Lidando primeiro com a subversão, fica claro que todo tipo de trabalho, qualquer um que sirva à Máquina em qualquer parte do mundo, tem seu potencial específico para subverter. Existem formas diferentes de danificar a Máquina, e nem todos dispõem das mesmas possibilidades. Um menu para a subversão planetária poderia ser mais ou menos assim:
a) Dysinformação: sabotagem (de hardware ou programas), roubo de horas/máquina (para jogos ou assuntos particulares), desenhos ou planejamentos defeituosos, indiscrições (exemplo: Ellsberg e o escândalo Watergate), deserções (cientistas, oficiais), recusa de seleções (por parte de professores), orientações erradas, traições, desvios ideológicos, informações falsas aos superiores, etc. Os efeitos podem ser imediatos ou a longo prazo – segundos ou anos.
b) Dysprodução: não participação, baixa qualidade, artesanato, sabotagem, greves, licenças médicas, decisões de grupo, demonstrações nas fábricas, mobilidade, ocupações (por exemplo, os recentes confrontos dos trabalhadores poloneses). Os efeitos são geralmente a médio prazo – semanas ou meses.
c) Dysrupção: agitações, bloqueio de ruas, ações violentas, fuga, divórcio, conflitos domésticos, saques, tecnologia de guerra, armamentos, invasões de terras, incêndios (por exemplo São Paulo, Miami, Soweto, El Salvador). Os efeitos aqui são curtíssimos – horas ou dias.
É claro, todos esses atos também têm efeitos a longo prazo; estamos falando apenas sobre seu impacto direto como forma de atividade. Qualquer um desses tipos de subversão pode danificar a Máquina, pode até mesmo paralisá-la temporariamente. Mas cada um deles pode ser neutralizado pelas duas outras formas – seu impacto é diferente conforme o tempo e o espaço. Dysinformação não adianta se não for usada na produção ou circulação física de bens e serviços; de outra forma, torna-se um simples jogo intelectual e só destrói a si mesma. Greves sempre podem ser dispersadas se ninguém, através de ações dysruptivas, impedir a intervenção da polícia. A dysrupção cessa rapidamente assim que a Máquina arranja suprimentos no setor de produção. A Máquina sabe que sempre haverá subversão contra ela, e que o negócio entre ela e os diferentes tipos de trabalhadores sempre vai ter que ser barganhado e batalhado de novo. Ela simplesmente tenta enfraquecer os ataques dos três setores de modo que eles não possam apoiar um ao outro e multiplicar-se, tornando-se uma espécie de contramáquina. Trabalhadores que acabam de vencer uma greve (dysprodução) ficam bravos com demonstrações de desempregados que bloqueiam a rua impedindo o acesso à fábrica a tempo. Uma firma vai à falência e os trabalhadores se queixam dos diretores e engenheiros. Mas e se tiver sido um substrutivo engenheiro que fez de propósito um mau desenho, ou um diretor que queria sabotar a firma? Os trabalhadores ainda perdem seus empregos, participam de demonstrações de desempregados, finalmente se envolvem em agitações e comícios... até que os trabalhadores-policiais cheguem e façam seu serviço. A Máquina transforma os ataques isolados de diferentes setores em movimentos lentos, porque nada é mais instrutivo do que as derrotas, nada mais perigoso do que longos períodos de calma (neste caso, a Máquina perde a capacidade de dizer o que está acontecendo dentro dos seus próprios órgãos). A Máquina não pode existir sem um certo nível de doença e dysfunção. Lutas parciais se tornam o melhor meio de controle – uma espécie de termômetro de febres – suprindo-a de imaginação e dinamismo. Se for necessário, a Máquina pode até mesmo provocar ataques, só para testar seus instrumentos de controle.
Dysinformação, dysprodução e dysrupção têm que se encontrar a nível de massas a fim de produzir uma situação crítica para a Máquina. Essa conjuntura mortal só poderia acontecer pela superação das diferenças entre as três funções e os três tipos de trabalhadores. Deve emergir um tipo de comunicação que não seja adequado ao desenho da Máquina: dyscomunicação. O nome do jogo final contra a Máquina é, pois, ABC-dysco.
