#CADÊ MEU CHINELO?

Mostrando postagens com marcador Culinária. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Culinária. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

[paladar] OCCUPY SEU QUINTAL



::txt::Janaina Fidalgo::

Não há desculpa: sempre dá para fazer roça em casa, nem que seja um canteiro de ervas. 'Roceiros urbanos' ensinam a comer bem, se divertir e preservar o ambiente plantando - e até criando cabras e abelhas - em espaços pequenos.

Morar em uma cidade grande e dispor de um ínfimo pedaço de terra e de pouco tempo livre não são empecilhos para uma turma que retomou uma das mais primitivas atividades desde que o homem deixou de ser nômade e coletor: o cultivo e o preparo de alimentos para o próprio consumo.

Não são agricultores, no sentido estrito da palavra, porque não dependem diretamente da terra para sobreviver nem moram em áreas rurais. São, digamos, sitiantes urbanos cada vez mais independentes. Cultivam verduras, legumes e frutas em pequenos espaços de terra na cidade. Criam abelhas, galinhas e coelhos. Alimentam fermentos naturais e assam os próprios pães. Fazem geleias, iogurte, caldo e embutidos.

Buscam a segurança de saber exatamente onde e como foi produzido o que eles e a família vão comer e também o prazer de trabalhar com as mãos - e não há como negar o viés político-ideológico que move alguns.

Em Pasadena, Califórnia, uma família transformou há mais de 20 anos uma casa comum de cidade num sítio urbano onde produz 3 toneladas de alimentos orgânicos por ano. Jules Dervaes e os três filhos - Justin, Anaïs e Jordanne - plantam tomate, moranga, feijão, verduras, maçãs, mirtilo, goiaba, morango, laranja e ervas.

"Comida cultivada em casa é muito superior em sabor e nutrientes do que a que vem do supermercado. Além disso, não é mais saudável só para você, mas também para o ambiente. Plantando localmente, você reduz sua pegada ecológica", diz Jules em entrevista ao Paladar.

O projeto de cultivo caseiro que Jules batizou de Urban Homestead (sítio urbano) supre as necessidades da família direta e indiretamente. Eles se alimentam do que plantam, compartilham a produção com amigos e familiares e vendem o excedente da colheita a restaurantes e moradores de Pasadena para comprar o que não conseguem produzir em casa, como açúcar, arroz e farinha de trigo.

"Quando comecei não havia modelos bem-sucedidos para copiar. Tudo que eu tinha em mente eram as grandes fazendas. Transportar esses modelos para meu reduzido espaço custou muito trabalho físico e mental. Nosso sucesso veio de tentativas e erros - e muito suor."

O projeto não é só de cultivo e de criação de animais para produção de ovos, leite e mel. Inclui práticas ecológicas, como compostagem de resíduos orgânicos, uso de energia e fornos solares e de equipamentos movidos a manivela e a pedal, reúso de água e até produção de biodiesel.

O Urban Homestead deu tão certo que virou até um premiado curta-metragem, Homegrown Revolution, em que a família compartilha a experiência; e Jules, sua filosofia: "Cultivar alimentos é uma das ocupações mais perigosas da face da terra. Porque você corre o risco de se tornar livre".

"Todo mundo pode fazer algo com o que tem. Você só precisa aprender o comportamento do ambiente. Sempre encorajo as pessoas a aprender práticas antigas e a pesquisar como as gerações pioneiras sobreviviam", diz.

Também na Califórnia, no Vale do Napa, a enóloga Heather Munden cria abelhas, planta vegetais em pequenos canteiros, faz pão em fogão a lenha e mata porcos para preparar embutidos. "Não precisa muito para plantar a própria comida, é só usar bem o terreno", diz ao Paladar.

Aqui no Brasil, três casais amigos vivem há quase dois anos a experiência de conciliar a rotina de profissionais liberais com a prática da agricultura e pecuária urbanas. Mudaram para a mesma rua, num condomínio de classe média alta em Curitiba, e alugaram um terreno rodeado por prédios onde plantam e criam galinhas, coelhos e cabras.

"Quem disse que a gente não pode voltar a ser responsável por 60 a 70% da nossa comida? Não vamos produzir tudo que precisamos, mas quanto mais gente tivermos na nossa network, menos vamos precisar do supermercado", diz Claudio Oliver, da Casa da Videira.

Em São Paulo, na Lapa, a blogueira Neide Rigo não deixa descoberto nem um pedacinho de terra, seja nas praças do bairro ou nos muito bem aproveitados 12 m² de seu quintal. Nele, tem ervas, verduras, frutas e legumes. Fora as abelhas indígenas, os pães e uma porção de alimentos que faz.

