#CADÊ MEU CHINELO?
sexta-feira, 29 de julho de 2011
quinta-feira, 28 de julho de 2011
[do além] PÁ DE KARL
::txt::Engels::
No começo, era tudo lindo. Eu deixava a barba crescer e logo a dele aparecia comprida também. Eu tuitava e, em seguida, ele dava um RT. Fazíamos tudo juntos, pensávamos parecido. Tinha gente que achava que eu me chamava Marx &, de tanto ouvir nossos nomes andarem juntos. Outros, que consideravam ossas ideias um tanto quanto nonsense, nos apelidaram de irmãos Marx. Qualquer coisa que um escrevia, mesmo que o outro nem tivesse dado palpite, ambos assinavam. Éramos assim tipo Lennon & McCartney. Aliás, seguindo nessa comparação, uma amiga dizia que o papel de Ringo cabia a Stalin, mas eu acho isso uma maldade com o Stalin.
Porém, em determinado momento, Marx me surpreendeu. Disse que se sufocado, que precisava de mais espaço para expressar suas ideias. Insinuou que fosse a hora de partir para uma carreira solo. E finalizou revelando que nossa produção, até então, muito panfletária.
Fiquei atônito, confuso. Não entendi que naquele momento estava se erguendo o muro de Berlim de nossa amizade. Como bom materialista, ainda teve coragem de me pedir uma grana emprestada, prometendo que, em alguns anos, aquilo viraria O Capital. Dei o dinheiro, não sou de perder uma oportunidade.
De Lennon & McCartney passamos a Roberto e Erasmo, comigo, obviamente, a fazer o papel de Tremendão e sem direito a receber homenagens do tipo: você meu amigo de fé meu irmão camarada. A partir daí, nossas carreiras se bifurcaram com visibilidades distintas.
Não sei se a intenção de Marx era a de me alienar da autoria do pensamento fundador da doutrina comunista. Se era esse o seu propósito, mais valia ele o ter deixado claro. O fato é que seu nome é o seu único sinônimo. Ninguém usa engelismo nem mesmo marxengelismo para se referir à concepção materialista e dialética da História. Para isso consagrou-se o termo marxismo. Fiquei relegado aos livros de história. Não figuro em bandeiras, flâmulas, camisetas e pôsteres. Enfim, não entrei para a cultura pop. Infelizmente, a ideia do comunismo virou propriedade privada de Marx.
terça-feira, 26 de julho de 2011
segunda-feira, 25 de julho de 2011
[cc] BIKE: UMA GUERRA DECLARADA
::txt::Ronaldo Lemos::
Nos EUA, moradores do Brooklyn estão processando a prefeitura para remover a principal ciclovia do bairro, para dar mais espaço aos carros. Ciclistas são atropelados em Porto Alegre e um ciclista de 68 anos morre atingido por um ônibus em São Paulo.
Existe uma guerra entre bicicletas e carros acontecendo no mundo todo. Só não percebe quem não quer. Nos EUA, moradores do Brooklyn estão processando a prefeitura para remover a principal ciclovia do bairro, para dar mais espaço aos carros. No Brasil, ciclistas são atropelados em Porto Alegre e em São Paulo um ciclista de 68 anos morre atingido por um ônibus. Na internet, videoprotestos feitos por ciclistas invadem o YouTube e conseguem rapidamente mais de 1 milhão de views (como esse aqui).
Não é a primeira vez que uma guerra como essa acontece. No começo do século passado, a luta era entre carros e pedestres, que andavam “juntos e misturados” nas ruas. Le Corbusier foi um bom cronista dessa luta. Como bom amante da velocidade, defendia arduamente os carros. Dizia que o problema era similar a um aquário: o peixe grande (o carro) sobrepõe-se ao pequeno (o pedestre). A solução para ele era simples: o aquário precisava ser maior para caber todo mundo. Surgia a cidade moderna, com suas ruas bem delimitadas, carros e pedestres separados. Deu no que deu: quanto mais o aquário cresce, mais peixes grandes aparecem. E a velocidade tão amada por Le Corbusier virou utopia.
“Carro é brega”
O movimento pelas bicicletas mostra a vontade de tornar a cidade mais humana. Grande parte do planejamento urbano hoje gira em torno de uma única questão: como acomodar mais carros? Nossas cidades estão viciadas nesse problema. E todo mundo paga o preço do vício. Se o movimento pró-bikes tem uma agenda, é repensar a ideia de desenvolvimento. Ao sacrificar um pouco de velocidade, todo mundo pode ir mais rápido.Vale para a cidade e para tudo mais.
Pedalar também está na moda. Caiu no gosto de hipster e fashionistas. Conheço gente que diz com todas as letras: “carro é brega”, simples assim. Afinal, andar de bike é um jeito diferente de flanar, de sair pelas ruas como quem participa de uma conversa. E aumenta a consciência fashion: quem pedala sabe como muitas roupas não funcionam no clima tropical. Flávio de Carvalho, o modernista que propôs uma nova roupa formal para o Brasil, iria gostar. Por tudo isso a bicicleta é hoje muitas coisas, dentre elas símbolo de gente livre e da busca por uma cidade melhor. Na luta entre carros e bicicletas, já escolhi meu lado.
sexta-feira, 22 de julho de 2011
[agência pirata] CLARICE CONTRA A PERDA DA FEMINILIDADE
::txt::Xico Sá::
“Por favor amigas que vivem no mundo dos negócios! Sejam eficientes,trabalhadoras, objetivas, mas não permitam que isso afete a sua feminilidade: Estudem-se com cuidado, quando notarem mudança no cavalheirismo masculino. É esse o sinal de perigo.”
Sempre preocupado em discutir a crônica de costumes, este blog destaca aí uma pérola da Clarice Lispector. Sim, a grande escritora, além da sua literatura profundíssima, metia a colher em textos frugais de comportamento.
A autora de "A hora da Estrela" foi colunista de amenidades e consultora sentimental em jornais e revistas nas décadas de 1950 e 60. A coletânea completa dos textos do gênero está no “Correio Feminino”, livro da editora Rocco.
