nos fez chacoalhar até a mãe com suas melodias rebolantes, no no começo de fevereiro (desculpe, leitor, mas a editoria do blog estava de férias e esta resenha ficou na espera para ir ao ar).
Há de se comentar que inicialmente alguma espécie de broxismo contagioso atingia o público, tímido, que deixava um desconfortável espaço vago bem em frente ao palco, até sermos intimados, pelo guitarrista Gustavo Benjão, a encoxar as caixas de som, que urgiam pelo aprochego.
Pepeu baixou nos caras e as duas melhores músicas do disco, “perdizes” e “pepeu baixou em mim” foram entoadas com fervor, pulinhos e swing qualificado pela pomposa equipe jornalística de colaboradores d'O DILÚVIO que acompanhava o reboliço.
Eu poderia fazer uma piadinha com o baterista Marcelo Callado, e dizer que ele até fala bastante, mas aí fica chato, né. Aliás, esse é um aspecto interessante da banda: os quatro integrantes fazem voz e, apesar do baixista Ricardo Dias Gomes ficar centralizado no palco, não é protagonista. Ao mesmo tempo, todos são.
O som funciona bem assim, os músicos são ótimos. Ricardo e Marcelo tocam paralelamente na Banda Cê, que acompanha Caetano. O quarto e último integrante, porém não menos importante é Gabriel Bubu, baixista do Los Hermanos que agora guitarreia no Do Amor.
O show teve ainda a participação de Diego Medina que subiu no palco de bermuda e chinelo, cantou “epilético”, se atirou no chão convulsivamente e ainda tascou-lhe uma chinelada na guitarra do Benjão, maltratando a pobrezinha com um quê de genialidade, mas sem finesse.
O menor público da história do Beco não diminuiu o espetáculo – e deu até um gostinho de “exclusividade” pra nós, que curtimos essa mistura louca de indie rock, axé e um tiquinho de carimbó. Falamos com eles depois, reclamando que faltou “vem me dar”, outra faixa foda do disco. Disseram que vão dedicar pra nós no próximo show.
Do Amor merece a degustação. baixe aqui
A baixa densidade demográfica no concerto veio pra desbancar de vez a teoria malthusiana, bem como a falácia da autodenominada cidade do rock. Não mais que 50 pessoas foram assistir ao baita show do Do Amor, banda carioca cacofonia-inevitável que nos fez chacoalhar até a mãe com suas melodias rebolantes, no no começo de fevereiro (desculpe, leitor, mas a editoria do blog estava de férias e esta resenha ficou na espera para ir ao ar).
Há de se comentar que inicialmente alguma espécie de broxismo contagioso atingia o público, tímido, que deixava um desconfortável espaço vago bem em frente ao palco, até sermos intimados, pelo guitarrista Gustavo Benjão, a encoxar as caixas de som, que urgiam pelo aprochego.
Pepeu baixou nos caras e as duas melhores músicas do disco, “perdizes” e “pepeu baixou em mim” foram entoadas com fervor, pulinhos e swing qualificado pela pomposa equipe jornalística de colaboradores d'O DILÚVIO que acompanhava o reboliço.
Eu poderia fazer uma piadinha com o baterista Marcelo Callado, e dizer que ele até fala bastante, mas aí fica chato, né. Aliás, esse é um aspecto interessante da banda: os quatro integrantes fazem voz e, apesar do baixista Ricardo Dias Gomes ficar centralizado no palco, não é protagonista. Ao mesmo tempo, todos são.
O som funciona bem assim, os músicos são ótimos. Ricardo e Marcelo tocam paralelamente na Banda Cê, que acompanha Caetano. O quarto e último integrante, porém não menos importante é Gabriel Bubu, baixista do Los Hermanos que agora guitarreia no Do Amor.
O show teve ainda a participação de Diego Medina que subiu no palco de bermuda e chinelo, cantou “epilético”, se atirou no chão convulsivamente e ainda tascou-lhe uma chinelada na guitarra do Benjão, maltratando a pobrezinha com um quê de genialidade, mas sem finesse.
O menor público da história do Beco não diminuiu o espetáculo – e deu até um gostinho de “exclusividade” pra nós, que curtimos essa mistura louca de indie rock, axé e um tiquinho de carimbó. Falamos com eles depois, reclamando que faltou “vem me dar”, outra faixa foda do disco. Disseram que vão dedicar pra nós no próximo show.
Do Amor merece a degustação. baixe aqui
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
[sem destino] O INVERNO NÃO É O INFERNO
::txt::Ale Lucchese::
Acampar uns dias na serra gaúcha ou qualquer outro lugar frio só tem um incômodo: tranqüilizar e convencer todo mundo – às vezes até os próprios donos dos campings – de que você não vai morrer de hipotermia. De resto, não vai se incomodar com coisa alguma; desde que, é claro, você leia esta matéria até o final.
O lance é que é muito fácil se organizar para usufruir de benesses como passar um fim de semana em um camping arborizado, em frente a um lago e com o silêncio entrecortado do canto dos pássaros por um décimo do preço da diária de um hotel com as paredes mofadas e com janelas que tremem toda vez que um ônibus passa debaixo delas.
Mas o que é preciso para conquistar esse paraíso? Em primeiro lugar, uma barraca. Uma iglu com varetas de fibra de vidro é super fácil de montar, relativamente leve, e não te deixa na mão. Modelos mais caros agüentam vendavais e dilúvios; mas, para encarar condições metereológicas nem tão extremas, não precisa esvaziar tanto os bolsos. Fique atento às previsões do tempo, se fenômenos como ventos de 100 km/h estiverem previstos e você não conhece bem seu equipamento, adie a viagem ou ao menos arme seu canto perto de uma parede, garantindo um pouco de proteção.
Para o friozão, o uso de sacos de dormir é imprescindível – a não ser que você tenha um porta-malas enorme para encher de cobertores. Não confie tanto na escala de temperatura que os sacos apontam. Uso um saco que agüentaria até 15ºC negativos, mas isso só quer dizer “você não vai morrer quando bater os -15ºC”, não quer dizer que você vai ter conforto nessa temperatura. Mas, bem agasalhado, até o zero grau é bem bom.
Outra dica fundamental: sacos nem cobertores funcionam sozinhos. É preciso usar isolantes térmicos no chão. Se o frio não é muito extremo, até uns 10ºC, é possível usar um colchão inflável; mas, apesar de menos confortáveis, os isolantes de EVA são baratos e não deixam o frio do solo invadir tuas costelas.
Caras e minas, tudo isso cabe numa boa mochila. Vai. O mundo é teu.
Acampar uns dias na serra gaúcha ou qualquer outro lugar frio só tem um incômodo: tranqüilizar e convencer todo mundo – às vezes até os próprios donos dos campings – de que você não vai morrer de hipotermia. De resto, não vai se incomodar com coisa alguma; desde que, é claro, você leia esta matéria até o final.
O lance é que é muito fácil se organizar para usufruir de benesses como passar um fim de semana em um camping arborizado, em frente a um lago e com o silêncio entrecortado do canto dos pássaros por um décimo do preço da diária de um hotel com as paredes mofadas e com janelas que tremem toda vez que um ônibus passa debaixo delas.
Mas o que é preciso para conquistar esse paraíso? Em primeiro lugar, uma barraca. Uma iglu com varetas de fibra de vidro é super fácil de montar, relativamente leve, e não te deixa na mão. Modelos mais caros agüentam vendavais e dilúvios; mas, para encarar condições metereológicas nem tão extremas, não precisa esvaziar tanto os bolsos. Fique atento às previsões do tempo, se fenômenos como ventos de 100 km/h estiverem previstos e você não conhece bem seu equipamento, adie a viagem ou ao menos arme seu canto perto de uma parede, garantindo um pouco de proteção.
Para o friozão, o uso de sacos de dormir é imprescindível – a não ser que você tenha um porta-malas enorme para encher de cobertores. Não confie tanto na escala de temperatura que os sacos apontam. Uso um saco que agüentaria até 15ºC negativos, mas isso só quer dizer “você não vai morrer quando bater os -15ºC”, não quer dizer que você vai ter conforto nessa temperatura. Mas, bem agasalhado, até o zero grau é bem bom.
Outra dica fundamental: sacos nem cobertores funcionam sozinhos. É preciso usar isolantes térmicos no chão. Se o frio não é muito extremo, até uns 10ºC, é possível usar um colchão inflável; mas, apesar de menos confortáveis, os isolantes de EVA são baratos e não deixam o frio do solo invadir tuas costelas.
Caras e minas, tudo isso cabe numa boa mochila. Vai. O mundo é teu.
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
[ponto de vista] DIGA-ME QUEM TE CALA, QUE EU DIREI QUEM TU ÉS!
::txt::Agência Pirata de Giornalismo e Terrorismo Publicitário::
Algumas palavras tem significado diferente na província de São Pedro. Neste sulino chão do país, um jornalista foi processado por ter apelidaldo um showrnalista. Mas, além de não poder mais citar o nome ou apelido do dito cujo em seu blog na internet, o jornalista também não pode mais, desde então, fazer coalcoer crítica profissional ao trabalho fotográfiquis do carcará que exerce num panfleto de quarta catigoria (de quinta é a veja). Pequeno detalhe: o blog do jornalista processado tem um olhar super crítico sobre o conteúdo e a manipulção da notícia.
Aqui na Baía Pirata esse facto tem outro nombre: censura. E como seguimos a palavra ao pé da letra, resolvemos atacar a arca de Noé e sabotar esta coluna. Por tempo indeterminado, o professor Ungaretti, também, está censurado por nós, giornalistas piratas. Nós assumimos a autoria. Coando necessário, voltaremos a atacar esta arca pra sabotagem e terrorismo. Aquele abrazzo!
Levantar âncoras! Ao mar!