"É preciso começar. Plantar, colher e fazer comida são coisas que estão no inconsciente coletivo. É instintivo e fazem parte da nossa sobrevivência."


Assista e leia.

Você pode ver o premiado documentário sobre a família Dervaes no YouTube (escreva no campo de busca "homegrown revolution"). Para conhecer melhor o projeto, visite o urbanhomestead.org.

E para saber mais sobre o projeto da comunidade autossustentável de Curitiba visite o site mantido pelo grupo: casadavideira.com.br

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

[paladar] CUCA É COISA DE PADEIRO



::txt::Olívia Fraga::

Oito e meia da manhã de sábado e a clientela já se aproxima da Banca Penedo no Mercado Municipal de Santo Amaro. O bom-dia ao padeiro Thomas Huppert é dado em alemão, assim como todo o diálogo entre o vendedor e seus fregueses. Por isso, quando você visitar a banca, não diga cuca, diga Streuselkuchen (em tradução livre, bolo de flocos).

As cucas preparadas na madrugada chegam frescas à banca, com as cestas de pães alemães, bagels e strudels, alguns levados na hora ao forno improvisado. Outras levadas já prontas. A fila é grande e só aumenta.

Thomas Huppert aprendeu "o certo e o errado" das cucas na escola de panificação de Worms, em sua Alemanha natal. "Minha mãe fazia cuca sem qualquer critério e quando não acertava colocava a culpa no forno", brinca.

Estudou cinco anos e, de volta ao Brasil, em 1994, ajudou os pais a abrirem a Huppert & Huppert, em Curitiba. Há dez anos, mudou-se para São Paulo, equipou um galpão em Santo André, associou-se a Daniel Hollaender, proprietário da Banca Penedo, e se concentrou na produção de cucas.

De seu galpão saem, semanalmente, quase 400 cucas, vendidas em mercados de São Paulo, como o Emporium Dinis, no Shopping Pátio Higienópolis, e na Casa Zilanna. Ele não gosta de invencionices e não faz pirações dulcíssimas, como rechear com chocolate ou doce de leite. "Alemão gosta do contraste e não vê a cuca como um doce, mas como um pão de frutas mesmo", diz.

Naquele sábado, as cucas tradicionais de maçã eram ladeadas com outras feitas de ameixa e de jabuticaba que ele testou na última safra. Os trabalhos começam às 2h da manhã de sexta para sábado, quando Huppert fermenta a massa podre com fermento biológico e assa as maçãs lentamente. O padeiro recomenda que as cucas sejam consumidas até dois dias depois da fabricação.

O 'bolo da mãe' era, na verdade, a cuca da vizinha alemã. As famílias felizes são todas iguais, é verdade. Nossas avós nos fazem bolos, doces e mimos com os quais a gente sonha a vida inteira. Como em todas as casas, a minha era assim. Até que, em algum momento da infância, notei que minha mãe, rara e pouco atrevida no fogão, repetia a mesma receita "errada"de bolo. Era errado, mas tão gostoso!

Parecia uma torta de maçã, mas não era. Se fosse, talvez não agradasse tanto (maçã toda criança encara, mas maçã-e-pão foi um gosto adquirido). Entendia aquilo como um pão que não cresceu muito e ainda conseguia ser doce, com uma crosta diferente, uma farofa doce por cima. Era um pão doce que queria ser mais do que era, queria agradar a gente.

Complicando todas as coisas, minha mãe dizia que era o "bolo da dona Ana". Que Ana? Que dona? Ela tinha um bolo? A explicação veio anos mais tarde, quando finalmente entendi que a receita do "bolo" era de uma senhora alemã, Ana, de quem a família alugou a primeira casa. O "bolo" era a cuca, deliciosa, que agora conheço por "bolo da mãe".


Onde fica
Banca Penedo
Mercado Municipal de Santo Amaro -
R. Padre José de Anchieta, 953, loja 37, Santo Amaro
tel. 5686-5312

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

[agência pirata] COMIDA BRASILEIRA DE VERDADE



::txt::Nina Horta::

Ai, ai, ai, agora podemos ter certeza de que a cozinha brasileira está na moda no Brasil. Até uns meses atrás isso era conversa de gulosos, antropólogos, alguns donos de restaurante intelectualizados, críticos e interessados. Hoje chegou nas assessorias de imprensa e nos eventores e promotores.

Vai arribar nas nossas praias um estrangeiro importante. E vai precisar comer. Antes queriam servir a comida do país do visitante, como curry para os indianos e salsichas para os alemães. Os bufês se esfalfaram de dizer que não era educado.

