#CADÊ MEU CHINELO?
quinta-feira, 15 de julho de 2010
OS NÚMEROS ERRAM
:txt: Ronaldo Lemos__
Caro leitor, peço sua licença para falar de um assunto chato: números. Estamos acostumados a ler toda sorte de estatísticas em jornais, revistas e na internet. Em geral, elas defendem alguma posição e chamam governo ou sociedade para tomar alguma providência. Esse caso de amor entre jornalismo e estatísticas já gerou discussões apaixonadas e bons livros, como A mathematician reads the newspaper (Um matemático lê o jornal), escrito pelo americano John Allen Paulos, que faz crônica de como, muitas vezes, as estatísticas que lemos na imprensa estão simplesmente erradas.
Há um terreno especial em que estatísticas são amplamente usadas (e abusadas): na discussão sobre a pirataria. Anualmente as indústrias da música e do cinema nos EUA publicam seus relatórios apresentando quanto perderam, por exemplo, com o compartilhamento de arquivos na internet. Segundo um estudo feito pela RIAA (Associação da Indústria Fonográfica), os prejuízos com a pirataria foram de US$ 12,5 bilhões no último ano. Já a indústria do cinema alega que as perdas chegaram a US$ 18,5 bilhões.
Há dois problemas com esses números. O primeiro é que não resistem a nenhuma análise mais cuidadosa. Um estudo feito pelo GAO (disponível aqui), espécie de Tribunal de Contas dos EUA, mostrou que os números não fazem sentido. O GAO solicitou acesso aos dados brutos por trás da pesquisa, para que pudesse conferir sua consistência. Até hoje está esperando, já que a indústria do cinema se recusou a fornecer as informações (se negou a entregá-las também à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
O segundo e mais grave problema é que esses dados servem para a definição de políticas públicas. Quantas leis foram propostas e quanto de dinheiro público foi gasto em nome do combate à pirataria com base justamente neles? E, para complicar, essas falsas estatísticas são reproduzidas de forma quase viral pela imprensa, sem maiores questionamentos.
MANTRA MIDIÁTICO
Não ficamos atrás dos EUA no quesito números duvidosos. Temos pelo menos três números mágicos no Brasil, que são reproduzidos como mantra pela mídia. O primeiro afirma que a pirataria movimenta US$ 522 bilhões anualmente, mais do que o narcotráfico. O segundo diz que ela causa a perda de 2 milhões de postos de trabalho no mercado formal. E o terceiro que R$ 30 bilhões em impostos deixam de ser recolhidos por sua causa. Um estudo internacional que está sendo concluído este mês foi atrás desses três números e a conclusão é que são furados, inclusive quanto às fontes citadas, que não reconhecem sua existência.
Para concluir, vale dizer que o ponto aqui não é que a pirataria não causa danos. Mas, sim, que não se sabe exatamente quais são eles. Nesse sentido, é inadmissível que dados como esses circulem por aí sem um questionamento metodológico mais sério, tanto por parte do governo como por parte da imprensa, e que políticas públicas sejam construídas com base neles. Sempre que encontrar "bilhões" e "pirataria" no mesmo texto, desconfie.
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