Algumas palavras tem significado diferente na província de São Pedro. Neste sulino chão do país, um jornalista foi processado por ter apelidaldo um showrnalista. Mas, além de não poder mais citar o nome ou apelido do dito cujo em seu blog na internet, o jornalista também não pode mais, desde então, fazer coalcoer crítica profissional ao trabalho fotográfiquis do carcará que exerce num panfleto de quarta catigoria (de quinta é a veja). Pequeno detalhe: o blog do jornalista processado tem um olhar super crítico sobre o conteúdo e a manipulção da notícia.
Aqui na Baía Pirata esse facto tem outro nombre: censura. E como seguimos a palavra ao pé da letra, resolvemos atacar a arca de Noé e sabotar esta coluna. Por tempo indeterminado, o professor Ungaretti, também, está censurado por nós, giornalistas piratas. Nós assumimos a autoria. Coando necessário, voltaremos a atacar esta arca pra sabotagem e terrorismo. Aquele abrazzo!
Levantar âncoras! Ao mar!
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
[cc] REMIXTURES
Estudo confirma: partilhadores também pagam pela música
::txt::Miguel Caetano::
No que toca ao efeito da partilha de ficheiros nas vendas de música, existem estudos para todos os gostos. Contudo, o grande inconveniente da grande maioria é que se baseiam em amostras de mil a dois mil – vá lá, por vezes dez mil… – indivíduos. Mas o que diriam se soubessem de uma empresa que se deu ao trabalho de realizar um inquérito online a 64 milhões de internautas?
Tanta gente é de facto de desconfiar mas isso é o que a Interpret, uma empresa de estudos de mercado nas áreas de entretenimento, media e tecnologia alega ter alcançado. E o que é que esta pesquisa nos diz em concreto sobre os hábitos de consumo musicais dos inquiridos?
Algo que será sem dúvida do desagrado das grandes editoras: 24 milhões dos inquiridos, isto é, 36 por cento (de acordo com o TorrentFreak, embora o Hypebot refira 38 por cento), admitiram ter realizado downloads não autorizados de música ao longo dos últimos três meses.
Numa altura em que a imprensa mainstream anglo-saxónica parece ter-se convencido de que ser pirata já não está a dar, estes números representam um sinal evidente de que existem muitos fãs de música que continuam a não se contentar com serviços de streaming como o Spotify ou a Last.fm.
No entanto, a persistência dos downloads ilegais não parece ser incompatível com o pagamento pela música: nove por cento dos partilhadores disseram ter adquirido um álbum completo durante os últimos três meses, ao passo que 16 por cento afirmaram ter comprado um download de um tema individual.
O normal seria que os ‘piratas’ preferissem pagar por música em suporte físico como CDs e discos em vinil – o estudo não parece adiantar grandes pormenores a este respeito – mas esta adesão aos downloads legais e pagos a partir de lojas online como o iTunes é algo de surpreendente. Na volta, talvez isto seja o resultado da decisão das grandes editoras de permitirem a venda de ficheiros sem DRM na Internet.
Aliás, mais estranho ainda é que quase metade (49%) dos partilhadores foram da opinião de que o preço de um álbum individual comprado a partir de um retalhista online deveria ser inferior ao de um CD. É claro que, ao contrário de outros, este estudo peca por não comparar os dados adiantados pelos “piratas” com uma amostra de indivíduos comuns que não costumam aceder regularmente à Internet. Se assim fosse, quanto queriam apostar que os dados acabariam por revelar – mais uma vez.. – que os partilhadores gastam em média mais dinheiro com música do que os restantes?
Miguel Caetano tem 33 anos e possui uma licenciatura em Comunicação Social pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa, para além de um mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação pelo ISCTE. Ele é autor do blog Remixtures, que tem conteúdo licenciado em Creative Commons. Com a pré-autorização, não foi preciso pedir permissão a ele pra publicar o texto aqui.
::txt::Miguel Caetano::
No que toca ao efeito da partilha de ficheiros nas vendas de música, existem estudos para todos os gostos. Contudo, o grande inconveniente da grande maioria é que se baseiam em amostras de mil a dois mil – vá lá, por vezes dez mil… – indivíduos. Mas o que diriam se soubessem de uma empresa que se deu ao trabalho de realizar um inquérito online a 64 milhões de internautas?
Tanta gente é de facto de desconfiar mas isso é o que a Interpret, uma empresa de estudos de mercado nas áreas de entretenimento, media e tecnologia alega ter alcançado. E o que é que esta pesquisa nos diz em concreto sobre os hábitos de consumo musicais dos inquiridos?
Algo que será sem dúvida do desagrado das grandes editoras: 24 milhões dos inquiridos, isto é, 36 por cento (de acordo com o TorrentFreak, embora o Hypebot refira 38 por cento), admitiram ter realizado downloads não autorizados de música ao longo dos últimos três meses.
Numa altura em que a imprensa mainstream anglo-saxónica parece ter-se convencido de que ser pirata já não está a dar, estes números representam um sinal evidente de que existem muitos fãs de música que continuam a não se contentar com serviços de streaming como o Spotify ou a Last.fm.
No entanto, a persistência dos downloads ilegais não parece ser incompatível com o pagamento pela música: nove por cento dos partilhadores disseram ter adquirido um álbum completo durante os últimos três meses, ao passo que 16 por cento afirmaram ter comprado um download de um tema individual.
O normal seria que os ‘piratas’ preferissem pagar por música em suporte físico como CDs e discos em vinil – o estudo não parece adiantar grandes pormenores a este respeito – mas esta adesão aos downloads legais e pagos a partir de lojas online como o iTunes é algo de surpreendente. Na volta, talvez isto seja o resultado da decisão das grandes editoras de permitirem a venda de ficheiros sem DRM na Internet.
Aliás, mais estranho ainda é que quase metade (49%) dos partilhadores foram da opinião de que o preço de um álbum individual comprado a partir de um retalhista online deveria ser inferior ao de um CD. É claro que, ao contrário de outros, este estudo peca por não comparar os dados adiantados pelos “piratas” com uma amostra de indivíduos comuns que não costumam aceder regularmente à Internet. Se assim fosse, quanto queriam apostar que os dados acabariam por revelar – mais uma vez.. – que os partilhadores gastam em média mais dinheiro com música do que os restantes?
Miguel Caetano tem 33 anos e possui uma licenciatura em Comunicação Social pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa, para além de um mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação pelo ISCTE. Ele é autor do blog Remixtures, que tem conteúdo licenciado em Creative Commons. Com a pré-autorização, não foi preciso pedir permissão a ele pra publicar o texto aqui.
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
terça-feira, 8 de fevereiro de 2011
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
[over12] CRISE NA INDÚSTRIA INTERMEDIÁRIA
::txt::Tiago Jucá Oliveira::
É permitido permitir
Até o final do breve século passado nós não imaginávamos o mundo sem a figura do intermediário. Ninguém exerceu melhor esse papel nem foi mais importante, em vários aspectos e em vários setores, do que a indústria. É quase impossível imaginar, pra melhor ou pra pior, como seria a música, a notícia, o cinema e a tecnologia durante as décadas em que a indústria intermediária monopolizou a informação e o entretenimento.
Mas, entre tantas conseqüências do avanço tecnológico em nossas vidas e que aos poucos percebemos, eis a queda do poder intermediário. A internet, nas palavras do sociólogo Sérgio Amadeu, “afetou a imprensa e as indústrias fonográfica, cinematográfica e de softwares, com intensidades diferentes”. Ele completa: “a internet colocou em crise todo tipo de intermediação do mundo industrial”. Para Amadeu, o que está em xeque é a “intermediação da mensagem, entre o artista e o público, entre o colaborador e aquilo que ele colabora”.
A sábia decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a obrigatoriedade do diploma de jornalismo, uma exigência criada pelo AI-5 militar para censurar a oposição, é apenas um “detalhe”, diz Amadeu. Mesmo que o artigo 5º inciso IX da constituição seja clara, “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, a internet já havia dado essa liberdade muito antes. A internet, antes do STF, acabou com a ditadura do diploma e eliminou barreiras geo-jurídicas. Que lei nacional poderá impedir uma reportagem hospedada num site ou blog estrangeiro? Seria algo tipo a Ordem dos Músicos do Brasil exigir que artistas como a M.I.A. ou a Amy Winehouse tenha carteirinha pra cantar.
O jornalismo tradicional, feito em redações, perdeu a exclusividade. O advogado Ronaldo Lemos acredita que a internet, “em toda a sua diversidade e complexidade, estabelece um canal direto muito mais rápido para a produção de notícias. Cada vez mais, ela terá impacto mais direto na esfera pública”. Um notável exemplo disso é o povo iraniano, que está a desmascarar a versão intermediária da imprensa oficial. Através de imagens feitas por amadores e colocadas no Youtube, o mundo pode assistir a cruel repressão por parte do governo do Irã. Como bem observa Sérgio Amadeu, “você pode, num governo autoritário ou numa situação difícil como a do Irã, colocar toda imprensa sobre controle, mas não vai colocar a rede sobre controle”.
No ponto de vista de Lemos, “a criação de notícias, antes privilégio da mídia tradicional, tornou-se e irá se tornar cada vez mais descentralizada, valendo-se de Twitter, Facebook, Youtube, blogs, celulares e o que vier depois”. Amadeu vai adiante: “inverte-se a idéia de notícia. O jornalista ou repórter que fazia a notícia perde essa condição exclusiva. E isso passa a ser feito pelo cidadão comum, que pode fazer um blog, pode mandar por e-mail uma informação, pode usar um celular pra fotografar, pra filmar. Ou seja, isso cria uma outra situação”, conclui.
