:: txt :: Adoniran Barbosa ::
Dias antes do aniversário de 460 anos de São Paulo, minha filha escreveu um artigo acusando a cidade de ser ingrata com o artista que melhor a cantou e citando a existência de um museu em minha homenagem no kibutz Bror Chail, em Shaar Hanegev, região próxima a Jerusalém. Não há, porém, na minha humilde visão, nada fora do lugar. É estranho que o compositor e cantor que melhor expressou a cidade de São Paulo tenha o seu principal museu em Israel. Mas também não estamos diante de um Rock in Rio em Lisboa.
Na verdade, como muita gente, tenho antepassados judeus. Os mais atentos devem ter percebido as evidências de minha ligação com a tribo de Israel. Em Saudosa Maloca, por exemplo, eu já fazia uma referência velada ao judaísmo. O verso que brinca com o jeito popular paulistano de falar que diz Dim dim donde nóis passemo os dias feliz de nossas vidas lembra da importância de ter o dim dim para se chegar à felicidade.
Na canção Tiro ao Álvaro, o trecho Teu olhar mata mais do que bala de carabina/ Que veneno estriquinina/ Que peixeira de baiano... remonta à terrível experiência de se viver sob o jugo dos olhares dos oficiais nazistas.
Outro exemplo está em Trem das Onze. Dessa vez, mais explícito: trata-se de um debate sobre a família judaica. Minha mãe não dorme/ Enquanto eu não chegar é um retrato claro da relação de um filho único com a mãe judia. Essa história de queé uma crítica ao sistema de transporte para as áreas periféricas é papo de professor de geografia de cursinho pré-vestibular.
De mais a mais, São Paulo e Israel não são tão diferentes assim. No campo religioso, a cidade de Aparecida seria a Jerusalém de São Paulo. Olhando pra capital, certas áreas da zona leste não envergonhariam a Cisjordânia e algumas áreas da zona sul lembram bastante a desolação da Faixa de Gaza. E não esqueçamos que as torcidas organizadas aprenderam muito com a Intifada.
Assim, não fico triste pela falta de homenagem. Já estou adaptado a Israel e logo, logo, componho um samba chamado Samba do Abrahão, sobre um convite furado para o Shabat em Bat Yam. De modo que não devemos fazer deste blog um Muro das Lamentações. Pra isso, já temos a Avenida Paulista e a seção de comentários dos leitores dos jornais.
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