#CADÊ MEU CHINELO?
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
[domínio público] CAPITALISTAS E LADRÕES
::txt::Errico Malatesta::
A propósito das tragédias de Houndsditch e Sidney Street
Em uma ruela da City, ocorre uma tentativa de assalto a uma joalheria; os ladrões, surpreendidos pela polícia, fogem abrindo caminho à bala. Mais tarde, dois dos ladrões, descobertos numa casa de East-End defendem-se uma vez mais à bala, e morrem no tiroteio.
No fundo, nada de extraordinário em tudo isso, na sociedade atual, exceto a energia excepcional com que os ladrões se defenderam.
Mas esses ladrões eram russos, talvez refugiados russos; e é também possível que tenham freqüentado um clube anarquista nos dias de reunião pública, quando ele está aberto a todos. Sem dúvida, a imprensa capitalista serve-se, uma vez mais, deste caso para atacar os anarquistas. Ao ler os jornais burgueses, dir-se-ia que a anarquia, este sonho de justiça e de amor entre os homens, nada mais é senão roubo e assassinato. Com tais mentiras e calúnias, conseguem, com certeza, afastar de nós, muitos daqueles que estariam conosco se ao menos soubessem o que queremos.
Não é inútil repetir, portanto, qual é nossa atitude de anarquistas em relação à teoria e à prática do roubo.
Um dos pontos fundamentais do anarquismo é a abolição do monopólio da terra, das matérias-primas e dos instrumentos de trabalho, e, conseqüentemente, a abolição da exploração do trabalho alheio exercida pelos detentores dos meios de produção. Toda apropriação do trabalho alheio, tudo o que serve a um homem para viver sem dar à sociedade sua contribuição à produção, é um roubo, do ponto de vista anarquista.
Os proprietários, os capitalistas, roubaram do povo, pela fraude ou pela violência, a terra e todos os meios de produção, e como conseqüência deste roubo inicial podem subtrair dos trabalhadores, a cada dia, o produto de seu trabalho. Mas esses ladrões afortunados tornaram-se fortes, fizeram leis para legitimar sua situação, e organizaram todo um sistema de repressão para se defender, tanto das reivindicações dos trabalhadores quanto daqueles que querem substituí-los, agindo como eles próprios agiram. E agora o roubo desses senhores chama-se propriedade, comércio, indústria, etc; o nome de ladrões é reservado, todavia, na linguagem usual, àqueles que gostariam de seguir o exemplo dos capitalistas, mas que, tendo chegado muito tarde e em circunstâncias desfavoráveis, só podem fazê-lo revoltando-se contra a lei.
Entretanto, a diferença de nomes empregados ordinariamente não basta para apagar a identidade moral e social das duas situações. O capitalista é um ladrão cujo sucesso se deve a seu mérito ou a de seus ascendentes; o ladrão é um aspirante a capitalista que só espera a oportunidade para sê-lo na realidade, para viver, sem trabalhar, do produto de seu roubo, isto é, do trabalho alheio.
Inimigos dos capitalistas, não podemos ter simpatia pelo ladrão que visa tornar-se capitalista. Partidários da expropriação feita pelo povo em proveito de todos, não podemos, enquanto anarquistas, ter nada em comum com uma operação que consiste unicamente em fazer passar a riqueza das mãos de um proprietário para as de outro.
Obviamente, refiro-me ao ladrão profissional, àquele que não quer trabalhar e procura os meios para poder viver como parasita do trabalho alheio. É bem diferente o caso de um homem ao qual a sociedade recusa meios de trabalhar e que rouba para não morrer de fome e não deixa morrer de fome seus filhos. Neste caso, o roubo (se é que se pode denominá-lo assim) é uma revolta contra a injustiça social, e pode tornar-se o mais imperioso dos deveres. Mas a imprensa capitalista evita falar desses casos, pois deveria, ao mesmo tempo, atacar a ordem social que tem por missão defender.
Com certeza, o ladrão profissional é, ele também, uma vítima do meio social. O exemplo que vem de cima, a educação recebida, as condições repugnantes nas quais se é, amiúde, obrigado a trabalhar, explicam facilmente como é que homens, que não são moralmente superiores a seus contemporâneos, colocados na alternativa de serem explorados ou exploradores, preferem ser exploradores e encarregam-se de consegui-lo pelos meios de que são capazes. Todavia, essas circunstâncias atenuantes podem também se aplicar aos capitalistas, e esta é a melhor prova da identidade das duas profissões.
As idéias anarquistas não podem, em conseqüência, levar os indivíduos a se tornarem capitalistas assim como não pode levá-los a serem ladrões. Ao contrário, dando aos descontentes uma idéia de vida superior e esperança de emancipação coletiva, elas os desviam, na medida do possível, tendo em vista o meio atual, de todas essas ações legais ou ilegais, que representam apenas adaptação ao sistema capitalista, e tendem a perpetuá-lo.
Apesar de tudo isso, o meio social é tão poderoso e os temperamentos pessoais tão diferentes, que bem pode existir entre os anarquistas alguns que se tornem ladrões, como há os que se tornam comerciantes ou industriais; mas, neste caso, uns e outros agem, assim, não por causa, mas a despeito das idéias anarquistas.
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