#over12
Eu também já passei por isso
txt: Tiago Jucá Oliveira
Antes que algum imbecil venha comentar algo do tipo "tu diz isso porque não foi contigo", sobre a postagem de ontem, vou relembrar um causo.
Isso já faz uns dez anos. Eu ainda tinha carro (melhor cousa que fiz na vida foi vende-lo). Era um sábado noturno, cedo ainda, fui tomar uma ceva no lancheria. Estacionei o vagalume (ele era verde) do outro lado, na Redenção. Atravessei a Osvaldo Aranha, cheguei no lancheria. Tive sorte, pois logo encontrei o Loiva e sua turma, e assim não fiquei desenturmado.
Bastaram poucos minutos pra alguém dizer: "aqueles loco tão mexendo no teu carro". Quando vi, eram dois pivete encostado no carro. Atravessei a Osvaldo Aranha, cheguei no parque Farroupinha. Amigo punk, nem olhei pro lado, tchê! Em seguida, a turma toda também já estava lá pra me dar apoio. Perguntei: "porra, roubaram o que?". "Roubei nada não, tio", respondeu um piá menor que uma pilha, mais branco que uma vela, mais seco que um palito, mais sujo que o Beira-Rio. Dava pena do piá. Já o outro guri era maior, mas também não dava medo em ninguém. Ambos apavorados, de certo acreditavam que iam ser linchados.
Eles realmente tinham entrado no carro. Tinham tirado a frente do rádio, que estava atirado no chão do vagalume, derramado a garrafa de cachaça e estragado o trinco da porta. Apesar do pequeno prejuízo que teria pra arrumar a porta, eu tratei de acalmar meus amigos, e pedi pros dois pivetes vazarem. Não sou de entregar pobre pros pé-de-porco.
O tempo passa, o tempo voa, e a poupança Bamerindus já faliu antes do causo que te conto, vivente curioso pela desgraça alheia. Novamente lá vou eu ao Lancheria do Parque, tomar meu remédio de cevada e lúpulo. Na calçada, por onde caminho, um monte de lixo perto do meio fio, quase na rua. Eis que surge do lixo o mesmo pivete pequeno, branco, seco e sujo que mexeu na caranga. Parecia a infeliz campanha da RBS sobre crack. "Quer comprar um fumo, tio?".
Olhei pro coitado: "não lembra de mim?". "Não", respondeu o pivete. "Tu entrou no meu carro esses dias, um gol verde, tá esquecido?". Bateu um pequeno pavor no guri: "Bah, é mesmo... putz, desculpa. Quer o fumo pra ti?". Ae finalmente eu fui cruel: "quero, mas não vou te dar um tostão, olha o tufo que tu me deu, piá, gastei meia milha pra arrumar a porta da caranga".
Nunca mais vi aquele garoto. Não duvido que esteja morto, talvez preso. Ou talvez eu o veja por ae, mas não o reconheça. A única certeza: se o carro fosse de algum daqueles delinquentes do causo contado ontem, o piá tinha morrido lá mesmo na Redenção. Amigo punk, desculpa esse meu desabafo.
#CADÊ MEU CHINELO?
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