Imagina você, brasileiro, resolver gastar o seu rico dinheirinho com uma viagem à Tailândia dos seus sonhos. Chega lá e já é recebido com uma homenagem à altura. Uma bela feijoada -e antes fosse bela.

O mais provável é que você ria muito do resultado conseguido. Ou uma farofa com dendê. "Raios, viajei tanto para comer comida malfeita do meu próprio país!", seria provavelmente a sua reação.

E então, imaginamos que a comida mais educada a se servir ao estrangeiro é a do Brasil, no caso, mas tomando-se os devidos cuidados, tendo que amansar uma pimenta, uma farofa, para que o hóspede não estranhe e adoeça.

Mas, viva, os eventores querem comida brasileira! Certo. Você manda um cardápio com entradinhas de mandioca, tudo bem pequeno, como telhas de biju, que eles adoram. Depois, um bacalhau em tiras, misturado com ovo e batata palha, quer comida mais brasileira que bacalhau? "Não", retruca a menina eventora inteligente. "Bacalhau é norueguês e português."

Bem, tem lá suas razões, mas se formos atrás da comida dos índios, seria a farinha, talvez um lagarto ou um macaquinho moqueado. Um belo peixe seco, um pirarucu. Pode ser. Vamos fazer um peixão do Amazonas, um pirão, (para disfarçar a farinhice), uns palmitos... Nada de mangas, nem coco, nem quindins, nem doces d'ovos, nem compotas, devagar com a louça, tem que ser brasileiro-brasileiro.

Poderíamos oferecer o que o brasileiro come, aquele que come e que não filosofa sobre a comida, só come. Do sul ao norte, com diferenças mínimas vamos ter o arroz com feijão, verdura, salada, um bolinho e um pedaço não muito grande de carne de peixe, ave ou vaca.

Ah, desmaia a promotora, "mas estou recebendo visitas importantíssimas, o rei da Bowela, a editora da 'Mode', vou dar arroz e feijão?". Pois é, minha filha, fomos colonizados, se quiser uma globalização, dá, mas comida brasileira antes de Cabral... Não vai dar não, não vai dar não... Os próprios brasileiros vão estranhar aquele pequi cheiroso, aquele tucupi da mandioca.

Acho que os experts em comida podem continuar seus estudos brasileiros, mas há que ter duas vertentes. Comida brasileira de verdade e picadinho carioca para eventos.

O picadinho será rebatizado, convertido, "antropofagizado", canibalizado, esqueceremos as origens da carne ensopada, das batatinhas fritas, do tomate, do arroz, e ficaremos com as bananas-da-terra (sei lá), os ovos de macuco (índio não conhecia vaca, nem galinha) e muita farinha. Se possível, lançada na boca de longe, o que faria a festa, com prosecco ou cauim, bem mais animada.

domingo, 23 de outubro de 2011

[paladar] UM GENOVÊS BEM NAPOLITANO



::txt::Dias Lopes::

Quando imigraram para São Paulo nos séculos 19 e 20, primeiro para trabalhar nas lavouras de café do interior do Estado, depois na indústria e comércio da capital, os italianos de Nápoles e arredores trouxeram uma cozinha rica e apetitosa. Várias das suas receitas tradicionais se integraram ao cardápio da nova terra.

Um desses imigrantes fundou no bairro paulistano do Brás, em 1910, a pizzaria número um do Brasil. Outros abriram cantinas barulhentas com toalhas xadrez e garrafas dependuradas no teto, cujos donos falantes empunhavam os pratos que devíamos comer. A clientela saboreava spaghetti aglio e oglio ou alle vongole, brasciola, scaloppina, ragù alla napoletana, filé alla pizzaiola, torta di ricotta, etc.

Mas algumas receitas se extraviaram e uma pela qual suspiram os descendentes daqueles imigrantes é a veterana salsa alla genovese (molho à genovesa). "Até hoje fico com água na boca ao lembrar da que fazia a mamma napolitana do quartieri de Vomero", confessa o restaurateur Toninho Buonerba, dono da Cantina e Pizzaria Jardim de Napoli, no bairro de Higienópolis. "Nunca a preparei, mas ainda farei isso." Apesar do nome, a receita não foi inventada em Gênova, na Ligúria, berço do pesto, da focaccia e da torta pasqualina, mas em Nápoles, a mais de 700 km dali.

Faz-se o molho à genovesa cozinhando pedaços de carne bovina com cebola picada, pancetta, aipo, cenoura, salsinha, azeite, vinho e sal, até obter um creme amarronzado de sabor surpreendente. A preparação deve pippiare (borbulhar) por horas a fio em fogo baixo. A carne recomendada é o girello (lagarto), chamado lacerto em Nápoles. Na falta, usa-se a punta di scamone (ponta da alcatra). Retira-se do molho no final do cozimento. A carne é servida como segundo prato. O molho se harmoniza com massas em formato de tubo, como perciatelli, ziti, penne e paccheri.

