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quinta-feira, 2 de junho de 2011

[agência pirata] MARCELO YUKA PREPARA NOVO CD


Preparando CD depois dos tiros que o deixaram paraplégico, Marcelo Yuka defende a força do afeto

::txt::Leonardo Lichote::

A voz de Cibelle, sobre bases graves, enche a sala do estúdio com as palavras de Marcelo Yuka: "Agora, nesse momento/ Não tenho o peso do tempo." A canção, "Agora, nesse momento", está em "Mito?" (título provisório), disco que o artista planeja lançar até o fim do ano - e os versos marcam a leveza que o acompanha hoje, aspecto refletido no álbum e, mais que isso, na forma como olha para a vida. Uma leveza que não abre mão da contundência, da indignação, da consciência de que é necessário atacar sem trégua o reacionarismo ("Precisamos de mais barulho do que bombas", a letra continua), mas que agora se apoia sobre o amor - a palavra é dita como quem sabe a pieguice que a ronda, mas com a segurança do que está falando ("Precisamos de mais barulho do que bombas/ Tanto fora quanto dentro", conclui o verso).

- Tudo o que eu estou fazendo agora vem da descoberta que tive, a única que tive na cadeira, de que o amor não é só um sentimento. É a maior forma de inteligência que temos - diz Yuka, em frente à mesa de som do estúdio em sua casa, com a Tijuca se mostrando ao fundo, pela janela. - Ele está na essência de tudo o que fizemos de melhor. As mudanças mais positivas do mundo vieram dessa capacidade do homem de transcender. Quem é mais forte, Hitler ou Gandhi? Me parece fácil responder, até porque Hitler foi derrotado. Aprendi que não adianta ocupar as ruas se não ocuparmos o sentimento das pessoas. Tem que haver outra maneira de regular os relacionamentos sem ser pela força. O F.UR.T.O. (projeto com o qual lançou um CD em 2005) tinha que ser rancoroso, foi o primeiro depois dos tiros (que o deixaram paraplégico, em 2000). Tudo me era dado para que eu aprendesse pela dor. Porque eu não sou só um cadeirante, meu tipo de lesão me causa muita dor e praticamente não existe tratamento. Comecei a perceber que eu não queria o caminho óbvio de aprender só pela dor. Tive que procurar em mim meu remédio. Pela meditação, cheguei nisso.

A consciência do amor como força política ultrapassa as letras do disco - as canções são parcerias com artistas como Cibelle, Marisa Monte, Aleh e Apollo 9, produtor do CD. Sua sonoridade parece afirmar a todo o tempo a convivência da placidez com o vigor afro-eletrônico. Como na base que ele mostra da canção que está compondo com Marisa. Nela, o ritmo do funk dialoga com um piano que traça caminhos suaves sob a pressão do batidão - como que alheio a ele, mas na verdade em profunda afinidade.

- Picotei o tamborzão (um tipo de batida de funk), reconstruí à minha maneira e meti esse piano, com harmonias e melodias que não são usadas no funk. Não sou só eu que estou fazendo isso, me apropriando do funk dessa forma, criando essa espécie de funk-canção - diz Yuka. - Há um preconceito que diz que o funk é americano, é cópia do Miami bass. Mas o tamborzão é macumba eletrônica, é o folclore do futuro, vem dos tambores do quintal da vovó. E foi feito por uma geração que nem ouviu Miami bass.

O funk ("F-A-N-Q-U-I", soletra, para deixar claro que está falando do gênero nascido nas favelas, e não do som de James Brown, George Clinton e companhia) está no centro do novo álbum de Yuka. Novamente, numa afirmação política e afetiva:

- Comecei querendo fazer um disco de samba, mas o funk acabou se tornando a maior influência. A minha noção musical vinha de meu pai, que ouvia samba, e do que eu ouvia na minha condição de suburbano. Não tenho formação de rock. Aprendi música indo a baile. Lembro da primeira vez em que ouvi "Planet rock", do Afrika Bambaataa, no Clube Luso-brasileiro, em Campo Grande. Mesmo sem entender a letra, era aquilo que eu queria viver. O funk é a minha essência.

