Miséria no Terceiro Mundo, frustração nos países socialistas, decepção no Ocidente: as principais dinâmicas da Máquina estão reciprocamente descontentes e na base de dos males, o menor. O que podemos fazer? Políticos reformistas propõem remendar a Máquina, tentando torná-la mais humana e agradável através de seus próprios mecanismos. O realismo político nos diz para avançar passo a passo. Assim, supõe-se que a atual revolução microeletrônica possa nos fornecer meios para reformas. A miséria deve ser transformada em mobilização, a frustração em ativismo, e o desapontamento pode ser a base de uma mudança de consciência. Algumas das propostas reformistas soam muito bem: semana de vinte horas de trabalho, distribuição igualitária de trabalho para todos, salário mínimo garantido ou imposto de renda negativo, eliminação do desemprego, uso do tempo livre em atividades autônomas nas cidades ou arredores, autoajuda mútua, autogestão descentralizada em empresas e bairros, a criação de um setor autônomo com microempresas de baixa produtividade, investimento em tecnologias médias e leves (também para o Terceiro Mundo), a redução do tráfico privado, a preservação das energias não-renováveis, nada de energia nuclear, investimento na energia solar, sistemas de transporte coletivo, menos proteína animal nas nossas dietas, mais auto-suficiência para o Terceiro Mundo, reciclagem de matérias-primas, desarmamento global, etc. Essas propostas são razoáveis, até realizáveis, e certamente não extravagantes. Elas formam mais ou menos o programa oficial ou secreto dos movimentos alternativo-socialistas-verde-pacifistas da Europa ocidental, dos Estados Unidos e outros países. Se a maioria dessas propostas fosse realizada, a Máquina do Trabalho seria bem mais suportável. Mas mesmo esses programas radicais de reforma são apenas um novo ajustamento à Máquina e não o seu fim. Enquanto a própria Máquina (o setor duro, heteronômico) existir, autogestão e autonomia servem apenas como um tipo de área de recreio para o descanso de trabalhadores esgotados. E quem pode garantir que você não vai ficar tão arrasado numa semana de vinte horas de trabalho quanto numa de quarenta? Enquanto esse monstro não for para o espaço, vai continuar nos devorando.
Tem mais, o sistema político é feito para bloquear propostas assim, ou converter reformas em um novo impulso para desenvolver ainda mais a Máquina. A melhor ilustração para esse fato são a política eleitoral e os partidos reformistas. Assim que a esquerda sobe ao poder (dê uma olhada na França, na Grécia, na Espanha, na Bolívia, etc.), fica entalada na selva de realidades e necessidades econômicas e não tem escolha senão reforçar precisamente os programas de austeridade que combateu quando a direita dominava. Em vez de Giscard, é Miterrand quem manda a polícia contra os grevistas. Em vez de Reagan é Mondale que faz campanha contra os déficits orçamentários. Os socialistas sempre gostaram de uma boa polícia. A recuperação da economia (isto é, a Máquina do Trabalho) é a base de toda política nacional; as reformas sempre têm que provar que encorajam investimentos, criam empregos, aumentam a produtividade, etc. Quanto mais os novos movimentos entram na Realpolitik (como os Verdes na Alemanha), mais eles caem na lógica da economia saudável, ou então desaparecem. Além de destruir ilusões, aumentar a resignação e desenvolver uma apatia gera, a política reformista não leva a nada. A Máquina do Trabalho é planetária. Todas as suas partes são interligadas. Qualquer política reformista nacional só piora a competição internacional, jogando os trabalhadores de um país contra os do outro, aperfeiçoando o controle sobre todos.
É exatamente essa experiência com a Realpolitik e os reformistas que levou mais e mais eleitores a manter políticos neoconservadores como Reagan, Thatcher e Kohl. Os representantes mais cínicos da lógica econômica são preferidos em relação aos remendeiros de esquerda. A autoconfiança da Máquina está vacilante. Ninguém mais ousa acreditar plenamente em seu futuro, mas todo mundo se agarra a ela. O medo de experimentar superou a crença em promessas demagógicas. De qualquer modo, pra que reformar um sistema furado? Por que não tentar gozar os últimos e poucos aspectos positivos dos velhos negócios pessoais ou nacionais com a Máquina? Por que não eleger políticos positivos, confiantes e conservadores? Aqueles que não se metem a prometer soluções para problemas como o desemprego, a fome, a poluição, as corridas armamentistas nucleares. Eles não são eleitos para isso, mas para representar a continuidade. Para a recuperação, basta um pouco de calma, estabilidade e retórica positiva: a segurança de embolsar lucros em cima dos investimentos atuais. Nessas condições, qualquer recuperação vai ser muito mais terrível do que a crise. Ninguém tem que acreditar realmente em Reagan ou Kohl, deve apenas continuar sorrindo com eles, esquecendo preocupações e dúvidas. A Máquina do Trabalho, numa situação como esta, suporta dúvidas muito mal, e com os regimes neoconservadores você pelo menos pode ficar sozinho até a próxima recuperação ou catástrofe. Além de agitação, mau humor e remorso, a esquerda não tem nada mais a oferecer. A Realpolitik dificilmente ainda seria realista, já que a realidade está agora em ponto de mutação.
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