#CADÊ MEU CHINELO?

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

[agência pirata] E SE UM LOBO SOPRAR A CASA?



::txt::Bruno Nogueira::

Uma das grandes curiosidades da Confraria do Buxexa é que o dono do restaurante, o Buxexa, é pai da Eline. Cantora do Hang The Superstars e uma das maiores trabalhadoras do rock nacional, braço da Construtora comandada por Fabrício Nobre em Goiânia. No fim, acho que o grande e talvez único trunfo do Fora do Eixo foi ter reunido os grandes trabalhadores da música brasileira. Como os construtores, como o casal Foca e Ana, do DoSol, e porque não, também como os próprios Talles, Pablo Capilé. Mesmo não tendo, como falarei a seguir, uma causa em comum.

Quando o FDE entrou no ritmo certo do crescimento muita coisa aconteceu. Os coletivos estiveram envolvidos desde a criação da Rede Música Brasil como em quase todos os debates de música do País que aconteciam em festivais e feiras. Começaram a entrar em áreas como teatro e cineclubes. Até inventaram de criar um site de jornalismo musical chamado N’Agulha. Fui fazer parte da equipe com Alex Antunes e uma turma mais nova e gente boa do FDE. Na época fui pelo acordo financeiro de cobrir meu salário no jornal A Tarde. Nunca recebi. Não sei se o Alex recebeu, mas com ele o acordo também era outro.

Foi uma oportunidade boa de conhecer alguns eventos de perto. No Calango, por exemplo, vi que a polêmica maior feita ao Fora do Eixo não tinha fundamento. Em edição patrocinada em parte pela Petrobras, bandas receberam cachê, outras receberam uma boa ajuda de custo e algumas, principalmente locais, das que conversei, não receberam. Mas também não se importavam com isso pela troca de fazer parte e ajudar a construir algo maior. Honesto, na minha percepção. Todo artista era, antes de tudo, muito bem tratado. Ficou claro que talvez eventos menores, que queriam entrar no circuito intermediário, de fato não pagavam cachê. Mas também nem tinham força para isso. Uma enxurrada de festivais simplesmente deixou de existir nesse período.

Para mim, relembrando toda essa história, me dei conta como na época eles pareciam estar construindo algo sólido em Cuiabá. Faltava música boa ainda. Mas o Vanguart e o Macaco Bong mostravam que eles estavam no caminho certo e que a boa música poderia aparece no futuro próximo.

O que leva a questão que, para mim sim, parece ser polêmica. Porque depois de construir tanto, o Fora do Eixo simplesmente sumiu de Cuiabá? Porque após construir uma marca forte com o mote de estar fora do eixo da produção, eles foram diretamente ao Eixo? Pegando os coletivos mais sólidos do grupo, em Goiânia, Natal e Belo Horizonte, existe um discurso de valorização de auto estima local fantástico. Estão trabalhando para levantar a moral de suas cidades. Então porque sair da base disso tudo? Cuiabá ficou sem festival Calango (alguém se ligou que ele não aconteceu esse ano?), sem Espaço Cubo, sem nem mesmo ninguém para contar a historia? Tudo para São Paulo ganhar um albergue coletivo?

Em 2010 Cuiabá parecia ser o próximo centro cultural interessante do país. No ano seguinte, sumiu do mapa. Bandas desamparadas e que não partiram para o retiro indie a São Paulo reclamam e falam de apoios a políticos locais que não se elegeram. Como toda acusação grave, carece de mais investigação. Mas parece fazer sentido que alguma coisa abalou a zona de segurança do grupo na cidade, de maneira tão forte que gerou essa debandada. E a família Capilé, que veio de Dourados, tem parte de sua historia em Cuiabá envolvida no poder público.

Claro que o discurso da Casa Fora do Eixo em São Paulo é sensacional. Mas historicamente, estabelecer base em São Paulo nunca foi uma grande dificuldade mesmo para o artista iniciante. Conquistar uma pauta no Studio SP (outro espaço que usa música como trampolim político) soa esquisito quando a casa já era um palco comum da música independente. A debandada de Cuiabá demonstra que o coletivo não conseguiu fazer o trabalho fundamental de base na própria casa. As conquistas em São Paulo mostram um exercito sendo formado em torno de objetivos triviais. É tudo tão frágil que mais parece que um lobo pode soprar a porta e a casa Fora do Eixo pode cair.

O medo parece me justificar várias coisas. Mais que uma imagem agressiva, o Fora do Eixo sempre se comporta de forma assustada. Quando o caso China estourou, no gtalk já vinha um ou dois me falar do plano para tirar o cara da MTV. A resposta de um presidente, vice, gestor, líder e demais não são nunca suficiente. Fale mal e 427 pessoas vão floodar seu twitter com ofensas. Acuse, que esse número se multiplica por vinte. Se o ditado popular nos ensina que quem não deve não teme, então tem algo muito errado por trás dessas histórias todas. No fim, não se precisa de muito esforço para deixar claro um sentimento que é comum a quase todo mundo: tem algo de errado nessa história de Fora do Eixo.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

[agência pirata] SEXUALIDADE DA MACONHA



::txt::Sergio Vidal::

Primeiro peço desculpas por esse texto está mais uma semana saindo atrasado. É realmente difícil acompanhar o ritmo intenso da redação do Hempadão, e continuo me esforçando, mas as vezes não dá para ser pontual. Me desculpem. Agora vamos direto a mensagem dessa semana, que tem haver com a sexualidade da cannabis e as diferenças entre plantas macho e fêmeas.

"Me dei liberdade de tirar uma duvida com vocês, eu cultivo outdoor tbm, mas comecei esse ano, ja li muitos livros mas não encontrei muita coisa sobre o sexo da planta, e pela primeira vez acho que nasceu "macho", dizem só dar semente né, então, ela entrou na pré-floração e está saindo uns botões, típicos de sementes, mas em apenas um dos galhos, há a possibilidade de ela ser hemafrodita ? dar flor e semente ? e se o sexo da planta é definido durante o crescimento, pela quantidade de sol e agua, isso existe? mandarei algumas fotos, espero que possam me ajudar"

Essa mensagem é realmente muito legal por nos dar a oportunidade de discutir alguns temas importantes para as pessoas que cultivam cannabis. A mensagem também é uma oportunidade única, pois pela primeira vez um leitor enviou as fotos das suas plantinhas para ajudar a tirar sua dúvida. Algumas pessoas não sabem, mas maconha é uma planta que se reproduz de forma sexuada. Os espécimes têm sexos bem distintos, com funções reprodutivas próprias. A planta macho tem flores parecidas com pequenas bolsas, sacos no formato de bananinhas, onde é produzido o polém. Quando as flores macho se abrem, liberam polém por todo ambiente, com a intenção de fecundar as plantas fêmeas. Ao contrário do que o leitor falou, a planta macho não produz as sementes sozinhas. O macho produz o polém, e o polém fecunda as flores fêmeas. São as plantas fêmeas que fazem a gestação do polém e produzem as sementes.

As flores fêmeas e macho são bastante distintas. As flores fêmeas parecem minúsculos cálices, onde abrigam as sementes. Muita gente não sabe, mas só quem produz resina psicoativa em quantitade suficiente para ser considerada droga são as plantas fêmeas. Em outras palavras, só as fêmeas dão algum barato. Quando não são fecundadas, as plantas fêmeas continuam produzindo resina psicoativo até sua completa maturação. Quando são polinizadas, as plantas fêmeas desviam a energia que era destinada à produção de resina, e passam a produzir as sementes. A maior parte dos cultivadores elimina todas as plantas com flores macho antes delas se abrirem e liberarem o polém. Assim, eles obtem plantas fêmeas extremamente resinadas, pois elas continuarão produzindo resina até o momento da colheita, sem que haja qualquer polinização. Essa técnica é conhecida a milhares de anos, mas só mais recentemente, a partir da década de 1960, ela passou a ficar mais conhecida pelos cultivadores comerciais. Praticamente em todos os países do mundo a maconha vendida no mercado, seja ele lícito ou ilícito, não tem sementes. Por isso a maconha de alta potencia é conhecida em muitos países pelo nome de sinsemilla, ou sem semente.

Poucos lugares, como no Brasil, a maconha é vendida com grande quantidade de sementes. É importante também informar que algumas plantas têm tendencia genética ao hermafroditismo, ou seja, a produzir em um mesmo espécime flores de sexo feminimo e masculino. Essas plantas também devem ser eliminadas do jardim, para que não polinizem as fêmeas.

Não há como saber o sexo da planta até o momento em que ela começar a florir e mostrar suas pré-flores, ou primórdios, como são também chamadas. Não tem como distinguir o sexo pelas sementes, nem por outra característica do estágio vegetativo. Hoje em dia, alguns bancos de sementes vendem as chamadas sementes feminilizadas, que são genéticas trabalhadas para produzirem uma média estatísticade em geral de 99% de garantia de plantas fêmeas. Alguns cultivadores afirmam que não há qualquer forma de influenciar na sexualidade das plantas. Outros, afirmam que o sexo da planta está diretamente associado com as condições de cultivo e que em situações de strees haveria maior tendência ao aparecimento de machos. Certamente há bastante indicios de que o hermafroditismo, apesar de ser uma caracteristica genética, é disparado em situações de stress. Alguns cultivadores afirmam ainda que em condições ótimas de cultivo, com temperatura, umidade, circulação de ar, alimentação e luminosidade ideal, a maioria das plantas serão fêmeas.

Eu acredito que ainda há muito que pesquisar nessa área e que todas as experiências e opiniões são válidas, mas o melhor mesmo é tirar suas próprias conclusões através das suas próprias experiências.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

[do além] CULPA DE NATAL



::txt::Dickens::

Dezembro não nos dá trégua. Ficamos nos despedindo como se não fôssemos nos encontrar em janeiro. É festa e troca de presentes todo dia. Acabei de chegar do amigo secreto do pessoal da editora. Dei um sabonete fino e uma loção para as mãos e ganhei um exemplar do livro Quem Mexeu no Meu Queijo, acompanhado da seguinte explicação: sei que você gosta de ler.

Nesta época do ano bate-me um sentimento de culpa insuportável. Vejo as pessoas gastarem o que têm e o que não têm e me sinto responsável por arruinar suas finanças. Pode ser até um delírio de grandeza (ou excesso de Prosseco) achar que a influência de algo que fiz em 1843 possa afetar ainda o comportamento das pessoas em pleno século XXI.

Mesmo que você não tenho pedido, eu preciso me retratar. Quando escrevi Um Conto de Natal (A Christmas Carol) não imaginei que essa pequena história se tornaria o maior dos clássico natalinos e um dos textos mais divulgados da literatura universal. Foi algo que fiz despretensiosamente para um folhetim. Despretensiosamente em termos, porque, no conto, embuti algumas críticas à moral inglesa protestante que não considerava a avareza um pecado em si e encorajava todos a poupar e acumular capital. E o que há de mau nisso? Ora, nesse época a Inglaterra se tornara a principal indústria do mundo à custa de sofrimento da população. E apenas um pequeno grupo usufruía do conforto gerado pela acumulação de capital. Não sei se vocês conseguem imaginar um absurdo desses.

