#CADÊ MEU CHINELO?

sábado, 10 de agosto de 2013

[agência pirata] ESPERANÇAS NO NOVÍSSIMO CINEMA BRASILEIRO

:: txt :: José Gerado Couto ::

Dois notáveis longas-metragens de estreia de jovens diretores brasileiros entraram em cartaz há duas semanas: O que se move, de Caetano Gotardo, e Cores, de Francisco Garcia. Quem gosta de cinema fará bem em vê-los antes que sejam expelidos de um mercado exibidor cada vez mais imediatista e predatório.

Para falar de O que se move, talvez seja o caso de retomar a velha expressão moving pictures. De modo saborosamente literal, ela define o cinema como “imagens que se movem”. Mas o adjetivo moving tem também o significado de comovente, de modo que o cinema, desde as origens, traz embutida a faculdade de comover. Em seu melhor, o cinema é um fenômeno em que moção e emoção se fundem numa coisa só, intraduzível em outras linguagens. É isso, nada menos, que ocorre no filme de Caetano Gotardo.



Assistimos ali a uma tragédia em três atos independentes, interligados subterraneamente pelo motivo recorrente da perda. É difícil abordar o enredo sem prejudicar as surpresas e descobertas do espectador, mas digamos apenas que são histórias que envolvem pedofilia, um bebê roubado na maternidade e outro esquecido dentro de um carro.

A partir de temas assim, um Todd Solondz (o americano que dirigiu Felicidade e Histórias proibidas) se refestelaria no sensacionalismo e no inventário de aberrações. Gotardo e seus parceiros do coletivo paulista Filmes do Caixote trilham o caminho oposto, de aproximação ao íntimo e silencioso drama de cada um. Como expressar a dor? Como dizer o indizível?

Presença e ausência

A opção adotada por O que se move é a da elipse, da entrelinha, do fazer de conta que está falando de outra coisa. A dialética entre presença e ausência no filme foi examinada com muita argúcia por Filipe Furtado, na revista digital Cinética. Mas há também o jogo sutil entre o movimento e a fixidez, bem como entre o silêncio e a fala.

Um dos traços mais originais e desconcertantes de O que se move é o fato de cada uma das três histórias terminar com sua protagonista feminina (pela ordem, Cida Moreira, Andrea Marquee e Fernanda Vianna) entoando uma canção que sintetiza seu drama, numa ruptura radical com o naturalismo da encenação.

Como explicar essa aparente extravagância? Meu palpite é que a estratégia de “esconder” o drama, ou de mostrá-lo de modo elíptico e indireto, cria uma atmosfera quase insuportável de emoção calada, diante da qual a música surge não propriamente como catarse, mas como sublimação. Nesses momentos, sobretudo no magnífico final da última história, com a canção se sobrepondo a imagens de corpos de atletas em movimento numa tela de tevê de churrascaria (o que poderia haver de mais prosaico?), música e cinema são uma coisa só, e Caetano Gotardo realiza o sortilégio de converter a dor em poesia.

Vidas sem cor

Mais que uma mera boutade, a ironia de intitular de Cores um filme rodado em preto e branco certamente encerra uma intenção mais profunda, a de contrastar as aspirações do trio de jovens protagonistas com seu cotidiano estagnado e sem perspectivas. Eles moram em bairros periféricos de São Paulo e vivem de subempregos: Luca (Pedro di Pietro) é tatuador e mora com a avó; Luiz (Acauã Sol) trabalha numa farmácia e sua namorada Luara (Simone Iliescu) é vendedora numa loja de peixes de aquário.



O contexto social e existencial não difere muito do mostrado em Um céu de estrelas (1996), de Tata Amaral, outro filme centrado na classe média baixa paulistana e que também traz um título irônico. Mas, se no huis clos de Tata a concentração espacial e a progressão dramática conduziam para um paroxismo de tragédia e violência, em Cores a opção é por um acentuado esvaziamento do drama, por uma tentativa de expressar na própria dramaturgia rarefeita o desalento das vidas fracassadas que retrata.

Como outros críticos já observaram, a referência óbvia com que o diretor trabalhou para contar sua história são os primeiros filmes de Jim Jarmusch, em especial Estranhos no paraíso, cujo cartaz aparece em dado momento de Cores. A narrativa é episódica, distensionada, acumulando tempos mortos. Os personagens, como em Jarmusch, estão como que à margem do mercado e da vida social. Passam seu tempo tomando cerveja, fumando maconha, eventualmente fazendo um sexo sem entusiasmo. Seus esboços de reação ao marasmo que os cerca dão em nada: uma tentativa atrapalhada de assalto à farmácia, uma viagem ao litoral que acaba antes de começar. Volta-se sempre ao mesmo lugar.



A viagem como promessa

A iluminação, os enquadramentos e os movimentos de câmera do diretor de fotografia Alziro Barbosa são tão belos quanto precisos e “necessários”, evitando a estetização graças a uma integração orgânica com a proposta geral do filme. Alguns planos são memoráveis: uma tartaruga atravessa lentamente um quintal debaixo de chuva; um avião aterrissa na pista e a câmera, ao acompanhar seu movimento, acaba enquadrando o casal que observa a cena de uma janela.

Tudo conflui para a tensão entre movimento (virtual ou potencial) e paralisia (real). Não é por acaso que Luara mora ao lado do aeroporto e flerta com um piloto de avião que frequenta sua loja. De sua janela ela vê os aviões decolando ou aterrissando, o que faz lembrar o verso de Manuel Bandeira: “Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir”. Mas essas lições, os três amigos não têm como aprender. O voo permanece como promessa não cumprida.

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