Um caso recente no Brasil deixou os grandes jornais perplexos, constrangidos, indignados e defasados, porém sem nenhuma razão. A Petrobrás criou um blog e um perfil no Twitter, pra responder às perguntas formuladas por alguns jornais, que depois editariam essas respostas e publicariam em suas páginas. Neste caso, a sociedade passou a ter, direta e integralmente, informações oficiais sem a versão intermediada e manipulada pela grande imprensa. De acordo com Sérgio Amadeu, “esse intermediário queria ter o controle da informação. mas a rede alterou a situação do jornalista, pois ele nunca teve tanto espaço como hoje. A rede dificulta aquela velha prática do jornalismo burocrático”.
Na esfera musical, os casos são diferentes, mas os conceitos são semelhantes ou até mesmo iguais. Artistas famosos e independentes antenados nas variadas ferramentas digitais não precisam mais da indústria fonográfica pra gravar, prensar, vender e distribuir álbuns, disponibilizar músicas e promover seus próprios shows.
A Feira da Música, que aconteceu em 2009 Fortaleza, teve a tecnologia como tema central. O evento chegou a sua oitava edição com shows, palestras, workshops, oficinas, rodadas de negócios. Uma oportunidade de interação entre artistas e participantes. Aspas no site da Feira: “em sete anos, a Feira tem gerado soluções para a cadeia produtiva da música, contribuindo para a consolidação de uma rede nacional e abertura de um mercado internacional para a produção independente”. Em 2009 a Feira promoveu shows com 60 bandas brasileiras em cinco palcos espalhados nas regiões centrais e boêmias da capital do Ceará.
Entre os palestrantes, a cantora e compositora Alessandra Leão, pra falar sobre planejamento de carreira, inspirada no curso de Autogestão de Carreiras Musicais, ministrado por ela e a produtora Jô Maria desde 2008. “Já ministramos esse conteúdo para cerca de 200 profissionais da área, entre músicos, produtores e técnicos”, revela Leão. “A tecnologia”, completa ela, “tem sido uma ferramenta fundamental para a divulgação e distribuição, o que tem dado aos artistas a autonomia de se auto-gerirem, ou de fazer essa gestão em parceria com produtores. Essa autonomia tem sido muito saudável para as relações de trabalho dentro do mercado da música, não só para o músico, mas para toda a cadeia produtiva”. Alessandra finaliza dizendo que “essa mesma tecnologia também tem contribuído para a aproximação do artista com o público, modificando positivamente essa relação entre o músico e seus fãs.
Quem também participa da Feira, como uma das atrações musicais, é a banda mineira Black Sonora. Um de seus integrantes, DJ Yuga, agradece a tecnologia por poder participar da Feira da Música. Hoje, diz Yuga, “você é capaz de gravar e produzir seu disco em casa, com custo quase zero, e com uma qualidade bem legal. Com isso abriu várias possibilidades para todos. E quem está antenado com as novas tendências tecnológicas está um passo a frente.
As relações políticas também se tornam menos intermediadas, devido as condições tecnológicas. Marcelo Branco, coordenador-geral do FISL (Fórum Internacional de Software Livre), acredita que “defender uma causa qualquer é uma opção que dispensa adesão a um partido político. Novas redes de mobilização social, em favor de objetivos específicos, vão se multiplicando a cada instante. Ao contrário do que sustenta a crítica conservadora, elas não são apenas virtuais. Produzem efeitos concretos, dos quais há exemplos abundantes: a campanha contra a lei Azeredo (agora, no Brasil); a derrubada do governo Aznar (em 2004, na Espanha); a denúncia da invasão do Líbano por Israel (em 2006); a avalanche em favor de Barack Obama; a persistente mobilização dos iranianos contra o fundamentalismo do governo Ahminejad.
O Império contra ataca
Se por um lado a internet e seus usuários dependem cada vez menos de intermediários, setores poderosos da sociedade já estão em processo de reação. Processos e condenações judiciais contra quem disponibiliza e baixa arquivos na rede, leis e projetos de leis restritivas, mecanismos digitais da indústria do entretenimento. O problema, segundo Ronaldo Lemos, é que “chegou um ponto que não tem como mais limitar a restritividade do direito autoral, pois chegou ao limite. Não tem mais pra onde aumentar, pois já é o máximo fechado possível e concebível”. Para Sérgio Amadeu, “a indústria dos intermediários está organizando a batalha em defesa de um modelo fracassado de copyright”.
Na França e na Inglaterra surge uma outra tendência de tentativas da indústria. Após três notificações por download ilegal, o usuário francês é excluído da rede. Ronaldo alerta que leis, em nome do direito autoral, vão “afastar o princípio de que todos se presumem inocentes até serem julgados culpados. É uma segunda era de radicalização do direito autoral, que é de suprimir garantias fundamentais que são dadas pelas constituições de vários países”.
Pior ainda é na ilha britânica, diz Lemos, pois não é preciso lei, mas sim “uma espécie de um acordo entre os provedores de internet diretamente com a indústria, e esse acordo uma vez feito, passa a operar de modo que você desliga os usuários da rede, sem a necessidade de um controle legislativo ou judiciário”. Amadeu pergunta: “se fosse um governo, a gente chamava censura. E quando é uma empresa privada que controla a infra-estrutura de rede, como se chama esse poder?”.
Alguns de seus “símbolos”, diz Marcelo Branco, “são a lei de restrição à internet na França (aprovada por proposta e pressão do governo Sarkozy mas derrubada em seguida pelo tribunal constitucional), o processo contra o grupo sueco Pirate Bay, cujo site facilita a troca de arquivos digitalizados e, no Brasil, o projeto de lei do senador Eduardo Azeredo”.
Dois princípios, argumenta Sérgio Amadeu, devem ser defendidos: “o princípio da neutralidade na rede, quem controla a camada de infra-estrutura não pode controlar a camada lógica. Quem controla a infra-estrutura de rede, quer controlar os fluxos que passam pela rede. Mas a internet foi construída pelos seus usuários, são práticas reconfigurantes, e eles não se conformam com a rede distribuída, livre, onde você pode criar não somente conteúdos, você pode criar novos formatos e novas tecnologias. Nós não temos de pedir autorização pra ninguém, e isso incomoda aqueles que tinham a lógica da hierarquia, a tentativa de controle.
E o princípio da imputabilidade da rede: “um motorista de taxi, que leva um criminoso, por ventura, que desce e assalta alguém. Que culpa tem ele? Ele é apenas um motorista de taxi, ele é o meio”, ilustra Amadeu. “Eles”, continua o sociólogo, “querem culpar a rede, ela não é culpada de nada, pra impor controle não sobre a rede, sobre nós”.
De acordo com Amadeu, “o que está tirando a audiência deles não é o que eles chamam de pirataria, é a diversidade cultural, porque nunca antes nós pudemos produzir tanta cultura como agora na rede. É essa questão que colocam eles em risco”.
A propriedade intelectual é um roubo!
A vanguarda ataca em duas frentes: os desobedientes civis, que violam leis de direitos autorais interpretadas injustas e obsoletas. São os piratas do novo milênio. O mais famoso deles, o The Pirate Bay, o maior site de compartilhamento de arquivos protegidos por copyright. No campo político, partidos Pirata se organizam e até concorrem a eleições em alguns países, inclusive com uma cadeira conquistada no parlamento europeu.
Já o outro campo de atuação é socializado através da lógica colaborativa. Artistas disponibilizam suas músicas pra download e remix em sites como o Jamendo.com, que já conta com mais de 20 mil álbuns pra baixar gratuitamente, todos eles em CC (Creative Commons). Eventos como o FISL há 10 anos debatem e apontam caminhos na área de softwares com código aberto, que permitem o entendimento e aprimoramento de um programa usado por você em seu computador. Cresce o número de blogs e sites também licenciados em CC, que pré-autorizam, sem burocracia, a reprodução de seu conteúdo.
Piratas desobedientes invertem a lei. Pessoas colaborativas subvertem a tecnologia. Ambos caminhos se complementam e são peças decisivas para o fim de uma era: a era do intermediário industrial.
É permitido permitir
Até o final do breve século passado nós não imaginávamos o mundo sem a figura do intermediário. Ninguém exerceu melhor esse papel nem foi mais importante, em vários aspectos e em vários setores, do que a indústria. É quase impossível imaginar, pra melhor ou pra pior, como seria a música, a notícia, o cinema e a tecnologia durante as décadas em que a indústria intermediária monopolizou a informação e o entretenimento.
Mas, entre tantas conseqüências do avanço tecnológico em nossas vidas e que aos poucos percebemos, eis a queda do poder intermediário. A internet, nas palavras do sociólogo Sérgio Amadeu, “afetou a imprensa e as indústrias fonográfica, cinematográfica e de softwares, com intensidades diferentes”. Ele completa: “a internet colocou em crise todo tipo de intermediação do mundo industrial”. Para Amadeu, o que está em xeque é a “intermediação da mensagem, entre o artista e o público, entre o colaborador e aquilo que ele colabora”.
A sábia decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a obrigatoriedade do diploma de jornalismo, uma exigência criada pelo AI-5 militar para censurar a oposição, é apenas um “detalhe”, diz Amadeu. Mesmo que o artigo 5º inciso IX da constituição seja clara, “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, a internet já havia dado essa liberdade muito antes. A internet, antes do STF, acabou com a ditadura do diploma e eliminou barreiras geo-jurídicas. Que lei nacional poderá impedir uma reportagem hospedada num site ou blog estrangeiro? Seria algo tipo a Ordem dos Músicos do Brasil exigir que artistas como a M.I.A. ou a Amy Winehouse tenha carteirinha pra cantar.
