#CADÊ MEU CHINELO?

segunda-feira, 29 de julho de 2013

[bolo'bolo] SUBSTRUÇÃO

   Caso quiséssemos tentar bolo’bolo, a próxima questão seria: como fazer isso acontecer? Não será apenas mais uma proposta Realpolitika? Na verdade, bolo’bolo não pode ser realizado com a política; há outro canal, uma série de outros canais para chegar lá.

    Se a gente negocia com a Máquina, o primeiro problema é obviamente negativo: de que forma paralisar e eliminar o controle da Máquina (isto é, a própria Máquina) de modo que bolo’bolo possa se desenvolver sem ser destruído logo de saída? Vamos chamar esse aspecto da nossa estratégia de desconstrução, ou subversão. A Máquina Planetária do Trabalho tem que ser desmantelada – cuidadosamente, porque não queremos parecer com ela. Não vamos nos esquecer de que somos partes da Máquina, de que ela é a gente. Queremos destruir a Máquina, não a nós mesmos. Só queremos destruir nossas funções na Máquina. Subversão quer dizer mudar as relações entre nós (os três tipos de trabalhadores) e as que temos com a Máquina (que vê todos os trabalhadores como um sistema integrado). É subversão mas não ataque (agressão), já que ainda estamos todos dentro da Máquina e temos que bloqueá-la de lá. A Máquina nunca vai se confrontar conosco como com um inimigo externo. Nunca vai haver frente de batalha, quartéis, fileiras, uniformes.

    Subversão somente, entretanto, sempre dará em fracasso, embora com sua ajuda pudéssemos paralisar algum setor da Máquina, destruir alguma de suas capacidades; afinal, a Máquina será sempre capaz de reconquistar e dominar de novo. Por isso, todo espaço obtido inicialmente pela subversão tem que ser preenchido por nós com algo novo construtivo. Não podemos ter esperanças de primeiro eliminar a Máquina e depois – numa zona vazia – instalar bolo’bolo; estaríamos sempre chegando tarde demais. Elementos provisórios de bolo’bolo, sementes de sua estrutura, devem ocupar todas as brechinhas livres, áreas abandonadas, bases conquistadas, e prefigurar os novos relacionamentos. Construção deve combinar com subversão num só processo: substrução (ou "consversão", se você preferir). A construção nunca seria um pretexto para renunciar à subversão. Subversão sozinha dá somente em fogo de palha, dados históricos e heróis, mas não deixa resultados concretos. Construção e subversão, isoladamente, são meras formas de acordo tácito ou colaboração escancarada com a Máquina.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

[copyleft] COPYRIGHT E MAREMOTO


 :: txt :: Coletivo Wu Ming ::

 Atualmente existe um amplo movimento de protesto e transformação social em grande parte do planeta. Ele possui um potencial enorme, mas ainda não está completamente consciente disso. Embora sua origem seja
antiga, só se manifestou recentemente, aparecendo em várias ocasiões sob os refletores da mídia, porém trabalhando dia a dia longe deles. É formado por multidões e singularidades, por retículas capilares no território. Cavalga as mais recentes inovações tecnológicas. As definições cunhadas por seus adversários ficam-lhe pequenas. Logo será impossível pará-lo e a repressão nada poderá contra ele.

 É aquilo que o poder econômico chama “pirataria”. É o movimento real que suprime o estado de coisas existente. Desde que – a não mais de três séculos – se impôs a crença na propriedade intelectual, os movimentos underground e “alternativos” e as vanguardas mais radicais a tem criticado em nome do “plágio”
criativo, da estética do cut-up e do “sampling”, da filosofia “do-it-yourself”. Do mais moderno ao mais antigo se vai do hip-hop ao punk ao proto-surrealista Lautréamont (“O plágio é necessário. O progresso o
implica. Toma a frase de um autor, se serve de suas expressões, elimina uma idéia falsa, a substitui pela idéia justa“). Atualmente essa vanguarda é de massas.

 Durante dezenas de milênios a civilização humana prescindiu do copyright, do mesmo modo que prescindiu de outros falsos axiomas parecidos, como a ”centralidade do mercado” ou o “crescimento ilimitado”. Se
houvesse existido a propriedade intelectual, a humanidade não haveria conhecido a epopéia de Gilgamesh, o Mahabharata e o Ramayana, a Ilíada e a Odisséia, o Popol Vuh, a Bíblia e o Corão, as lendas do Graal e do ciclo arturiano, o Orlando Apaixonado e o Orlando Furioso, Gargantua e Pantagruel, todos eles felizes
produtos de um amplo processo de mistura e combinação, reescritura e transformação, isto é, de “plágio”, unido a uma livre difusão e a exibições diretas (sem a interferência dos inspetores da Società Italiana degli Autori ed Editori).