Óbvio que alguns conselhos podem ser considerados um tanto quanto machistas, amiga. Não esqueça, porém, que a maioria das opiniões de Clarice tem meio século de vida. Bom final de semana!
quarta-feira, 20 de julho de 2011
[do além] AS FRESTAS DA PERCEPÇÃO
::txt::Jim Morrison::
Uma mulher chamada Rhonda Baron, da cidade de Arlington, na Virgínia (EUA), afirma que minha versão fantasma vive em sua casa. Segundo ela, minha assombração já deitou algumas vezes na sua cama. Não houve relação, apesar de ela ter tentado me engarrafar. O motivo dessa aparição incorpórea e esfumaçada seria o fato de eu ter vivido, durante a infância, na mesma casa que Rhonda vive hoje. No seu julgamento, eu estaria em busca de um local onde, supostamente, teria sido feliz. People are strange.
Por certo ela me viu do jeito que abandonei o mundo; a imagem idealizada do jovem rock star de olhar penetrante, cabelos fartos e revoltos. Fosse minha encarnação de Rei Lagarto, ela não estaria dando essas declarações com tanta tranquilidade. A desconfiança, obviamente, é que se trata de uma história inventada por motivação autopromocional. O que levantou essa suspeita foi o fato de o fantasma não ter vomitado nenhuma vez e ter recusado coquetéis de uísque com uns comprimidinhos bacanas.
Não quero confirmar nem negar as declarações dessa moça. A verdade virá à tona, logo depois que a turma do Scooby Doo investigar o caso. Mas posso dizer que Rhonda tem um ponto. Faz tempo que ando com vontade de fazer algumas aparições. Acreditem, não está fácil encontrar o lugar adequado. Sinto que não há mais espaço para mim. Vejam só, Light My Fire, hoje, é proibida em bares e locais fechados e em breve também nas ruas.
Pensei em surgir na marcha em favor da descriminalização da maconha em São Paulo. Mas achei que os manifestantes já estavam suficientemente assustados com a repressão policial. Cogitei aparecer no Rock in Rio. Desisti quando descobri que Elton John e Claudia Leite estão escalados para se apresentar por lá. Ponderei até se não era o caso de pegar carona numa megaturnê como a do Paul McCartney ou do U2. Depois me dei conta de que alguns patrocinadores poderiam se incomodar se eu repetisse um pouco das performances dos meus últimos shows, que incluíam mostrar a genitália para a plateia e gritar no microfone coisas como “vocês são um bando de idiotas, vocês são um bando de escravos. Quanto tempo vão deixar manipularem vocês? Talvez vocês gostem que enfiem a cabeça de vocês na merda”.
Comecei a me sentir sem chão quando a música foi parar nos tocadores de MP3. Meu problema não é com a perda de receita proveniente da venda de álbuns. Nada disso. Meu bode é com o fato de a música ter deixado de ser especial, de ter se banalizado tanto. Hoje todos têm milhões de faixas no celular e não dão a mínima para elas. Poucos escutam uma canção inteira, já passam para a próxima e depois para outra. A música perdeu seu sentido ritualístico e virou uma coisa funcional. Se antes havia música de protesto, hoje há música para protesto. Se havia músicas que nos faziam viajar, hoje há música para massagem, e assim por diante.
Portanto, desisti de aparecer. Tá todo mundo distraído demais, pragmático demais, sem saco demais. Já não há mais como abrir as portas da percepção. Não com a música. No máximo é possível abrir uma frestinha. E receio que os que conseguirem abrir um espacinho nas sua consciências nem perceberão a própria percepção. Agora pirei na Matrix. This is the end.
segunda-feira, 18 de julho de 2011
[domínio público] A NAÇÃO JUCÁ
::txt::José de Alencar::
Ao tempo destas cenas de infância que reviviam agora na memória de D. Flor, o sertão de Quixeramobim era infestado pelas correrias de uma valente nação indígena, que se fizera temida desde os Cratiús até o Jaguaribe. Era a nação Jucá. Seu nome, que em Tupi significa matar, indicava a sanha com que exterminava os inimigos. Os primeiros povoadores a tinham expelido dos Inhamuns, onde vivia à margem do rio que ainda conserva seu nome.
Depois de renhidos combates, os Jucás refugiram-se nos Cratius, de onde refazendo as perdas sofridas e aproveitando a experiência anterior, se lançaram de novo na ribeira do Jaguaribe, assolando as fazendas e povoados.
Não se passava semana em que não matassem algum agregado da fazenda, ou não queimassem plantações.
De novo espalhou-se o terror pelos campos de Quixeramobim. Anhamum, o feroz chefe dos Jucás, voltara à frente de quinhentos arcos, e desta vez para assaltar a Oiticica e tirar a desforra. Logo divulgou-se a notícia, o capitão-mór preparou-se para receber os selvagens, os quais não se fizeram esperar. Uma noite chegaram êles à margem do Sitiá e anunciaram-se pela sua formidável podema de guerra. No dia seguinte as casas da fazenda estavam cercadas.
Por muitos dias não fizeram os selvagens a menor demonstração hostil; sentia-se que êles estavam perto, mas não se mostravam a descoberto. Esperavam ocasião azada para investir, ou queriam obrigar os sitiados a uma sortida.
sexta-feira, 15 de julho de 2011
[ato 1] ZIRIGDUM DO ALÉM
::crdl::Jucazito::
Chico Science subiu ao céu
Sem saber pra onde ia
Se era noite ou era dia
Ai, ai, ai, que confusão !
Mas quando a porta se abriu
Na espinha deu calafrio
Ele viu o fura cão
Muita gente ao seu redor
Grandes homens da história
Porém nenhum da escória
Ai meu Deus, que sensação !
Num canto tava o Zumbi
Pedindo um colomy
Para Virgulino Lampeão
Encoberto com um véu
Clara Nunes triste sorria
O mangue boi nada entendia
Vixe Maria, que gozação !