A novidade é que "la salsa regina della gastronomia napoletana", como se proclama no sul da Itália - o rei é certamente o ragù - está de volta a São Paulo, por iniciativa do BottaGallo, no bairro do Itaim. Outra mamma se envolveu na história. "Introduzimos o molho há oito meses por sugestão do napolitano Aurelio Cinque, dono do Cinque Frigorífico, de Cotia, que nos fornece seus excelentes embutidos", conta André Lima, o Deco, sócio do BottaGallo. "Ele nos ensinou a receita da mãe. Só mudamos a massa. Escolhemos o pappardelle, em vez do penne que nos aconselhou."

Os napolitanos não sabem por que deram a um molho porta-bandeira da sua culinária o nome de uma cidade da Ligúria. Lejla Mancusi Sorrentino, no livro I Dodici Capolavori della Cucina Napoletana ("As 12 obras-primas da cozinha napolitana", Edizioni Intra Moenia, Napoli, 2003), comenta a hipótese de a receita ter sido criada no século 16, 17 ou 18, nas casas dos mercadores e banqueiros genoveses que viviam na cidade, ou em alguma tratoria aberta para satisfazer-lhes os hábitos alimentares.

A presença da cebola seria uma prova. Ainda hoje os genoveses adoram esse bulbo carnoso e aromático. A focaccia com cebola, por exemplo, é bastante difundida em sua terra, especialmente nos bairros populares e entre os estivadores do porto local. Para completar, os napolitanos brincam que as mulheres genovesas são as que menos choram ao cortar cebola... Outra hipótese é o molho ter sido criado por um cozinheiro de sobrenome Genovese, bastante difundido na região.

Em Nápoles, desfruta de merecida fama o penne alla genovese da centenária Osteria da Tonino, na Via S. Teresa a Chiaia 45. Ali, saboreia-se o prato, mais um segundo de carne e vinho regional, ao preço médio de 20 por pessoa. Tonino Canfora, atual proprietário, orgulha-se de sua casa ter sido frequentada por Enrico Caruso (1873-1921), "o maior tenor de todos os tempos". Só não sabe dizer se ele pedia o penne ou outra massa alla genovese. Mas, como era napolitano genuíno, o genial intérprete de Radamés, da ópera Aida, de Giuseppe Verdi, certamente apreciava o molho.

MOLHO ALLA GENOVESE

Ingredientes

1kg de carne de boi (prefira lagarto) cortada em pedaços grandes
50g de pancetta defumada cortada em pequenos cubos
1,5kg de cebola bem picada
1 talo de aipo bem picado
2 cenouras bem picadas
2 a 3 talos de folhas de salsinha picadas
100 ml de azeite
250 ml de vinho branco seco
Queijo parmesão ralado a gosto (opcional)
Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

Preparo

Em uma panela, de preferência de barro, coloque junto a carne, a pancetta, a cebola, o aipo, a cenoura, a salsinha, o azeite, o sal e a pimenta.
Cubra a panela e cozinhe em fogo muito baixo, mexendo de vez em quando. Após uma hora de cozimento, levante um pouco a chama, para os ingredientes pegarem cor.
Incorpore o vinho e misture bem. Diminua o fogo e prossiga o cozimento por cerca de três horas, até a carne ficar bem cozida e tenra. Mexa de vez em quando e, se necessário, pingue um pouco de água durante o cozimento.
O molho deve ficar denso e com uma bonita cor marrom.
Sirva o molho de preferência com massas curtas em formato de tubinho, tipo zite e penne lisce (sem estrias na superfície). Se gostar, pulverize por cima do prato um pouco de parmesão.
Reserve a carne para um segundo prato ou para alguma outra preparação.

Rendimento: 6 porções

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

[agência pirata] AS POLPETTAS E A LITERATURA ITALIANA



::txt::Dias Lopes::

Um casal de jovens apaixonados - o honesto e impulsivo operário têxtil e camponês Renzo Tramaglino, a dócil e piedosa tecedeira Lucia Mondella - pretende casar-se. Mas o vigário don Abbondio, um religioso de caráter fraco, não tem coragem de autorizar a união. A noiva é cobiçada pelo implacável don Rodrigo, o senhor feudal que pretende raptá-la. Para escapar da ameaça, Lucia se refugia em um convento, onde enfrenta as intimidações e tentações da Monja de Monza, uma mulher frustrada, e do áspero e hostil Innominato. Por fim, o capuchinho Cristoforo, um frade corajoso, salva Lucia e Renzo, fazendo a história ter final feliz.