Por isso, construí a trama de maneira a criar um contraste entre esses dois grupos. Lembra da história? O sovina Ebenezer Scrooge é um velho empresário, rabugento e solitário que só pensa em dinheiro e detesta o Natal. Seu funcionário, Bob Cratchit, é um rapaz pobre, torcedor do Atlético Paranaense, pai de quatro filhos, dos quis o caçula sofre paralisia. Mesmo com a vida não lhe sorrindo, Bob é feliz e gosta do Natal.

Na véspera do dia 24, o velho mão-fechada se depara com o fantasma de seu ex-sócio, Jacob Marley, parceiro de sovinice. Marley lhe diz estar penando por ter sido avarento em vida e avisa que o mesmo destino está reservado para Scrooge. Mas lhe dá uma esperança ao dizer que ele receberá a visita de três espíritos: o Espírito do Natal Passado, o Espírito do Natal Presente e o Espírito do Natal Futuro. Eles aparecem e fazem revelações. Ao amanhecer, Scrooge está irreconhecível. Passou a amar o Natal, tornou-se generoso com os necessitados, ajudou até o o empregado Bob Cratchit e seu filho com problema nas pernas.

E porque motivo, então, estou culpado? Por ter escrito algo que nos leva a exaltação sentimental e sobe o tom (já alto) da pieguice que assola os meios de comunicação no mês de dezembro? Nada disso, meu problema é que as pessoas foram levadas a acreditar que para combater a falta de generosidade, não basta só ser generoso. É preciso ser perdulário, comprar muito, presentear muito. Viraram o fio.

Só não reescrevo o raio desse conto porque não há mais empresários sovinas. Pelo que vejo nos anúncios, todas as empresas são socialmente responsáveis, pautam-se pelas práticas sustentáveis e acreditam num mundo melhor. Que lindo.


*Dickens é o crriador do personagem Scrooge que inspirou a Disney a criar o Tio Patinhas e a Steve Jobs a moldar seu estilo de vida.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

[agência pirata] MELHORES DO ANO II

::txt::Daniel Piza::

De vez em quando leio que essa história de dizer que o cancioneiro brasileiro moderno (ou MPB, rótulo às vezes usado de forma muito restritiva, "esquecendo" glórias como Pixinguinha ou Nelson Cavaquinho) é dos melhores do mundo, ao lado do americano, do inglês e do cubano, seria um exagero nacionalista ou algo parecido - já que há também a "chanson" dos franceses, a "canzone" dos italianos, o tango de Gardel a Piazzolla, o fado, etc. Mas o repertório criado na terra de Tom Jobim continua sendo admirado pelos músicos mais talentosos do planeta. E gravado por cantoras como Stacey Kent, que em seu novo CD, Dreamer in Concert, além de quatro clássicos americanos e dois franceses, interpreta Corcovado, Águas de Março e Samba Saravá e até arrisca o português em O Comboio. Ou por Amy Winehouse, cujo disco póstumo, Lioness: Hidden Treasures, faz versão cheia de "scats" de Garota de Ipanema. Sim, ela fará mais falta como compositora, naquele seu motown apocalíptico.

São duas áreas em que a contribuição brasileira ao mundo é inegável, o futebol e a canção, embora com todos os problemas o futebol ainda produza um Neymar. Não que não haja diversos talentos jovens na música brasileira, mas os tempos já foram melhores. Não à toa ainda se fala demais de veteranos como Chico e Caetano, que deram inteligência às letras honrando a tradição da melodia. O novo CD de Chico, com seu nome, trouxe coisas bonitas como Sinhá e Essa Pequena, mas é engraçado como seus defensores foram obrigados a argumentar que na primeira audição o prazer não é dos maiores... Caetano encerra o ano com uma belíssima canção, Recanto Escuro ("É fácil: nem ter que pensar/ nem ver o fundo"), no CD novo de Gal Costa, canção que justifica as demais. A versão ao violão, que ambos apresentaram no Programa do Jô, é melhor que a do disco, com arranjo feito de um pulso eletrônico e algumas inserções instrumentais que pouco somam. Mas que melodia!

Num campo menos acessível, tivemos CDs de Danilo Caymmi e André Mehmari, com sofisticação harmônica hoje rara. Da nova geração, intérpretes como Marisa Monte e Maria Rita diluíram ainda mais seus estilos, e compositores como Tiê e Marcelo Camelo também só pareceram se repetir num registro mais aguado. Não temos no atual momento nada que se possa comparar com nomes como Tom Waits e Elvis Costello, mesmo que estes tenham lançado CDs sem nada muito especial (respectivamente, Bad as Me e National Ransom), o que também se pode dizer de Radiohead ou Madeleine Peyroux. E muito menos temos uma novidade do porte da inglesa Adele, cujo segundo CD, 21, a fez de longe o destaque do ano. Suas canções e sua voz têm qualidade e impacto, daí seu sucesso com os mais diferentes públicos e críticos.

No mais, foi um ano dominado mais por eventos (de todos os gêneros, com o calendário brasileiro cada vez mais cheio) do que por criações. Vi poucas e boas apresentações, como as de Paul McCartney, Ute Lemper e a mais antológica de todas, de Keith Jarrett, agora entesourada em CD. Na chamada "erudita", vive-se ainda basicamente do passado, mesmo que reinventado como as Suítes para Violoncelo de Bach por Dmitri Goudarolis. De brasileiros, claro, Nelson Freire não faltou de novo, e seu Liszt tem belezas como as Consolações. Estamos consolados.

Cadernos do cinema. Meia-Noite em Paris, de Woody Allen, é o filme mais satisfatório do ano. Muita gente não percebeu que ele é muito mais que um exercício de nostalgia com a capital francesa como cartão-postal, mas uma ironia ao mundo americanizado de hoje em que aparência e consumo são os únicos assuntos. Outro filme que não menospreza a inteligência do espectador, mesmo que ele não o mereça, é A Pele Que Habito, de Almodóvar, um Hitchcock à latina, de grande apuro visual. Não troco esses dois filmes pela falsa profundidade de Melancolia, de Lars Von Trier, e Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami. No Brasil, não tivemos nada que combinasse talento e sucesso, a começar por tentativas de "blockbuster" como Bruna Surfistinha. Não foi um grande ano.

Depois da safra do Oscar, vencido por O Discurso do Rei, (e na categoria de filme estrangeiro pelo forte dinamarquês Em Um Mundo Melhor), e de relativas injustiças cometidas contra A Origem e Bravura Indômita, o cinemão hollywoodiano pouco nos deu também. A Árvore da Vida foi muito comentado, mas é um videoclipe criacionista, de roteiro confuso, limitado à beleza das imagens. Prefiro Planeta dos Macacos, não apenas por seu entendimento de Darwin, mas pela vitalidade narrativa. Crianças e adolescentes se divertiram mais, ainda que com sequências de sucessos (Harry Potter, Piratas do Caribe, Carros, Kung Fu Panda), e o destaque não foi uma sequência: foi Rio, do brasileiro Carlos Saldanha.

De resto, vimos filmes bonitinhos e só, como Inquietos, de Gus Van Sant, e agora Um Dia, dirigido mais flacidamente por Lone Scherfig, baseado no romance de sucesso de David Nicholls, com Anne Hathaway. O filme poderia se chamar A Perdida e o Pavão", pois os personagens no livro são mais interessantes. Para variar.

A arte de ver. Nas demais artes, não fui tão assíduo, mas desconfio que as opções são menos numerosas mesmo. As exposições de Saul Steinberg e M.C. Escher, por exemplo, foram muito bem-vindas, ainda que a segunda bem mais completa. Ambos levaram as artes gráficas - os jogos de espelho, a força das linhas - a outro patamar, lá onde as classificações caem por terra. Já a mostra na Bienal com nomes antes pouco vistos no Brasil, como Damien Hirst, e os trabalhos de Olafur Eliasson para a Pinacoteca cumpriram antes uma função informativa do que um deleite estético. Eliasson tem coisas muito melhores. Para mim, que estou saudoso de escrever sobre grandes exposições, o ano foi sobretudo marcado pela perda de pintores como Lucian Freud e Cy Twombly.

Também nas artes cênicas estive um tanto ausente, mas gostei da peça Pterodáctilos, dirigida por Felipe Hirsch, e de mais um trabalho caprichado do grupo Corpo, Sem Mim, em cima das cantigas de Martin Codax. Por incrível que pareça, a TV teve performances memoráveis em séries históricas como Game of Thrones e Os Bórgias, ainda que esta tenha desaparecido do canal TCM. Continuei acompanhando O Império do Contrabando, com o ótimo Steve Buscemi, e também Fringe, esta também maltratada pela Warner local, que vive reprisando episódios fora da ordem. Já a TV brasileira teve um ano de mesmice.

Rodapé. Acrescente à lista de melhores livros do ano que fiz na semana passada, entre outros (sim, vou ler o novo Umberto Eco), O Rio É Tão Longe, de Otto Lara Resende (Companhia das Letras, organização Humberto Werneck). São suas cartas a Fernando Sabino de 1944 a 1970. Escritas sem parágrafos como num jorro de associações e evocações, lembram muito o Otto real, coloquial, embora ao vivo fosse mais divertido ainda. Dele sempre se disse que era melhor conversando do que escrevendo, então é natural que surja a opinião de que essas cartas são sua melhor obra. Mas ele escrevia divinamente, e quem leu seus contos, seu romance O Braço Direito e suas crônicas, como a agora reeditada Bom Dia para Nascer (em número bem maior do que o original), sabe do que estou falando. E quem escreve bem o faz em qualquer gênero, de um bilhete ao porteiro até um tratado de filosofia.

Otto jamais quis publicar essas cartas, mas as escrevia com aplicação literária, digamos; tanto é que agradece a Sabino em 19 de agosto de 1964 por finalmente escrever "uma carta de verdade, pra valer" (e o volume nos deixa frustrados por não ler as respostas de Sabino, que comparava Otto a Mário de Andrade como os grandes epistológrafos brasileiros). Os encantos para o leitor são muitos, por mais que se estranhe a escassez do tema político num período tão complicado. Adido em Bruxelas em Lisboa, Otto também fala pouco sobre a cultura de onde está, muito mais ansioso em ter de Sabino notícias dos amigos. Este é um dos maiores atrativos, ratificar o privilégio dessa geração de conviver entre si: morremos de inveja dos encontros de Otto com Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Guimarães Rosa, Antonio Callado, Vinicius de Moraes e, claro, a turma formada por Sabino, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino... Facebook para quê?

Também vemos um Otto nada diplomático, xingando o crítico Wilson Martins, tendo bloqueios criativos e se queixando dos afazeres, exceto os familiares, ele que era pai de quatro filhos e marido amoroso. E, por trás do humor e da religiosidade, sempre sentindo um gosto de jansenismo: "Vejo meu nome impresso, me dá um aborrecimento de morte, uma contrariedade sincera, profunda e estapafúrdia, parece acusação pública, prestação de contas, julgamento. Por isso resumi meu nome de Otto Oliveira de Lara Resende para Otto Lara Resende, agora para Otto Lara e já estou me assinando O. Lara, amanhã começo a assinar O., depois engulo esse O. com pontinho, como numa dessas mágicas de circo, sumi, desapareci (...)". Não, não desapareceu; está vivíssimo em todos os seus textos.