O jornalismo tradicional, feito em redações, perdeu a exclusividade. O advogado Ronaldo Lemos acredita que a internet, “em toda a sua diversidade e complexidade, estabelece um canal direto muito mais rápido para a produção de notícias. Cada vez mais, ela terá impacto mais direto na esfera pública”. Um notável exemplo disso é o povo iraniano, que está a desmascarar a versão intermediária da imprensa oficial. Através de imagens feitas por amadores e colocadas no Youtube, o mundo pode assistir a cruel repressão por parte do governo do Irã. Como bem observa Sérgio Amadeu, “você pode, num governo autoritário ou numa situação difícil como a do Irã, colocar toda imprensa sobre controle, mas não vai colocar a rede sobre controle”.
No ponto de vista de Lemos, “a criação de notícias, antes privilégio da mídia tradicional, tornou-se e irá se tornar cada vez mais descentralizada, valendo-se de Twitter, Facebook, Youtube, blogs, celulares e o que vier depois”. Amadeu vai adiante: “inverte-se a idéia de notícia. O jornalista ou repórter que fazia a notícia perde essa condição exclusiva. E isso passa a ser feito pelo cidadão comum, que pode fazer um blog, pode mandar por e-mail uma informação, pode usar um celular pra fotografar, pra filmar. Ou seja, isso cria uma outra situação”, conclui.
Um caso recente no Brasil deixou os grandes jornais perplexos, constrangidos, indignados e defasados, porém sem nenhuma razão. A Petrobrás criou um blog e um perfil no Twitter, pra responder às perguntas formuladas por alguns jornais, que depois editariam essas respostas e publicariam em suas páginas. Neste caso, a sociedade passou a ter, direta e integralmente, informações oficiais sem a versão intermediada e manipulada pela grande imprensa. De acordo com Sérgio Amadeu, “esse intermediário queria ter o controle da informação. mas a rede alterou a situação do jornalista, pois ele nunca teve tanto espaço como hoje. A rede dificulta aquela velha prática do jornalismo burocrático”.
Na esfera musical, os casos são diferentes, mas os conceitos são semelhantes ou até mesmo iguais. Artistas famosos e independentes antenados nas variadas ferramentas digitais não precisam mais da indústria fonográfica pra gravar, prensar, vender e distribuir álbuns, disponibilizar músicas e promover seus próprios shows.
A Feira da Música, que aconteceu em 2009 Fortaleza, teve a tecnologia como tema central. O evento chegou a sua oitava edição com shows, palestras, workshops, oficinas, rodadas de negócios. Uma oportunidade de interação entre artistas e participantes. Aspas no site da Feira: “em sete anos, a Feira tem gerado soluções para a cadeia produtiva da música, contribuindo para a consolidação de uma rede nacional e abertura de um mercado internacional para a produção independente”. Em 2009 a Feira promoveu shows com 60 bandas brasileiras em cinco palcos espalhados nas regiões centrais e boêmias da capital do Ceará.
Entre os palestrantes, a cantora e compositora Alessandra Leão, pra falar sobre planejamento de carreira, inspirada no curso de Autogestão de Carreiras Musicais, ministrado por ela e a produtora Jô Maria desde 2008. “Já ministramos esse conteúdo para cerca de 200 profissionais da área, entre músicos, produtores e técnicos”, revela Leão. “A tecnologia”, completa ela, “tem sido uma ferramenta fundamental para a divulgação e distribuição, o que tem dado aos artistas a autonomia de se auto-gerirem, ou de fazer essa gestão em parceria com produtores. Essa autonomia tem sido muito saudável para as relações de trabalho dentro do mercado da música, não só para o músico, mas para toda a cadeia produtiva”. Alessandra finaliza dizendo que “essa mesma tecnologia também tem contribuído para a aproximação do artista com o público, modificando positivamente essa relação entre o músico e seus fãs.
Quem também participa da Feira, como uma das atrações musicais, é a banda mineira Black Sonora. Um de seus integrantes, DJ Yuga, agradece a tecnologia por poder participar da Feira da Música. Hoje, diz Yuga, “você é capaz de gravar e produzir seu disco em casa, com custo quase zero, e com uma qualidade bem legal. Com isso abriu várias possibilidades para todos. E quem está antenado com as novas tendências tecnológicas está um passo a frente.
As relações políticas também se tornam menos intermediadas, devido as condições tecnológicas. Marcelo Branco, coordenador-geral do FISL (Fórum Internacional de Software Livre), acredita que “defender uma causa qualquer é uma opção que dispensa adesão a um partido político. Novas redes de mobilização social, em favor de objetivos específicos, vão se multiplicando a cada instante. Ao contrário do que sustenta a crítica conservadora, elas não são apenas virtuais. Produzem efeitos concretos, dos quais há exemplos abundantes: a campanha contra a lei Azeredo (agora, no Brasil); a derrubada do governo Aznar (em 2004, na Espanha); a denúncia da invasão do Líbano por Israel (em 2006); a avalanche em favor de Barack Obama; a persistente mobilização dos iranianos contra o fundamentalismo do governo Ahminejad.
O Império contra ataca
Se por um lado a internet e seus usuários dependem cada vez menos de intermediários, setores poderosos da sociedade já estão em processo de reação. Processos e condenações judiciais contra quem disponibiliza e baixa arquivos na rede, leis e projetos de leis restritivas, mecanismos digitais da indústria do entretenimento. O problema, segundo Ronaldo Lemos, é que “chegou um ponto que não tem como mais limitar a restritividade do direito autoral, pois chegou ao limite. Não tem mais pra onde aumentar, pois já é o máximo fechado possível e concebível”. Para Sérgio Amadeu, “a indústria dos intermediários está organizando a batalha em defesa de um modelo fracassado de copyright”.
Na França e na Inglaterra surge uma outra tendência de tentativas da indústria. Após três notificações por download ilegal, o usuário francês é excluído da rede. Ronaldo alerta que leis, em nome do direito autoral, vão “afastar o princípio de que todos se presumem inocentes até serem julgados culpados. É uma segunda era de radicalização do direito autoral, que é de suprimir garantias fundamentais que são dadas pelas constituições de vários países”.
Pior ainda é na ilha britânica, diz Lemos, pois não é preciso lei, mas sim “uma espécie de um acordo entre os provedores de internet diretamente com a indústria, e esse acordo uma vez feito, passa a operar de modo que você desliga os usuários da rede, sem a necessidade de um controle legislativo ou judiciário”. Amadeu pergunta: “se fosse um governo, a gente chamava censura. E quando é uma empresa privada que controla a infra-estrutura de rede, como se chama esse poder?”.
Alguns de seus “símbolos”, diz Marcelo Branco, “são a lei de restrição à internet na França (aprovada por proposta e pressão do governo Sarkozy mas derrubada em seguida pelo tribunal constitucional), o processo contra o grupo sueco Pirate Bay, cujo site facilita a troca de arquivos digitalizados e, no Brasil, o projeto de lei do senador Eduardo Azeredo”.
Dois princípios, argumenta Sérgio Amadeu, devem ser defendidos: “o princípio da neutralidade na rede, quem controla a camada de infra-estrutura não pode controlar a camada lógica. Quem controla a infra-estrutura de rede, quer controlar os fluxos que passam pela rede. Mas a internet foi construída pelos seus usuários, são práticas reconfigurantes, e eles não se conformam com a rede distribuída, livre, onde você pode criar não somente conteúdos, você pode criar novos formatos e novas tecnologias. Nós não temos de pedir autorização pra ninguém, e isso incomoda aqueles que tinham a lógica da hierarquia, a tentativa de controle.
E o princípio da imputabilidade da rede: “um motorista de taxi, que leva um criminoso, por ventura, que desce e assalta alguém. Que culpa tem ele? Ele é apenas um motorista de taxi, ele é o meio”, ilustra Amadeu. “Eles”, continua o sociólogo, “querem culpar a rede, ela não é culpada de nada, pra impor controle não sobre a rede, sobre nós”.
De acordo com Amadeu, “o que está tirando a audiência deles não é o que eles chamam de pirataria, é a diversidade cultural, porque nunca antes nós pudemos produzir tanta cultura como agora na rede. É essa questão que colocam eles em risco”.
A propriedade intelectual é um roubo!
A vanguarda ataca em duas frentes: os desobedientes civis, que violam leis de direitos autorais interpretadas injustas e obsoletas. São os piratas do novo milênio. O mais famoso deles, o The Pirate Bay, o maior site de compartilhamento de arquivos protegidos por copyright. No campo político, partidos Pirata se organizam e até concorrem a eleições em alguns países, inclusive com uma cadeira conquistada no parlamento europeu.
Já o outro campo de atuação é socializado através da lógica colaborativa. Artistas disponibilizam suas músicas pra download e remix em sites como o Jamendo.com, que já conta com mais de 20 mil álbuns pra baixar gratuitamente, todos eles em CC (Creative Commons). Eventos como o FISL há 10 anos debatem e apontam caminhos na área de softwares com código aberto, que permitem o entendimento e aprimoramento de um programa usado por você em seu computador. Cresce o número de blogs e sites também licenciados em CC, que pré-autorizam, sem burocracia, a reprodução de seu conteúdo.
Piratas desobedientes invertem a lei. Pessoas colaborativas subvertem a tecnologia. Ambos caminhos se complementam e são peças decisivas para o fim de uma era: a era do intermediário industrial.
pingadores:
Ahminehad,
Alessandra Leão,
Aznar,
Barack Obama,
DJ Yuga,
Espanha,
FISL,
Fortaleza,
Indústria Fonográfica,
Irã,
Jamendo,
Jô Maria,
Marcelo Branco,
Over12,
Ronaldo Lemos,
Sérgio Amadeu
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
[a vida como ela noé] PAC: SANGUE, SUOR E UM FILME PUBLICITÁRIO
::txt::Pablo Francischelli::
::clbrç::Luana Pagin::
As aparências não enganam. O sangue ainda fresco mancha os postes de luz e forma pequenas poças no chão. Hoje ninguém foi trabalhar: as obras estão paradas e as sequências de tiros cruzando o céu explicam o porquê.