Sua aproximação do samba-enredo de maneira nada ortodoxa - e mesmo do funk - se revela um modus operandi.

- Minha dificuldade como músico não me permite fazer nada ortodoxo - diz, sorrindo, depois de mostrar uma música que soma dub e climas Radiohead e funk. - Por exemplo, quero fazer rock, então me juntei com Sérgio Espírito Santo, dos Tubarões Voadores, uma banda de Itaboraí que, antes dos Raimundos, já usava coisas de baião, antes de Nação Zumbi, já fazia crossovers impensáveis. Eu e Sérgio estamos juntos no Mestiço, um projeto eletro-indígena-hardcore (ele mostra uma música na qual, sobre a base pesada e tribal e em meio a samples de falas de Darcy Ribeiro, correm versos como "Droga que escraviza o mundo/ Chá de papel-dinheiro").

Mestiço é apenas um dos trabalhos paralelos de Yuka ("Aleijado não pode ficar parado", brinca). Ele montou um show com Amora Pêra (guitarra e vocal), Patrick Laplan (baixo), Jomar Schrank (teclado e guitarra) e Daniel Conceição (bateria) - banda base de seu disco -, juntando músicas do Rappa, F.UR.T.O e inéditas. Planeja um CD com Seu Jorge, outro com o produtor Chico Neves e outro com o DJ americano Maga Bo. Além disso, lançará seu primeiro livro de poesia pela editora Dantes e um de quadrinhos, com histórias baseadas em suas letras, pela Leya. O jornalista Bruno Levinson prepara sua biografia, e a cineasta Daniela Broitman faz um documentário sobre o músico. Mas o projeto do qual Yuka fala com mais orgulho está na sua frente no momento da entrevista, ensaiando em seu estúdio: uma banda de pagode formada por presos em regime semi-aberto. Ele produzirá o disco da banda, fruto do trabalho que faz com o delegado Orlando Zaccone em carceragens cariocas, montando bibliotecas e promovendo sessões de filmes.

- Nunca imaginei que meu trabalho na cadeia pudesse render isso. Porque, quando você sai da cadeia, pode fazer qualquer coisa, ir comer mulher, assaltar de novo... O Gilson (Camilo, um dos integrantes da banda) escolheu vir aqui. Achou meu endereço e bateu aqui em casa. Eu vi que tinha que fazer alguma coisa, conversamos, e soube que ele tinha uma banda de pagode. "Posso te ajudar com isso", eu disse - conta Yuka, que agora monta com Zaccone a Boca (Brigada Organizada de Cultura Ativista), um centro de debates que será inaugurado quinta-feira no Circo Voador.

Yuka ressalta que tudo o que está produzindo é sem patrocínio ou auxílio de gravadora. Mas isso não o impede de seguir, apoiado no que chama de fé no ser humano.

- Faço trabalhos como o Carceragem Cidadã porque acredito. Teria todos os motivos para não acreditar no ser humano, mas acredito. E a minha profissão me dá a chance de ser utópico. Minha arte se mistura com a minha vida. Talvez eu pague por isso. Não tenho filho, não tenho família, porra nenhuma. Meu plano maior para este ano, aliás, é juntar dinheiro para me tornar pai solteiro - conta. - As pessoas falam em superação, mas eu não superei nada. Estou sempre superando e espero seguir assim até o meu último dia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Depois de despontar para o anonimato com a banda F.U.R.T.O. (sigla para Frente Urbana Racional de Trabalhos Organizados) e com o "centro de debates" B.O.C.A. (Brigada Organizada de Cultura Ativista), o genial atormentado acredita que fará ainda mais menos sucesso com sua nova criação, o B.U.R.R.O. (Base Unida Revolucionária de Resistência à Opressão). Agora, vai.

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