Resumido assim, usando adjetivos comuns para traçar a personalidade dos personagens, o enredo de I Promessi Sposi (Os noivos), obra de Alessandro Manzoni (1785-1873), sugere um conto de fadas. Mas não é. Trata-se do mais importante romance da literatura da Itália e o livro mais representativo do Risorgimento - o movimento que unificou o país no século 19, então fracionado em pequenos Estados, cujo sesquicentenário se festeja em 2011. É também a obra mais lida e estudada pelos italianos depois da Divina Comédia, de Dante Alighieri (1265-1321). Manzoni a publicou em 1827 e, apesar de ser milanês, reescreveu-a em 1840 no mais puro florentino, que parecia estar propondo como inspiração para a atual língua da pátria. Na época, havia uma desordem de vozes, cada Estado dispunha da sua. Daí se considerar I Promessi Sposi etapa fundamental na consolidação da língua italiana.

O romance transcorre no início do século 17, durante a ocupação espanhola, e descreve com precisão episódios históricos como a enorme epidemia de peste da época. Mas o cenário é falso. Na verdade, refere-se ao domínio austríaco do norte da Itália. Além disso, apesar de I Promessi Sposi evocar o dilema da fome, seus personagens comem e bebem como gente de carne e osso.

Pela sua importância documental, os historiadores gastronômicos investigam os alimentos citados no romance. A obra-prima La Scienza in Cucina e L’Arte de Mangiar Bene, do emiliano Pellegrino Artusi (1820-1911), que teve para a culinária italiana o mesmo papel agregador e nacionalista de I Promessi Sposi, só foi publicada 64 anos depois. No sétimo capítulo do seu romance, por exemplo, Manzoni faz o herói Renzo entrar em uma taverna com dois amigos e pedir um prato de polpette (almôndegas). "Pode estar certo de que não comeu melhores", garante-lhe o proprietário.

A questão é saber qual foi a receita preparada pelo taverneiro. Segundo a Grande Enciclopedia Illustrata della Gastronomia (Selezione dal Reader’s Digest, Milão, 2000), a polpetta é uma preparação antiquíssima na Itália. Leva carne, peixe ou verdura moída, ligada com ovo e moldada em forma de bola.

A Grande Enciclopédia Illustrata della Gastronomia divide a polpetta em dois tipos: a que leva ingredientes crus e a que os processa cozidos. A segunda categoria era chamada "dos pobres", por reaproveitar alimentos. A receita toscana, também chamada de florentina, recomenda carne cozida e pão dormido. Entretanto, caso Manzoni fosse à cozinha, certamente prepararia a polpetta alla milanese, mais conhecida por mondeghili, típica de sua cidade natal. Com carne cozida, mortadela e salame.

Descendente da aristocracia lombarda, neto do humanista e jurisconsulto Marquês de Beccaria (1738-1794), o romancista foi educado pela mãe, mulher culta, separada do marido. Vestia-se com roupas escuras, gostava de jogar na roleta e a boa mesa. Além de apaixonado pela polpetta, apreciava testina (cabeça) di vitelo glassata, chocolate e panettone. Manzoni se excedia no vinho. Tinha um copo especial, que mandou fazer, duas vezes maior que o normal.

Receita

Mondeghili

4-6 porções
Preparo: 30 min
Muito fácil

Ingredientes

350g de carne bovina moída sem gordura
100g de mortadela bem picadinha
2 fatias de salame bem picadinhas
1 dente de alho amassado
2 ovos inteiros
O miolo de 1 pãozinho banhado no leite e depois apertado em uma peneira para perder o excesso de líquido
1/2 xícara (chá) de salsinha picada
1/4 de casca de limão ralada
1 pitada de noz-moscada; 1 pitada de sal
2 a 3 ovos ligeiramente batidos para empanar; farinha de rosca misturada com farinha de trigo quanto baste; manteiga para fritar; sal a gosto

Preparo

Em uma tigela, junte os ingredientes (exceto os ovos, a farinha de rosca e a manteiga) e misture muito bem, até ficar homogêneo. Faça bolinhas de aproximadamente 4 cm de diâmetro, achatando-as ligeiramente. Passe as bolinhas nos ovos batidos, depois na farinha de rosca misturada à farinha de trigo. Sacuda-as ligeiramente em uma peneira para retirar o excesso de farinha e frite-as, poucas por vez, na manteiga previamente aquecida.
A manteiga estará no ponto certo quando atingir uma leve cor de avelã. Retire as mondeghili e deixe-as escorrer em papel absorvente, para que percam o excesso de gordura.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

[agência pirata] FINGIA QUE NÃO SABIA COZINHAR



::txt::Nathália Butti::

Quando chegou à casa da empresária Rosana Dias, a ideia da baiana Vanusa de Jesus era trabalhar como faxineira. Questionada sobre seus dotes culinários, renegou o talento e exagerou para menos. Disse não saber nada de cozinha.