Mesmo assim, a van da equipe de filmagem está parada na cancela de acesso às obras do PAC no complexo de favelas de Manguinhos, no Rio de Janeiro. Dentro do veículo, os assistentes de direção e produção, juntamente com o chefe de segurança, visitam o local pela primeira vez. Cabe a eles a missão de descobrir e selecionar os desejados protagonistas para uma série de filmes publicitários do governo estadual sobre o PAC e as prometidas futuras alterações no (sub)padrão de vida da comunidade. Obras dignas de um filme publicitário cheio de sorrisos. E um pouco mais.
A meia hora de espera tarda em passar e o tiroteio também. O diretor do filme telefona inquieto para sua assistente e reforça o pedido – quer que o filme seja o mais documental possível. Ela desliga o telefone preocupada: como seria um filme publicitário documental naquelas condições? Quem chega para liberar o acesso às obras é um sujeito diminuto e atarracado. Genivaldo Lira dirige a associação de moradores e é mais conhecido como Seu Presidente. “Lá dentro é limpeza. A rapaziada sabe da importância disso aqui pra nós.”
O local está deserto. Os operários do PAC são quase todos habitantes da própria comunidade e não conseguiram chegar até o local de trabalho. Os assistentes de direção e de produção caminham calados, e o suor em seus corpos é o resultado da mistura inquieta do esforço físico e do medo. À essas sensações é somada subitamente um frio cortante na espinha, quando seus olhares avistam a surpreendente presença de duas figuras isoladas entre as imensas vigas de concreto erguidas logo à frente.
É um casal. Ambos mulatos, de uma beleza bem cuidada que se esconde por debaixo dos uniformes oficiais do PAC. Parecem estar desconectados daquela realidade surrealista e demoram algum tempo pra perceber a chegada da equipe. Então, sorriem. Seu Presidente logo toma as rédeas da situação, cumprimentando o casal com tapinhas nas costas. “Esses aqui são da comunidade. Gilmar e Luzia.”
“Saímos de manhã cedo pra levar as crianças na escola e viemos direto pra cá. Chegamos antes do tiroteio começar e ninguém mais apareceu.” Gilmar e Luzia. Ambos trabalham há 8 meses na obra e ganham um salário de R$590,00. Enquanto Seu Presidente e o restante da equipe de filmagem tratam de lhes explicar o objetivo da visita, o tiroteio parece se acalmar. Aos poucos, outros operários começam a chegar e tudo indica que em breve os trabalhos recomeçarão.
Mas a assistente de direção parece já ter achado o que queria. “Acho que encontrei os personagens. É um casal bonito e falam bem. Vou dar uma olhada na casa deles e fazer algumas imagens”, conta pelo telefone ao diretor. A trupe recomeça a sua marcha, agora não mais no campo neutro das obras do PAC e acrescida da presença do casal. As condições de segurança para uma caminhada nas entranhas da comunidade parecem melhorar. Pelo menos é o que diz Seu Presidente, caminhando à frente do grupo e sendo cumprimentado por absolutamente todos os moradores que cruzam o caminho.
As agressões da miséria passeiam por toda a comunidade sempre acompanhadas pelo inescapável cheiro de esgoto. Barracos quebrados, furados, podres. As manchas vermelhas pelo chão não são tinta: uma senhora lava o sangue que restara num carrinho de mão com uma mangueira. No caminho à casa de Gilmar e Luzia, o grupo se depara com ofertas insólitas. “Pó de cinco.” “Pó de dez.” “Ó o crack.”
Aproximadamente trinta traficantes exibem suas armas à tira-colo e empilham pequenas montanhas de drogas sobre algumas simples cangas estendidas no meio das ruelas. Maconha, cocaína e crack vendidos aos berros, ao ar livre. Seu Presidente, tenta amenizar o clima de estranheza de parte a parte, cumprimentando todos os traficantes com o mesmo tapinha nas costas e com a mesma frase. “Ta tranqüilo.” “Ta tranqüilo.”
Tranqüilo ou não, a feira narcótica fica pra trás. Agora, são Gilmar e Luzia quem tomam a frente da caravana, já se aproximando da sua casa. “É muito pequenininha, moça.” A moça diz pro casal não se preocupar. Discretamente, tira a câmera da bolsa e prepara-se para fazer as primeiras imagens, quando um menino de idade pré-adolescente indecifrável, frágil e esquelético, passa por ali completamente alienado à presença da equipe de filmagem. “Cadê meu copo de plástico? Cadê?”
Ele vai em direção à Cracolândia, a não mais de cinqüenta metros da casa de Gilmar e Luzia. Sem o cachimbo, usa um copo de água mineral para fumar a pedra. A figura murcha e definhada do menino deixa todos da equipe estarrecidos e, ao mesmo tempo, paradoxalmente fascinados com aquela realidade trágica e sem sorrisos, extremamente distante do mundo publicitário.
Mas a máquina não pode parar. A assistente de direção finalmente liga a câmera e põe à prova a naturalidade de Gilmar e Luzia diante das lentes. O casal vai bem, rendendo um valioso material de pesquisa para o comercial e encerrando assim o dia da equipe no complexo de Manguinhos. No dia seguinte, o diretor do comercial assiste as imagens e não tem dúvida alguma em chamar Gilmar e Luzia para personagens da campanha do PAC.
A assistente de direção também não tem mais dúvidas. Na véspera da filmagem pede demissão da campanha publicitária. Ela quer fazer um filme documentário.
::clbrç::Luana Pagin::
As aparências não enganam. O sangue ainda fresco mancha os postes de luz e forma pequenas poças no chão. Hoje ninguém foi trabalhar: as obras estão paradas e as sequências de tiros cruzando o céu explicam o porquê.
Mesmo assim, a van da equipe de filmagem está parada na cancela de acesso às obras do PAC no complexo de favelas de Manguinhos, no Rio de Janeiro. Dentro do veículo, os assistentes de direção e produção, juntamente com o chefe de segurança, visitam o local pela primeira vez. Cabe a eles a missão de descobrir e selecionar os desejados protagonistas para uma série de filmes publicitários do governo estadual sobre o PAC e as prometidas futuras alterações no (sub)padrão de vida da comunidade. Obras dignas de um filme publicitário cheio de sorrisos. E um pouco mais.
A meia hora de espera tarda em passar e o tiroteio também. O diretor do filme telefona inquieto para sua assistente e reforça o pedido – quer que o filme seja o mais documental possível. Ela desliga o telefone preocupada: como seria um filme publicitário documental naquelas condições? Quem chega para liberar o acesso às obras é um sujeito diminuto e atarracado. Genivaldo Lira dirige a associação de moradores e é mais conhecido como Seu Presidente. “Lá dentro é limpeza. A rapaziada sabe da importância disso aqui pra nós.”
O local está deserto. Os operários do PAC são quase todos habitantes da própria comunidade e não conseguiram chegar até o local de trabalho. Os assistentes de direção e de produção caminham calados, e o suor em seus corpos é o resultado da mistura inquieta do esforço físico e do medo. À essas sensações é somada subitamente um frio cortante na espinha, quando seus olhares avistam a surpreendente presença de duas figuras isoladas entre as imensas vigas de concreto erguidas logo à frente.
É um casal. Ambos mulatos, de uma beleza bem cuidada que se esconde por debaixo dos uniformes oficiais do PAC. Parecem estar desconectados daquela realidade surrealista e demoram algum tempo pra perceber a chegada da equipe. Então, sorriem. Seu Presidente logo toma as rédeas da situação, cumprimentando o casal com tapinhas nas costas. “Esses aqui são da comunidade. Gilmar e Luzia.”
“Saímos de manhã cedo pra levar as crianças na escola e viemos direto pra cá. Chegamos antes do tiroteio começar e ninguém mais apareceu.” Gilmar e Luzia. Ambos trabalham há 8 meses na obra e ganham um salário de R$590,00. Enquanto Seu Presidente e o restante da equipe de filmagem tratam de lhes explicar o objetivo da visita, o tiroteio parece se acalmar. Aos poucos, outros operários começam a chegar e tudo indica que em breve os trabalhos recomeçarão.
Mas a assistente de direção parece já ter achado o que queria. “Acho que encontrei os personagens. É um casal bonito e falam bem. Vou dar uma olhada na casa deles e fazer algumas imagens”, conta pelo telefone ao diretor. A trupe recomeça a sua marcha, agora não mais no campo neutro das obras do PAC e acrescida da presença do casal. As condições de segurança para uma caminhada nas entranhas da comunidade parecem melhorar. Pelo menos é o que diz Seu Presidente, caminhando à frente do grupo e sendo cumprimentado por absolutamente todos os moradores que cruzam o caminho.
As agressões da miséria passeiam por toda a comunidade sempre acompanhadas pelo inescapável cheiro de esgoto. Barracos quebrados, furados, podres. As manchas vermelhas pelo chão não são tinta: uma senhora lava o sangue que restara num carrinho de mão com uma mangueira. No caminho à casa de Gilmar e Luzia, o grupo se depara com ofertas insólitas. “Pó de cinco.” “Pó de dez.” “Ó o crack.”
Aproximadamente trinta traficantes exibem suas armas à tira-colo e empilham pequenas montanhas de drogas sobre algumas simples cangas estendidas no meio das ruelas. Maconha, cocaína e crack vendidos aos berros, ao ar livre. Seu Presidente, tenta amenizar o clima de estranheza de parte a parte, cumprimentando todos os traficantes com o mesmo tapinha nas costas e com a mesma frase. “Ta tranqüilo.” “Ta tranqüilo.”
Tranqüilo ou não, a feira narcótica fica pra trás. Agora, são Gilmar e Luzia quem tomam a frente da caravana, já se aproximando da sua casa. “É muito pequenininha, moça.” A moça diz pro casal não se preocupar. Discretamente, tira a câmera da bolsa e prepara-se para fazer as primeiras imagens, quando um menino de idade pré-adolescente indecifrável, frágil e esquelético, passa por ali completamente alienado à presença da equipe de filmagem. “Cadê meu copo de plástico? Cadê?”