 Até pouco tempo, as paliçadas dos “enclosures” culturais impunham uma visão limitada, e logo chegou a Internet. Agora a dinamite dos bits por segundo leva aos ares esses recintos, e podemos empreender
aventuradas excursões em selvas de signos e clareiras iluminadas pela lua. A cada noite e a cada dia milhões de pessoas, sozinhas ou coletivamente, cercam/violam/rechaçam o copyright. Fazem-no apropriando-se das tecnologias digitais de compressão (MP3, Mpge etc.), distribuição (redes telemáticas) e reprodução de
dados (masterizadores, scanners). Tecnologias que suprimem a distinção entre “original” e “cópia”.

 Usam redes telemáticas peer-to-peer (descentralizadas, “de igual para igual”) para compartilhar os dados de seus próprios discos rígidos. Desviam-se com astúcia de qualquer obstáculo técnico ou legislativo. Surpreendem no contrapé as multinacionais do entretenimento erodindo seus (até agora) excessivos ganhos.
Como é natural, causam grandes dificuldades àqueles que administram os chamados “direitos autorais”.

 Não estamos falando da “pirataria” gerida pelo crime organizado, divisão extralegal do capitalismo não menos deslocada e ofegante do que a legal pela extensão da “pirataria” autogestionada e de massas. Falo
da democratização geral do acesso às artes e aos produtos do engenho, processo que salta as barreiras geográficas e sociais. Digamos claramente: barreira de classe (devo fornecer algum dado sobre o preço dos CDs?).

 Esse processo está mudando o aspecto da indústria cultural mundial, mas não se limita a isso. Os “piratas” debilitam o inimigo e ampliam as margens de manobra das correntes mais políticas do movimento: nos referimos aos que produzem e difundem o “software livre” (programas de “fonte aberta” livremente modificáveis pelos usuários), aos que querem estender a cada vez mais setores da cultura as licenças “copyleft” (que permitem a reprodução e distribuição das obras sob condição de que sejam abertas”), aos que querem tornar de “domínio público” fármacos indispensáveis à saúde, a quem rechaça a apropriação, o registro e a frankeinsteinização de espécies vegetais e seqüências genéticas etc. etc.

  O conflito entre anti-copyright e copyright expressa na sua forma mais imediata a contradição fundamental do sistema capitalista: a que se dá entre forças produtivas e relações de produção/propriedade. Ao chegar a um certo nível, o desenvolvimento das primeiras põem inevitavelmente em crise as segundas. As mesmas
corporações que vendem samplers, fotocopiadoras, scanners e masterizadores controlam a indústria global do entretenimento, e se descobrem prejudicadas pelo uso de tais instrumentos. A serpente morde sua cauda e logo instiga os deputados para que legislem contra a autofagia.

 A conseqüente reação em cadeia de paradoxos e episódios grotescos nos permite compreender que terminou para sempre uma fase da cultura, e que leis mais duras não serão suficientes para deter uma dinâmica social já iniciada e envolvente. O que está se modificando é a relação entre produção e consumo da cultura, o que alude a questões ainda mais amplas: o regime de propriedade de produtos do intelecto geral, o estatuto jurídico e a representação política do “trabalho cognitivo” etc.

 De qualquer modo, o movimento real se orienta a superar toda a legislação sobre a propriedade intelectual e a reescrevê-la desde o início. Já foram colocadas as pedras angulares sobre as quais reedificar um verdadeiro ”direito dos autores”, que realmente leve em conta como funciona a criação, quer dizer, por osmose, mistura, contágio, “plágio”. Muitas vezes, legisladores e forças da ordem tropeçam nessas pedras e
machucam os joelhos.


 A open source e o copyleft se estendem atualmente muito além da programação de software: as “licenças abertas” estão em toda parte, e tendencialmente podem se converter no paradigma do novo modo de produção que liberte finalmente a cooperação social (já existente e visivelmente posta em prática) do controle parasitário, da expropriação e da ”renda” em benefício de grandes potentados industriais e
corporativos.

