:: txt :: Tiago Jucá ::
Das crueldades do capitalismo, a mais paradoxal é a competição e rivalidade entre aqueles trabalhadores que deveriam estar unidos. Para manter o emprego e sobreviver, o colega de trabalho vira inimigo. Intrigas, fofocas e até mesmo "amizade" com o patrão passam a ser rotineiros em muitos ambientes de trabalho. A individualização do ser que evita a coletivização da classe.
Isso é somente um dos vários dramas impactantes do emblemático Assunto de Família, filme de Hirokazu Koreeda, de 2019, que se passa na periferia de Tokyo.
Os Shibatas são uma família não consanguínea que para resistir à miséria praticam pequenos furtos em grandes e pequenos mercados. Osamu, o "pai", vive de bicos. Nobuyo, a "mãe", luta para manter um precário emprego numa lavanderia. Aki, a "tia", é prostituta. Shota, o "filho", é o furtador de comida. E Hatsue, a "vó", recebe uma pensão misteriosa.
O destino dessa família nada convencional muda a partir do momento que encontram Yuri, uma garotinha que sofre violência doméstica dos pais. Yuri é levada para o casebre dos Shibatas, onde passa a viver, comer e dormir junto com todos numa única e minúscula peça. E, claro, a furtar com Shota. Quase uma condição, embora não imposta, para ela continuar morando numa casa que não tem condições de alimentar uma boca a mais.
Um acidente provocado pelo menino passa a desvendar muitos mistérios. Até então a película passeia entre a delicadeza dos personagens e a angústia das pobres vidas. Mesmo com todas adversidades, os Shibatas são alegres, unidos e solidários. O clima antes meigo dos personagens toma um ar tenso e traz suspense para o enredo.
Assunto de Família é uma crítica social contundente sem ser panfletária. O Japão, visto como uma das grandes potências econômicas, é um exemplo que até países desenvolvidos não estão livres da selvageria capitalista. Abaixo um diálogo entre os "pais" ilustra a situação desumana na lavanderia:
- Está atrasada pro trabalho.
- É meio período hoje.
- Como assim?
- Não podem pagar todos, então dez entram meio-dia.
- E todos ficam mais pobres...
Um filme doce e amargo. Emocionante. Tá no Netflix.
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