Bateu bola com Mané
Com Mussum bebeu um mé
Num copo com limão
O caranguejo entón pensou
Que talvez, se acaso fosse
Uma viagem legal de doce
Cruz credo, como tá bão !
Ver Machado e Guimarães
Abraçados com as mães
Dançando Gonzagão
Chico deu um descanso
Estourou um com Bob Marley
Andou no cometa Harley
Arriégua, que chapação !
Cartola ainda o convidou
Para um samba de Nagô
Com pandeiro e violão
O caranguejo tava faceiro
E quero que o jornal publique
Assistiu a um Kubrick
Nossa mãe do céu, que telão !
Sua nave era 2001
E o som zirigdum
Num era ficção
Depois de ver o filme
Um barbudo, coisa rara
Seu nome Che Guevara
Viva la Revolución !
Chico rezou Ave Maria
E jurou que levaria
A Águia Sam até o cão
Lampião ouviu a promessa
Chamou Chico pruma prosa
- Cabra macho não é rosa
Ó diabos, que facão !
Talvez por medo ou pavor
Mas o caranguejo aceitô
em integrar a missão
Dali pintou o mapa
Com o caminho até o inferno
Também lhe deu um terno
Oiga tchê, que arrumação !
Torça comigo você
Pra tudo certo acontecer
E Chico ganhar o perdão
Para ilustrar a jornada
Quantas fitas eu não sei
Tinha Jackson e Marvin Gaye
Caramba, que canção !
Chegou a hora agá
De Chico se vingar
Desta triste danação
quinta-feira, 14 de julho de 2011
[do além] A INGRATIDÃO DE PLATÃO
::txt::Sócrates::
“SE A MENTIRA TEM PERNA CURTA, POR QUE ELA CORRE MAIS QUE A VERDADE?”. Essa o Platão não anotou.
Continuo sendo um dos pensadores mais influentes da história da humanidade. Isso me enche de orgulho, apesar de que meu sonho mesmo era ter sido jogador de futebol. Ocorre que, como todos bem sabem, não deixei nada registrado. Minha produção intelectual foi toda escrita por meu discípulo Platão, que – também é de conhecimento de todos – estava sempre apaixonado. Portanto, muita coisa que eu disse ficou deturpada, outras mal explicadas, algumas carentes de explicação e outras necessitando de atualização. Deixei a preguiça de lado, resolvi eu mesmo vir aqui fazer essa revisão crítica de minha obra, depois que Platão ameaçou me cobrar pelos serviços de secretaria. Ingrato. Fez-se nas minhas costas.
Conheça a ti mesmo.
Se ao fazer isso você se descobrir um chato, parte para outra. O mundo é cheio de gente interessante para você perder tempo com a pessoa errada.
Só sei que nada sei.
O pessoal quando depõe em CPI adora citar essa.
O que deve caracterizar a juventude é a modéstia, o pudor, o amor, a moderação, a dedicação, a diligência, a justiça, a educação. São estas as virtudes que devem formar o seu caráter.
Ao que se conclui que o Dado Donabella é um pós-socrático.
A um homem bom não é possível que ocorra nenhum mal, nem em vida nem em morte.
Meu Zeus! Como pude ter sido tão ingênuo? Também não imaginei que o Dunga daria bom técnico.
O ideal no casamento é que a mulher seja cega e o homem surdo.
Não vale aquele expediente de fingir que não viu e fazer que não escutou.
O verdadeiro conhecimento vem de dentro.
O que não quer dizer que todo filho que você parir será um sábio.
Não vivemos para comer, mas comemos para viver.
A frase só exprime uma verdade se você estiver falando de alimentos.
O amigo deve ser como o dinheiro, cujo valor já conhecemos antes de termos necessidade dele.
Eu tinha um amigo que era um peso argentino.
A maneira de se conseguir boa reputação reside no esforço em se ser aquilo que se deseja parecer.
No entanto, os travestis não têm boa reputação.
A formosura é uma tirania de curta duração.
Mas pode me tiranizar à vontade, Megan Fox, enquanto a sua durar.
Uma vida não suscetível de exame não vale a pena ser vivida.
Cunhei essa frase para um laboratório de análise. Mas como socrático não pude cobrar.
Não te contentes em admirar as pessoas bondosas. Imita-as.
Só para avisar: não é aquela imitação tipo Tom Cavalcante.
Se o desonesto soubesse a vantagem de ser honesto, ele seria honesto ao menos por desonestidade.
O difícil é explicar isso pro Hildebrando Pascoal.
A eloquência é a arte de aumentar as coisas pequenas e diminuir as grandes.
Engraçado que japonês, que deveria, não é eloquente.
Conheço apenas a minha ignorância.
Mas se quiser me apresentar a sua, fique à vontade. Quem sabe elas podem ser boas amigas.
É sábio o homem que pôs em si tudo o que leva à felicidade ou dela se aproxima.
Como é inteligente esse Brad Pitt. Credo.
É costume de um tolo, quando erra, queixar-se dos outros. É costume de um sábio queixar-se de si mesmo.
Como posso ser tão estúpido? Não adianta, eu faço tudo errado mesmo!
quarta-feira, 13 de julho de 2011
[águas passadas] A ARTE DE NINAR E SAMPLEAR
::txt::Monseñor Jacá::
::pht::Condessa Orsi::
Desde sim vivo a acreditar que o mundo real não é como a gente sonhava quando piá. Era pra ser, quando crescer, no mínimo igualzinho ao papai, com casa, mulher, carro e um filho que nem eu(nesta ordem de importância). De vez em quando é melhor dormir. Considero a arte do ninar um trabalho. Não per outro motivo que meu ronco é bem dos prolongado, vivente de Deus!
Mas queria mesmo era comparar o sono com a personalidade da pessoa. Nós, malucos, sonhadores, que voamos pela mata virgem, encaramos a vida como arte e rebeldia. E eu, mais exatamente, procuro de vez per ora fugir à fantasia, mascarado como um personagem que una essas duas qualidades. Já passei per Rei Lagarto, Pernalonga, Manda Chuva, entre outros tantos.