 A força do copyleft deriva do fato de ser uma inovação jurídica vinda debaixo que supera a mera “pirataria”, enfatizando a pars construens* do movimento real. Na prática, as leis vigentes sobre o copyright (padronizadas pela Convenção de Berna de 1971, praticamente o Pleistoceno) estão sendo pervertidas em relação a sua função original e, em vez de obstacularizá-la, se convertem em garantia da livre
circulação.

 O coletivo Wu Ming – do qual faço parte – contribui a esse movimento inserindo em seus livros a seguinte locução (sem dúvida aperfeiçoável): “Permitida a reprodução parcial ou total da obra e sua difusão por via
telemática para uso pessoal dos leitores, sob condição de que não seja com fins comerciais“. O que significa que a difusão deve permanecer gratuita… sob pena de se pagar os direitos correspondentes.

 Eliminar uma falsa idéia, substituí-la por uma justa. Essa vanguarda é um saudável “retorno ao antigo”: estamos abandonando a “cultura de massas” da era industrial (centralizada, normatizada, unívoca, obsessiva pela atribuição do autor, regulada por mil sofismas) para adentrarmos em uma dimensão produtiva que, em
um nível de desenvolvimento mais alto, apresenta mais do que algumas afinidades com a cultura popular (excêntrica, disforme, horizontal, baseada no “plágio”, regulada pelo menor número de leis possível).

 As leis vigentes sobre o copyright (entre as quais a preparadísima lei italiana de dezembro de 2000) não levam em conta o “copyleft”: na hora de legislar, o Parlamento ignorava por completo sua existência, como puderam confirmar os produtores de software livre (comparados aos ”piratas”) em diversos encontros com
deputados. Como é óbvio, dada a atual composição das Câmaras italianas, não se pode esperar nada mais que uma diabólica continuidade do erro, a estupidez e a repressão. Suas senhorias não se dão conta de que, abaixo da superfície desse mar em que eles só vêem piratas e barcos de guerra, o fundo está se abrindo.
Também na esquerda, os que não querem aguçar a vista e os ouvidos, e propõem soluções fora de época, de “reformismo” tímido (diminuir o IVA* do preço dos CDs etc.), podem se dar conta demasiado tarde do
maremoto e serem envolvidos pela onda.



*: Pars construens é uma expressão que desgina um “argumento construtivo” em algum debate, em contraponto ao “pars destruens“. A distinção foi feita por Francis Bacon, ainda em 1620.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

[pontodevista] A VIOLÊNCIA NAS MANIFESTAÇÕES

:: txt ::Wladymir Ungaretti ::

Indagado sobre a ação organizada ou não dos vândalos, nas recentes
manifestações de rua, alinhei algumas ideias. A primeira delas, talvez
óbvia, é que manifestações na Turquia, Síria, Paris, Los Angeles; e, em
quaisquer partes do mundo, contará sempre com agentes
provocadores, policiais infiltrados se passando por manifestantes e, na
atualidade, uma rede de coletivos das mais variadas tendências.
Em alguns casos com tênues afinidades. Tudo muito parecido,
fragmentado. Estarão em ação até mesmos criminosos. Como ocorre
nas grandes cidades do mundo, nas periferias de Londres e Paris. Uma
das dificuldades dos serviços de inteligência dos aparelhos repressivos,
em nosso país, no sentido de identificar e agir preventivamente, é que o
“vandalismo”, em grande parte é promovido por pequenos coletivos
anarquistas. Coletivos que por serem pequenos e não hierarquizados
dificultam a coleta de informações, a partir da infiltração de agentes ou
do cooptação de alguém pertencente ao meio. Estavam acostumados a
monitorarem estruturas partidárias, sindicais, movimentos sociais, ONGs,
grupos com estruturas tradicionais. É evidente, pelo menos na minha
visão, que os pequenos coletivos anarquistas estão na linha de frente.
Assim como é evidente, até por tradição, que existe a ação de
provocadores e agentes infiltrados. O que a “esquerda” não pode,
embora historicamente tenha sido sua prática, é fazer dos anarquistas
(em algumas circunstâncias dos trotskistas) supostos agentes
provocadores e policiais, como forma de evitar a rebelião e manter o
controle para efeito de participação no jogo político do sistema. Dizem
os zapatistas que o poder teme o poder das máscaras. Mascarados
anarquistas, em futuras manifestações, vão ser cassados/caçados. A
violência vai aumentar.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

[copyleft] IMPRENSA SINDICAL CONVOCA COBERTURA COMPARTILHADA DO DIA 11

:: txt :: Ciranda ::

Dia de protestos e paralisações pela pauta dos trabalhadores terá divulgação em rede pelos sites sindicais, agências, rádios, blogs e redes sociais, que usarão a hashtag: #Trabalhadoresnasruas.