Mas bastou chegar perto do fogão para a família perceber que a moça era tão modesta quanto prendada. "Parecia que tinha baixado uma entidade nela, fazia tudo ficar uma delícia", conta Rosana, sobre as primeiras performances de Vanusa no fogão. Mudou de função na mesma hora.

A Tia Vânia, como foi carinhosamente apelidada por Rosana e pelos filhos, Roberta e Rodolfo, passou a cozinhar todos os dias para a família, mas até hoje tem dificuldade em reconhecer as próprias habilidades. "Aprendi a cozinhar com a vida, só por necessidade", diz, timidamente, relembrando o tempo em trabalhava como babá em Salvador e observava as outras empregadas cozinhando. Surpreendeu a família ao fazer receitas de cabeça, nunca anotadas.

Entre os melhores pratos de Vanusa, Rosana destaca o cuscuz, a lasanha de espinafre com peito de peru, a lasanha de berinjela e o escondidinho de carne-seca, um dos mais elogiados de seu cardápio. Para transformá-lo em receita, Tia Vânia precisou da ajuda da patroa para anotar o passo a passo, pois ela põe tudo a olho, intuitivamente.

Rodolfo, o caçula, joga futebol de salão profissionalmente na Europa. Como mora na Itália há quatro anos, quando vem passar férias no Brasil quer manter distância das massas. Mas quando Tia Vânia serve seus pratos, não consegue resistir. "Ele chega magrinho aqui, mas quando cozinho, é capaz de comer uma travessa inteira, engorda vários quilos", diz Vanusa.



Escondidinho de carne-seca

por Vanusa de Jesus

Ingredientes

600g carne seca
1,2 kg de mandioca descascada
100g de manteiga
1 cebola média picada
1 colher (chá) de alho picado
1 copo de requeijão
Salsa e cebolinha a gosto
Queijo ralado para gratinar

Preparo

Purê: Em uma panela, cozinhe as mandiocas por 15 minutos. Em outro recipiente, amasse-as até obter uma pasta. A dica é usar um garfo para preservar alguns pedacinhos de mandioca. Coloque a manteiga, a cebola (reserve 2 colheres), o alho e mexa a mistura no fogo baixo por 5 minutos até ficar homogênea. Acrescente o requeijão (reserve 2 colheres para adicionar à carne). Lembre-se de reservar um pouco da cebola e 2 colheres de requeijão para o preparo da carne.

Carne: Cozinhe a carne em uma panela de pressão por 1h30. Quando pronta, desfie a carne e a refogue com manteiga, cebola, cebolinha e salsinha a gosto até dourar a cebola. Acrescente as duas colheres de requeijão.

Montagem: Em um refratário, ponha uma camada de purê, distribua todo o recheio de carne e finalize com outra camada de purê. Cubra com o queijo ralado e leve ao forno para gratinar até que fique dourado.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

[agência pirata] O CHURRASCO COMO SÍMBOLO DO ORGULHO MACHO



::txt::Xico Sá::

No final de semana o país inteiro cheira a churrasco. Já bateu, de longe, a feijoada como a mais popular e nacional das comidas sem frescura.

É tão irresístivel que até modelo e metrossexual churrasqueiam na buena.

Este blog, com sua fome atávica pela cozinha perversa, faz uma breve viagem freudiana a respeito. Segura aí essa brasa!

Quando o carvão começa a pegar fogo, na laje suburbana ou na beira da piscina do Lago Sul, Brasília, os homens automaticamente passam a se sentir mais poderosos.

Mesmo em um banquete de mendigos a carne fortifica as vaidades e espalha, por algumas horas, as brasas da auto-estima.

O mesmo fogo que assa a picanha e a costela chamusca também a testosterona e os básicos instintos do macho, como diria Fausto Fawcett, o poeta-mor de Copacabana e dos arredores fumacentos da Guanabara.

A tese-crônica e carnívora vale para qualquer lugar, até mesmo para a Índia, claro, onde os bois e as vacas são sagrados.

Lá eles preferem estraçalhar outros quadrúpedes. Amam um cordeirinho, por exemplo, sempre com o melhor dos currys.

O ser humano não vale mesmo uma moeda enferrujada de botija. Luta vã embirrar contra isso.

