::txt::Tiago Dória::
Acreditar que a internet, por si só, fortalece a democracia é uma ideia tão simplória quanto achar que a queda de um governo autoritário sempre dá lugar a um democrático.
E mais, ao contrário do consenso geral, governos totalitários perceberam que o mundo mudou. Notaram que estão em um mundo de abundância de informação e que bloquear urls é coisa do passado. Hoje, usam formas bem mais sutis de censurar as vozes dissidentes.
Nessa história toda, o governo do Egito é uma exceção. Percebeu muito tarde que é mais eficiente monitorar a internet a bloquear o seu acesso.
A melhor forma de censurar a internet é não a censurar, explica o pesquisador em política e internet Evgeny Morozov, em seu polêmico e recém-lançado livro The Net Delusion (432 páginas/Editora PublicAffairs).
A leitura do livro de Morozov chegou em boa hora para mim. Não apenas por que o autor está presente na mídia, ficando assim mais fácil acompanhar a sua linha de pensamento, mas também por Net Delusion funcionar como um contraponto necessário em meio à certa histeria sobre o papel da internet nos recentes conflitos no Egito.
Segundo Morozov, nossa noção de censura na internet ainda tem como base a ideia de “bloquear/não bloquear”, lógica que, a rigor, não faz mais sentido hoje em dia. Cada vez mais, governos como os da China, Irã e Síria estão respondendo à internet de maneira diferente, utilizando-a em seu favor, para fortalecer os seus governos.
O que é natural acontecer, pois quando a censura à rede se torna impraticável ou politicamente indefensável, governos autoritários passam a usá-la para propaganda ou, em casos mais extremos, como uma ferramenta de monitoramento da população.
Um exemplo dessa mudança de postura é o venezuelano Hugo Chavez, que até abril de 2010 considerava a internet e o Twitter “ferramentas terroristas contra-revolucionárias dos EUA”. Mas, depois, ao perceber o potencial da internet para promoção pessoal e propaganda de seu governo, passou a aceitá-la, chegando a montar um perfil no Twitter.
Do mesmo modo, censurar blogs está virando coisa do passado na China e no Irã. É mais negócio criar um exército de blogueiros pró-governo e contratar pessoas para entupir blogs e redes de microblogs com perfis falsos e comentários a favor do governo (50 Cent Party).
Os efeitos são parecidos. E o objetivo é sufocar a oposição na web por meio de uma avalanche de conteúdo. Combater conteúdo com conteúdo e não com escassez de informações.
Não é sem motivos que os governos da China e do Irã estão por trás de investimentos em diversos sites e blogs de gosto duvidoso, que, claro, apóiam os respectivos governos.
Para os olhos internacionais é uma solução amigável, mantém-se uma aparência de liberalização; mas, na verdade, sufoca as vozes dissidentes no plano interno.
“Terceirizar a censura” também tem se tornado prática comum. Forçar as empresas de internet a se autocensurar ou, aceitando a censura oficial, praticá-la diretamente. Vide a Google forçada a filtrar resultados da busca na China, em 2009. Empresas internacionais oferecem resistência a essa prática, mas com medo de perderem mercado acabam cedendo. Com empresas locais não há com o que se preocupar. Muitas recebem subsídios estatais e acatam as ordens.
Conforme Morozov, isso é um problema, pois em muitos países totalitários há preferência pela utilização de serviços locais.
Uma das novas formas mais simples de sufocar as vozes dissidentes é justamente se aproveitar das características da web, como a descentralização. Em ambientes descentralizados é bem mais fácil espalhar boatos.
Durante os protestos em Teerã, em 2009, por exemplo, o governo iraniano usou o Twitter para propagar boatos e dessa maneira colocar a população em pânico e passar uma visão de que os protestos não eram tão populares. Enquanto a imprensa no Ocidente glorificava o papel do Twitter, ativistas no país pediam que não se usasse o serviço de microblogging como fonte de informação, devido à enorme quantidade de boatos.
Ainda durante os mesmos conflitos, o governo iraniano colocou no ar um site com fotos dos protestos e pediu que a população ajudasse a identificar as pessoas nas imagens. Crowdsourcing a favor da repressão.
O que Morozov mais destaca é o quanto os governos estão percebendo o enorme valor das informações publicadas espontaneamente nas redes sociais. Nisso, o monitoramento desses espaços é constante.