Ele vai em direção à Cracolândia, a não mais de cinqüenta metros da casa de Gilmar e Luzia. Sem o cachimbo, usa um copo de água mineral para fumar a pedra. A figura murcha e definhada do menino deixa todos da equipe estarrecidos e, ao mesmo tempo, paradoxalmente fascinados com aquela realidade trágica e sem sorrisos, extremamente distante do mundo publicitário.
Mas a máquina não pode parar. A assistente de direção finalmente liga a câmera e põe à prova a naturalidade de Gilmar e Luzia diante das lentes. O casal vai bem, rendendo um valioso material de pesquisa para o comercial e encerrando assim o dia da equipe no complexo de Manguinhos. No dia seguinte, o diretor do comercial assiste as imagens e não tem dúvida alguma em chamar Gilmar e Luzia para personagens da campanha do PAC.
A assistente de direção também não tem mais dúvidas. Na véspera da filmagem pede demissão da campanha publicitária. Ela quer fazer um filme documentário.
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
[agência pirata] HASHTAGS NÃO DERRUBAM GOVERNOS
::txt::Tiago Dória::
Acreditar que a internet, por si só, fortalece a democracia é uma ideia tão simplória quanto achar que a queda de um governo autoritário sempre dá lugar a um democrático.
E mais, ao contrário do consenso geral, governos totalitários perceberam que o mundo mudou. Notaram que estão em um mundo de abundância de informação e que bloquear urls é coisa do passado. Hoje, usam formas bem mais sutis de censurar as vozes dissidentes.
Nessa história toda, o governo do Egito é uma exceção. Percebeu muito tarde que é mais eficiente monitorar a internet a bloquear o seu acesso.
A melhor forma de censurar a internet é não a censurar, explica o pesquisador em política e internet Evgeny Morozov, em seu polêmico e recém-lançado livro The Net Delusion (432 páginas/Editora PublicAffairs).
A leitura do livro de Morozov chegou em boa hora para mim. Não apenas por que o autor está presente na mídia, ficando assim mais fácil acompanhar a sua linha de pensamento, mas também por Net Delusion funcionar como um contraponto necessário em meio à certa histeria sobre o papel da internet nos recentes conflitos no Egito.
Segundo Morozov, nossa noção de censura na internet ainda tem como base a ideia de “bloquear/não bloquear”, lógica que, a rigor, não faz mais sentido hoje em dia. Cada vez mais, governos como os da China, Irã e Síria estão respondendo à internet de maneira diferente, utilizando-a em seu favor, para fortalecer os seus governos.
O que é natural acontecer, pois quando a censura à rede se torna impraticável ou politicamente indefensável, governos autoritários passam a usá-la para propaganda ou, em casos mais extremos, como uma ferramenta de monitoramento da população.
Um exemplo dessa mudança de postura é o venezuelano Hugo Chavez, que até abril de 2010 considerava a internet e o Twitter “ferramentas terroristas contra-revolucionárias dos EUA”. Mas, depois, ao perceber o potencial da internet para promoção pessoal e propaganda de seu governo, passou a aceitá-la, chegando a montar um perfil no Twitter.
Do mesmo modo, censurar blogs está virando coisa do passado na China e no Irã. É mais negócio criar um exército de blogueiros pró-governo e contratar pessoas para entupir blogs e redes de microblogs com perfis falsos e comentários a favor do governo (50 Cent Party).
Os efeitos são parecidos. E o objetivo é sufocar a oposição na web por meio de uma avalanche de conteúdo. Combater conteúdo com conteúdo e não com escassez de informações.
Não é sem motivos que os governos da China e do Irã estão por trás de investimentos em diversos sites e blogs de gosto duvidoso, que, claro, apóiam os respectivos governos.
Para os olhos internacionais é uma solução amigável, mantém-se uma aparência de liberalização; mas, na verdade, sufoca as vozes dissidentes no plano interno.
“Terceirizar a censura” também tem se tornado prática comum. Forçar as empresas de internet a se autocensurar ou, aceitando a censura oficial, praticá-la diretamente. Vide a Google forçada a filtrar resultados da busca na China, em 2009. Empresas internacionais oferecem resistência a essa prática, mas com medo de perderem mercado acabam cedendo. Com empresas locais não há com o que se preocupar. Muitas recebem subsídios estatais e acatam as ordens.
Conforme Morozov, isso é um problema, pois em muitos países totalitários há preferência pela utilização de serviços locais.
Uma das novas formas mais simples de sufocar as vozes dissidentes é justamente se aproveitar das características da web, como a descentralização. Em ambientes descentralizados é bem mais fácil espalhar boatos.
Durante os protestos em Teerã, em 2009, por exemplo, o governo iraniano usou o Twitter para propagar boatos e dessa maneira colocar a população em pânico e passar uma visão de que os protestos não eram tão populares. Enquanto a imprensa no Ocidente glorificava o papel do Twitter, ativistas no país pediam que não se usasse o serviço de microblogging como fonte de informação, devido à enorme quantidade de boatos.
Ainda durante os mesmos conflitos, o governo iraniano colocou no ar um site com fotos dos protestos e pediu que a população ajudasse a identificar as pessoas nas imagens. Crowdsourcing a favor da repressão.
O que Morozov mais destaca é o quanto os governos estão percebendo o enorme valor das informações publicadas espontaneamente nas redes sociais. Nisso, o monitoramento desses espaços é constante.
Informações que, antigamente, os serviços secretos do Irã e da China demoravam dias para filtrar, hoje facilmente podem ser encontradas nessas plataformas.
Com a onda do botão “curtir” no Facebook então, a navegação ficou menos anônima. Basta entrar no perfil de uma pessoa para saber por onde ela andou navegando (ou “curtindo”) nos últimos dias. Na Síria, já se fala que o Facebook é um grande banco de dados para o governo.
Em janeiro de 2010, Ahmadi Maghaddam, chefe da polícia iraniana, disse que “as novas tecnologias permitem identificar conspiradores sem a necessidade de controlar individualmente cada pessoa”
E, no próprio Egito, na semana passada, ativistas da oposição orientaram as pessoas a parar de utilizar o Facebook e o Twitter e priorizar o email, mais difícil de ser monitorado.
O governo da China, por sua vez, já está flertando com técnicas de data mining para analisar tendências em um nível macro nas redes sociais.
Por isso, na visão de Morozov, ao contrário do que os fundadores do Facebook e do Twitter dão a entender, as plataformas de redes sociais são uma faca de dois gumes para quem é dissidente.
Por um lado, dá mais visibilidade internacional. Mas, por outro, deixa mais vulnerável quem as utiliza.
É comum as pessoas serem presas no Irã, Nigéria e China com base em informações publicadas em seus perfis em redes sociais.
Em suma, Morozov mostra o que as “Wireds” e os “Mashables da vida” não costumam revelar – o lado B da internet, o que acontece quando a rede é utilizada para fortalecer a propaganda, censurar e vigiar a população em governos autoritários.
Por tal motivo, o pesquisador acredita que a internet não é inerentemente democrática. Tudo depende em qual contexto a tecnologia é usada. Em um país que tem uma base política e cultural democrática, ela tenderá a ser usada para fortalecer a democracia. Em um país que não possui nada disso, ela poderá reforçar o autoritarismo.
Enfim, para compreender o raciocínio de Morozov é necessário entender que ele vai contra o chamado “determinismo tecnológico”, linha de pensamento atual muito comum. Para o pesquisador, é a política, e principalmente a cultura e a economia, que moldam como usaremos uma tecnologia, e não o contrário. A internet não é algo autônomo, com vida própria e acima dos indivíduos. Ela, na verdade, está inserida dentro de um contexto que define os seus usos e os seus efeitos na sociedade.
E é exatamente essa visão que dá combustível para Morozov criticar a recente política externa americana, que, segundo ele, assume uma postura errada ao posicionar a internet como solução para todos os males e ao utilizar Facebook, Google e Twitter como ferramentas dessa política (vide a última capa da Foreign Affairs sobre o “poder político das mídias sociais” e os últimos discursos de Barack Obama e Hillary Clinton).
Morozov entende que essa politização da Web 2.0 mais atrapalha do que ajuda. Quanto mais Facebook, Twitter e Google forem vistos como ferramentas da política externa americana, maior o risco de serem censurados em países com governos ditatoriais.
Além disso, para Morozov, esse tipo de política é simplória, pois, no desejo de tornar menos complexo o discurso (internet vs ditaduras), acaba tentando resolver um problema político, cultural e econômico (governos autoritários) com uma solução tecnológica (acesso a Twitter e Facebook).
Ou seja, trata um grande problema como se fosse pequeno.
O pesquisador acredita que, em parte, isso acontece por que a política externa americana ainda é pautada por padrões da Guerra Fria – quanto mais acesso à informação, pior para governos autoritários. Tipo de leitura que o pesquisador considera imprecisa, mas presente em todas as análises sobre a internet, principalmente nas produzidas pela imprensa ocidental.
Nem sempre acesso à informação torna as pessoas mais politizadas. Na China, a maioria dos usuários usa a rede para baixar filmes pirateados dos EUA e não para acessar informações políticas. Na Rússia, os blogs mais visitados não são os políticos. Pelo contrário, são os de humor e sexo.
Na Alemanha Oriental, as poucas pessoas que tinham acesso a redes de TV ocidentais usavam-nas, principalmente, para assistir seriados como Dallas e Miami Vice. (Até hoje, nos círculos de pensadores americanos, acredita-se que o Muro de Berlim caiu por causa da TV e não em razão de um processo, fruto de anos de descontentamento político e econômico).