Onde podem se desenvolver esses nós ABC-dysco? Dificilmente no local de trabalho, no supermercado, no lar, ou seja, onde os trabalhadores se encontram funcionando para a Máquina. Uma fábrica é uma divisão organizada com precisão, e coisas tipo sindicatos apenas espelham essa divisão, não a superam. No trabalho, interesses diferentes são particularmente acentuados: salários, posições, hierarquias, privilégios, títulos, tudo isso ergue barreiras. Nas fábricas e escritórios os trabalhadores são isolados uns dos outros, o nível de ruído (físico, semântico, cultural) é alto, as tarefas são absorventes. ABC-dysco também não se daria melhor no centro econômico da Máquina.
Mas existem áreas da vida – para a Máquina, as mais marginais – que são propícias para dysco. A Máquina não racionalizou e digitou tudo: freqüentemente, na verdade, lhe escapam as religiões, experiências místicas, linguagens, culturas nativas, natureza, sexualidade, desejo, todos os tipos de melancolia, fixações neuróticas ou a pura fantasia. A vida como um todo ainda consegue escorregar do padrão básico da Máquina. Naturalmente, a Máquina está consciente há muito tempo da sua insuficiência nessas áreas, e tentou encontrar funções econômicas para elas. A religião pode virar um bom negócio, a natureza pode ser explorada por esportes e turismo, o amor ao lar pode degenerar em pretexto ideológico para indústrias de armamentos, a sexualidade pode ser comercializada, etc. Basicamente, não há necessidade ou desejo que não possam ser comercializados, mas como mercadoria é claro que eles ficam diminuídos ou mutilados, e os verdadeiros desejos e necessidades se transportam para outra coisa. Certas necessidades são particularmente inadequadas para produção em massa: acima de todas, as experiências autênticas, pessoais. Aí a mercantilização se dá apenas parcialmente, e mais e mais pessoas se tornam conscientes do resto. O sucesso dos movimentos ambientais, dos movimentos pacifistas, dos movimentos étnicos ou regionalistas, de certas formas de nova religiosidade (igrejas progressistas ou pacifistas), das subculturas homossexuais, provavelmente se deve a essa insuficiência. Onde quer que sejam encontradas ou criadas identidades fora da lógica da Máquina, aí existe um nó ABC. Intelectuais, vendedores, homens e mulheres se encontram em manifestações contra a guerra. Homossexuais se aproximam sem pensar em suas identidades profissionais. Navajos, bascos ou armênios lutam juntos; um tipo de novo nacionalismo ou regionalismo supera as barreiras de educação ou trabalho. A Madona Negra de Czestochowa contribuiu para unir igualmente fazendeiros, intelectuais e trabalhadores poloneses. Não é acidental que nos últimos tempos os movimentos tenham ganho certa força graças a esse tipo de aliança. Seu poder substrutivo é baseado na multiplicação dos encontros ABC possíveis em suas estruturas. Uma das primeiras reações da Máquina sempre foi jogar os elementos desses encontros uns contra os outros, restabelecendo o velho mecanismo de repulsa mútua.
Os movimentos mencionados até aqui só produziram ABC-dyscos superficiais e efêmeros. Na maioria dos casos, os diferentes tipos apenas se tocaram em poucas ocasiões e deslizaram rumo às divisões cotidianas, como antes. Criaram mais mitologias do que realidades. Para existir por mais tempo e exercer influência substancial, eles deveriam também ser capazes de assumir tarefas cotidianas fora da Máquina, teriam que incluir também o lado construtivo da substrução. Precisariam organizar a ajuda mútua, sem intercâmbio de dinheiro, no que se refere a serviços e funções concretas de vizinhança. Nesse contexto seriam antecipação dos bolos, dos acordos de permuta, de suprimentos alimentares independentes, etc. Ideologias (ou religiões) não são suficientemente fortes para superar barreiras como renda, educação, posição. Os tipos ABC deve comprometer-se no cotidiano. Certos níveis de auto-suficiência, de independência do Estado e da economia, devem ser atingidos para estabilizar esses dysco-nós. Você não pode trabalhar quarenta horas por semana e ainda ter tempo e energia para iniciativas de bairro. Os nós ABC não podem ser apenas decorações culturais, têm que ser capazes de compensar ao menos uma pequena fração da entrada de dinheiro, para que se tenha algum tempo livre. Como esses nós ABC vão parecer, isso só se saberá na prática. Podem ser associações de moradores, conspirações alimentares, intercâmbios entre artesãos e fazendeiros, comunidades de rua, bases comunais, clubes, trocas de serviços, cooperativas de energia, banhos comunitários, transporte compartilhado, etc. Todos os tipos de pontos de encontro – juntando os três tipos de trabalhadores em torno de interesses comuns – são possíveis ABC-dyscos.
