Antes da Máquina do Trabalho industrial colonizar o atual Terceiro Mundo, existia pobreza. Pobreza: quer dizer que as pessoas possuíam poucos bens materiais e não tinham dinheiro, embora tivessem ainda o suficiente para comer e todo o resto necessário àquela forma de vida. O Poder, originalmente, era software. Não era determinado por coisas e quantidades, mas por formas: mitos, festivais, contos de fadas, maneiras, erotismo, linguagem, música, dança, teatro, etc. (Também é evidente que a maneira como os prazeres materiais são percebidos é determinada por concepções e tradições culturais.) A Máquina do Trabalho destruiu a maioria dos aspectos de poder dessa pobreza, e deixou miséria em seu lugar.
Quando a economia do dinheiro atinge a pobreza, o resultado é o desenvolvimento da miséria, ou talvez só desenvolvimento. O desenvolvimento pode ser colonialista, independente (manejado por elites nativas ou burocracias), socialista (capitalismo estatal), capitalista privado, ou uma mistura de todos. O resultado, entretanto, é sempre o mesmo: esgotamento das fontes locais de comida (monoculturas em vez de agricultura de subsistência), chantagem no mercado mundial (condições comerciais, falhas de produtividade, empréstimos), exploração, repressão, guerras civis entre panelinhas dominantes, ditaduras militares, intervenção dos superpoderes, dependência, tortura, massacres, deportação, desaparecimentos, fome.
O elemento central do Negócio C é a violência direta. A Máquina do Trabalho desdobra seus mecanismos de controle abertamente e sem inibições. As panelinhas dominantes têm a tarefa de construir Estados centralizados que funcionem, e por essa razão todas as tendências ou movimentos tribais, tradicionalistas, autonomistas, revisionistas e reacionários devem ser esmagados. Os limites territoriais freqüentemente absurdos que eles herdaram dos poderes coloniais têm que ser transformados em Estados nacionais modernos. A Máquina Planetária do Trabalho não pode fazer nada sem partes bem definidas, normalizadas e estabilizadas. Esse é o sentido dos "ajustamentos" atuais no Terceiro Mundo, e para esse objetivo milhões devem morrer ou ser deportados.
A independência nacional não trouxe o fim da miséria e da exploração. Apenas ajustou o velho sistema colonial às novas exigências da Máquina do Trabalho. O colonialismo não era eficiente o bastante. A Máquina precisava de máscaras nacionais, promessas de progresso e modernização para obter o consentimento temporário dos Trabalhadores C. A despeito da boa vontade subjetiva de muitas elites (por exemplo N’krumah, Nyerere, etc.), o desenvolvimento apenas preparou terreno para um novo ataque da Máquina do Trabalho, desmoralizando e desiludindo as Massas C.
Para os Trabalhadores C, a família está no centro do negócio, eventualmente o clã, a vila ou a tribo. Trabalhadores C não podem contar com a economia do dinheiro, já que o trabalho assalariado é raro e mal pago. O Estado não é capaz de dar qualquer garantia social. Então a família é a única forma de conseguir um mínimo de segurança social. Porém, a própria família tem um caráter ambíguo: dá segurança entre os altos e baixos, mas ao mesmo tempo é também outro instrumento de repressão e dependência. Isso é verdadeiro para os Trabalhadores C do mundo inteiro, mesmo em países industrializados (especialmente para as mulheres). A Máquina do Trabalho destrói tradições familiares, e ao mesmo tempo as explora. A família exerce um monte de trabalho gratuito (especialmente as mulheres); a família produz mão-de-obra barata para empregos instáveis. A família é o local de trabalho do Trabalho C.
Os Trabalhadores C dos países em desenvolvimento se encontram numa situação irritante: são instados a abandonar o velho (família, aldeia), mas o novo ainda não lhes pode dar meios suficientes de sobrevivência. Então a gente vem para as cidades e tem que viver em cortiços. Ouvimos falar em novidades de consumo, mas não conseguimos ganhar o bastante para comprar. Simultaneamente nossas aldeias e lavouras decaem, e se tornam manipuladas, corrompidas e usadas pela casta dominante. Pelo menos o Negócio C tem a vantagem de uma relativa folga no cotidiano, e poucas responsabilidades novas; não estamos amarrados a empregos ou ao Estado, não somos chantageados com garantias a longo prazo (pensões, etc.), podemos aproveitar as oportunidades a qualquer hora. Nesse sentido, ainda temos algumas das liberdades que sobraram dos velhos caçadores/coletores. As mudanças ficam mais fáceis, e a possibilidade de voltar para casa na aldeia (ou no que sobrou dela) é uma segurança real que os trabalhadores A e B não têm. Essa liberdade básica é ao mesmo tempo um peso, já que cada dia traz um desafio inteiramente novo, a vida nunca está segura, a comida é incerta, os riscos são sempre altos. Quadrilhas de bandidos, panelinhas políticas, oportunistas exploram essa situação e recrutam facilmente pivetes, traficantes e outros marginais.
Apesar da interminável propaganda comercial e desenvolvimentista, mais e mais Trabalhadores C estão percebendo que a proposta da sociedade de consumo vai ser sempre uma fada morgana, na melhor hipótese uma recompensa só para os melhores dez por cento dos que prestam serviços à Máquina. Os modelos capitalista e socialista falharam, e a aldeia já não é uma alternativa prática. Já que só existe essa escolha entre diferentes estilos de miséria, não resta saída para os Trabalhadores C. Por outro lado, eles têm as melhores chances de uma nova vida baseada na auto-suficiência, já que as estruturas industriais e estatais estão se tornando muito fracas, e muitos problemas (como energia, habitação e até comida) são obviamente mais fáceis de resolver localmente do que em áreas metropolitanas. Mas se os Trabalhadores C, como uma classe, resolverem voltar às suas aldeias antes que a Máquina Planetária do Trabalho tenha sido desmantelada também nos outros lugares, vão ser duplamente enganados. A solução é global, ou não funciona.
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