A grande imprensa pode não divulgar honestamente a mobilização programada para o próximo dia 11 de julho, quando são previstas greves e paralisações em diferentes horários pelo país, mas essa diversidade de protestos deve circular por outras vias, de sindicato a sindicato, e pelos caminhos da internet. É o que promete a imprensa sindical ao se programar para acionar os seus canais de comunicação e promover uma ação de comunicação compartilhada com blogs, listas e redes sociais em torno do dia de protestos dos trabalhadores.

A estratégia foi definida na última quarta-feira (3) no Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo onde jornalistas do movimento sindical se reuniram para combinar formas e meios de divulgar, cobrir e repercutir o grande protesto nacional convocado por todas as centrais sindicais brasileiras. Reuniram-se profissionais da CUT; Força Sindical; CSP-Conlutas; Nova Central; Contratuh; Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes; Sindicato dos Engenheiros; Agência Sindical; Sinthoresp; Rede Brasil Atual; Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo; Centro Mídia Barão de Itararé; Agência Grita São Paulo; Rádios Comunitárias; e TV Aberta São Paulo. O objetivo, de acordo com os organizadores, é fortalecer a manifestação e divulgar o ponto de vista progressista dos trabalhadores, em contraponto à visão conservadora da grande mídia.

Com o Dia Nacional de Lutas com Greves e Mobilizações, a partir do lema ?Pelas Liberdades Democráticas e pelos Direitos dos Trabalhadores?, como a manifestação é nomeada pelas centrais, o movimento sindical pretende dar destaque às bandeiras de luta pela Redução da Jornada de Trabalho para 40h semanais sem redução de salários; Fim do fator previdenciário; 10% do PIB para a Saúde; 10% do PIB para a Educação; Valorização das Aposentadorias, Valorização das Aposentadorias; Transporte público e de qualidade; ; Reforma Agrária; Mudanças nos Leilões de Petróleo; e Rechaço ao PL 4330, sobre Terceirização.

Nessa direção, os profissionais já estão produzindo um roteiro de trabalho, que teve a largada com o programa Câmera Aberta Sindical, após a reunião, com entrevista da jornalista Rita Casaro, do Sindicato dos Engenheiros, sobre a estratégias adotadas. Na manhã de quinta (4), um programa na Rádio Brasil Atual ouviu sindicalistas das várias centrais. Uma entrevista coletiva com essas lideranças está sendo convocada pelo Centro de Mídia Independente Barão de Itararé para o dia 10 de julho, véspera das mobilizações. A Agência Sindical e sua Rádio Web fornecerão boletins permanentes antes, durante e após o dia 11, sobre a mobilização, reivindicações, alcance e impacto do movimento sindical no cenário de manifestações nacionais e processo a caminhao da reforma política.

terça-feira, 9 de julho de 2013

[nem te conto] RELATOS DE UM SUICIDA II

:: txt :: Jacson Faller ::

Dez horas da manhã – quinto dia após o início dos relatos.

  Acordei e escrevi um poema. Agora o que me resta é tentar entendê-lo. Procurar algum sentimento que seja verdadeiro nestes versos. Talvez mais tarde eu ligue para aquela criatura triste que conheci outro dia. Talvez ela me diga se isso é realmente um poema ou só mais um devaneio... Não sei muito bem o que é considerado poesia, poema, arte... Há regras? Bom, ontem pedi demissão; há muito tempo tinha esta vontade. A única coisa que lucrei em todo tempo que trabalhei com eles foi uma única festinha em que não sai de mãos abanando e atolado em melancolias. Não suportava mais aquelas pessoas, aquele lugar; não suportava mais minha rotina... “Posso mais do que isso” eu dizia. Mas na verdade não sei por que tinha essa vontade e nem por que fiz isso. Aleguei problemas particulares. E nada é tão particular quanto curar ressacas. Perdi todos os “direitos” adquiridos por lei, a empresa não fez questão alguma que eu mudasse de ideia. Confesso que fiquei chateado, mas só por alguns segundos. Agora não quero pensar nisso. O que me interessa é interpretar meu poema. Espero que consiga. Moro sozinho, não tenho filhos, estou desempregado... Nada me inibirá.