Agora sou Monseñor Jacá, líder da arte do samplear. Estou disposto a presepar a vigilância. A partir de agora, quando estamos na vitrine televisiva, não podemos perder a oportunidade de mostrar a nossa arte e rebeldia.
terça-feira, 12 de julho de 2011
segunda-feira, 11 de julho de 2011
[agência pirata] HEMP CAR: MOVIDO À ERVA
::txt::Luis Guedes Jr.::
Você desce a serra atrás de uma fila de caminhões e subitamente o interior de seu carro é tomado pelo inconfundível perfume da maresia. Não, nada de brisa litorânea. O odor, neste caso, vem do escapamento dos caminhões à frente, que rodam com biodiesel de cânhamo.
Se as ideias de um pequeno grupo de ativistas norte-americanos ganhar corpo, essa cena será perfeitamente possível. Liderado por oito pessoas, entre elas um engenheiro da Nasa e um ex-executivo do alto escalão da Intel, o projeto Hemp Car (www.hempcar.org) defende o uso do óleo de cânhamo filtrado como combustível alternativo para os motores a diesel. A opção, mais limpa e sustentável ante os derivados do petróleo, ganha relevância quando lembramos que, na Europa e nos EUA, ao contrário do que ocorre no Brasil, o diesel não está limitado apenas aos veículos de carga, mas também aos modelos de passeio.
Para provar a viabilidade da proposta, a trupe percorreu mais de 24 mil km a bordo de um automóvel Mercedes-Benz convertido para a queima do chamado Hemp Fuel. Durante os 92 dias em que durou a viagem, passaram por mais de 50 cidades nos Estados Unidos e no Canadá, aproveitando para também “plantar” a ideia na cabeça de novos seguidores.
Para quem já imaginou um trânsito mais tranquilo, na paz, vale uma observação: apesar de o cheiro liberado pelo escapamento do Hemp Car lembrar o de um baseado, sua fumaça é absolutamente inofensiva. “O cânhamo industrial não possui propriedades psicoativas, portanto não pode ser considerado droga”, apressa-se em alertar o texto publicado no site da entidade, que luta por uma reforma na legislação norte-americana, atualmente contrária ao desenvolvimento industrial de produtos derivados da família Cannabis.
ATÉ TU, HENRY FORD?!
A ideia de converter maconha em combustível alternativo não é necessariamente nova. Já na década de 30 o visionário Henry Ford, pai do automóvel moderno e um dos maiores símbolos da industrialização norte-americana, defendia o uso de sementes, grãos e outros derivados agrícolas – inclusive o cânhamo – como fonte de energia renovável. “O álcool produzido por vegetais plantados ao longo de um ano em determinada área é suficiente para abastecer os tratores que irão cultivar essa mesma área pelos próximos cem anos”, afirmava.
A respeito da maconha, Henry Ford chegou a testar combustíveis batizados como “hempoline”, produzidos a partir do óleo das sementes e do caule do cânhamo. E defendia que a sua queima era mais limpa e menos tóxica se comparada à gasolina.
Completamente seduzido pelos poderes da erva, o industrial norte americano passou a cultivar cânhamo industrial a partir de 1937. E não se limitou apenas à questão energética. “No futuro, faremos com que os carros brotem da terra”, chegou a afirmar, fazendo analogia à sua crença de que era possível encaixar as plantas em praticamente todas as etapas da produção de um automóvel.
O maior de seus feitos, no entanto, está registrado na edição de dezembro de 1941 do tabloide Popular Mechanics Magazine: um carro com carroceria inteiramente moldada por resistentes placas de um plástico cuja fórmula levava 70% de fibras de celulose de cânhamo, sisal e palha de trigo; sendo os 30% restantes provenientes de resina.
A fotografia de Henry Ford batendo na carroceria com um bastão de madeira para demonstrar a resistência do “carro de plástico” – como preferiu chamá-lo – tornou-se emblemática em suas biografias. A imagem também pode ser vista em um vídeo comercial que ele chegou a gravar e que está disponível no YouTube. Basta digitar “Henry Ford hempcar”.
A entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial e o chamado de ajuda para toda indústria que trabalhasse com aço desviaram a atenção de Henry Ford de suas pesquisas botânicas. Mas ficou plantada a semente, reacendida agora com o pessoal de certo Mercedes-Benz “psicodélico”...
sexta-feira, 8 de julho de 2011
[gazzetta dello monsignore] PARABENZ OURO PRETO
::txt::Monsignore Giacá::
::phts::Contessa Orsi::
Hoje, sexta-feira, dia 8 de julho, Ouro Preto completa 300 anos. Tivemos a oportunidade de conhecer essa cidade maravilhosa, uma vila rica em história, arquitetura, cultura, gastronomia, catolicismo e escultura, recentemente em uma viagem pras Minas Gerais.
Impossível não se apaixonar por Ouro Preto. Nossa homenagem não se dará hoje, mas sim durante os próximos dias, com algumas postagens sobre diversos atrativos que a cidade oferece.
Parabenz Ouro Preto
quinta-feira, 7 de julho de 2011
[do além] O MAL COLATERAL DO DOWNLOAD
::txt::Jimi Hendrix::
A era do download gratuito não prejudicou só as gravadoras e os rendimentos dos compositores e intérpretes estabelecidos. O público também tem sofrido bastante com a volta de bandas e artistas que já haviam se aposentado publicamente. Vendo que a grana proveniente da vendas de CDs minguou, as bandas saem em excursões mundo afora em busca do dinheiro fácil dos saudosistas. Só nos últimos meses, fomos obrigados a conviver novamente com os Back Street Boys, as Spice Girls e o Roupa Nova. E as entrevistas sobre o retorno triunfal? Com as bandas, voltam todos os clichês. “Estamos com saudade do contato com os fãs.” “Nossas desavenças já passaram. Considero normal alguém da própria banda ter roubado sua mulher e ter tentado atropelar você.” “Continuamos com a mesma energia de antes, e vai ser incrível tocar em... Você é repórter de que país, mesmo?”
