#CADÊ MEU CHINELO?

terça-feira, 23 de outubro de 2012

[do além] GOD SAVE THE PIG


:: txt :: Vicious ::

 Nancy notou que havia algo de muito errado quando viu que eu tentava me injetar sem tirar os dedos da tela. Furiosa, deu um tapa em minhas mãos e disse com desespero na voz que aquilo era o fim e que havia limites, mesmo para um punk. Era preciso respeitar certos rituais e práticas. Os amigos também estavam se queixando. Todos reclamavam do meu isolamento e incomunicabilidade. 

 Mas o alarme soou mesmo durante um show. Na hora em que todos esperavam que eu vomitasse ou desmaiasse, eu estava concentrado no meu celular, com o olhar fixo e os dedos em constantes movimentos na tela. Nem percebi o clima de reprovação à minha volta. Depois do espetáculo, a banda toda investiu contra mim. Aleguei que estava vencendo uma fase difícil e que, naquele momento delicado, não era possível interromper. Ninguém se comoveu. Até porque nem ficaria bem para uns marmanjos vestindo camisetas rasgadas com estampas de suástica, calçando coturnos e usando cabelo moicano mostrarem algum sentimento solidário. Foi então que decidi, pela primeira vez, deletar o Angry Birds do meu celular.

 Se você nunca ouviu falar de Angry Birds, nem se familiarize com o tema. Pode ser perigoso. Mas para você entender melhor meu drama, devo contar do que se trata. Angry Birds é um joguinho de ação que roda em celulares touch screen e em computadores. Virou uma febre mundial. Consiste em colocar pássaros furiosos numa funda e arremessá-los contra estruturas que abrigam porcos verdes a fim de destruir os mesmos. Parece uma coisa idiota, eu sei. Mas dá um enorme barato quando você mata aqueles suínos e detona aquelas estruturas.

 Tenho reconhecidamente uma psique compulsiva. Mas a dependência de Angry Birds não é um problema só meu. No mundo inteiro, mais de 250 milhões de pessoas já baixaram o jogo nos seus aparelhos. Por dia, esse grupo dedica 200 milhões de minutos a eliminar porcos. Se somarmos o tempo gasto por todos os jogadores desde o lançamento, isso totalizaria 107 mil anos. Se esse tempo fosse empregado em pesquisas médicas, teríamos a cura do câncer em menos de uma semana. É por isso que eu não acredito em crowdsourcing.

 E você sabe como é a estratégia dos produtores? A primeira versão simplificada, com poucas fases, eles oferecem de graça. A completa, aquela que você pode se aprofundar mais e mais, só pagando. 

 A primeira vez que tentei largar o Angry Birds subestimei as dificuldades. Eu simplesmente deletei o app e guardei o celular no bolso. Mas minha cabeça não parava de jogar. Eu via mentalmente os pássaros sendo estilingados, as estruturas quebrando e os porcos verdes explodindo. Me pegava especulando estratégias para concluir etapas difíceis. "Jogo o pássaro vermelho na base, depois o amarelinho no meio e o branco para arrematar." Meus dedos se movimentavam sozinhos pela tela do aparelho simulando jogadas, como um ex-fumante que coloca o cigarro apagado na boca. Diante dessa crise de abstinência, para sair desse estado depressivo e lamentável, não vi alternativa a não ser instalar o jogo novamente.

 Hoje decidi que não há como lutar contra esse vício. Sigo jogando umas oito horas por dia. Não me incomoda, de nenhum jeito, ter um hábito que não controlo. O que me chateia é atentar contra o lema punk de viver intensamente e morrer cedo.

Um comentário:

Débora Mitrano disse...

Experiência única ler essa história ao som de Autoramas - Blue Monday, combinou perfeitamente com o ritmo dos acontecimentos!.

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