O que quero é
Alimentar teu girassol
Com poesia e suor
Transpor tuas mãos
(teu corpo para o meu)

Sombrear tua arte
Roubar o teu sol
Velar tua insônia
Em teus dias de mulher

Mascar tuas sementes
Cuspi-las ao renascer
Zombar do sentimento
Que não seja o melhor

Lamber teus temores
Fazê-los são
Ter quase tudo
Que tua vontade tiver

Reduzir teus sonhos
A milagres pequenos
Flutuar em tuas cores
Até me encontrar

E também
Amar-te, apenas
para não querer
O que não É!

segunda-feira, 8 de julho de 2013

[overmundo] CULTURA DIGITAL E DESMASSIFICAÇÃO

:: txt :: Jéferson Assumção ::

Em 2020, o mundo deverá ter mais de 24 bilhões de dispositivos conectados em rede, como apontam pesquisas da empresa Machina Research, especializada no tema. Com isso, haverá uma média de três aparelhos conectados por pessoa, incluindo celulares, eletrodomésticos, tablets e até computadores. Eles poderão ser utilizados heteronomamente. Ou de modo um pouco mais autônomo. Se de maneira heterônoma, continuarão gerando massificação, mesmo que venha a ser um tipo customizado de massificação. Se de forma mais autônoma, poderemos ver a emergência de indivíduos-redes desmassificados?

Certamente que os atuais avanços da era digital podem, se bem aproveitados, gerar um ambiente menos favorável à homogeneização cultural e à vigência do comportamento do que Ortega chamou de homem-massa - este produto da técnica da era industrial que se desenvolveu na virada do século XIX para o século XX. Agora, em pleno século XXI, mais uma vez o desenvolvimento técnico vem trazer questões importantes para se pensar sobre como o ser humano se comporta em relação à tecnologia que ele mesmo desenvolve.

Diferentemente do homem-massa delineado por Ortega na década de 30 do século XX, os seres humanos atuais, do ponto de vista tecnológico, têm abundantes condições de viver numa multidimensionalidade da cultura. Há mais acesso à diversidade cultural e às condições de se fazer as recombinações de elementos, processos e visões de mundo, muito mais do que em qualquer outro momento da humanidade. Portanto, em se tratando de cultura, essa palavra cujo sentido em muito tem a ver com modos de fazer, de técnicas e interação de indivíduos entre si e destes com a natureza, uma cultura ligada ao ambiente digital não pode ser desconsiderada numa leitura mais plena de nosso tempo.

A cultura digital e seus rebatimentos estéticos (diversidade cultural e recombinações), éticos (ética do compartilhamento) e políticos (ação cidadã em rede, descentralizada e com menos mediação de estruturas verticais) são, em termos mais amplos, um importante tema de nuestro tiempo. Não se trata mais da perda da aura da arte na época de sua reprodutibilidade técnica - como assinalava Walter Benjamin - mas, devido à desmaterialização dos suportes ocorrida nas últimas décadas, trata-se da perda da aura da obra de arte na época de sua infinita reprodutibilidade técnica.
Há mais condições de heterogeneidade, diversidade, inter e transculturalidade, portanto mais condições (e responsabilidades) dos sujeitos contemporâneos fazerem a si próprios. Foram décadas de unidimensionalidade (O homem unidimensional, de Herbert Marcuse). Nelas, a sociedade industrial impunha quase que uma única dimensão da vida: uma racionalidade “tecnológica” (físico-matemática, para Ortega) de mão única.

Ela dominava e oprimia por meio de aparatos de controle das consciências humanas, meios de entretenimento e comunicação de massa que hiperdimensionavam em todos a pulsão de vida (sexo, jogos, entretenimento) e a pulsão de morte (violência urbana e sensação de insegurança extrema). O resultado eram homens e mulheres autômatos, incapazes de se opor ao sistema, pois vivendo a mecânica do conformismo, dentro das benesses do conforto. Agora, com as novas condições, não há também mais desculpas: o homem-massa, paciente e agente de sua condição de massa, invertebrado habitante do ambiente técnico-consumista do século XX, dominado pelo mercado, por partidos, sindicatos e estados ortopédicos, de cima para baixo, não tem mais a quem jogar a responsabilidade. Ele pode recuperar sua autenticidade, como em nenhum outro momento da Humanidade.