Por que não me ufano

Crescimento do PIB para 2011 previsto em 2,8% até por fontes oficiais. Mas, claro, a culpa é da crise dos brancos de olhos azuis...

domingo, 18 de dezembro de 2011

[agência pirata] MELHORES DO ANO I

::txt::Daniel Piza::

Todo ano repasso os comentários que fiz sobre livros lançados no Brasil e volto a ver a força dos títulos de não ficção (ensaio, biografia, história, etc.) e a saudável onda de reedições de clássicos (sobretudo de ficção e poesia), mas insisto em defender o argumento de que isso não significa que vivemos tempos tão pouco criativos e tão parasitários do passado quanto se pode pensar. É claro que eu queria ler mais e melhores romances atuais e, como volta e meia me queixo aqui, uma cultura menos limitada à reciclagem, porque não raro ela apenas se apropria do nome consagrado em vez de buscar caminhos próprios para dizer o que haveria a dizer. Mas o leitor interessado em livros que relatam grandes experiências e provocam pensamentos ricos - e querem dar bons presentes de Natal, bem mais baratos do que brinquedos, cosméticos ou roupas - tem muitas opções. Eu mesmo, relendo o que escrevi sobre literatura em 2011, parei e pensei em como tive o alento de ler muitas páginas de alto nível.

Os livros de ensaio a meio caminho entre o cultural e o pessoal se destacaram. Não consigo esquecer o prazer que A Lebre com Olhos de Âmbar, de Edmund de Waal, me causou desde as primeiras linhas. Eu diria que é o livro do ano, uma mistura de narrativa e reflexão feita com uma sensibilidade digna de grandes ficcionistas, ainda que não tenha um único fato inventado. De Waal encontrou o que é mais difícil, uma voz autoral, e a acompanhamos em sua peregrinação europeia atrás dos netsuquês de sua família como se ouvíssemos uma sonata de piano. Também viajei no relato de Ronald Watkins sobre a façanha de Vasco da Gama, Por Mares Nunca Dantes Navegados, que fez par com o mais iconoclasta Américo, em que Felipe Fernández-Armesto mostra um Vespúcio ardiloso.

E o que dizer de um ensaio como O Paradoxo Amoroso, de Pascal Bruckner, que lê os desencantos narcisistas contemporâneos com o olhar de um belo contista? Ou de A Beleza Salvará o Mundo, de Tzvetan Todorov, que passeia por Rilke, Tsvetaeva e Wilde para defender o gosto pelas coisas simples? Livros como A História da (in)Felicidade, de Richard Schoch, e mesmo Religião para Ateus, do bom-mocista Alain de Botton, também mostraram que não é exclusividade dos romancistas o acesso a questões do comportamento e da intimidade. Ensaios mais próximos da crítica literária também não foram poucos, e incluíram autores do presente como Coetzee (Mecanismos Internos), James Wood (Como Funciona a Ficção) e outros que sabem que a melhor crítica é uma forma de filosofia. Foi muito bom ver também ensaios de mestres como Thomas Mann (O Escritor e Sua Missão), George Orwell (Como Morrem os Pobres) e, agora, esse extraordinário empreendimento da História da Literatura Ocidental, de Otto Maria Carpeaux (Leya e Livraria Cultura).

Por falar em filosofia, igualmente lembrada em novas traduções das cartas de Voltaire e dos ensaios de Hume, a biografia de Schopenhauer por Rüdiger Safranski conseguiu o que poucas conseguem: falar da vida para poder falar melhor da obra. O Dante de Barbara Reynolds não ficou atrás, assim como o Borges de Edwin Williamson; também gostei do Salinger de Kenneth Slawenski. Shakespeare como personagem histórico foi assunto de James Shapiro e, uma vez mais, de Stephen Greenblatt. No Brasil, o que chegou mais perto foi o Vieira de Ronaldo Vainfas. Quanto aos clássicos em si, tivemos novas e ótimas edições do próprio Vieira, de Homero, Galileu, Dickinson, Tolstoi, Machado, Proust, Bernanos. Nada mal.

Os ensaios científicos, que deveriam interessar a qualquer pessoa que preza a filosofia (a amizade à sabedoria), também continuaram em alta, com destaque para o polêmico Miguel Nicolelis, Muito Além do Nosso Eu, e o fundamental Antonio Damásio, E o Cérebro Criou o Homem, em que revê suas ideias sobre a primazia das emoções e analisa as descobertas sobre a participação da edição consciente no fluxo de nossos impulsos e reações. Romances? Claro que curti os novos de Philip Roth, Nêmesis, e DeLillo, Ponto Ômega, o excessivamente bajulado Jonathan Franzen, Liberdade, e também o lírico Um Dia, de David Nicholls, agora em filme. Mas os livros de Damásio, de Waal, Todorov e Bruckner me deram mais satisfação intelectual do que qualquer um de nós espera ter.

Por que não me ufano. O crescimento do terceiro trimestre veio nulo, com alguns sinais especialmente alarmantes na queda do consumo e dos serviços, antes os esteios da economia brasileira. A indústria recuou muito e o índice só não foi negativo por causa das exportações de commodities, algo que também já começa a perder fôlego. E de nada adianta botar a culpa na conjuntura internacional, porque os outros emergentes cresceram muito mais; o Brasil ficou em trigésimo lugar no período, atrás até mesmo da letárgica Europa. Para piorar, a inflação teve repique em novembro, o que significa que as expectativas oficiais para ela e para o PIB no ano que vem são conversa fiada. Enquanto isso, o PAC mal avança, como este jornal mostrou no caso da transposição do rio São Francisco.

Queda de juros e estímulos ao crédito podem atenuar a paralisia, mas está cada vez mais claro que um ciclo relativamente positivo da economia brasileira - motivado por uma série de medidas desde o Plano Real até o crédito consignado, digamos - está chegando ao final. Se não se combater o declínio da indústria, o aumento dos tributos, a carência de tecnologia e o déficit de educação e infraestrutura, em pouco tempo se verão efeitos sobre o emprego e a renda. Ou Dilma Rousseff para de acreditar nos elogios à sua capacidade gerencial (como já escrevi, trocar uma sujeira por outra não é faxina) e começa a agir (mesmo que caiam todos os ministros, pois já existem outros dois na berlinda, Pimentel e Negromonte), ou terá muito mais obstáculos políticos e econômicos adiante.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

[eu ovo] O PEC DO CD E DVD



::txt::Bruno Costa::

O que eu acho da PEC da Câmara, de autoria do Deputado Federal Otávio
Leite (PSDB-RJ), que isenta os impostos de CDs e DVDs de autores
brasileiros, produzidos no Brasil?

Eu acho ruim. Sério mesmo!!!

Antes disso precisa diminuir o imposto dos remédios. Precisa investir
mais na saúde. Precisa de uma lei anti-corrupção. Tipo um código de
Hamurabi mesmo!

Mas no congresso não tem lobista de nenhum laboratório de
medicamentos, perturbando pra aprovar alguma lei nesse sentido. Assim
como nenhum político querendo levar chibatada, por conta de um caixa-2
ali ou um desviozinho acolá.

Essa lei tem o dedo das gravadoras, que investem pesado numa lei
anti-pirataria.

Daqui a pouco vão aprovar uma lei proibindo qualquer download pela
internet ou submetendo o arquivo a ser baixado a algum tipo de orgão
censor etc - a Lei do Azeredo ainda está por ai, tramitando em sigilo
no Congresso. Leis como essas são puro facismo! É exagero? Mas, esse
tipo de forma de governo, começa exatamente dessa forma... De pouco a
pouco, até chegar num imenso Big Brother (não aquela atração
televisiva da Endemol, mas sim da obra de Orwell).

A aprovação dessa PEC, em segundo turno pela Câmara dos Deputados, não
passa de um reflexo da luta contra pirataria.

Como eu sou a favor de uma total acessibilidade (pois me recuso a
chamar de pirataria), não gosto dessa lei. Porque é como tampar o sol
com uma peneira.

Pra mim, essa PEC só vai manter uma situação, que já ficou
ultrapassada... Que é esse velho formato de remuneração do artista.
Que também, na verdade, nem remunera tanto assim - a não ser que esse
artista seja um Roberto Carlos, ou alguma dupla sertaneja, cantor de
pagode etc.

Então essa PEC vai servir apenas para uma minoria. Como tudo nesse país, né???

O que me admira são as mídias jornalísticas darem uma notícia como
essa, como se fosse uma grande conquista da sociedade e dos artistas,
sendo que não passa de uma política "panis et circensis".

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

[do além] A HORA DAS ASNEIRA



::txt::Clarice Lispector::

Outro dia alguém postou uma montagem no Facebook onde apareço em preto e branco, com cara de poucos amigos e olhar desafiador. Logo acima de minha cabeça a seguinte frase: meu saco está explodindo de ver tanta porcaria que vocês postam em meu nome nessa merda.

Quem colocou esse desabafo em minha boca certamente andou lendo, em seu mural citações como "dormir de conchinha é muito bom... Mas acordar olhando nos olhos e sentindo sua respiração...É SENSACIONAL..." atribuídas a mim.

Eu não daria um like neste post. À parte os clichês românticos, não me agrada a ideia de dormir de conchinha. Viro muito de posição durante o sono. E acordar olhando nos olhos e sentindo a respiração do outro só é SENSACIONAL depois de ambos terem escovado os dentes.

Sei que não sou a única a enfrentar o problema com textos apócrifos. Isso é bem comum na internet. Nesta semana mesmo o Verissimo declarou à revista Playboy que de cada cinco textos atribuídos a ele na rede ao menos quatro não são de sua autoria. Minha teoria é que isso não é obra de uma ação coletiva. Há um único autor por detrás dessas imposturas. Esse sujeito, que se passa por Jabor, Steve Jobs, Caio Fernando Abreu e tantos outros, ao contrário do que parece, tem alto senso crítico e estético. Ele sabe que seus lugares-comuns não se disseminariam sem uma grande assinatura.

Há dezenas de páginas nas redes sociais relacionadas ao meu nome. Só uma delas tem quase 200 mil curtidores. Há também os aplicativos que se encarregam de espalhar “minhas frases” nos perfis dos usuários. Os títulos desses programas são curiosos: Sua Dose de Clarice Lispector, Colhendo Clarice, Conselhos de Clarice. Claro que muitas postagens são fiéis ao que escrevi. No entanto, a seleção de um trecho fora de contexto faz com que muitas vezes eu soe como a sacerdotisa do equilíbrio e da bondade. Quer ver?

Em meu livro A Descoberta do Mundo há a passagem de uma crônica que diz: “Por que deve ser o nosso inimigo completamente mau, ou a vítima completamente boa? Ambos são criaturas humanas, como o que é bom e o que é mau. E creio que se apelarmos para o lado bom das pessoas teremos êxito na maioria dos casos”.

Essa não era minha opinião. Apenas a reprodução da fala de uma entrevistada do programa da BBC da Inglaterra, na Hora das Mulheres, sobre suas experiências como prisioneira de guerra. Minha opinião, contrária, vinha a seguir: “Sei o que ela quis dizer, mas está errado. Há uma hora em que se deve esquecer a própria compreensão humana e tomar um partido, mesmo errado, pela vítima, e um partido, mesmo errado, contra o inimigo”.

Um historiador do futuro que resolva estudar o mercado de literatura brasileira do início do século XXI, usando como objeto de análise apenas as redes sociais, há de concluir que eu e o Padre Marcelo somos a mesma pessoa.