A totalidade desses nós ABC desintegra a Máquina, produzindo novas conjunturas subversivas, alimentando toda sorte de movimentos invisíveis. Diversidade, invisibilidade, flexibilidade, ausência de nomes, bandeiras ou rótulos, recusa de orgulho ou honra, o cuidado de evitar comportamentos políticos e tentações de "representatividade" podem proteger esses nós dos olhos e das mãos da Máquina. Informações, experiências e instrumentos práticos podem ser partilhados assim. Os nós ABC-dysco podem ser laboratórios para novas, intrigantes e surpreendentes formas de ação, podem usar todas as três funções e respectivas dysfunções da Máquina. Mesmo o cérebro da Máquina não tem acesso a esse poder de informação, já que deve manter dividido o pensamento sobre si mesmo (o princípio da cisão entre responsabilidade e competência). Os nós ABC-dysco não são um partido, nem mesmo um tipo de movimento, coalizão ou organização abrangente; são apenas eles mesmos, o somatório de seus efeitos individuais. Podem se encontrar em eventuais movimentos de massa, testar sua força e a reação da Máquina, e desaparecer de novo na vida cotidiana. Eles combinam suas forças quando se encontram em tarefas práticas. Não são um movimento anti-Máquina, mas são o conteúdo e a base material para a destruição dela.
Devido à sua consciente não-organização, os nós ABC são sempre capazes de criar surpresas. A surpresa é vital (já que ficamos em desvantagem básica quando enfrentamos a Máquina) para impedir uma recuperação rápida, pois sempre poderíamos ser chantageados pelas constantes ameaças de morte ou suicídio vindas da Máquina Planetária. Não se vai negar que a guerra poder ser necessária como meio de subversão em certas circunstâncias (principalmente quando a Máquina já está ocupada em matar). Quanto mais nós, tramas e tecidos ABC houver, mais os instintos de morte da Máquina serão despertados. Mas já seria parte da nossa derrota termos que encarar a Máquina com heroísmo, prontos para o sacrifício. De alguma forma, vamos ter que aceitar a chantagem da Máquina. Onde ela comece a matar, temos que bater em retirada. Não devemos assustá-la; ela tem que morrer quando menos espera. Soa derrotista, mas é uma das lições que aprendemos no Chile, na Polônia, em Granada. Quando o nível da luta envolve a polícia ou os militares, estamos a ponto de perder. Ou, se vencermos, serão justamente nossas partes policiais ou militares que terão vencido, não nós; e acabaremos numa daquelas manjadas ditaduras "revolucionárias". Quando a Máquina começa a matar cruamente, é obvio que nós cometemos um erro. Não podemos esquecer nunca de que nós também somos quem atira. Nunca estamos enfrentando o inimigo, nós somos o inimigo. Esse fato não tem nada a ver com as ideologias de não-violência; as ideologias mais violentas freqüentemente evitam matar. Nem, entretanto, é o caso de colocarmos florzinhas nos botões dos uniformes, ou de sairmos do caminho para ser gentis com a polícia. Eles não se deixam iludir por simbolismos embusteiros, argumentos ou ideologias – eles são como nós. Mais: talvez o guarda tenha alguns bons vizinhos, talvez o general seja gay, talvez o soldado da linha de tiro tenha ouvido a irmã dele falar de algum nó-dysco-ABC. Quando houver dyscos suficientes, a segurança da Máquina estará tão furada quanto uma peneira. Teremos que ser cuidadosos, práticos, discretos.
Quando a Máquina mata, é que não existem dyscos ABC suficientes. Muitas partes de seu organismo ainda estão com boa saúde, e ela está tentando se salvar com cirurgia preventiva. A Máquina não vai morrer devido a ataques frontais, mas poderá morrer de câncer-ABC, tomando consciência disso quando for tarde demais para operar. Estas são apenas as regras do jogo; os que não as respeitam fazem bem em sair (deixemos que sejam heróis).