Desde as caçadas dos nossos semelhantes das cavernas, nem um alimento simboliza tanto a macheza quanto ela.

A carne é fraca apenas na concepção do pecado, mas ai já falamos da marvada pele sob os olhares apostólicos romanos.

A carne, desde o canibalismo dos tupinambás e dos caetés -traçaram lindamente jesuítas e outros bispos sacanas- é o que nos há de mais sagrado nos tristes trópicos.

Dos indígenas às calçadas do subúrbio de hoje -motivo de uma tese de mestrado do carioca Rolf Ribeiro de Souza-, a reunião em torno da brasa é um grêmio óbvio ao redor da simbologia do macho, do poder do macho e do algo mais machista, como diria um Jorge Ben das antigas.

A tese rendeu um grande livro deste grande e citado Souza: “A confraria da esquina: o que os homens de verdade falam em torno de uma carne queimando” (ed. Bruxedo).

Seja na rua, onde significa demarcação do território da masculinidade, seja na churrascaria chique, donde representa decisões, convenções partidárias e negócios particularíssimos, a carne é que manda nos homens.

Alguém já testemunhou algo importante ser acertado diante de folhinhas de alface?

Não estamos apenas falando de monta, de dinheiro a perder de vista, meu caro Eike Batista. Estamos falando de importância, do futuro de um grande amor, por exemplo.

Não, o alface não inspira confiança.

Não à toa, reza a mística dos conventos e internatos, a folha serve para acalmar os noviços e seminaristas contra possíveis manifestações dos básicos instintos.

O perigo está na carne. Sempre. O resto é fundamentalismo dos meus queridos amigos vegetarianos que se acham imortais e melhores do que o resto da humanidade.

Mas antes me tragam uma cachaça, que hoje estou amargo demais pra beber cerveja, ora veja, termino aqui ouvindo a banda Eddie:

"E quem não gosta de fumaça, minha querida, não entende de bebida. Nessa vida, eu já caí na desgraça.”

terça-feira, 4 de outubro de 2011

[agência pirata] SALVEM ELA, A GALINHA DE CABIDELA



::txt::Ana Rita Suassuna::

Galinha ao molho pardo ou galinha de cabidela. A receita chegou aqui com os portugueses: a galinha recém-abatida é cortada em pedaços e guisada. O molho é feito na mesma panela, com o sangue fresco da ave batido em vinagre e transformado num caldo rico, encorpado e escuro. Por muitos anos, o prato foi sinônimo de festa. Hoje é comida para poucos: apenas para aqueles que abatem as galinhas. Ou por quem compra a ave e o sangue de fornecedores clandestinos.

A galinha de cabidela ou ao molho pardo é uma iguaria que já teve seus dias de glória em restaurantes, feiras livres, quermesses, botecos, comemorações familiares e até em banquetes. Mas está desaparecendo. Com a proibição da venda de sangue, indispensável ao molho, quem quer preparar o prato deve comprar a ave e abatê-la para obter o sangue. O processo é complexo para os dias atuais, o que faz com que as pessoas eventualmente recorram às aves e sangue comercializados de forma clandestina com consequências danosas à saúde.

Antes da proibição, o sangue fresco, líquido, era misturado com um pouco de vinagre ou gotas de limão e vendido em locais de abate (feiras livres, granjas, mercados públicos) ou embalado em sacos plásticos e comercializado, resfriado, em açougues, avícolas e supermercados.

Não podemos desqualificar a fiscalização. Ela existe para fazer cumprir um marco legal que deve ter tido razões de ordem sanitária para entrar em vigor, embora sem levar em consideração variáveis como essa que está repercutindo na preservação do ingrediente e colocando em risco uma tradição cultural da alimentação portuguesa (desde o século 16) e brasileira (desde a colonização).

Mas temos de encontrar uma maneira de atender às exigências sanitárias sem excluir possibilidades de elaboração desse prato, pelo valor cultural a ele inerente.
A proibição da venda de sangue ameaça quais outras receitas? Além do molho pardo, o sangue de galináceos também era ingrediente de cozidos e torrados de galinha, de farofa para recheio de peru, usado em comemorações e na festa do Natal... Nesses casos, depois de colhido, sem uso do vinagre ou do limão, coagulava rápido e era aferventado para maior tempo de conservação antes do uso.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

[agência pirata] A DE BARRO É QUE FAZ MOQUECA BOA



::txt::Nana Tucci::

A moqueca, maior representante da cozinha capixaba, corre o risco de desaparecer em poucas décadas. Não vai faltar badejo, tomate, coentro ou tintura de urucum. Mas um “ingrediente” imprescindível ao preparo do prato emblemático do Espírito Santo está ameaçado de extinção: a panela de barro. O motivo?