A maneira correta de identificar a autenticidade de meus textos na rede é por meio das imagens. Se a citação atribuída a mim estiver acompanhada daquele tipo de foto, onde aparecem pessoas contemplando o pôr do sol com os braços esticado ao céu, desconfie.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

[agência pirata] O DIPLOMA E O FARO



::txt::Luiz Garcia::

Faço coro com a opinião dO GLOBO contra a proposta de emenda constitucional que restabelece a exigência de diploma de jornalismo para o exercício da profissão.

É briga antiga: as empresas jornalísticas insistem no direito de ter em suas redações pessoas com formação em outras profissões - ou mesmo sem curso universitário algum.

Essa posição não significa, o que é óbvio, um desprezo pelas escolas de jornalismo. Muitas delas formam excelentes profissionais, outras nem tanto - o que obviamente é verdade em todos os cursos. Seja como for, é importante ficar bem claro que o diploma universitário sempre ajuda o jovem profissional a conseguir lugar numa redação. Principalmente se ele estudou numa universidade de boa reputação.

Mas não se pode esquecer: em casos não raros, a falta do diploma de curso superior não impede que jovens focas - apelido tradicional dos que se iniciam na profissão - venham a ser excelentes jornalistas.

É claro que a passagem pela faculdade pode ajudar muito. Mas sem garantia: há cursos bons e ruins, como acontece em qualquer profissão. E não é ilógico imaginar que, com o diploma obrigatório, haverá incentivo para a proliferação de faculdades de baixo nível.

Há uma pergunta que merece atenção: por que as empresas jornalísticas, praticamente sem exceção, são contra o diploma obrigatório? Certamente não é por interesse financeiro: os salários dependem da qualidade do trabalho, como acontece em qualquer empresa interessada em prosperar. E os lucros dependem da qualidade do produto.

O diploma de curso superior tem importância nas redações. Elas têm a obrigação, alguns falariam em ousadia, de contar e explicar ao leitor tudo que acontece na cidade e no mundo. Uma equipe que não tenha uma boa quantidade de profissionais com formação universitária - ou com todo mundo com o mesmo diploma - estará sempre em desvantagem na corrida pela fidelidade do leitor.

Temos a ousadia de falar de tudo que acontece, e precisamos de especialistas em tudo, ou quase tudo.

Isso inclui especialidades que não se aprendem em universidade alguma. Como o faro por notícias, algo que ninguém sabe explicar direito, mas podem acreditar: existe mesmo.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

[eu ovo] DIVULGAR APENAS ARTISTAS QUE LIBERAM DOWNLOAD





::txt::Bruno Costa::

talvez seja esse o caminho...
sabe?
pra nós blogueiros... defensores dos free-downloads... defensores da maior acessibilidade...
enfim...

somente publicarmos - ou falarmos de discos com links autorizados pelo artista.

uma hora - o artista que não estiver autorizando o download de seu disco - vai perceber que se ele não autorizar esse download gratuito - ninguém vai falar dele.

quando ele perceber isso - vai liberar tbm os downloads.

mas digo um boicote master-plus mesmo - de vc nem reconhecer a existência do artista...

se fosse um boicote global - como um occupy-free-downloads.
isso acontecia bem rápido...

do jeito que está - pode demorar um pouco mais.
mas é um processo irreversível - isso vai rolar eventualmente.

mas pode demorar um pouco mais - pra a industria das gravadoras encerrar de vez...
só vejo esses dinossauros mercadologicos sobrevivendo na forma de consórcios, cooperativas etc.
as empresas criadas com esse intuito - pode-se dizer que a trama tá conseguindo de certa forma com marketing ligado aos produtos.
mas essa é a unica forma - dos extensores de links que geram receita - às campanhas de marketing virtuais - talvez o artista possa usar um boné da gravadora em todas entrevistas etc.

a gravadora tinha que ser apenas o agenciador - que de repente cobra uma anuidade do artista - sei lá....
tem que ser desse jeito - do jeito antigo não tá funcionando mais...
e os executivos só têm piorado esse novo sistema - no ímpeto de coibir a pirataria com lobbys para aprovação de leis contra esse sistema...

quem disse que isso é pirataria, né?
é acessibilidade!!!!

mas, confesso que ainda resisto à adesão nesse boicote global!!!

[noé ae?!] MARCELO CAMELO

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

[agência pirata] EXTREMOS MUSICAIS



::txt::José Miguel Wisnik::

Demorei para ler “O resto é ruído — Escutando o século XX”, de Alex Ross, cuja tradução foi lançada no Brasil em 2009. Outras prioridades e compromissos me afastavam desse livro que eu tinha muitos motivos para querer e precisar conhecer. É uma história da música clássica, ou de concerto (sempre é difícil saber como chamá-la), no século XX, e, sob muitos aspectos, uma história do século XX através das agruras estéticas, econômicas e políticas da música clássica. O que o livro tem de mais forte é a rica e mesmo espantosa contextualização da composição musical em momentos sucessivos do contundente teatro da história contemporânea. Numa sequência frenética e quase novelesca desenrola- se aos nossos olhos e ouvidos o mesmo século que Hobsbawm chamou de “a era dos extremos”, embora visto em “O resto é ruído” de um ponto de vista especificamente norte-americano.

O rito da música de concerto, inventado na Europa, ocupava um lugar central entre as elites no começo do século, quando personalidades de todos os cantos e campos acorriam às estreias de Richard Strauss e de Gustav Mahler. Esse lugar simbólico prestigioso já se debatia, no entanto, com as estridências veristas de um, cheias de impacto escandaloso e de sedução sadomasoquista, e com as dimensões algo rebarbativas, complexas, profundas e inquietantes do outro. Elas anunciam de algum modo, em escala finissecular e tardo-romântica, os tremendos abalos das primeiras vanguardas, que virão como atonalismo de Schöenberg e o quebra-quebra de ritmos e de politonalidades da “Sagração da primavera” de Stravinski. Alex Ross combina essas referências clássicas da história da música com a cena fremente da Berlim desvairada dos anos 1920, com as experimentações norte-americanas e as influências do jazz (de Charles Ives a Duke Ellington), e com a figura solitária e sintomática do finlandês Jean Sibelius, que, ao lado de cair no agrado do público como o espécime raro de um sinfonista remanescente, parecia viver mergulhado, ele mesmo, na angústia insolúvel de saber-se pertencente a um mundo sem futuro.

Em suma, o sintoma da música clássica, na primeira parte do século XX, foi o escancaramento da experiência tanto excitante quanto traumática do choque, a permear a vida nas cidades, e a instauração de um sentimento do mal-estar na civilização no coração dessa arte que guarda a fama de ser angélica, embaladora e consoladora.

O nó do século, no entanto, envolve os destinos cruzados da música no contexto stalinista, no contexto nazista e no contexto da sociedade de mercado norte-americana, no período que vai de 1933 a 1945. A União Soviética de Stalin, a Alemanha hitlerista e os Estados Unidos de Roosevelt impõem à produção musical exigências e limites totalizantes que Ross trata com luxo de detalhes. Enquanto na Rússia as normas do Estado devem servir de modelo férreo para a arte musical, na Alemanha de Hitler é o Estado que deveria realizar o modelo delirante de uma obra de arte total de inspiração wagneriana (é hilariante e tétrico saber que Hitler gostava de se comportar às vezes de maneira quase servil perante artistas que o nazifascismo é capaz de submeter ao mesmo tempo à perseguição implacável).

No cenário norte-americano trata-se de importar, acomodar e adaptar ou reinventar essa arte europeia aos modos dos meios de massa e do mercado. A lista dos mais loucos experimentadores musicais nos Estados Unidos, criando sistemas musicais heterodoxos, instrumentos malucos e teorias, na primeira metade do século, impressiona pelo frescor e pela vitalidade de uma cultura da bricolagem e da mixagem de influências, típica das Américas e muito diferente da vetusta Europa. Simpatias comunistas entre músicos, como em Aaron Copland, o mais reconhecido compositor americano do período, pontuam o New Deal, numa diversidade ideológica e estética que será erradicada com a Guerra Fria.

Assim segue a história, tratando, no pós-guerra, da vanguarda francesa capitaneada por Pierre Boulez, das intervenções únicas de John Cage, de Messiaen, do minimalismo de Steve Reich e Phillip Glass, e das confluências das criações da música de concerto com ramos do pop-rock mais recente. São 600 páginas cheias de erudição jornalística de alto nível. Incorporam uma massa de informações biográficas e situacionais em várias esferas, em que as batalhas pela recepção, as tentativas, os fracassos e os feitos, os jogos de poder em grande e em pequena escala, incluindo as fofocas, associadas com muitas e valiosas indicações musicais, dão um quadro da vida musical no século XX como não se tinha. Eu confesso que li como se fosse um romance policial, não porque se esgote na superfície da trama, mas porque associa um conjunto de dados que aumenta, sem deixar de ser uma narrativa romanesca, o entendimento de questões de fundo da cultura contemporânea, das quais a música é um grande índice.

O tratamento das questões filosóficas e literárias (quando passa por obras de peso como as de Adorno e Thomas Mann) se ressente da falta de ter como ir fundo. Aqui, o jornalismo americano não tem o mesmo rendimento de quando contextualiza. A má vontade com as vanguardas da segunda metade do século, hoje saídas quase totalmente de cena, mesmo que fossem tratadas como um sintoma vigoroso do século, resulta reducionista. Os dramas e tragédias da própria linguagem musical não estão no centro. Mas há muito o que ler em “O resto é ruído”.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

[do além] TERRA ARRASADA



::txt::Copérnico::

Já experimentou dizer a uma pessoa que se julga superimportante que ela não é o centro do universo? Difícil, né? Agora imagina dizer isso ao mundo. Pois é, não foi nada fácil explicar às pessoas que a Terra era apenas mais um planeta que girava ao redor do Sol, ainda mais pra mim que sou de Peixes.

Ninguém queria se convencer de que nosso lar não era o Astro-Rei. No máximo, éramos a Wanderlea do sistema solar. Em suma, minha constatação foi vital para o progresso da ciência, mas acabou por deprimir a todos.

Antes de minha descoberta, vejam vocês, as pessoas atribuíam-se uma importância imensurável. Muitos acreditavam que só chovia porque eles colocavam o carro para lavar. Outros juravam que se usassem uma específica peça de roupa, seu time favorito triunfaria.

Meu modelo cosmológico, em que os corpos celestes giram ao redor do Sol e não da Terra, demorou a ser aceito. A Igreja Católica chegou a proibir a divulgação de minha teoria. Ninguém queria aceitar nossa insignificância. Na época, tentei até organizar uma parada do orgulho terráqueo para diminuir os efeitos colaterais produzidos por minhas ideias.

Bom, felizmente hoje o heliocentrismo é considerado como uma das mais importantes hipóteses científicas de todos os tempos, rivalizando apenas com a teoria de que o disco Dark Side of The Moon do Pink Floyd serve de trilha sonora perfeita para as cenas inicias de O Mágico de Oz. Já experimentou? Funciona até de cara.

Agora que já nos recuperamos do primeiro choque narcísico da história, posso revelar outra verdade inconveniente. Mais do que aquela que Al Gore usou pra se promover naquele documentário. Creio que outra vez quebrarei a espinha dorsal de nossa já combalida estima. Mas não posso fugir ao meu dever de, sempre que possível, baixar o astral da humanidade.