Substrução como estratégia (geral) é uma forma de meditação prática. Pode ser representada pelo seguinte yantra, combinando substrução (o aspecto do movimento) com bolo (a futura comunidade básica):
a) Dysinformação: sabotagem (de hardware ou programas), roubo de horas/máquina (para jogos ou assuntos particulares), desenhos ou planejamentos defeituosos, indiscrições (exemplo: Ellsberg e o escândalo Watergate), deserções (cientistas, oficiais), recusa de seleções (por parte de professores), orientações erradas, traições, desvios ideológicos, informações falsas aos superiores, etc. Os efeitos podem ser imediatos ou a longo prazo – segundos ou anos.
b) Dysprodução: não participação, baixa qualidade, artesanato, sabotagem, greves, licenças médicas, decisões de grupo, demonstrações nas fábricas, mobilidade, ocupações (por exemplo, os recentes confrontos dos trabalhadores poloneses). Os efeitos são geralmente a médio prazo – semanas ou meses.
c) Dysrupção: agitações, bloqueio de ruas, ações violentas, fuga, divórcio, conflitos domésticos, saques, tecnologia de guerra, armamentos, invasões de terras, incêndios (por exemplo São Paulo, Miami, Soweto, El Salvador). Os efeitos aqui são curtíssimos – horas ou dias.
É claro, todos esses atos também têm efeitos a longo prazo; estamos falando apenas sobre seu impacto direto como forma de atividade. Qualquer um desses tipos de subversão pode danificar a Máquina, pode até mesmo paralisá-la temporariamente. Mas cada um deles pode ser neutralizado pelas duas outras formas – seu impacto é diferente conforme o tempo e o espaço. Dysinformação não adianta se não for usada na produção ou circulação física de bens e serviços; de outra forma, torna-se um simples jogo intelectual e só destrói a si mesma. Greves sempre podem ser dispersadas se ninguém, através de ações dysruptivas, impedir a intervenção da polícia. A dysrupção cessa rapidamente assim que a Máquina arranja suprimentos no setor de produção. A Máquina sabe que sempre haverá subversão contra ela, e que o negócio entre ela e os diferentes tipos de trabalhadores sempre vai ter que ser barganhado e batalhado de novo. Ela simplesmente tenta enfraquecer os ataques dos três setores de modo que eles não possam apoiar um ao outro e multiplicar-se, tornando-se uma espécie de contramáquina. Trabalhadores que acabam de vencer uma greve (dysprodução) ficam bravos com demonstrações de desempregados que bloqueiam a rua impedindo o acesso à fábrica a tempo. Uma firma vai à falência e os trabalhadores se queixam dos diretores e engenheiros. Mas e se tiver sido um substrutivo engenheiro que fez de propósito um mau desenho, ou um diretor que queria sabotar a firma? Os trabalhadores ainda perdem seus empregos, participam de demonstrações de desempregados, finalmente se envolvem em agitações e comícios... até que os trabalhadores-policiais cheguem e façam seu serviço. A Máquina transforma os ataques isolados de diferentes setores em movimentos lentos, porque nada é mais instrutivo do que as derrotas, nada mais perigoso do que longos períodos de calma (neste caso, a Máquina perde a capacidade de dizer o que está acontecendo dentro dos seus próprios órgãos). A Máquina não pode existir sem um certo nível de doença e dysfunção. Lutas parciais se tornam o melhor meio de controle – uma espécie de termômetro de febres – suprindo-a de imaginação e dinamismo. Se for necessário, a Máquina pode até mesmo provocar ataques, só para testar seus instrumentos de controle.
Dysinformação, dysprodução e dysrupção têm que se encontrar a nível de massas a fim de produzir uma situação crítica para a Máquina. Essa conjuntura mortal só poderia acontecer pela superação das diferenças entre as três funções e os três tipos de trabalhadores. Deve emergir um tipo de comunicação que não seja adequado ao desenho da Máquina: dyscomunicação. O nome do jogo final contra a Máquina é, pois, ABC-dysco.