Restam, em todo o País, pouco mais de cem paneleiras que se dedicam regularmente ao ofício. A cada ano esse número cai, pois mais mulheres abandonam a profissão, que há quatro séculos tem sido passada de mãe para filha. É um trabalho exaustivo e mal remunerado. O Paladar foi até Vitória acompanhar todas as etapas do processo de confecção da panela de barro.

A receita mais importante da moqueca capixaba não é a do prato, mas a da panela de barro em que é preparada e servida. Inconfundível pela cor preta e formato, de fundo raso e borda baixa, é feita manualmente, sem forno nem torno.

É a panela que faz a moqueca chegar à mesa fumegante e assim permanecer por muitos minutos. É a panela que faz o cheiro inclemente escapar das casas e incitar os vizinhos e passantes.

Sua produção envolve pouco mais de 100 mulheres que vivem em um bairro com nome de poema de Cora Coralina: Goiabeiras, na zona Norte de Vitória.

O ofício das paneleiras de Goiabeiras foi o primeiro a ser reconhecido como bem imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 2002. Reconhecimento importante para estas mulheres reunidas desde 1987 na Associação das Paneleiras de Goiabeiras (tel. 27/3327-0519).

Berenices, Valdineas, Cecílias e Grazieles mantêm uma tradição indígena que nem sabem ao certo quando começou. Arriscam dizer que foi há 400 anos. O Iphan assume apenas que a técnica é um legado cultural das tribos tupi-guarani e una.

“A gente não tinha escolha. Aos 7, 10 anos era dever ajudar a mãe e, quando via, já tava fazendo também”, conta Valdinea Lucidato. Apesar de achar o trabalho estafante e ter abandonado “o fogo”, Valdinea diz que “quando começa a mexer com o barro, sua energia é renovada”.

Uma panela de qualidade demora três dias para ficar pronta, da modelagem à tintura, passando pela queima na fogueira. Cada paneleira faz cerca de 15 peças por dia e as revende em barraca própria, no galpão da associação - a disputa pelo cliente é acirrada. O barro, mais arenoso que o comum, é recolhido por Ronaldo Alves e seus ajudantes no “barreiro” do Vale do Mulembá, uma área de proteção ambiental a 3 km dali. A tinta da casca do mangue-vermelho, que dá a cor preta à panela, é trazida por Carlos dos Santos do manguezal de Vitória - ele viaja cerca de 1 hora, de canoa, e se embrenha no mangue com um macete.

Na época em que o ofício passou a ser um patrimônio cultural, um “pacote de salvaguarda” foi criado, para garantir sua continuidade, mas não saiu do papel. À exceção do novo e bem equipado galpão para onde as paneleiras se mudarão em novembro, nada relevante foi feito em quase uma década. Sem auxílio do governo, trabalham 10 horas por dia, seis dias por semana, ganhando, em média, um salário mínimo para abastecer o Brasil com suas panelas de barro (R$ 8 a R$ 100). Resultado: as jovens não querem seguir os passos de suas mães e avós, o que faz as próprias paneleiras chegarem à conclusão de que, em duas ou três décadas, o primeiro ofício reconhecido como bem imaterial do País vai desaparecer.

#ALGUNS DIREITOS RESERVADOS

Você pode:

  • Remixar — criar obras derivadas.

Sob as seguintes condições:

  • AtribuiçãoVocê deve creditar a obra da forma especificada pelo autor ou licenciante (mas não de maneira que sugira que estes concedem qualquer aval a você ou ao seu uso da obra).

  • Compartilhamento pela mesma licençaSe você alterar, transformar ou criar em cima desta obra, você poderá distribuir a obra resultante apenas sob a mesma licença, ou sob licença similar ou compatível.

Ficando claro que:

  • Renúncia — Qualquer das condições acima pode ser renunciada se você obtiver permissão do titular dos direitos autorais.
  • Domínio Público — Onde a obra ou qualquer de seus elementos estiver em domínio público sob o direito aplicável, esta condição não é, de maneira alguma, afetada pela licença.
  • Outros Direitos — Os seguintes direitos não são, de maneira alguma, afetados pela licença:
    • Limitações e exceções aos direitos autorais ou quaisquer usos livres aplicáveis;
    • Os direitos morais do autor;
    • Direitos que outras pessoas podem ter sobre a obra ou sobre a utilização da obra, tais como direitos de imagem ou privacidade.
  • Aviso — Para qualquer reutilização ou distribuição, você deve deixar claro a terceiros os termos da licença a que se encontra submetida esta obra. A melhor maneira de fazer isso é com um link para esta página.

.

@

@