Informações que, antigamente, os serviços secretos do Irã e da China demoravam dias para filtrar, hoje facilmente podem ser encontradas nessas plataformas.
Com a onda do botão “curtir” no Facebook então, a navegação ficou menos anônima. Basta entrar no perfil de uma pessoa para saber por onde ela andou navegando (ou “curtindo”) nos últimos dias. Na Síria, já se fala que o Facebook é um grande banco de dados para o governo.
Em janeiro de 2010, Ahmadi Maghaddam, chefe da polícia iraniana, disse que “as novas tecnologias permitem identificar conspiradores sem a necessidade de controlar individualmente cada pessoa”
E, no próprio Egito, na semana passada, ativistas da oposição orientaram as pessoas a parar de utilizar o Facebook e o Twitter e priorizar o email, mais difícil de ser monitorado.
O governo da China, por sua vez, já está flertando com técnicas de data mining para analisar tendências em um nível macro nas redes sociais.
Por isso, na visão de Morozov, ao contrário do que os fundadores do Facebook e do Twitter dão a entender, as plataformas de redes sociais são uma faca de dois gumes para quem é dissidente.
Por um lado, dá mais visibilidade internacional. Mas, por outro, deixa mais vulnerável quem as utiliza.
É comum as pessoas serem presas no Irã, Nigéria e China com base em informações publicadas em seus perfis em redes sociais.
Em suma, Morozov mostra o que as “Wireds” e os “Mashables da vida” não costumam revelar – o lado B da internet, o que acontece quando a rede é utilizada para fortalecer a propaganda, censurar e vigiar a população em governos autoritários.
Por tal motivo, o pesquisador acredita que a internet não é inerentemente democrática. Tudo depende em qual contexto a tecnologia é usada. Em um país que tem uma base política e cultural democrática, ela tenderá a ser usada para fortalecer a democracia. Em um país que não possui nada disso, ela poderá reforçar o autoritarismo.
Enfim, para compreender o raciocínio de Morozov é necessário entender que ele vai contra o chamado “determinismo tecnológico”, linha de pensamento atual muito comum. Para o pesquisador, é a política, e principalmente a cultura e a economia, que moldam como usaremos uma tecnologia, e não o contrário. A internet não é algo autônomo, com vida própria e acima dos indivíduos. Ela, na verdade, está inserida dentro de um contexto que define os seus usos e os seus efeitos na sociedade.
E é exatamente essa visão que dá combustível para Morozov criticar a recente política externa americana, que, segundo ele, assume uma postura errada ao posicionar a internet como solução para todos os males e ao utilizar Facebook, Google e Twitter como ferramentas dessa política (vide a última capa da Foreign Affairs sobre o “poder político das mídias sociais” e os últimos discursos de Barack Obama e Hillary Clinton).
Morozov entende que essa politização da Web 2.0 mais atrapalha do que ajuda. Quanto mais Facebook, Twitter e Google forem vistos como ferramentas da política externa americana, maior o risco de serem censurados em países com governos ditatoriais.
Além disso, para Morozov, esse tipo de política é simplória, pois, no desejo de tornar menos complexo o discurso (internet vs ditaduras), acaba tentando resolver um problema político, cultural e econômico (governos autoritários) com uma solução tecnológica (acesso a Twitter e Facebook).
Ou seja, trata um grande problema como se fosse pequeno.
O pesquisador acredita que, em parte, isso acontece por que a política externa americana ainda é pautada por padrões da Guerra Fria – quanto mais acesso à informação, pior para governos autoritários. Tipo de leitura que o pesquisador considera imprecisa, mas presente em todas as análises sobre a internet, principalmente nas produzidas pela imprensa ocidental.
Nem sempre acesso à informação torna as pessoas mais politizadas. Na China, a maioria dos usuários usa a rede para baixar filmes pirateados dos EUA e não para acessar informações políticas. Na Rússia, os blogs mais visitados não são os políticos. Pelo contrário, são os de humor e sexo.
Na Alemanha Oriental, as poucas pessoas que tinham acesso a redes de TV ocidentais usavam-nas, principalmente, para assistir seriados como Dallas e Miami Vice. (Até hoje, nos círculos de pensadores americanos, acredita-se que o Muro de Berlim caiu por causa da TV e não em razão de um processo, fruto de anos de descontentamento político e econômico).