Dito isso, vamos a nova revelação. Rufem os tambores (pausa). A Terra está perdendo sua forma esférica e está se tornando cada vez mais chata. E numa velocidade estonteante. Aqui relaciono, com rapidez e nenhum esforço, algumas evidências. Acompanhe:

Concertos de rock agora são sustentáveis.

Exigem-se dos estudantes propósitos claros para protestar.

Humor infantil e desbocado é tratado como politicamente incorreto.

Vinho virou conversa pernóstica em vez de bebida.

Conhecer pessoas agora é fazer networking.

O cinema só se interessa pelas crianças e adolescentes.

Viagens são chamadas de experiência.

Novelas precisam parar suas tramas para acomodar um pouco de temática social.

Vestir-se descontraidamente virou algo que demanda tempo, dinheiro e estudo.


Nesse ritmo, entraremos 2012 por debaixo da porta.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

[conteúdo livre] VENTO ANARQUISTA



::txt::Zuenir Ventura::

Quem chamou a atenção para o que classificou de "enigma" foi o historiador e deputado pelo Parlamento Europeu Rui Tavares em recente artigo intitulado "A vingança do anarquista". Ele perguntava por que os mercados apertavam o cerco em torno de Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, e não incomodavam a Bélgica, que tinha uma dívida pública maior do que a portuguesa e, ainda por cima, estava sem governo eleito. Apesar disso, "a economia belga é a que mais cresceu na zona euro nos últimos tempos, ou seja, sete vezes mais do que a alemã".

Tavares ressaltava que isso aconteceu não "apesar", mas "graças" à situação singular dessa monarquia parlamentar que, "desgovernada" há 19 meses, desconhecia medidas de austeridade, recessão, arrocho, demissões e cortes de programas sociais. Desse modo, concluía o articulista, "a economia cresce de forma mais saudável, ajuda a diminuir o déficit e a pagar a dívida". Sede da União Europeia e da Otan, a Bélgica bateu o Iraque na categoria país sem governo, e não fez da crise política uma tragédia; preferiu enfrentá-la com bom humor e comemorar, chamando-a de Revolução da Batata Frita, como paródia à Revolução de Jasmim tunisiana e em homenagem ao prato nacional. Os jornais chegaram a fazer piada. Um anunciou em manchete: "Finalmente campeões do mundo"; outro celebrou, também com autoironia, o feito negativo inédito: "Recorde batido!"

Nos anos 70, o economista Edmar Bacha descreveu como Belíndia um país fictício, desigual e injusto, onde conviviam dois povos, um que tinha o padrão de vida da pequena e rica Bélgica e outro que lembrava a pobreza da Índia. Era o Brasil da época dos militares. Agora, o reino belga está sendo fonte de inspiração para outra fábula - a utopia anarquista de que não só é possível sobreviver sem governo como se vive até melhor sem ele.

Em tempos de descrença nas instituições, quando os jovens estão indo às praças públicas protestar em várias partes do mundo, independentemente de regime, ideologia ou credo, sabendo mais o que não querem do que o que querem, o exemplo belga pode exercer um grande fascínio, principalmente se considerarmos que nessa estação de tantas "primaveras" insurrecionais um pouco do vento da anarquia está soprando.

Já imaginou se a velha moda do "hay gobierno, soy contra" se espalha? No Brasil, onde o comportamento da Câmara e do Senado leva muita gente a sonhar com o seu fechamento por desnecessários, a experiência belga poderia ser adotada durante pelo menos alguns meses. Como se trata de um exercício de fantasia do tipo "o que não tem governo nem nunca terá", da música de Chico Buarque, quem sabe assim o país não funcionaria melhor? Uma coisa parece certa: sem ministros e ministérios, a corrupção seria menor.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

[paladar] PROVOCAR É PRECISO



::txt::Janaina Fidalgo::

Cozinhar, tão somente, já não basta. Tem de haver magia, ilusão e encantamento. Provocar os sentidos. Todos eles e, se possível, ao mesmo tempo. Divertir e surpreender. Nem que para isso seja necessário cruzar a fronteira da cozinha e, por que não, recorrer a linguagens multimídias como o 3D. No San Sebastián Gastronomika deste ano, o conceitualismo dos chefs espanhóis falou mais alto e marcou boa parte das apresentações.

Vídeos caprichados, com tomadas bem filmadas e edição competente, há muito não são novidade nos congressos de gastronomia, especialmente nos internacionais. Raras são as conferências em que um "filme" não conduz o discurso do cozinheiro, enquanto ele mostra o preparo de pratos complexos, impossíveis de demonstrar naquela meia hora a ele concedida. Tanto que em algumas das aulas, como a de Joan Roca, do El Celler de Can Roca, a estação de trabalho convencional - com fogão, pia e forno - permaneceu intocada e quase escondida pela escuridão de um auditório transformado momentaneamente em sala de cinema.

Mas, voltando ao 3D, Christian Escribà e sua mulher, a brasileira Patricia Schmidt, se inspiraram em Peter Pan e levaram a terra-do-nunca-modelada-em-açúcar de sua confeitaria em Barcelona, a Pastelería Escribà, ao palco do Palácio Kursaal. Exibiram numa tela gigantesca, a um público devidamente paramentado com óculos especiais, um vídeo com cenas filmadas em 3D em que apareciam ora "soprando" açúcar ora "espirrando" gotas de espumante no gastroespectador. "É um mundo que imaginamos e podemos tocar", explicou Escribà sobre o lado lúdico da confeitaria expresso ali, se não em quatro, ao menos em três dimensões.

Outro que surpreendeu, no caso por seu ímpeto teatral e pouco talento para ator, mas que ainda assim arrancou risos na última terça-feira, foi Juan Mari Arzak. Ao lado da filha, Elena, encenou o serviço de um jantar levando ao palco dois convidados com pauta prévia armada. Explicou que, pela primeira vez, recorreriam à multissensorialidade. E a encenação não se limitou ao jantar. Apareceu também num fogo simulado. Sob um limão assado com camarões, Arzak pôs uma tela com uma imagem em movimento de chama crepitando. "É para provocar sensações, estimular os sentidos antes de começarmos de fato a comer", disse o chef triestrelado. Diante da impossibilidade de reproduzia essa alusão à chama a todos que assistiam à aula, improvisou. Os limões foram servidos sobre um foguinho impresso em papel fotográfico.

Um dia antes, na segunda-feira, Joan Roca e seu irmão Jordi já haviam estimulado o lado sensorial (e o humor) do público do Gastronomika numa das aulas mais aplaudidas e comentadas do congresso. Atrás de um púlpito, Joan fez uma apresentação didática, explicando detalhes da preparação de alguns pratos e de técnicas usadas no El Celler de Can Roca, em Girona, sempre amparado por um vídeo demonstrativo. Falou da adaptação do clássico ajo blanco, que numa combinação a la yin e yang ganhou a companhia do "ajo negro", e mostrou como fazem as trufas líquidas servidas num prato que chega à mesa envolvido por um globo de papel - algo como a alusão a uma volta ao mundo imaginária.

O atrevimento, a provocação, deixou para o irmão Jordi. Substituindo Joan no palco, Jordi mostrou como faziam um "bloody mary" bem peculiar. Exibido em vídeo, dispensou maiores explicações e provocou riso coletivo na plateia. Como dar a vermelhidão de sangue à translúcida água de tomate com infusão de folhas de aipo? Por que não buscando inspiração no próprio sangue? Modelou uma teia de algodão-doce em forma de tubete, molhou o "tampão" num molho de tomate vermelho-escuro e o jogou na clara água de tomate. Derreteu em instantes, tingindo o caldo. Precisa explicar mais? Como escreveu Rodrigo Oliveira em seu caderno de anotações, "os Roca rocks".

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

[do além] POSTANDO E ANDANDO



::txt::Montaigne::

Provavelmente você já ouviu falar de mim, mas não está familiarizado com minhas ideias. Sou como aquele ator da novela das 7 que você conhece e não sabe o nome. A culpa não é sua e nem mesmo da escola em que estudou. A rede mundial de computadores é a responsável por meu ostracismo. Sou mais uma das vítimas da internet, assim como a indústria fonográfica, os segredos diplomáticos, os veículos impressos e o tempo livre.

Pode procurar. Você não encontrará um aplicativo para Facebook que salpique minhas frases em murais. Minha filosofia não vai bem com redes sociais. Também pudera. Em um ensaio intitulado Da Solidão, dediquei-me a investigar os perigos intelectuais e morais de se viver entre os outros e cheguei a algumas conclusões que aqui simplificarei para não subtrair seu precioso tempo de convívio social virtual.

Basicamente eu concluí que a conquista da Glória só não é uma coisa tola para o Tarcísio Meira e o Orlando Morais. Para chegar a esse resultado, percorri o seguinte caminho. Acompanhe: 1. Nossa tranquilidade depende do desprendimento em relação à opinião dos outros. 2. Se buscarmos fama que é a glória aos olhos alheios devemos buscar sua opinião favorável. 3. Portanto, se buscamos a fama, não alcançaremos o desprendimento. 4. Logo, a fama e a tranquilidade nunca podem ser companheiras.

Além da perda da tranquilidade, preocupar-se em demasia com a opinião dos outros acaba por nos corromper. Passamos a imitar aqueles que não são bons ou nos enchemos de raiva contra eles. Quando você vê, em nome de agradar, está repetindo opiniões impensadas e que nem são suas, como: “esse bando de vagabundo gosta mesmo é de ser sustentado pelo Bolsa Família”. “O cinema argentino é melhor que o brasileiro porque os portenhos leem mais.”

Andy Warhol trouxe mais intranquilidade ao planeta quando prometeu 15 minutos de fama para todo mundo. Agora todos cobram sua parte postando fotos, textos e imagens nas redes sociais em uma busca desesperada por likes, comments, shares e RTs. Mesmo o mais despretensioso dos posts, aquele que só dá bom dia para os amigos, não quer passar desapercebido. Mesmo o mais neutro comentário sobre uma partida de futebol, aquele que diz “que jogo”, almeja ouvir vozes concordantes. Uma fotinho de criança, então, não fica contente com menos do que uma dúzia de comentários exultantes e gritinhos onomatopeicos.

Sustento e repito que a busca e a manutenção de uma reputação flamejante é algo que causa grande perturbação e nos afasta da tranquilidade. E pode se tornar um vício sem fim. O cigarro pede ao fumante uma nova dose de nicotina a cada 20 minutos. O like pede ao postador que ele não saia da frente da tela. É uma escravidão permanente.

Não pretendo incentivar você a largar as redes sociais. Isso nem o doutor Drauzio Varella em campanha conseguiria. Mas sugiro que, vez ou outra, procure praticar o desapego. Com pequenos comentários ocasionais, você pode experimentar o ódio e o desprezo de seus amigos e assim se libertar da asfixiante vontade de agradar. Escreva, por exemplo, que você é a favor da construção da Usina de Belo Monte ou que vê valor na saga Crepúsculo.