A técnica do século XIX engendrava o homem-massa, dizia Ortega. A técnica do século XXI pode engendrar o pós-homem-massa. Se para os frankfurtianos e para a teoria crítica, o comportamento heterônomo era inculcado pela indústria cultural nas cabeças das pessoas, hoje este elemento se fragmenta. Desaparecem dia a dia os mediadores e as indústrias de fabricação de suportes materiais da arte e, de todo lado, movimentos de indivíduos em rede trazem as visões da periferia para o centro do debate sobre cultura. Com tudo isso, é possível dizer que estão dadas as condições técnicas para a superação tanto do homem massificado quanto do homem atomizado, fechado em si, solipsista, consumista individualizado e não participante de sua circunstância?

domingo, 7 de julho de 2013

[bolo'bolo] BOLO'BOLO



   bolo’bolo é parte da (minha) segunda realidade. É estritamente subjetivo, já que a realidade dos sonhos nunca pode ser objetiva. Será bolo’bolo tudo ou nada? É ambos e nenhum. É uma viagem à Segunda realidade, como Yapfaz, Kwendolm, Takmas, e Ul-So. Lá tem muito espaço para sonhos. bolo’bolo é uma dessas irrealísticas, amorais e egoísticas manobras de divergência na batalha contra o pior.

    bolo’bolo é também uma modesta proposta para a nova arrumação da espaçonave após o desaparecimento da Máquina. Embora tenha começado como mera coleção de desejos, muitas considerações quanto à concretização deles foram se acumulando em volta. bolo’bolo pode ser realizado no mundo inteiro em cinco anos, se começarmos agora. Garante uma aterrissagem macia na Segunda realidade. Ninguém vai morrer mais cedo nem passar mais fome e frio do que agora durante o período de transição. O risco é muito pequeno.

    É claro que hoje em dia não faltam conceitos gerais sobre um civilização pós-industrial. Cresce rapidamente a literatura ecológica ou alternativista, seja sobre a erupção da era de Aquarius, mudança de paradigmas, ecotopia, novas redes de comunicação, rizomas, estruturas descentralizadas, sociedades pacifistas, a nova pobreza, círculos pequenos ou terceiras ondas. Conspirações supostamente pacifistas estão acontecendo, e a nova sociedade já está nascendo em comunidades seitas, ações populares, empresas alternativas, associações de moradores. Em todas essas publicações e experiências há um monte de idéias boas e viáveis, prontas para serem apropriadas e incorporadas ao bolo’bolo. Mas muitos desses futuros (ou futuríveis, como dizem os franceses: futuribles) são pouco apetitosos: cheiram a renúncia, moralismo, novas lutas, repensares penosos, modéstia e autolimitação. Claro que existem limites, mas por que limitar o prazer e a aventura? Por que a maioria dos alternativos fala somente sobre novas responsabilidades e quase nunca sobre novas possibilidades?

    Um dos slogans dos alternativos é: Pense globalmente, aja localmente. Por que não pensar e agir globalmente e localmente? Existem muitos conceitos e idéias novos, mas está faltando uma proposta prática global (e local), um tipo de linguagem em comum. Tem que haver alguns acordos em questões básicas para não cairmos na próxima armadilha da Máquina. Nesse sentido, a modéstia e a (acadêmica) prudência são virtudes que podem nos desarmar. Por que sermos modestos diante da ameaça de uma catástrofe?

    bolo’bolo pode não ser a proposta melhor ou mais detalhada ou naturalmente definitiva para a nova arrumação da nossa espaçonave. Mas não é tão ruim, e muita gente achou aceitável. Sou a favor de tentar primeiro e ver o que acontece depois...

sábado, 6 de julho de 2013

[do além] ON THE ROAD COM GPS

:: txt :: Jack Kerouac ::

Nunca imaginei que On The Road fosse reverberar por tantas décadas. Quando instalei na minha máquina de escrever um rolo de papel para telex de 37 metros, eu apenas buscava uma prosa solta e fluida, mais próxima ao fraseado praticado pelos jazzistas adeptos do então nascente Bebop. Eu queria distância da sintaxe tradicional e seus compromissos com pontos e vírgulas e mais proximidade do coloquialismo, das aliterações e dos sons das ruas. Mesmo que para isso fosse necessário articular frases quilométricas. Em suma, eu não cabia num Twitter. Truman Capote chegou até a me zoar, disse que o que fazia não era literatura, mas datilografia.