Um dos muitos destaques de Net Delusion se dá quando Morozov analisa por que, muitas vezes, o ativismo facilitado pelas redes sociais faz muito barulho, mas resulta em quase nada. Haja vista aqui, no Brasil, o #forasarney (Sarney está mais presente do que nunca na política brasileira).
É interessante essa parte do livro, pois Morozov fala da sua própria experiência. O autor acompanhou de perto o ativismo online na Bielorrússia, sua terra natal.
Segundo ele, existem exceções, mas muitas vezes esse tipo de ciberativismo não apresenta resultados, visto que se preocupa muito com a mobilização (juntar seguidores no Twitter e amigos no Facebook) e pouco com a ação (depois de conseguir 10 mil seguidores e fãs na página do Facebook, o que vai fazer? Enviar spam com conteúdo político para todo mundo?).
A capacidade de mobilizar ainda está encantando os ciberativistas, embora a capacidade de agir seja bem mais importante.
Outra questão exposta é a de que, na maioria das vezes, esse tipo de ativismo acontece por motivos que nada têm a ver com ideais ou causas políticas, mas sobretudo para impressionar os amigos e criar uma identidade online. A rede social favorece isso. Vou participar por que os meus amigos estão participando. Vou participar para mostrar que não sou alienado, e não falo apenas bobagens no Twitter.
Para Morozov (foto acima), o resultado é uma baixa taxa de comprometimento e uma alta quantidade de participantes. Combinação nociva para qualquer movimento.
Quanto maior o grupo, menor a pressão para apresentar resultados (se eu não fizer nada, ninguém vai perceber já que tem tanta gente mesmo). Ou seja, se não existem meios de mensurar a participação de cada em um movimento, os efeitos são mínimos.
Por essa razão, nas plataformas de redes sociais, é muito fácil você “fazer a sua parte”, basta usar uma hashtag, mudar a cor da foto em seu perfil, e pronto!
De acordo com o pesquisador, revoluções exigem 3 coisas – disciplina, líderes e comprometimento. E isso você não encontra nas redes sociais que nivelam todo mundo na horizontal.
Em questão de segundos e de forma indolor, você pode deixar de apoiar uma causa no Facebook, sem qualquer comprometimento ou remorso. As plataformas de redes sociais são um dos poucos ambientes onde, ao mesmo tempo, você pode apoiar todas ou nenhuma causa, conclui Morozov.
Pelo que tenho percebido, por tratar de temas polêmicos, Net Delusion caminha para o mesmo fim de Free, de Chris Anderson – tornar-se um livro mal compreendido.
Em nenhum momento, Morozov afirma que a internet não tem capacidade de fortalecer a democracia. Pelo contrário, ele acredita que os dissidentes devem sim utilizar Twitter e Facebook, mas desde que estejam familiarizados com os riscos. A tecnologia de “cloud computing”, por exemplo, é algo que Morozov acredita estar ajudando os opositores.
Em essência, o livro não vai de encontro a este ou aquele país, mas sim contra o “determinismo tecnológico” (de achar que a internet tem um papel determinante em tudo). Para Morozov, essa linha de pensamento pode ter efeitos nocivos para a democracia, ao tentar resolver problemas que são muito mais sociais, culturais e econômicos com uma mera solução tecnológica.
Esse “determinismo” estaria afastando-nos das questões essenciais, como a de que governos autoritários morrem por causa de problemas políticos e econômicos. Em regra, se a economia está boa, dificilmente um governo cai.
Para quem é da área de tecnologia, Net Delusion tem uma lição sutil e interessante.
Constitui um erro descontextualizar uma tecnologia, quando se analisa seus efeitos e seu poder de gerar mudanças. Em certos contextos, algumas tecnologias podem causar mais efeitos, e outros, não.
Muitas vezes, por acharmos que uma tecnologia é autônoma, com vida própria, não compreendemos por que ela dá resultados em uma empresa e em outras não. Por que os blogs em alguns países servem mais para polarizar do que informar. Por que uma “ação genial” dá certo com um cliente e com outro não. Por que a internet fortalece a democracia em alguns países, ao contrário de outros.
Não é por que uma tecnologia produziu um efeito em um dado ambiente que, necessariamente, ele se reproduzirá em outros. Enfim, o que define os efeitos de uma tecnologia é o contexto no qual ela é utilizada, e não “poderes mágicos” que supostamente lhe sejam atribuídos.
Compreender isso é importante para utilizar a internet não somente com fins comerciais, mas também como meio efetivo de fortalecimento da democracia.
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