Outros efeitos colaterais do fim da era do disco são os subprodutos lançados pela indústria para equilibrar o orçamento e ordenar o patrimônio musical dos artistas. Alguns têm a sorte de ainda autorizarem em vida a utilização de suas obras para outros fins comerciais. Mas quem já passou desta para melhor não tem essa chance. E pode ter facilmente sua imagem adulterada por um familiar, ex-marido, ex-esposa ou algo do gênero que ainda terá a coragem de declarar que “Fulano ficaria muito orgulhoso de ver seu nome associado a essa linha de fraldas de excelente qualidade. Apesar de sua figura pública de punk-andrógino-satânico, ele gostava muito de criança”.
Por isso, como sei que é inevitável que lancem em breve o Guitar Hero Jimi Hendrix, quero desde já fazer uma pequena lista de exigências para que o produto não traia minha reputação e memória. Anote aí. A embalagem deve conter uma receita de barbitúricos carimbada e assinada por um médico. Quatro groupies infláveis vestidas de maneira sexualmente agressiva. E, por último, como não quero dar prejuízo para meus fãs, a caixa deve conter 3 guitarras: uma para incendiar, outra para quebrar e a terceira para jogar mesmo. Mas não jogue até de madrugada, porque no outro dia você tem que trabalhar.
quarta-feira, 6 de julho de 2011
[domínio público] REZAR E PAGAR
::txt::Pierre-Joseph Proudhon::
Desde que a humanidade entrou no período de civilização, tão longe quanto a memória alcança, o povo reza e paga. Ele reza por seus príncipes, por seus magistrados, por seus exploradores e parasitas. Ele reza, como Jesus Cristo, por seus carrascos. Ele reza até mesmo por aqueles que deveriam rezar por ele. E depois ele paga para aqueles por quem reza. Ele paga o governo, a justiça, a polícia, a igreja, a nobreza, a coroa, a renda, o proprietário. Ele paga por seus passos, para ir e vir, para comprar e vender, para beber, comer, respirar, aquecer-se ao sol, nascer e morrer. E implora-lhe o céu para dar-lhe, abençoando o seu trabalho, meios com que pagar cada vez mais. O povo nunca fez outra coisa senão rezar e pagar.
terça-feira, 5 de julho de 2011
[agência pirata] O MELHOR DISCO DE 2011... E O DE 1986
::txt::Zeca Camargo::
Sim, é chegada aquela hora crucial – e dramática – em que eu, na metade do ano, anuncio o melhor álbum do corrente, para indignação de muitos, chacota de uns, e revelação de outros. Se a experiência me ensina alguma coisa é que uma parte das pessoas que gosta de música pop não pode conceber, meses antes de 2011 terminar, que alguém tenha a empáfia de decretar qual é o melhor disco para representar todos os doze meses no ano! Há, felizmente, exceções: pessoas genuinamente curiosas que, se não concordam comigo, no mínimo agradecem o achado. Mas, tirando pela primeira vez que fiz isso, em meados de 2010, elegendo “The boxer”, de Kele, para tal honra, a reação (prevejo) vai ser próxima ao ultraje. Então, já que ele é inevitável, vamos a ele!
Mas antes – e este “mas antes” é minha homenagem a você, que sempre reclama que eu dou voltas antes de entrar no assunto principal (você que, se pudesse, resumiria todo o meu texto em uma mensagem em letras vermelhas lá em cima, para não dar trabalho nenhum de ler…) -, enfim, mas antes, eu gostaria de apresentar o melhor disco de 1986 – um ano muito longínquo mas que foi de importância crucial para o mundo do pop. Por que ele foi tão importante assim? Porque foi o ano em que “The queen is dead” veio ao mundo, cortesia de uma banda que talvez você tenha ouvido falar chamada The Smiths.
Esta não é a primeira vez que cito eles aqui – pelo contrário. Nem preciso de muitas desculpas para jogar os Smiths na conversa. Mas estamos falando de um aniversário – e dos mais importantes. Há 25 anos – quando você talvez ainda não tivesse nascido – “The queen is dead” chegava para mudar todas as regras de um pop que nem sonhava que o “grunge” estava ali na esquina. Não chegou a ser uma surpresa – afinal, os dois discos anteriores da banda (o primeiro, com o nome deles; e o segundo, o sensacional “Meat is murder”) já tinham criado suas pequenas revoluções, ressuscitado a então incerta cena alternativa inglesa, sacudido a letárgica parada britânica, apresentado a incomparável guitarra de Johnny Marr e a delirante poesia de Morrisey, conquistado legiões de fãs (inclusive, para não perder o trocadilho, um certo líder de uma legião urbana aqui mesmo no Brasil) e confundido uma boa parte deles com suas letras (“O que eu estou fazendo cantando ‘This charming man’ a plenos pulmões?”, perguntou-se mais de um admirador heterossexual da banda…).
Mas “Queen” era diferente: mais poderoso, mais melódico, mais radical, mais poético, mais sonoro, mais sedutor, mais nervoso, mais irreverente, mais sério, mais atrevido, mais impossível, mais genial. Enfim, um clássico.
Não que o pop inglês estivesse parado. 1986 foi também o ano do lançamento do icônico “C86″ – uma fita cassete compilada pelo não menos icônico semanário musical inglês “NME”, com o melhor das bandas então desconhecidas, e que se tornou uma referência para a música daquela década (boa parte dos artistas que estavam na coletânea, com exceção talvez de Primal Scream e The Wedding Present, tiveram fôlego para ir além de um ou dois álbuns, mas, de qualquer maneira, só o mérito de ter participado do “C86″ já garantiu o lugar deles na História). Mas “The queen is dead” veio para estabelecer um outro patamar. Era como se Marr e Morrissey estivessem dizendo: “Se vocês querem fazer música, de agora em diante, é assim – tem que ter melodia, tem que ter um refrão que você registra logo na primeira vez que ouve, e tem que ter versos como você mesmo escreveria se estivesse tomado de uma paixão infinita”.
