::txt::Arthur Dapieve::
Apesar dos ancestrais comuns e de toda as semelhanças entre os países, a música africana contemporânea sempre foi um ponto fora do radar brasileiro. Só muito de vez em quando a tela preta faz “biiip!”. É chegado um desses raros momentos. O grupo carioca Afrika Gumbe está lançando o seu segundo álbum, 21 anos depois do primeiro. Meu refrão inquieto, a novidade, atualiza as delícias proporcionadas por Afrika Gumbe, o disco, no final dos anos 80. E, diferentemente de seu distante antecessor, todo cantado em iorubá, agora a verve dos irmãos Lobato e de Pedro Leão está exposta ao sol em bom português.
Na verdade, a existência do Afrika precede em muito aquele disco pioneiro. Desde 1978, sob o nome Afrika Obota, o grupo já batucava pelo Rio de Janeiro. Nesse meio tempo, seus três integrantes originais se reencontraram como Robôs Efêmeros de Fausto Fawcett, nas bandas de Fernanda Abreu, Fábio Fonseca, Gabriel O Pensador, Lenine, Lucas Santtana. Após a saída do cantor guineense Carlos Budjugu, trocaram o nome de sua banda para Afrika Gumbe. Os irmãos Marcelo e Marcos Lobato, multiinstrumentistas, mais tarde se encontraram no Rappa, o que deixou pouco tempo para o projeto com o guitarrista e baixista Pedro Leão , que tocava blues e jazz com integrantes do Blues Etílicos e Big Alambik. No entanto, ufa, o seu sonho africano nunca morreu. E aqui está o novo disco.
Meu refrão inquieto se beneficia do aparato tecnológico surgido nas últimas duas décadas e acrescenta velhas engenhocas que estavam indisponíveis na época do primeiro disco. Os integrantes do Afrika Gumbe dominam essa parafernália como poucos. Ficou de fora, declaradamente, o pedal chorus. O aviso surge ao final do encarte, logo antes de um grito de guerra: “O tecnopop não pode morrer.” Porém, não é tecnopop o primeiro rótulo que vem à cabeça quando se escuta a música do grupo – e sim afropop. Seus discos estão repletos daqueles rendilhados aliciantes de guitarra, daquelas batidas quebradinhas, daquela torrente contínua de notas e de melodias que faz a glória da música africana... De King Sunny Adé, Thomas Mapfumo, Fela Kuti, Ali Farka Touré e tantos outros craques.
Meu refrão inquieto abre com a sinuosa Folha seca de Didi, um tremendo balanço, de refrão improvável (“Bola inventora da matemática”) e com uma estrofe que exemplifica uma característica da África e do Gumbe, o erotismo: “Como duas bundas tão diferentes/Que nunca se repetem/Mas se parecem”. Passou-se apenas uma faixa das 12, e já rola goleada. A seguinte, Biscoito azeitado, reata Continente Negro e Bahia. Nela, a primeira aparição da seção de metais, arranjada por Marcelo Lobato, avisa que o soul, que marcou boa parte da música africana contemporânea, também fez a cabeça do Afrika Gumbe.
A elegância do soul está igualmente presente, por exemplo, na terceira faixa, Vida é pra acabar, que tem um refrão sombrio, que surpreenderá quem acha que música africana é só oba-oba e lero-lero: “Difícil é aceitar/ Que a vida é pra acabar”. Um pouco mais adiante, os metais de Toque lembram a poderosa Banda Black Rio. Taí, boa referência. Céu de costuras tem outra boa, o duo americano Steely Dan. Como se lê, tudo gente fina. É como explica a canção Refrão inquieto, que evoca ainda a música indiana: “Minha regra eu invento/ Toda ideia eu tento/ Som de scratch e paz/ Samba, rock e jazz”. E a derradeira faixa, Sinais do vento, a única composição de Pedro Leão, volta ao assunto ao dizer “eu sinto os sinais do vento”. O vento, no momento, sopra forte de novo de Leste para Oeste, da África para o Brasil. Ou melhor, do Afrika Gumbe para o Brasil.
Assista o vídeo abaixo ou neste link aqui
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