:: txt :: Jack Kerouac ::
Nunca imaginei que On The Road fosse reverberar por tantas décadas. Quando instalei na minha máquina de escrever um rolo de papel para telex de 37 metros, eu apenas buscava uma prosa solta e fluida, mais próxima ao fraseado praticado pelos jazzistas adeptos do então nascente Bebop. Eu queria distância da sintaxe tradicional e seus compromissos com pontos e vírgulas e mais proximidade do coloquialismo, das aliterações e dos sons das ruas. Mesmo que para isso fosse necessário articular frases quilométricas. Em suma, eu não cabia num Twitter. Truman Capote chegou até a me zoar, disse que o que fazia não era literatura, mas datilografia.
O fato é que On The Road, livro inspirado em viagens que fiz entre as costas Leste e Oeste dos Estados Unidos, virou um marco da contracultura e a obra que melhor representa a geração Beat. Nele, apresentei ao mundo uma nova maneira de encarar a vida e, de arrasto, outro conjunto de valores. Dá pra dizer, sem forçar a barra, que naquelas páginas já estavam impressas as bases do movimento hippie. Sem contar na influência direta em artistas do calibre de Bob Dylan, Jim Morrison e Hunter Thompson. Não lembro de nenhum outro livro tão decisivo para o século XX. Talvez o Só É Gordo Quem Quer, best seller dos anos 80 que traumatizou milhares de obesos brasileiros, expondo sua falta de vontade de emagrecer.
Não quero aqui exaltar meus êxitos. Retomei o assunto porque, dia desses, enquanto navegava pela internet, me dei conta de que On The Road jamais seria escrito nos dias que correm. Simplesmente pelo fato de que, hoje, quando as pessoas chegam de viagem, elas não têm mais nada pra contar. Já postaram tudo que lhes aconteceu no Facebook, durante o deslocamento. E o fazem generosamente com fotos, vídeos e textos. Escrevi On The Road em 1951, mas só consegui quem o publicasse em 1957. Eu mesmo não aguentaria tanto tempo sem divulgar as histórias extraordinárias e ordinárias que acumulei na estrada.
O problema é que a narrativa do Facebook é tudo, menos fluida. Você, se me aceitasse como amigo, leria, vez ou outra, coisas do tipo: roubei um Cadillac, tomei dois litros de uísque e transei com a mulher do meu amigo, numa linha de trem. Lou Reed e outras três pessoas curtiram isso. E logo abaixo veria as fotos de um casamento de algum desconhecido que apareceu no seu mural porque outro conhecido que você desconhece foi marcado nelas. O que me leva a concluir que as redes sociais são contra a contracultura.
Outro obstáculo adicional para que On the Road surgisse na era digital seria a dificuldade de se perder. Cá pra nós, é impossível vagar por aí ao sabor do vento, posar de andarilho, sem meta, objetivo, porto ou linha de chegada com uma voz impessoal e robótica a lhe dizer: chegando ao seu destino.
#CADÊ MEU CHINELO?
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