Essa paixão não precisava ser exatamente por alguém. Podia ser pelo ódio à família real britânica (como na faixa-título). Ou pelas pessoas realmente estranhas (“Vicar in a tutu”). Pela liberdade (“Frankly Mr. Shankly”). Paixão pelo fim de uma paixão (“Bigmouth strikes again”). Ou pelo começo de uma (“There’s a light that never goes out” – será que alguém se lembra de uma declaração de amor, em forma de refrão, mais bonita e delirante do que essa, onde um amante diz ao outro que morrer ao seu lado, atropelado por um ônibus de dois andares, seria um privilégio, e que nenhum prazer seria maior do que esse fim trágico?). Fato é que essa paixão pingava de cada verso, de cada frase musical, de cada coro, de cada abertura (o que é aquela introdução de “The boy with the thorn in his side”?), de cada encerramento (garanto que aquela flauta do final de “There’s a light” está até hoje na cabeça de quem ouviu a canção pelo menos uma vez!).
Apreciadores da boa música comemoraram recentemente os 25 anos de “The queen is dead” – lançado oficialmente em 16 de junho de 1986 – e garantiram que ele ainda seja ouvido por muitas e muitas gerações. Afinal, o que os Smiths conseguiram ali foi fazer uma obra atemporal. Não importa sua idade, eu tenho certeza de que você vai ser capaz de dançar ao som de “Some girls are bigger than others”. Independente de qual o seu gosto musical, posso apostar que você vai se embalar com “Cemetry gates”. E basta apenas você ser humano para um dia ter se sentido como personagem principal de “I know it’s over” (ah… nunca teve seu coração completamente destruído? sei…).
Brinquei no início do texto que esse era (e foi, de fato) o melhor disco de 1986, mas um título como esse só diminui a obra. “The queen is dead” é uma das melhores coisas que já surgiram na história do rock (o próprio “NME”, em edição recente, que celebrou os 25 anos na capa, também não teve pudor de colocar o álbum no cânone dos melhores da história da Grã-Bretanha). Se fosse possível ele entraria também na lista dos melhores de 1987 – e 88, 89, 90, 91… E século 21 adentro. “Queen” é tão perfeito, que, depois de tantos elogios, fico até sem graça de falar do tal melhor disco deste ano, 2011, que eu vou revelar hoje aqui…
Mas vamos a ele: o escolhido (a ser depois confirmado ou desmentido por todas as listas que começam a aparecer nos sites de música que a gente gosta já no final de novembro) é… “The English riviera”, do Metronomy. Quem?
Pois então. Se você não for um fã de música eletrônica, talvez esse nome lhe escape por completo. Mas espere: se você não é um fã de música eletrônica, não pare de ler por aqui. “The English riviera” é uma espécie de guinada na trajetória dessa banda inglesa, que chamou atenção pela primeira vez em 2006, com o álbum “Pip paine” – um trabalho (vamos ser francos) muito chato. Fui atrás do Metronomy porque a crítica, na época, se entusiasmou com esse lançamento. Mas fiquei extremamente decepcionado.
Depois disso, nem me animei a conferir o álbum seguinte, “Nights out”. Mas, de repente, há algumas semanas, comecei a detectar o nome deles novamente no meu radar – e os elogios para “Riviera” eram tantos (e vindos de fontes que eu realmente respeito) -, que resolvi (olha que antigo!) comprar esse CD, numa viagem recente. Ficou na minha mala de mão uns bons dez dias, até que numa noite cansada, coloquei-o para tocar, menos por curiosidade do que iria ouvir, e mais para procurar uma trilha sonora que me convidasse ao sono. Não dormi.
Ou pelo menos não dormi tão rápido quanto eu pensava. Senti-me quase que obrigado a escutar “The English riviera” mais de uma vez – e só parei quando fui realmente vencido pelo cansaço. Fiquei completamente entusiasmo pela riqueza do álbum – e olha que esse é um atributo que uso com muita parcimônia. Tudo que eu já esperava da banda estava lá – especialmente os arranjos eletrônicos tão despojados que lembravam o melhor do “synthpop” dos anos 80. Mas o que me surpreendeu foi a inventividade que cada faixa trazia.
O começo até que foi meio lento. Depois de uma breve introdução, ao som de pássaros (numa encosta? numa “riviera”?) e violinos, a segunda faixa vem mansa. “We broke free” traz vocais suaves, modestas guitarras e familiares sintetizadores. Mas aí chega “Everything goes my way” – e você começa a prestar atenção! Como um mantra, “Love, I’m in love again” entra pelos seus ouvidos e se recusa a sair – e o ritmo é tão irresistível quanto o refrão. “The look” – a música seguinte – te desloca sem aviso para os anos 80. Quando você está quase se recuperando da viagem no tempo, “She wants” oferece o conforto das canções bem construídas dos anos 90 – e apenas mais duas faixas depois você já está em pleno século 21 (“Loving arm”), com um pé no 22 (“Corinne”).
Essa última canção é tão maravilhosa, que mesmo sabendo que eu já queria escrever sobre “The English riviera” mais adiante, eu não aguentei e indiquei ela para você logo no início deste mês, aqui no nosso já tradicional “pé de página” onde se lê “O refrão nosso de cada dia”. E com um bom motivo – fora o meu entusiasmo geral com a banda. “Corinne” é uma coisa esquisita – uma música que parece feita de partes desconjuntadas, mas que depois que você ouve pela segunda ou terceira vez, faz todo o sentido. E mais: ela se torna brilhante! (Não sou a favor, a princípio, de músicas “difíceis” – um dia até quero escrever um post sobre elas. Mas é que “Corinne” é verdadeiramente excepcional, ainda que ela te dê algum trabalho para você gostar dela!).