Um dos muitos destaques de Net Delusion se dá quando Morozov analisa por que, muitas vezes, o ativismo facilitado pelas redes sociais faz muito barulho, mas resulta em quase nada. Haja vista aqui, no Brasil, o #forasarney (Sarney está mais presente do que nunca na política brasileira).
É interessante essa parte do livro, pois Morozov fala da sua própria experiência. O autor acompanhou de perto o ativismo online na Bielorrússia, sua terra natal.
Segundo ele, existem exceções, mas muitas vezes esse tipo de ciberativismo não apresenta resultados, visto que se preocupa muito com a mobilização (juntar seguidores no Twitter e amigos no Facebook) e pouco com a ação (depois de conseguir 10 mil seguidores e fãs na página do Facebook, o que vai fazer? Enviar spam com conteúdo político para todo mundo?).
A capacidade de mobilizar ainda está encantando os ciberativistas, embora a capacidade de agir seja bem mais importante.
Outra questão exposta é a de que, na maioria das vezes, esse tipo de ativismo acontece por motivos que nada têm a ver com ideais ou causas políticas, mas sobretudo para impressionar os amigos e criar uma identidade online. A rede social favorece isso. Vou participar por que os meus amigos estão participando. Vou participar para mostrar que não sou alienado, e não falo apenas bobagens no Twitter.
Para Morozov (foto acima), o resultado é uma baixa taxa de comprometimento e uma alta quantidade de participantes. Combinação nociva para qualquer movimento.
Quanto maior o grupo, menor a pressão para apresentar resultados (se eu não fizer nada, ninguém vai perceber já que tem tanta gente mesmo). Ou seja, se não existem meios de mensurar a participação de cada em um movimento, os efeitos são mínimos.
Por essa razão, nas plataformas de redes sociais, é muito fácil você “fazer a sua parte”, basta usar uma hashtag, mudar a cor da foto em seu perfil, e pronto!
De acordo com o pesquisador, revoluções exigem 3 coisas – disciplina, líderes e comprometimento. E isso você não encontra nas redes sociais que nivelam todo mundo na horizontal.
Em questão de segundos e de forma indolor, você pode deixar de apoiar uma causa no Facebook, sem qualquer comprometimento ou remorso. As plataformas de redes sociais são um dos poucos ambientes onde, ao mesmo tempo, você pode apoiar todas ou nenhuma causa, conclui Morozov.
Pelo que tenho percebido, por tratar de temas polêmicos, Net Delusion caminha para o mesmo fim de Free, de Chris Anderson – tornar-se um livro mal compreendido.
Em nenhum momento, Morozov afirma que a internet não tem capacidade de fortalecer a democracia. Pelo contrário, ele acredita que os dissidentes devem sim utilizar Twitter e Facebook, mas desde que estejam familiarizados com os riscos. A tecnologia de “cloud computing”, por exemplo, é algo que Morozov acredita estar ajudando os opositores.
Em essência, o livro não vai de encontro a este ou aquele país, mas sim contra o “determinismo tecnológico” (de achar que a internet tem um papel determinante em tudo). Para Morozov, essa linha de pensamento pode ter efeitos nocivos para a democracia, ao tentar resolver problemas que são muito mais sociais, culturais e econômicos com uma mera solução tecnológica.
Esse “determinismo” estaria afastando-nos das questões essenciais, como a de que governos autoritários morrem por causa de problemas políticos e econômicos. Em regra, se a economia está boa, dificilmente um governo cai.
Para quem é da área de tecnologia, Net Delusion tem uma lição sutil e interessante.
Constitui um erro descontextualizar uma tecnologia, quando se analisa seus efeitos e seu poder de gerar mudanças. Em certos contextos, algumas tecnologias podem causar mais efeitos, e outros, não.
Muitas vezes, por acharmos que uma tecnologia é autônoma, com vida própria, não compreendemos por que ela dá resultados em uma empresa e em outras não. Por que os blogs em alguns países servem mais para polarizar do que informar. Por que uma “ação genial” dá certo com um cliente e com outro não. Por que a internet fortalece a democracia em alguns países, ao contrário de outros.
Não é por que uma tecnologia produziu um efeito em um dado ambiente que, necessariamente, ele se reproduzirá em outros. Enfim, o que define os efeitos de uma tecnologia é o contexto no qual ela é utilizada, e não “poderes mágicos” que supostamente lhe sejam atribuídos.
Compreender isso é importante para utilizar a internet não somente com fins comerciais, mas também como meio efetivo de fortalecimento da democracia.
Acreditar que a internet, por si só, fortalece a democracia é uma ideia tão simplória quanto achar que a queda de um governo autoritário sempre dá lugar a um democrático.
E mais, ao contrário do consenso geral, governos totalitários perceberam que o mundo mudou. Notaram que estão em um mundo de abundância de informação e que bloquear urls é coisa do passado. Hoje, usam formas bem mais sutis de censurar as vozes dissidentes.
Nessa história toda, o governo do Egito é uma exceção. Percebeu muito tarde que é mais eficiente monitorar a internet a bloquear o seu acesso.
A melhor forma de censurar a internet é não a censurar, explica o pesquisador em política e internet Evgeny Morozov, em seu polêmico e recém-lançado livro The Net Delusion (432 páginas/Editora PublicAffairs).
A leitura do livro de Morozov chegou em boa hora para mim. Não apenas por que o autor está presente na mídia, ficando assim mais fácil acompanhar a sua linha de pensamento, mas também por Net Delusion funcionar como um contraponto necessário em meio à certa histeria sobre o papel da internet nos recentes conflitos no Egito.
Segundo Morozov, nossa noção de censura na internet ainda tem como base a ideia de “bloquear/não bloquear”, lógica que, a rigor, não faz mais sentido hoje em dia. Cada vez mais, governos como os da China, Irã e Síria estão respondendo à internet de maneira diferente, utilizando-a em seu favor, para fortalecer os seus governos.
O que é natural acontecer, pois quando a censura à rede se torna impraticável ou politicamente indefensável, governos autoritários passam a usá-la para propaganda ou, em casos mais extremos, como uma ferramenta de monitoramento da população.
Um exemplo dessa mudança de postura é o venezuelano Hugo Chavez, que até abril de 2010 considerava a internet e o Twitter “ferramentas terroristas contra-revolucionárias dos EUA”. Mas, depois, ao perceber o potencial da internet para promoção pessoal e propaganda de seu governo, passou a aceitá-la, chegando a montar um perfil no Twitter.
Do mesmo modo, censurar blogs está virando coisa do passado na China e no Irã. É mais negócio criar um exército de blogueiros pró-governo e contratar pessoas para entupir blogs e redes de microblogs com perfis falsos e comentários a favor do governo (50 Cent Party).
Os efeitos são parecidos. E o objetivo é sufocar a oposição na web por meio de uma avalanche de conteúdo. Combater conteúdo com conteúdo e não com escassez de informações.
Não é sem motivos que os governos da China e do Irã estão por trás de investimentos em diversos sites e blogs de gosto duvidoso, que, claro, apóiam os respectivos governos.
Para os olhos internacionais é uma solução amigável, mantém-se uma aparência de liberalização; mas, na verdade, sufoca as vozes dissidentes no plano interno.
“Terceirizar a censura” também tem se tornado prática comum. Forçar as empresas de internet a se autocensurar ou, aceitando a censura oficial, praticá-la diretamente. Vide a Google forçada a filtrar resultados da busca na China, em 2009. Empresas internacionais oferecem resistência a essa prática, mas com medo de perderem mercado acabam cedendo. Com empresas locais não há com o que se preocupar. Muitas recebem subsídios estatais e acatam as ordens.
Conforme Morozov, isso é um problema, pois em muitos países totalitários há preferência pela utilização de serviços locais.
Uma das novas formas mais simples de sufocar as vozes dissidentes é justamente se aproveitar das características da web, como a descentralização. Em ambientes descentralizados é bem mais fácil espalhar boatos.
Durante os protestos em Teerã, em 2009, por exemplo, o governo iraniano usou o Twitter para propagar boatos e dessa maneira colocar a população em pânico e passar uma visão de que os protestos não eram tão populares. Enquanto a imprensa no Ocidente glorificava o papel do Twitter, ativistas no país pediam que não se usasse o serviço de microblogging como fonte de informação, devido à enorme quantidade de boatos.
Ainda durante os mesmos conflitos, o governo iraniano colocou no ar um site com fotos dos protestos e pediu que a população ajudasse a identificar as pessoas nas imagens. Crowdsourcing a favor da repressão.
O que Morozov mais destaca é o quanto os governos estão percebendo o enorme valor das informações publicadas espontaneamente nas redes sociais. Nisso, o monitoramento desses espaços é constante.
Informações que, antigamente, os serviços secretos do Irã e da China demoravam dias para filtrar, hoje facilmente podem ser encontradas nessas plataformas.
Com a onda do botão “curtir” no Facebook então, a navegação ficou menos anônima. Basta entrar no perfil de uma pessoa para saber por onde ela andou navegando (ou “curtindo”) nos últimos dias. Na Síria, já se fala que o Facebook é um grande banco de dados para o governo.
Em janeiro de 2010, Ahmadi Maghaddam, chefe da polícia iraniana, disse que “as novas tecnologias permitem identificar conspiradores sem a necessidade de controlar individualmente cada pessoa”
E, no próprio Egito, na semana passada, ativistas da oposição orientaram as pessoas a parar de utilizar o Facebook e o Twitter e priorizar o email, mais difícil de ser monitorado.
O governo da China, por sua vez, já está flertando com técnicas de data mining para analisar tendências em um nível macro nas redes sociais.
Por isso, na visão de Morozov, ao contrário do que os fundadores do Facebook e do Twitter dão a entender, as plataformas de redes sociais são uma faca de dois gumes para quem é dissidente.
Por um lado, dá mais visibilidade internacional. Mas, por outro, deixa mais vulnerável quem as utiliza.