Onde podem se desenvolver esses nós ABC-dysco? Dificilmente no local de trabalho, no supermercado, no lar, ou seja, onde os trabalhadores se encontram funcionando para a Máquina. Uma fábrica é uma divisão organizada com precisão, e coisas tipo sindicatos apenas espelham essa divisão, não a superam. No trabalho, interesses diferentes são particularmente acentuados: salários, posições, hierarquias, privilégios, títulos, tudo isso ergue barreiras. Nas fábricas e escritórios os trabalhadores são isolados uns dos outros, o nível de ruído (físico, semântico, cultural) é alto, as tarefas são absorventes. ABC-dysco também não se daria melhor no centro econômico da Máquina.
Mas existem áreas da vida – para a Máquina, as mais marginais – que são propícias para dysco. A Máquina não racionalizou e digitou tudo: freqüentemente, na verdade, lhe escapam as religiões, experiências místicas, linguagens, culturas nativas, natureza, sexualidade, desejo, todos os tipos de melancolia, fixações neuróticas ou a pura fantasia. A vida como um todo ainda consegue escorregar do padrão básico da Máquina. Naturalmente, a Máquina está consciente há muito tempo da sua insuficiência nessas áreas, e tentou encontrar funções econômicas para elas. A religião pode virar um bom negócio, a natureza pode ser explorada por esportes e turismo, o amor ao lar pode degenerar em pretexto ideológico para indústrias de armamentos, a sexualidade pode ser comercializada, etc. Basicamente, não há necessidade ou desejo que não possam ser comercializados, mas como mercadoria é claro que eles ficam diminuídos ou mutilados, e os verdadeiros desejos e necessidades se transportam para outra coisa. Certas necessidades são particularmente inadequadas para produção em massa: acima de todas, as experiências autênticas, pessoais. Aí a mercantilização se dá apenas parcialmente, e mais e mais pessoas se tornam conscientes do resto. O sucesso dos movimentos ambientais, dos movimentos pacifistas, dos movimentos étnicos ou regionalistas, de certas formas de nova religiosidade (igrejas progressistas ou pacifistas), das subculturas homossexuais, provavelmente se deve a essa insuficiência. Onde quer que sejam encontradas ou criadas identidades fora da lógica da Máquina, aí existe um nó ABC. Intelectuais, vendedores, homens e mulheres se encontram em manifestações contra a guerra. Homossexuais se aproximam sem pensar em suas identidades profissionais. Navajos, bascos ou armênios lutam juntos; um tipo de novo nacionalismo ou regionalismo supera as barreiras de educação ou trabalho. A Madona Negra de Czestochowa contribuiu para unir igualmente fazendeiros, intelectuais e trabalhadores poloneses. Não é acidental que nos últimos tempos os movimentos tenham ganho certa força graças a esse tipo de aliança. Seu poder substrutivo é baseado na multiplicação dos encontros ABC possíveis em suas estruturas. Uma das primeiras reações da Máquina sempre foi jogar os elementos desses encontros uns contra os outros, restabelecendo o velho mecanismo de repulsa mútua.
Os movimentos mencionados até aqui só produziram ABC-dyscos superficiais e efêmeros. Na maioria dos casos, os diferentes tipos apenas se tocaram em poucas ocasiões e deslizaram rumo às divisões cotidianas, como antes. Criaram mais mitologias do que realidades. Para existir por mais tempo e exercer influência substancial, eles deveriam também ser capazes de assumir tarefas cotidianas fora da Máquina, teriam que incluir também o lado construtivo da substrução. Precisariam organizar a ajuda mútua, sem intercâmbio de dinheiro, no que se refere a serviços e funções concretas de vizinhança. Nesse contexto seriam antecipação dos bolos, dos acordos de permuta, de suprimentos alimentares independentes, etc. Ideologias (ou religiões) não são suficientemente fortes para superar barreiras como renda, educação, posição. Os tipos ABC deve comprometer-se no cotidiano. Certos níveis de auto-suficiência, de independência do Estado e da economia, devem ser atingidos para estabilizar esses dysco-nós. Você não pode trabalhar quarenta horas por semana e ainda ter tempo e energia para iniciativas de bairro. Os nós ABC não podem ser apenas decorações culturais, têm que ser capazes de compensar ao menos uma pequena fração da entrada de dinheiro, para que se tenha algum tempo livre. Como esses nós ABC vão parecer, isso só se saberá na prática. Podem ser associações de moradores, conspirações alimentares, intercâmbios entre artesãos e fazendeiros, comunidades de rua, bases comunais, clubes, trocas de serviços, cooperativas de energia, banhos comunitários, transporte compartilhado, etc. Todos os tipos de pontos de encontro – juntando os três tipos de trabalhadores em torno de interesses comuns – são possíveis ABC-dyscos.