No finalzinho, Metronomy vem com mais uma faixa deliciosa (“Some written”), e fecha o jogo com uma espécie de enigma: “Love underlined” – parte Depeche Mode, parte Of Montreal, parte The Big Pink, parte Atlas Sound. Hum… Nem sei se é isso mesmo – mas qualquer banda que me faz lembrar de todas essas outras ao mesmo tempo, já merece o meu respeito.
Assim, senhoras e senhores, está apresentado aqui “o melhor disco de 2011″ (do meio do ano). Sei o que vem por aí – e estou preparado. Pode mandar! Ah! E já que eu vou levar pedra mesmo, aproveito para escolher também o melhor videoclipe do ano: “The greeks”, de uma banda chamada Is Tropical . Sim, mais uma banda britânica (hoje o post está cheio delas). Mas não vou gastar muito tempo com esses caras (pelo menos não agora). Só quero mesmo é chamar atenção para o vídeo de “The greeks”, que é estupendo. É até simples – feito todo em cima de uma ideia só. Mas essa ideia é genial, espertamente subversiva, e, apesar de serem extremamente violentas (aliás, essa é a questão!), as imagens são quase líricas… Afinal, o que você espera de um clipe feito com crianças?
Veja lá se você concorda com minhas escolhas (acho que já sei as respostas!) e segunda-feira falamos dos perigos da escrita criativa…
O refrão nosso de cada dia
“El galán de la Paternal”, Alvy, Nacho y Rubin – uma estranha associação de idéias me levou a esse refrão de hoje. Já mencionei minha paixão por esse projeto de ótimos músicos argentinos (ok, um uruguaio), quando escrevi sobre “Como un pollo degollado” há algumas semanas. Eles tiveram a coragem – e a inspiração – de fazer versões (para o castelhano) de algumas das melhores músicas de um clássico moderno chamado “69 love songs”, do Magnetic Fields (leia-se, Stephen Merritt). Mas isso não vem ao caso agora. Lembrei de “Galán” por que estava ouvindo justamente “There is a light that never goes out”, para escrever o post acima – e logo meu pensamento foi parar em outra música dos Smiths que também falava de um romance (mais ou menos) dentro de um carro: “This charming man”. “Por que se preocupar com as complexidades da vida, quando o couro desliza macio no banco de passageiros?”, pergunta Morrissey (na minha tradução apressada), numa clara alusão a um bom amasso entre duas portas… E isso me levou ao refrão de “Galán”, que, de maneira até mais romântica que “This charming man”, convida quem ouve a um passeio de carro cheio de possibilidades: “Tengo un Renault y vos querés ir a pasear”… Enfim, acho que viajei legal – mas pelo menos deixo aqui um belíssimo refrão para você aproveitar o feriado.
segunda-feira, 4 de julho de 2011
[copyleft] ALIENAÇÃO: O MAPA DO DESESPERO
::txt::Crimethinc::
No mundo moderno, controle é exercido sobre nós automaticamente pelos espaços em que vivemos e nos movimentamos. Nós passamos por certos rituais em nossas vidas - trabalho, "lazer", consumo, submissão - porque o mundo é projetado só para isso. Todos nós sabemos que shopping centers são para fazer compras, escritórios são para trabalhar, e as ironicamente chamadas salas de estar são para assistir televisão, e escolas são para obedecer professores. Todos os espaços pelos quais transitamos possuem significados pré-estabelecidos, e tudo que precisa para nos manter fazendo as mesmas coisas é nos deixar caminhando pelos mesmos caminhos. É difícil achar algo para fazer no Wal-Mart além de olhar e comprar produtos; e, como estamos acostumados a isso, é difícil conceber que realmente poderia haver outra coisa para se fazer lá - sem mencionar que fazer qualquer coisa lá além de comprar é muitas vezes ilegal.
Restam no mundo cada vez menos espaços livres, não desenvolvidos, onde podemos deixar nossos corpos e mentes correr livres. Praticamente todo lugar que você pode ir pertence a alguma pessoa ou grupo que já lhe designou um significado e uma utilidade: propriedade privada, zona comercial, auto-estrada, sala de aula, parque federal. E as nossas próprias rotas previsíveis pelo mundo raramente nos levam perto das zonas livres que ainda restam.
Estes espaços, onde o pensamento e o prazer podem ser livres em todos os sentidos, estão sendo substituídos por ambientes cuidadosamente controlados como a Disneilândia - lugares onde nossos desejos são pré-fabricados e nos vendidos de volta com custos financeiros e emocionais. Dar o nosso próprio significado ao mundo e criar nossas próprias maneiras de nos divertir agir nele são partes fundamentais da vida humana; hoje, por nunca estarmos em lugares que encorajem essa postura, não deveríamos nos surpreender que tantas pessoas se sintam desesperadas e frustradas. Por terem sobrado tão poucos espaços livres no mundo, e por nossa rotina nunca nos levar lá, somos forçados a ir em lugares como a Disneilândia para termos algo parecido com brincadeiras e aventuras. A verdadeira aventura pela qual nossos corações anseiam foi substituída pela falsa aventura, e a sensação de criar pelo torpor de ser um mero espectador.
O nosso tempo está tão ocupado e controlado quanto nosso espaço; de fato, a subdivisão do nosso espaço é uma manifestação do que já aconteceu com o nosso tempo. O mundo inteiro se move e vive de acordo com um sistema padronizado de tempo, projetado para sincronizar nossos movimentos de um lado do planeta com o outro.
Dentro deste sistema, todos nós temos nossas vidas regradas por nossos horários de trabalho e/ou horários de aulas, assim como pelos horários de funcionamento do transporte público e do comércio, etc. Essa organização das nossas vidas, que começa na infância, exerce um controle sutil mas profundo sobre todos nós: chegamos a esquecer que o tempo de nossas vidas é nosso para gastar como escolhermos, ao invés de pensar em termos de dias de trabalho, horas de almoço, e finais-de-semana. Uma vida verdadeiramente espontânea é impensável para a maioria de nós; e o chamado tempo "livre" é normalmente apenas tempo que foi reservado para fazer outra coisa que não trabalhar. Com que freqüência você vê o sol nascer? Quantas vezes você passeia em belas tardes ensolaradas? Se você tivesse a oportunidade inesperada de fazer uma viagem bacana neste fim-de-semana, você poderia ir?