O fato é que On The Road, livro inspirado em viagens que fiz entre as costas Leste e Oeste dos Estados Unidos, virou um marco da contracultura e a obra que melhor representa a geração Beat. Nele, apresentei ao mundo uma nova maneira de encarar a vida e, de arrasto, outro conjunto de valores. Dá pra dizer, sem forçar a barra, que naquelas páginas já estavam impressas as bases do movimento hippie. Sem contar na influência direta em artistas do calibre de Bob Dylan, Jim Morrison e Hunter Thompson. Não lembro de nenhum outro livro tão decisivo para o século XX. Talvez o Só É Gordo Quem Quer, best seller dos anos 80 que traumatizou milhares de obesos brasileiros, expondo sua falta de vontade de emagrecer.

Não quero aqui exaltar meus êxitos. Retomei o assunto porque, dia desses, enquanto navegava pela internet, me dei conta de que On The Road jamais seria escrito nos dias que correm. Simplesmente pelo fato de que, hoje, quando as pessoas chegam de viagem, elas não têm mais nada pra contar. Já postaram tudo que lhes aconteceu no Facebook, durante o deslocamento. E o fazem generosamente com fotos, vídeos e textos. Escrevi On The Road em 1951, mas só consegui quem o publicasse em 1957. Eu mesmo não aguentaria tanto tempo sem divulgar as histórias extraordinárias e ordinárias que acumulei na estrada.

O problema é que a narrativa do Facebook é tudo, menos fluida. Você, se me aceitasse como amigo, leria, vez ou outra, coisas do tipo: roubei um Cadillac, tomei dois litros de uísque e transei com a mulher do meu amigo, numa linha de trem. Lou Reed e outras três pessoas curtiram isso. E logo abaixo veria as fotos de um casamento de algum desconhecido que apareceu no seu mural porque outro conhecido que você desconhece foi marcado nelas. O que me leva a concluir que as redes sociais são contra a contracultura.

Outro obstáculo adicional para que On the Road surgisse na era digital seria a dificuldade de se perder. Cá pra nós, é impossível vagar por aí ao sabor do vento, posar de andarilho, sem meta, objetivo, porto ou linha de chegada com uma voz impessoal e robótica a lhe dizer: chegando ao seu destino. 


segunda-feira, 1 de julho de 2013

[butinaços] A GOTA D'ÁGUA

:: psy :: Júlio Freitas ::

É tanto chove e não molha
e tanta vida seca
É tanta tripa de fora
e tanta trégua desfeita

É tanta pouca vitória
e tanta coisa malfeita
É tanta briga irrisória
e tanta escassa colheita

É tanta falsa história
e tanta mala suspeita
É tanta crença ilusória
e tanto "dispa-se e deita"

É tanto chove e não molha
e tanta vida seca
É tanta tripa de fora
e tanta trégua desfeita.

#ALGUNS DIREITOS RESERVADOS

Você pode:

  • Remixar — criar obras derivadas.

Sob as seguintes condições:

  • AtribuiçãoVocê deve creditar a obra da forma especificada pelo autor ou licenciante (mas não de maneira que sugira que estes concedem qualquer aval a você ou ao seu uso da obra).

  • Compartilhamento pela mesma licençaSe você alterar, transformar ou criar em cima desta obra, você poderá distribuir a obra resultante apenas sob a mesma licença, ou sob licença similar ou compatível.

Ficando claro que:

  • Renúncia — Qualquer das condições acima pode ser renunciada se você obtiver permissão do titular dos direitos autorais.
  • Domínio Público — Onde a obra ou qualquer de seus elementos estiver em domínio público sob o direito aplicável, esta condição não é, de maneira alguma, afetada pela licença.
  • Outros Direitos — Os seguintes direitos não são, de maneira alguma, afetados pela licença:
    • Limitações e exceções aos direitos autorais ou quaisquer usos livres aplicáveis;
    • Os direitos morais do autor;
    • Direitos que outras pessoas podem ter sobre a obra ou sobre a utilização da obra, tais como direitos de imagem ou privacidade.
  • Aviso — Para qualquer reutilização ou distribuição, você deve deixar claro a terceiros os termos da licença a que se encontra submetida esta obra. A melhor maneira de fazer isso é com um link para esta página.

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