Espero que você tenha gostado deste post. Quer dizer, não espero nada, para mim tanto faz. Estou pouco me lixando para sua opinião. Nossa, que vacilo, preciso praticar mais minha filosofia.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

[comida é pasto] O NORTE E O ORIENTE GASTRONÔMICO




txt::Monsenhor Jucá::

Estudar culinária e se aventurar no mercado gastronômico requer não somente receitas, métodos e análises mercadológicas. Pelo menos pra mim, em início de jornada. Aos poucos, tenho procurado algumas referências na área, a fim de me orientar e marcar um norte a seguir. Isso, porém (há porém) não implica em me nortear eternamente, talvez daqui um tempo eu dobre à direita, ou à esquerda, ou me desnorteie e me desoriente total. Ou não.

Entre alguns nomes que busco inspiração, destaco o peruano Gastón Acurio, cozinheiro peruano. Tido como pessoa mais influente em seu país do que o próprio presidente (que eu nem sei o nome, comprovando o mito), algo inimaginável para um Alex Atala aqui no Brasil, Acurio me chamou a atenção por alguns motivos.

"Descobrimos que por trás da diversidade cultural peruana estava um grito de liberdade", proclamou Gastón no maior festival de gastronomia da América Latina, o Mistura. Enquanto a maioria de nossos chefs imitam pratos franceses, feitos com ingredientes de lá, e nossas escolas de formação também nos disciplinam por esse caminho, Acurio valoriza a biodiversidade dos ingredientes locais.

Outro fator importante na filosofia do peruano é a questão social. Preocupado com a inclusão de jovens de baixa renda, tem promovido novos modelos de negócio para capacitar seus aprendizes. Acurio é ídolo no Peru, e tem se tornado uma referência pra mim, um mestiço cearúcho apaixonado por nossas frutas tropicais e temperos presentes nas mesas das tias e avós e raramente vistas em restaurantes badalados.

[noé ae?!] STÉPHANE SAN JUAN

terça-feira, 22 de novembro de 2011

[noé ae?!] DE FALLA

[agência pirata] BRASIL VIRA A TERRA DOS INDIES ESTATAIS



::txt::Alvaro Pereira Júnior::

Recebo o álbum triplo de Messias Bandeira. Messias é o cérebro da brincando de deus, com minúsculas, banda baiana mais inglesa de todos os tempos. Nesta primeira incursão solo, ele vem com três CDs ("escrever-me", "envelhecer-me", "esquecer-me"). Produção sofisticada.

Amigos também enviam o link de um debate impenetrável e sem fim sobre a categoria indie dominante no Brasil: os indies estatais. Parece um fórum de discussão de donos de cartório -só linguagem burocrática e a conhecida sanha brasileira de morder "algum" no governo (governo, no caso, é a Petrobras).

Antes, já tinha lido um líder do indie estatal dizer que os independentes do século 21 diferiam dos anos 90, quando o povo se virava sozinho. Agora, o lance é colar em um órgão governamental simpático à "causa". As palavras não são exatas, mas era esse o espírito.

Não sou contra incentivo estatal à arte. A cena canadense do Arcade Fire, por exemplo, deve muito à ajuda financeira para novos artistas de Québec.
Mas duvido que, se mudar o governo lá, mudarão os artistas beneficiados. Já no Brasil, um viés ideológico direciona os recursos estatais. Estar aliado à política cultural do poder é crucial.

Constate a homogeneidade desses festivais pendurados em dinheiro público. É tudo neo-hippie, e o vomitório nacional-regionalista predomina. Ridicularizamos o ministro Aluísio Pimenta, nos anos 80, por defender a "cultura da broa de milho". Hoje, apesar do verniz "moderno" de open source etc. do ex-ministro Gilberto Gil, o ideário jeca é igual.

Observo o álbum triplo do Messias. Nenhum logo ou benesse estatal. Um indie old school. Fico com ele.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

[do além] PALAVRAS POR ORDEM



::txt::Charles de Gaulle::

Andei lendo sobre o conflito entre os estudantes da USP e a Polícia Militar e cheguei à conclusão de que eu não tenho sorte mesmo. Quando enfrentei a crise de maio de 68, não tive a opinião pública do meu lado. Depois que os estudantes ocuparam a Faculdade de Nanterre, nos arredores de Paris, para protestar contra a sociedade de consumo e o ensino tradicional, fiz uso da força e tornei-me, logo eu, impopular.

A tentativa de sufocar aquele arroubo juvenil tomou grandes proporções. Nos dias seguintes, o conflito estendeu-se a outros setores. Mais de 10 milhões de trabalhadores entraram em greve. Os protestos tomaram conta do país, novos conflitos e enfrentamentos com a polícia pipocaram por toda parte. As instituições tremeram, por um triz não entramos em guerra civil. Cheguei a ponto de declarar a situação incontrolável e propor um referendo. As ruas estavam tão barulhentas que ninguém escutou. Não me restou alternativa senão dissolver a Assembleia e convocar eleições legislativas para junho. Meu partido venceu o pleito, mas no ano seguinte amarguei uma derrota no referendo sobre a regionalização e reforma do Senado. Fiquei désolé, pedi demissão e retirei-me da política. Foi uma saída melancólica para uma carreira triunfante.

A minha falta de sorte fica mais evidente quando se compara às verbalizações do pensamento de cada período. Aliás, as barricadas de Paris foram pródigas em slogans libertários. Maus tempos aqueles em que não havia redes sociais para chamar os protestantes de baderneiros mimados.

Outra diferença entre maio de 68 em Paris e outubro de 2011 na USP é que as frases de protesto antes eram gritadas e pixadas pelos estudantes. Agora elas vêm da sociedade e da imprensa. Ontem, palavras de ordem. Hoje, palavras por ordem. Acompanhe só:



Maio 68

"É proibido proibir"

USP 11

"É proibido"



Maio 68

"Sejam realistas, exijam o impossível!"

USP 11

"Sejam realistas”



Maio 68

"A imaginação ao poder"

USP 11

"A imaginação? Ah, vai se f..."



Maio 68

"O patrão precisa de ti, tu não precisas dele"

USP 11

“O patrão precisa de ti amanhã bem cedo”



Maio 68

"Revolução, eu te amo"

USP 11

“Revolução, eu conheci outra pessoa”



Maio 68

"Abaixo a universidade"

USP 11

“Me abaixo pra universidade”



Maio 68

"O sonho é realidade"

USP 11

“O sonho, em realidade, é sonho”



Maio 68

"O sagrado, eis o inimigo"

USP 11

“Consagrado, eis o nosso amigo”



Maio 68

“Nós somos todos judeo-alemães"

USP 11

“Nós somos todos alemães"



Maio 68

"Acabareis todos por morrer de conforto"

USP 11

“Acabareis todos por morrer de conforto. Deus te ouça”

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

[noé ae?!] SEU JORGE

[agência pirata] USP: ENTRE O CAPUZ E O CAPACETE



::txt::Eugênio Bucci::

Há dois anos e meio, em 18 de junho de 2009, escrevi neste mesmo espaço um artigo sobre a Universidade de São Paulo (USP): O atraso no espelho. Poucos dias antes, a Cidade Universitária virara uma praça de guerra, ou quase. Com balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo, policiais haviam dissolvido uma passeata de estudantes e funcionários, que também não eram lá tão pacíficos. Ali ficou patente que a USP mergulhara num déficit de representatividade e de legitimidade, que abria campo para o recrudescimento da violência.

O déficit de representatividade expressava-se nos movimentos sindicais da universidade. Tanto o Diretório Central dos Estudantes (DCE) quanto o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), incapazes de mobilizar grandes contingentes entre seus presumíveis filiados, apostavam em ações supostamente radicais. Para propagandear suas reivindicações ocupavam gabinetes oficiais na base de piquetes que se valiam intimidações físicas. De outro lado, o déficit de legitimidade já era notório nos órgãos de poder da universidade, que estavam distantes do conjunto da comunidade, que não os reconhecia como interlocutores.

O atraso espelhado - um movimento sindical pouco representativo contra órgãos de poder pouco legítimos - deu no que tinha de dar: um ambiente desprovido de pontes institucionais de diálogo, no qual a força bruta substitui o debate.

Infelizmente, o quadro não mudou até hoje. A crise de representatividade e de legitimidade continua. O resto é sintoma. O debate sobre a presença da Polícia Militar (PM) dentro do câmpus era e é sintoma. A celeuma sobre o consumo de drogas pelos estudantes, também. A base profunda do mal-estar reside na inexistência de instâncias acadêmicas e administrativas que deem conta de resolver as interrogações que a vida universitária suscita naturalmente. O problema da USP não é tanto de autonomia jurídica, mas de autonomia intelectual: ela não dispõe dos meios institucionais para pensar e para resolver os desafios que ela própria produz em sua rotina. Como uma criança, precisa chamar o irmão mais velho na hora do aperto, tanto para fazer piquete como para afastar o piquete.

No final de 2011, temos um remake piorado do mesmo filme de 2009. No dia 27 de outubro, policiais tentaram deter estudantes que portavam maconha. A reação dos colegas foi imediata e barulhenta. Em questão de 48 horas, o velho roteiro de crise foi posto em marcha, incluindo a previsível e indefectível invasão da Reitoria. Desta vez, porém, com um déficit de representatividade ainda mais grave. A proposta de ocupação tinha sido rejeitada pela assembleia do DCE, mas a minoria que perdeu a votação manobrou o resultado: após o encerramento da assembleia, quando muitos estudantes já tinham ido embora, reinstalou às pressas a mesma assembleia - esvaziada - e, só aí, conseguiu aprovar o que queria. A ocupação ocorreu. Ato reflexo, a opinião pública voltou-se contra o movimento estudantil, que apareceu na foto como birra de gente mimada que quer fumar maconha na santa paz.

Na semana passada, quando 400 policiais, dois helicópteros, além de cavalos, desalojaram e indiciaram os 73 jovens que se encontravam acampados no prédio principal da USP, o quadro inverteu-se. A ação da PM efetivamente devolveu a Reitoria ao reitor, mas, inadvertidamente, devolveu o ânimo ao movimento estudantil. As assembleias lotaram, várias faculdades entraram em greve e, dessa vez, os mesmos estudantes que reprovavam a invasão passaram a condenar com veemência a ação dos policiais. Não porque estes se tenham excedido em maus tratos, o que não ficou provado. A revolta contra a presença dos policiais tem uma razão mais sutil: a comunidade universitária sente-se humilhada quando um excesso estudantil é removido por uma ação policial que lembra essas operações de combate a motim de presídio.

Aliás, quando eclode um motim entre presidiários, o pessoal de direitos humanos é chamado para tentar negociar uma solução antes da entrada da tropa. Na Cidade Universitária, nem isso houve. Que a PM patrulhe o câmpus com o objetivo de proteger a vida dos que ali estudam e trabalham pode até ser, mas chamar o batalhão para resolver manifestações políticas, sem que se esgotassem outras tentativas de mediação, isso é humilhante.

É verdade que o figurino adotado pelos invasores da Reitoria colaborou para que a crise da USP assumisse um visual de presídio amotinado. Com o rosto coberto, eles se achavam fantasiados de manifestantes antiglobalização da Europa, mas estavam ainda mais parecidos com presidiários do PCC e com traficantes, o que eu mesmo tive chance de dizer aos alunos numa aula aberta que fiz na quinta passada nos jardins da ECA. O capuz foi um erro estético, resultante do erro ético de afrontar uma decisão de assembleia. Do mesmo modo, os capacetes e escudos da PM foram um erro de método, este decorrente da ausência de instâncias de interlocução interna. Uma universidade que não dialoga é uma universidade que se bate, mais do que se debate.