É comum as pessoas serem presas no Irã, Nigéria e China com base em informações publicadas em seus perfis em redes sociais.
Em suma, Morozov mostra o que as “Wireds” e os “Mashables da vida” não costumam revelar – o lado B da internet, o que acontece quando a rede é utilizada para fortalecer a propaganda, censurar e vigiar a população em governos autoritários.
Por tal motivo, o pesquisador acredita que a internet não é inerentemente democrática. Tudo depende em qual contexto a tecnologia é usada. Em um país que tem uma base política e cultural democrática, ela tenderá a ser usada para fortalecer a democracia. Em um país que não possui nada disso, ela poderá reforçar o autoritarismo.
Enfim, para compreender o raciocínio de Morozov é necessário entender que ele vai contra o chamado “determinismo tecnológico”, linha de pensamento atual muito comum. Para o pesquisador, é a política, e principalmente a cultura e a economia, que moldam como usaremos uma tecnologia, e não o contrário. A internet não é algo autônomo, com vida própria e acima dos indivíduos. Ela, na verdade, está inserida dentro de um contexto que define os seus usos e os seus efeitos na sociedade.
E é exatamente essa visão que dá combustível para Morozov criticar a recente política externa americana, que, segundo ele, assume uma postura errada ao posicionar a internet como solução para todos os males e ao utilizar Facebook, Google e Twitter como ferramentas dessa política (vide a última capa da Foreign Affairs sobre o “poder político das mídias sociais” e os últimos discursos de Barack Obama e Hillary Clinton).
Morozov entende que essa politização da Web 2.0 mais atrapalha do que ajuda. Quanto mais Facebook, Twitter e Google forem vistos como ferramentas da política externa americana, maior o risco de serem censurados em países com governos ditatoriais.
Além disso, para Morozov, esse tipo de política é simplória, pois, no desejo de tornar menos complexo o discurso (internet vs ditaduras), acaba tentando resolver um problema político, cultural e econômico (governos autoritários) com uma solução tecnológica (acesso a Twitter e Facebook).
Ou seja, trata um grande problema como se fosse pequeno.
O pesquisador acredita que, em parte, isso acontece por que a política externa americana ainda é pautada por padrões da Guerra Fria – quanto mais acesso à informação, pior para governos autoritários. Tipo de leitura que o pesquisador considera imprecisa, mas presente em todas as análises sobre a internet, principalmente nas produzidas pela imprensa ocidental.
Nem sempre acesso à informação torna as pessoas mais politizadas. Na China, a maioria dos usuários usa a rede para baixar filmes pirateados dos EUA e não para acessar informações políticas. Na Rússia, os blogs mais visitados não são os políticos. Pelo contrário, são os de humor e sexo.
Na Alemanha Oriental, as poucas pessoas que tinham acesso a redes de TV ocidentais usavam-nas, principalmente, para assistir seriados como Dallas e Miami Vice. (Até hoje, nos círculos de pensadores americanos, acredita-se que o Muro de Berlim caiu por causa da TV e não em razão de um processo, fruto de anos de descontentamento político e econômico).
Um dos muitos destaques de Net Delusion se dá quando Morozov analisa por que, muitas vezes, o ativismo facilitado pelas redes sociais faz muito barulho, mas resulta em quase nada. Haja vista aqui, no Brasil, o #forasarney (Sarney está mais presente do que nunca na política brasileira).
É interessante essa parte do livro, pois Morozov fala da sua própria experiência. O autor acompanhou de perto o ativismo online na Bielorrússia, sua terra natal.
Segundo ele, existem exceções, mas muitas vezes esse tipo de ciberativismo não apresenta resultados, visto que se preocupa muito com a mobilização (juntar seguidores no Twitter e amigos no Facebook) e pouco com a ação (depois de conseguir 10 mil seguidores e fãs na página do Facebook, o que vai fazer? Enviar spam com conteúdo político para todo mundo?).
A capacidade de mobilizar ainda está encantando os ciberativistas, embora a capacidade de agir seja bem mais importante.
Outra questão exposta é a de que, na maioria das vezes, esse tipo de ativismo acontece por motivos que nada têm a ver com ideais ou causas políticas, mas sobretudo para impressionar os amigos e criar uma identidade online. A rede social favorece isso. Vou participar por que os meus amigos estão participando. Vou participar para mostrar que não sou alienado, e não falo apenas bobagens no Twitter.
Para Morozov (foto acima), o resultado é uma baixa taxa de comprometimento e uma alta quantidade de participantes. Combinação nociva para qualquer movimento.
Quanto maior o grupo, menor a pressão para apresentar resultados (se eu não fizer nada, ninguém vai perceber já que tem tanta gente mesmo). Ou seja, se não existem meios de mensurar a participação de cada em um movimento, os efeitos são mínimos.
Por essa razão, nas plataformas de redes sociais, é muito fácil você “fazer a sua parte”, basta usar uma hashtag, mudar a cor da foto em seu perfil, e pronto!
De acordo com o pesquisador, revoluções exigem 3 coisas – disciplina, líderes e comprometimento. E isso você não encontra nas redes sociais que nivelam todo mundo na horizontal.
Em questão de segundos e de forma indolor, você pode deixar de apoiar uma causa no Facebook, sem qualquer comprometimento ou remorso. As plataformas de redes sociais são um dos poucos ambientes onde, ao mesmo tempo, você pode apoiar todas ou nenhuma causa, conclui Morozov.
Pelo que tenho percebido, por tratar de temas polêmicos, Net Delusion caminha para o mesmo fim de Free, de Chris Anderson – tornar-se um livro mal compreendido.
Em nenhum momento, Morozov afirma que a internet não tem capacidade de fortalecer a democracia. Pelo contrário, ele acredita que os dissidentes devem sim utilizar Twitter e Facebook, mas desde que estejam familiarizados com os riscos. A tecnologia de “cloud computing”, por exemplo, é algo que Morozov acredita estar ajudando os opositores.
Em essência, o livro não vai de encontro a este ou aquele país, mas sim contra o “determinismo tecnológico” (de achar que a internet tem um papel determinante em tudo). Para Morozov, essa linha de pensamento pode ter efeitos nocivos para a democracia, ao tentar resolver problemas que são muito mais sociais, culturais e econômicos com uma mera solução tecnológica.
Esse “determinismo” estaria afastando-nos das questões essenciais, como a de que governos autoritários morrem por causa de problemas políticos e econômicos. Em regra, se a economia está boa, dificilmente um governo cai.
Para quem é da área de tecnologia, Net Delusion tem uma lição sutil e interessante.
Constitui um erro descontextualizar uma tecnologia, quando se analisa seus efeitos e seu poder de gerar mudanças. Em certos contextos, algumas tecnologias podem causar mais efeitos, e outros, não.
Muitas vezes, por acharmos que uma tecnologia é autônoma, com vida própria, não compreendemos por que ela dá resultados em uma empresa e em outras não. Por que os blogs em alguns países servem mais para polarizar do que informar. Por que uma “ação genial” dá certo com um cliente e com outro não. Por que a internet fortalece a democracia em alguns países, ao contrário de outros.
Não é por que uma tecnologia produziu um efeito em um dado ambiente que, necessariamente, ele se reproduzirá em outros. Enfim, o que define os efeitos de uma tecnologia é o contexto no qual ela é utilizada, e não “poderes mágicos” que supostamente lhe sejam atribuídos.
Compreender isso é importante para utilizar a internet não somente com fins comerciais, mas também como meio efetivo de fortalecimento da democracia.
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
[iemanjá] DOIS DE FEVEREIRO
::ltr::Dorival Caymmi::
Dia dois de fevereiro
Dia de festa no mar
Eu quero ser o primeiro
A saudar Iemanjá
Dia dois de fevereiro
Dia de festa no mar
Eu quero ser o primeiro
A saudar Iemanjá
Escrevi um bilhete a ela Pedindo pra ela me ajudar
Ela então me respondeu
Que eu tivesse paciência de esperar
O presente que eu mandei pra ela
De cravos e rosas vingou
Chegou, chegou, chegou
Afinal que o dia dela chegou
Chegou, chegou, chegou
Afinal que o dia dela chegou
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
Assinar:
Postagens (Atom)
#ALGUNS DIREITOS RESERVADOS
blog O DILÚVIO by
O DILÚVIO is licensed under a
Creative Commons Atribuição-Compartilhamento pela mesma Licença 3.0 Brasil License.
Você pode:
- Compartilhar — copiar, distribuir e transmitir a obra.
- Remixar — criar obras derivadas.
Sob as seguintes condições:
-
Atribuição — Você deve creditar a obra da forma especificada pelo autor ou licenciante (mas não de maneira que sugira que estes concedem qualquer aval a você ou ao seu uso da obra).
-
Compartilhamento pela mesma licença — Se você alterar, transformar ou criar em cima desta obra, você poderá distribuir a obra resultante apenas sob a mesma licença, ou sob licença similar ou compatível.
Ficando claro que:
- Renúncia — Qualquer das condições acima pode ser renunciada se você obtiver permissão do titular dos direitos autorais.
- Domínio Público — Onde a obra ou qualquer de seus elementos estiver em domínio público sob o direito aplicável, esta condição não é, de maneira alguma, afetada pela licença.
- Outros Direitos — Os seguintes direitos não são, de maneira alguma, afetados pela licença:
- Limitações e exceções aos direitos autorais ou quaisquer usos livres aplicáveis;
- Os direitos morais do autor;
- Direitos que outras pessoas podem ter sobre a obra ou sobre a utilização da obra, tais como direitos de imagem ou privacidade.
- Aviso — Para qualquer reutilização ou distribuição, você deve deixar claro a terceiros os termos da licença a que se encontra submetida esta obra. A melhor maneira de fazer isso é com um link para esta página.