A totalidade desses nós ABC desintegra a Máquina, produzindo novas conjunturas subversivas, alimentando toda sorte de movimentos invisíveis. Diversidade, invisibilidade, flexibilidade, ausência de nomes, bandeiras ou rótulos, recusa de orgulho ou honra, o cuidado de evitar comportamentos políticos e tentações de "representatividade" podem proteger esses nós dos olhos e das mãos da Máquina. Informações, experiências e instrumentos práticos podem ser partilhados assim. Os nós ABC-dysco podem ser laboratórios para novas, intrigantes e surpreendentes formas de ação, podem usar todas as três funções e respectivas dysfunções da Máquina. Mesmo o cérebro da Máquina não tem acesso a esse poder de informação, já que deve manter dividido o pensamento sobre si mesmo (o princípio da cisão entre responsabilidade e competência). Os nós ABC-dysco não são um partido, nem mesmo um tipo de movimento, coalizão ou organização abrangente; são apenas eles mesmos, o somatório de seus efeitos individuais. Podem se encontrar em eventuais movimentos de massa, testar sua força e a reação da Máquina, e desaparecer de novo na vida cotidiana. Eles combinam suas forças quando se encontram em tarefas práticas. Não são um movimento anti-Máquina, mas são o conteúdo e a base material para a destruição dela.
Devido à sua consciente não-organização, os nós ABC são sempre capazes de criar surpresas. A surpresa é vital (já que ficamos em desvantagem básica quando enfrentamos a Máquina) para impedir uma recuperação rápida, pois sempre poderíamos ser chantageados pelas constantes ameaças de morte ou suicídio vindas da Máquina Planetária. Não se vai negar que a guerra poder ser necessária como meio de subversão em certas circunstâncias (principalmente quando a Máquina já está ocupada em matar). Quanto mais nós, tramas e tecidos ABC houver, mais os instintos de morte da Máquina serão despertados. Mas já seria parte da nossa derrota termos que encarar a Máquina com heroísmo, prontos para o sacrifício. De alguma forma, vamos ter que aceitar a chantagem da Máquina. Onde ela comece a matar, temos que bater em retirada. Não devemos assustá-la; ela tem que morrer quando menos espera. Soa derrotista, mas é uma das lições que aprendemos no Chile, na Polônia, em Granada. Quando o nível da luta envolve a polícia ou os militares, estamos a ponto de perder. Ou, se vencermos, serão justamente nossas partes policiais ou militares que terão vencido, não nós; e acabaremos numa daquelas manjadas ditaduras "revolucionárias". Quando a Máquina começa a matar cruamente, é obvio que nós cometemos um erro. Não podemos esquecer nunca de que nós também somos quem atira. Nunca estamos enfrentando o inimigo, nós somos o inimigo. Esse fato não tem nada a ver com as ideologias de não-violência; as ideologias mais violentas freqüentemente evitam matar. Nem, entretanto, é o caso de colocarmos florzinhas nos botões dos uniformes, ou de sairmos do caminho para ser gentis com a polícia. Eles não se deixam iludir por simbolismos embusteiros, argumentos ou ideologias – eles são como nós. Mais: talvez o guarda tenha alguns bons vizinhos, talvez o general seja gay, talvez o soldado da linha de tiro tenha ouvido a irmã dele falar de algum nó-dysco-ABC. Quando houver dyscos suficientes, a segurança da Máquina estará tão furada quanto uma peneira. Teremos que ser cuidadosos, práticos, discretos.
Quando a Máquina mata, é que não existem dyscos ABC suficientes. Muitas partes de seu organismo ainda estão com boa saúde, e ela está tentando se salvar com cirurgia preventiva. A Máquina não vai morrer devido a ataques frontais, mas poderá morrer de câncer-ABC, tomando consciência disso quando for tarde demais para operar. Estas são apenas as regras do jogo; os que não as respeitam fazem bem em sair (deixemos que sejam heróis).
Substrução como estratégia (geral) é uma forma de meditação prática. Pode ser representada pelo seguinte yantra, combinando substrução (o aspecto do movimento) com bolo (a futura comunidade básica):
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