Em síntese, de 2009 a 2011, a USP não deu um passo para a frente nem um passo para trás: deu apenas um passo para baixo, afundou-se no buraco em que se encontra encravada. Para onde ir agora?

Do ponto de vista das entidades de professores, alunos e funcionários, a palavra de ordem é a renovação completa das chapas, das bandeiras e dos métodos. As maiorias precisam entrar em cena, precisam falar. Só assim poderão desautorizar as minorias que acreditam mandar no grito. Quanto às instâncias oficiais da USP, precisam da mesma renovação, o que pode incluir até mesmo consultas à comunidade para a escolha de diretores e reitores. Aí, o diálogo poderá encontrar lugar institucional na vida acadêmica - e só o diálogo institucional pode esvaziar a violência e libertar a universidade.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

[over12] FORA DO EIXO E LONGE DE MIM

::txt::China::

Ontem de tarde rolou um debate aca­lo­rado via twit­ter sobre o Fora Do eixo e as ques­tões que levanto a res­peito desse cole­tivo. Não é a pri­meira vez que os ques­ti­ono, mas como hoje a reper­cus­são foi grande, inclu­sive por parte de jor­na­lis­tas e músi­cos que admiro, resolvi escre­ver este texto, pois per­cebi que não adi­an­tava escre­ver 140 carac­te­res. A galera só lê o que con­vém.

Como não é nenhuma novi­dade o que penso sobre o FDE, escrevo nova­mente, mas agora com espaço para colo­car tudo o que penso e sem nin­guém dis­tor­cer nada do que eu falo. Quem qui­ser saber minha opi­nião, leia esse texto até o fim e, por favor, não fique tirando fra­ses des­lo­ca­das do con­texto para mon­tar seu contra-argumento…use o texto inteiro.

As pes­soas me per­gun­ta­ram o que seria o Fora do eixo e o cubo card, pois muita gente não faz a menor idéia do que isso seja. Então, deixa eu expli­car.
A grosso modo, o FDE é um cole­tivo que orga­niza shows e even­tos artís­ti­cos pelo país, com cola­bo­ra­do­res em quase todos os Estados do Brasil.
Cubo card é a moeda que eles inven­ta­ram. Sim, eles tem a sua pró­pria moeda.

Mas antes de tudo, pre­ciso escla­re­cer umas coi­sas que foram dis­tor­ci­das no twitter.

Não estou falando pela MTV e nem como VJ. Estou ques­ti­o­nando o FDE como músico. No MTV na BRasa nunca levan­tei qual­quer ques­tão sobre o FDE e nem farei isso, por­que é des­leal. Tenho muito mais visi­bi­li­dade (por estar na TV todos os dias) do que os mem­bros do FDE. Seria muita filha­da­pu­ta­gem da minha parte ficar metendo o pau no cole­tivo durante o pro­grama. Até por­que, as pes­soas que assis­tem o MTV na BRasa que­rem saber sobre as ban­das e não sobre o cole­tivo FDE. E, como fun­ci­o­ná­rio da MTV, faço o que os meus supe­ri­o­res me pedem, afi­nal de con­tas, recebo para fazer o tra­ba­lho que me foi ofe­re­cido. Se ama­nhã a MTV dis­ser que eu tenho que falar bem do FDE no pro­grama, vou falar tran­qui­la­mente, pois é o meu tra­ba­lho, e na MTV eu sou pago para exe­cu­tar o que me pedem. Isso não quer dizer que eu con­corde, mas ordens são ordens.

Na minha car­reira musi­cal é outra história…eu sou o meu chefe e esco­lho o que é melhor para a minha car­reira. E como músico, posso ques­ti­o­nar o que eu não acho inte­res­sante para o meu tra­ba­lho.
Eu vivo da música e pre­ciso rece­ber os cachês dos shows para con­se­guir sobre­vi­ver.
Ainda não estão acei­tando cubo card na pada­ria e em nenhuma conta que eu tenho que pagar no fim do mês.

Eu me valo­rizo como artista! E tenho cer­teza abso­luta que tenho que ser remu­ne­rado pelo meu tra­ba­lho. Ou melhor, qual­quer tra­ba­lho tem que ser remunerado.

O jor­na­lista e escri­tor Pedro Alexandre Sanches, que eu admiro há muito tempo e sou fã de sua escrita e sabe­do­ria, me escre­veu o seguinte no twit­ter:
“RT @pdralex Faço só um lem­brete ao que­rido @chinaina: a MTV, como todo veí­culo de comu­ni­ca­ção, pega dinheiro público. Questionamos todos, ou só alguns? #IdeiasPerigosas”

Não sei por­que ele enfiou a MTV no meio desse papo. Eu não me ins­crevo em edi­tal de cul­tura para rece­ber meu salá­rio na MTV…e em momento algum eu estava falando como fun­ci­o­ná­rio da MTV, que isso fique claro!!!
Meus ques­ti­o­na­men­tos são como músico que atua a quase 14 anos no cená­rio naci­o­nal. Se a MTV pega ou não grana pública não é um pro­blema meu. Não sou o dono da MTV. Sou ape­nas um pres­ta­dor de ser­vi­ços. O que posso dizer é que eles estão pagando meu salá­rio em dia. Nunca atra­sa­ram e nem ofe­re­ce­ram Cubo Card em troca do meu suor.

Foda é quem pega dinheiro público para fazer um fes­ti­val de música, por exem­plo, e não paga aos artis­tas, que são a maté­ria prima da coisa toda.

E mais…quem disse que sou con­tra as leis de incen­tivo ou cap­ta­ção de ver­bas públi­cas? Não sou con­tra não, mas acho que as leis de incen­tivo têm que ser melhor for­mu­la­das, exa­ta­mente para não bene­fi­ciar ape­nas os esper­ta­lhões da cul­tura, que só con­se­guem se movi­men­tar as cus­tas de tais editais.

Eu fui incen­ti­vado pelo FUNCULTURA, o fundo de cul­tura do Estado de PE, quando gra­vei o “Simulacro”, meu disco de 2007. Quando fui pro­du­zir o “Moto Contínuo” não tive cora­gem de me ins­cre­ver, de novo, em um edi­tal. O nome já tá dizendo:“Incentivo”.
Eu já havia sido incen­ti­vado, não tinha sen­tido algum me ins­cre­ver nova­mente. Então ban­quei o disco com a grana que eu ganhava nos shows. E sem leis de incen­tivo ou edi­tais de cul­tura paguei meu disco e ainda pren­sei CD e vinil (que tá che­gando no iní­cio do pró­ximo mês). Acho que inde­pen­dên­cia é isso. Mas nem me con­si­dero um inde­pen­dente total, pois pre­ci­sei da ajuda de vários ami­gos para rea­li­zar esse trabalho.

Não sou con­tra quem capta dinheiro atra­vés das leis de incen­tivo e edi­tais de cul­tura…de forma alguma. Só acho que pre­cisa haver um “seman­col” por parte de quem ins­creve os seus pro­je­tos todos os anos. Não dá pra ficar mamando na teta do governo a toda hora. E o minis­té­rio da cul­tura pre­cisa melho­rar a lei, para que ela sirva a todos e não ape­nas a alguns.

Seguindo no mesmo tema, um outro cara me escre­veu no twit­ter:
”@chi­naina o seu ultimo show em recife foi em fes­ti­val com $ publico, é errado? sem falar shows pela pre­fei­tura! errado tb?#IdeiasPerigosas”

Não é errado tocar em fes­ti­vais que são ban­ca­dos com dinheiro público. Errado é cap­tar o dinheiro público e não pagar aos envol­vi­dos.
Eu fui pago para tocar nes­ses even­tos. Que isso fique claro também!

Mais uma do twit­ter:
”@chi­naina vai lá. com essa visão sen­sa­ci­o­nal de mer­cado que você tem, vamo ver por quanto mais tempo você recebe seu cachezão”

Então qual é a visão certa? tocar de graça? não rece­ber pelo meu tra­ba­lho? É isso o que estão me pro­pondo? Não, obri­gado.
É o FDE quem tem a polí­tica certa de mer­cado? Também não.
O que acon­tece é que nin­guém sabe qual será o cami­nho do mer­cado cul­tu­ral e fono­grá­fico. Não dá pra dizer qual é o melhor cami­nho. Existem algu­mas opções e pou­cas cer­te­zas. O mer­cado cul­tu­ral no Brasil ainda não se achou.
É claro que o governo tem que cui­dar da cul­tura, mas não pode ser a única saída para ela.
Rolou uma grande enchente em Pernambuco, que dei­xou muita gente desa­bri­gada. Sabe onde o governo fez o pri­meiro corte de des­pe­sas para aju­dar os desa­bri­ga­dos? Na cul­tura!
O governo está errado? Lógico que não. Eu faria o mesmo.
Então, tá claro que não dá pra ficar depen­dendo só do governo, né?

E a banda Macaco Bong, que eu gosto pra cara­lho, me escre­veu isso:
RT @Macacobong: @chi­naina não tem essa de tamo colado pelo som. ou ta colado ou nao ta.

Eu admiro o som dos caras. Todos ótimos músi­cos, mas não con­cordo com as idéias que eles têm sobre a polí­tica do FDE e etc…
Normal. Cada um pensa como quer.
Mas esse papo de “tá colado ou não tá” parece coisa de patru­lha­mento ide­o­ló­gico. Rolou um novo AI-5 e eu não soube?
Tô colado no Macaco Bong pelo som, sim! Comprei o disco deles. Acho muito bom. E mesmo que as nos­sas idéias sobre as polí­ti­cas cul­tu­rais sejam dife­ren­tes, con­ti­nuo achando o som deles sen­sa­ci­o­nal e um dia pre­tendo fazer algo com a rapa­zi­ada.
Opinião todo mundo tem. E eu res­peito todas. Não fico ten­tando cate­qui­zar ninguém.

O cara mais coe­rente nesse debate todo que rolou durante a tarde foi o músico e pro­du­tor Daniel Ganjaman. E foi por causa de um twit­ter dele que come­çou esse papo todo. hahahahaahahaha.

Ele tui­tou algo sobre o con­gresso FDE e eu tirei uma onda (juro que achei que era uma tirada irô­nica dele)… brin­quei com ele, como já rolou um monte de vezes, inclu­sive. Acho que tenho essa inti­mi­dade para brin­car com Ganja, do mesmo jeito que ele tem total liber­dade para tirar a onda que qui­ser comigo. Conheço essa jóia há mui­tos anos.
Ele colo­cou as suas opi­niões e eu colo­quei as minhas. Em momento algum ele ten­tou me “cate­qui­zar”. Apenas expôs suas con­vic­ções. E eu as minhas, claro.

Se o FDE está ser­vindo para Ganjaman, ótimo. Ele tá rece­bendo direi­ti­nho pelo seu tra­ba­lho? Não sei. Tá tudo certo entre as ações de Ganjaman e o FDE? Deve estar, né? Se ele tá dizendo que o cole­tivo é impor­tante para a cena cul­tu­ral bra­si­leira é por­que deve estar tudo em cima mesmo…para ele.

Para vários artis­tas desse país não é bem assim. Conheço deze­nas de ban­das que pas­sa­ram pelos even­tos orga­ni­za­dos pelo FDE e recla­mam do não paga­mento de cachês e da falta de estru­tura para exe­cu­tar o seu tra­ba­lho.
E vários des­ses even­tos foram ban­ca­dos com dinheiro público.
Aí eu per­gunto: se tem dinheiro público na parada é por­que rolou um edi­tal, certo? Se rolou um edi­tal, tinha lá o nome das ban­das que toca­ram, certo? Se tinha o nome das ban­das, devia ter o valor cobrado pelas apre­sen­ta­ções, certo? E se tinha isso tudo, cadê o dinheiro para pagar as ban­das?
Não, meus caros, não são todos que rece­bem pelos shows. Apenas alguns. Talvez os que apóiam as ações do cole­tivo FDE.

Só por­que é artista inde­pen­dente tem que tocar por amor a arte?
Amor ao que faze­mos já existe, mas isso tam­bém é um tra­ba­lho… e pre­cisa ser remunerado.

Quem não se lem­bra da entre­vista do Sr. Pablo Capilé, falando que as ban­das tinham que tocar de graça mesmo? Ele dizia: “Eu sou den­tro da ABRAFIN um defen­sor de que não se deve­ria pagar cachê as ban­das”.

A ABRAFIN, para quem não conhece, nas­ceu pri­meiro que o FDE e con­siste em uma rede de fes­ti­vais inde­pen­den­tes for­mada pelos pro­du­to­res des­ses fes­ti­vais. Alguns des­ses pro­du­to­res toca­vam em ban­das pouco conhe­ci­das ou eram empre­sá­rios artís­ti­cos. As ban­das “apa­dri­nha­das” por eles toca­vam na mai­o­ria dos fes­ti­vais orga­ni­za­dos pela ABRAFIN em todo país. Estranho, né? Parece coisa de máfia. Mais estra­nho ainda era o fato deles pega­rem grana pública para ban­car os fes­ti­vais e não paga­rem aos artis­tas que não “esta­vam” com eles, claro. E não estou falando de calote. O papo era reto; não temos cachê para te pagar. Se qui­ser tocar é assim.
Já me con­vi­da­ram para tocar em alguns fes­ti­vais orga­ni­za­dos pela ABRAFIN. Nunca topei. Mas o papo era: China, te damos ali­men­ta­ção, hotel e pas­sa­gens aéreas para a sua banda. Para a equipe não rola, pois temos ótimos pro­fis­si­o­nais aqui (que nunca tra­ba­lha­ram comigo, vale lem­brar).
E eu per­gun­tava: Mas e o cachê?
E a res­posta era: Cara, você vai ter a chance de tocar para um grande público e ainda pode pas­sar o fim de semana aqui para conhe­cer a cidade. Não temos como te pagar um cachê.
Minha res­posta era (aprendi com um amigo): Se vocês me derem hotel e ali­men­ta­ção o ano todo, eu toco de graça no fes­ti­val. Se fosse assim, eu não me pre­o­cu­pa­ria com as con­tas, né? Tava tudo certo. E se eu qui­sesse fazer turismo, eu não iria tra­ba­lhando, iria de férias.
Ah, e não era per­mi­tido ques­ti­o­nar a ABRAFIN. Se ques­ti­o­nasse, você estava auto­ma­ti­ca­mente eli­mi­nado de todos os fes­ti­vais orga­ni­za­dos por eles.

Mesmo na época em que só exis­tia a ABRAFIN, tinha gente defen­dendo essa asso­ci­a­ção. Mas os que defen­diam esta­vam se bene­fi­ci­ando da mesma (claro, nin­guém vai falar mal do lugar onde se ganha o pão). Ou eram cura­do­res que rece­biam pela tal cura­do­ria, ou eram uns pou­cos artis­tas que rece­biam cachê. Que eu me lem­bre, nunca toquei num fes­ti­val da ABRAFIN…e se toquei, pode ter cer­teza que recebi meu cachê, senão nem saía de casa.

Vários pro­du­to­res que faziam parte da ABRAFIN caí­ram fora da asso­ci­a­ção. Por que será?
O FDE fun­ci­ona mais ou menos sob os mes­mos con­cei­tos da ABRAFIN. O cole­tivo fala que fez mais de 5.000 shows pelo país. Meus para­béns. Mas vamos aos fatos:

1– Se o FDE capta dinheiro público para orga­ni­zar as suas ações, por que deze­nas de artis­tas recla­mam que não rece­bem cachê? Pra onde vai esse dinheiro?

2– De que adi­anta fazer 5.000 shows por ano se a mai­o­ria deles são em luga­res que não ofe­re­cem uma mínima estru­tura para uma boa apre­sen­ta­ção? Isso só queima a banda e não ajuda em nada na car­reira da mesma.
Não adi­anta ter quan­ti­dade, e sim qualidade!

3– Qualidade é outro ponto. Uma banda (que não cita­rei o nome) disse que fez uma turnê pelo FDE. Quase 30 shows. Desses quase 30, ape­nas 3 ou 4 tive­ram cachê (que foram pagos pelos sescs onde eles se apre­sen­ta­ram). Os outros 20 e tan­tos foram em luga­res que não tinham a menor estru­tura para se apre­sen­tar. Som de pés­sima qua­li­dade e equipe inex­pe­ri­ente. Sem falar no público de menos de 25 pes­soas… numa quinta-feira, e no inte­rior sei lá de onde. E os músi­cos ainda tinham que ficar pela casa dos ami­gos.
Se é pra ficar na casa dos ami­gos e não rece­ber cachê, por­que eu pre­ciso de um cole­tivo para orga­ni­zar a minha turnê? Eu mesmo ligo para o con­tra­tante e vou lá tocar.

4- Quem banca a casa FDE em SP?

5– Se o governo mudar nas pró­xi­mas elei­ções o FDE se sustenta?

Estes são ape­nas alguns pon­tos. Tem mais um monte de his­tó­rias nebu­lo­sas, que não posso con­tar por­que não acon­te­ce­ram comigo, mas com outros artis­tas que pre­fe­rem ficar fora do eixo dessa dis­cus­são por medo de reta­li­a­ções. O que é uma pena.

Mas… antes que vocês pos­sam res­pi­rar, eu con­ti­nuo a linha de pensamento.

Acho que uma banda deve tocar de graça quando valer a pena. Se o fes­ti­val vai dar visi­bi­li­dade, se os for­ma­do­res de opi­nião esti­ve­rem lá e se tiver um bom público para apre­ciar o seu tra­ba­lho.
Eu já toquei de graça milhões de vezes, mas nunca ia numa rou­bada. Pra falar a ver­dade, todas as rou­ba­das que peguei com minha banda foi por tocar depen­dendo do cachê refe­rente a bilhe­te­ria do show. As vezes não dava gente mesmo e eu tinha que arcar com os cus­tos. Acontece.

Os mes­mos canais que o FDE tem, você tam­bém tem. Todas as casas de show tem site, é só entrar em con­tato. Os canais que eles têm, e que você não tem acesso, é onde deve estar a grana. Mas você tam­bém pode se ins­cre­ver em um edi­tal de cul­tura e bata­lhar o seu tutu. Se vai con­se­guir, são outros qui­nhen­tos, ou não.

Se você não valo­riza o seu tra­ba­lho nin­guém vai valorizar.

Só quem cresce no FDE é o pró­prio nome do cole­tivo, que usa o talento e suor das ban­das para garan­tir a pró­xima verba para as suas atividades. Esse papo de que estão aju­dando a cena inde­pen­dente é con­versa mole. Alguns mem­bros do FDE estão fazendo nome (e polí­tica) em cima dessa cena. Não duvido nada que algum des­ses caras se can­di­date a depu­tado nas pró­xi­mas elei­ções. E o slo­gan já está pronto: EM DEFESA DA CULTURA BRASILEIRA.
Haja paciência.

Concluindo…

Não sou con­tra o FDE!
A idéia é linda mesmo. Sensacional! Imagina uma rede de fes­ti­vais pelo país inteiro… onde as ban­das vão cir­cu­lar e mos­trar o seu tra­ba­lho? Chega a emo­ci­o­nar.
O modus ope­randi é que é estra­nho, esqui­sito mesmo.
E não acho que o cole­tivo FDE é for­mado só por maçãs podres. Tem muita gente boa tra­ba­lhando no cole­tivo. O pro­blema é que enquanto uns estão real­mente lutando para achar um lugar ao sol, outros se apro­vei­tam na sombra.

Nunca toquei nos even­tos FDE por­que não con­cordo com o jeito que as coi­sas fun­ci­o­nam por lá.
Acho que tenho argu­men­tos sufi­ci­en­tes para ques­ti­o­nar as ati­vi­da­des do FDE.
No dia que as coi­sas forem dife­ren­tes (e não só para mim, mas para um monte de artis­tas que se sujei­tam a essas con­di­ções), eu faço meu show com o maior prazer. Mas o FDE vai ter que pagar meu cachê, claro, e eu só faço shows com a minha equipe. Não dá pra cor­tar nin­guém… pelo bem da apre­sen­ta­ção. Para um bom show acon­te­cer, tem que ter uma boa equipe tra­ba­lhando para que tudo corra bem.
Mas se o esquema for como está, onde pou­cos se bene­fi­ciam, dizendo que o FDE é uma coisa incrí­vel, a sal­va­ção da pátria… nem pre­cisa ligar no meu escritório.

Agradeço o con­vite para assis­tir ao con­gresso FDE, mas não quero envol­ver meu nome nisso. Tenho vários ami­gos que se arre­pen­de­ram de ter asso­ci­ado seu nome ao FDE. Não serei o próximo.

E para os desa­vi­sa­dos que não conhe­cem a minha his­tó­ria…
Já toquei de graça (quando valeu a pena), Já fui enga­nado por empre­sá­rios, já fiz inú­me­ras tur­nês de Ônibus saindo de Recife e rodando o Brasil inteiro. Já toquei (e toco) em gran­des fes­ti­vais, já pas­sei por gra­va­do­ras, já lan­cei dis­cos de forma inde­pen­dente, já fui con­tem­plado por edi­tais de cul­tura, já ban­quei meu disco, pro­duzi dis­cos, tenho um estú­dio e um selo para lan­çar novos artistas…ou seja, já pas­sei por todo o cal­vá­rio para me tor­nar um artista cons­ci­ente.
Minha car­reira vai super bem. Acabei de lan­çar disco novo e tenho feito vários shows… todos com cachê, diga-se de pas­sa­gem.
E houve boa­tos de que eu estava na pior…hahahahahahahaha.

Último twit­ter…

Tamo quase fechando com o @chi­naina pro show de aber­tura do #con­gres­sofdebit.ly/vtQyAr #IdeiasPerigosas

Obrigado, mas eu não tra­ba­lho por Cubo Card.

Notas: Leia a carta aberta de João Parahyba do Trio Mocotó. Ele tam­bém se inco­moda com as mes­mas ques­tões.
Leia tam­bém a entre­vista que dei para o Diário de Pernambuco, que foi com­par­ti­lhada neste site, falando sobre FDE, governo, leis de incen­tivo e #motocontinuo.

E não pode­ria dei­xar de colo­car aqui o texto de Alvaro Pereira Júnior, inti­tu­lado: Indies esta­tais.


Para bom enten­de­dor meia foto basta.

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