Estes ambientes e horários restritivos limitam drasticamente o vasto potencial de nossas vidas. Eles também nos isolam uns dos outros. Nos nossos trabalhos, passamos uma grande parte do tempo fazendo um determinado tipo de trabalho com um determinado grupo de pessoas em um determinado local (ou pelo menos em um determinado ambiente, o que vale para operários de construção e empregados temporários). Experiências tão limitadas e repetitivas nos dão uma visão muito limitada do mundo, e não nos dá oportunidade de conhecer pessoas diferentes. Nossos lares nos isolam ainda mais: hoje nos mantemos trancafiados em pequenas caixas, em parte por medo daqueles a quem o capitalismo maltratou ainda mais que a nós, e em parte porque nós acreditamos na propaganda paranóica das empresas que vendem sistemas de segurança. Os subúrbios de hoje são cemitérios das comunidades, as pessoas empacotadas em caixas separadas... exatamente como a mercadoria no supermercado, lacrados para "maior frescor". Com grossas paredes entre nós e nossos vizinhos, nossos amigos e família, espalhados por cidades e nações, é difícil haver qualquer tipo de comunidade, muito menos compartilhar espaço comunitário no qual as pessoas podem se beneficiar mutuamente da criatividade alheia. Tanto o trabalho quanto as nossas casas, nos mantém amarrados a um lugar único, estacionários, incapazes de viajar ao longe no mundo exceto em rápidas férias.
Até mesmo nossas viagens são restritas e restritivas. Nossos métodos modernos de transporte - carros, ônibus, metrôs, trens, aviões - todos eles nos mantêm presos a trilhas fixas, vendo o mundo passar pela janela, como se fosse um programa de televisão particularmente chato. Cada um de nós vive em um mundo pessoal que consiste principalmente de destinações bem conhecidas (o local de trabalho, o mercadinho, o apartamento de um amigo, a boate) com alguns elos entre elas (sentado no carro, ficar de pé no metro, subir a escada), e poucas chances de encontrar algo inesperado ou de descobrir novos lugares. Um homem pode viajar pelas estradas de dez países sem ver nada além de asfalto e postos de gasolina, se ele ficar no seu carro. Presos a nossas trilhas (trilhos?), não conseguimos visualizar uma viagem livre, viagens de descoberta que nos poriam em contato direto com pessoas e coisas completamente novas a cada esquina.
Ao invés disso, ficamos sentados presos em engarrafamentos, cercados por centenas de pessoas na mesma situação que nós, mas separados deles pelas jaulas de aço de nossos carros - de forma que eles parecem mais com objetos em nosso caminho do que com seres humanos como nós. Nós pensamos que alcançamos mais partes do mundo com nossos transportes modernos; mas na verdade, quando vemos alguma coisa, vemos menos. Quando nossas capacidades de transporte aumentam, nossas cidades se espalham mais e mais no horizonte. E sempre que as distâncias aumentam, mais carros são necessários; mais carros precisam de mais espaço e então as distâncias aumentam de novo... e de novo. Neste ritmo, auto-estradas e postos de gasolina irão um dia substituir tudo pelo qual valia a pena viajar... isso quer dizer, tudo que ainda não virou um parque temático ou uma atração turística.
Alguns de nós vêem a internet como a "fronteira final", como um espaço livre, ainda não desenvolvido pronto para ser explorado. O ciberespaço pode oferecer ou não algum grau de liberdade para aqueles que conseguem pagar o acesso para usá-lo e explorá-lo; mas o que quer que ele ofereça, ele oferece sob a condição de deixarmos nossos corpos na chapelaria: amputação voluntária. Lembre-se, você é um corpo tanto quanto é uma mente: ficar sentando, parado, olhando luzes que brilham durante horas, sem usar os sentidos do toque, paladar e olfato, é liberdade? Você esqueceu a sensação de pisar descalço na grama úmida ou na areia quente, do cheiro dos eucaliptos ou de lenha queimando em suas narinas? Você se lembra do cheiro dos talos de tomate? A tremulação da chama de uma vela, a emoção de correr, nadar, tocar?
Hoje podemos recorrer à internet quando queremos emoções sem nos sentirmos enganados, pois nossa vida moderna já é tão limitada e previsível que esquecemos como a ação e movimento no mundo de real podem fazer a gente se sentir bem. Por que se acomodar com a liberdade limitada que o ciberespaço pode dar, quando existem muito mais experiências e sensações para sentir aqui no mundo real? Nós devíamos estar correndo, dançando, remando uma canoa, bebendo a essência da vida, explorando novos mundos - quais novos mundos? Temos que redescobrir nossos corpos, nossos sentidos, o espaço à nossa volta, e então podemos transformar este espaço em um novo mundo ao qual podemos dar nossos próprios significados.
Para conseguir isso, precisamos inventar novos jogos - que possam ser jogados nos espaços já conquistados deste mundo, nos shopping centers, restaurantes e salas de aula, que vão destruir seus significados prescritos para que possamos lhes dar novos significados de acordo com nossos sonhos e desejos. Precisamos de jogos que nos unam, nos tirem da confinação e isolamento de nossas casas particulares, e nos tragam aos espaços públicos onde podemos nos beneficiar da companhia e criatividades dos outros. Assim como desastres naturais e blecautes podem unir as pessoas e trazer-lhes emoção (afinal, todo mundo quer um pouco de variedade emocionante em um mundo outrora terrivelmente previsível), nossos jogos vão nos unir para fazermos coisas novas e emocionantes. Devemos pintar poesia nas paredes das zonas comerciais, fazer shows nas ruas, sexo em praças e em sala de aula, piqueniques de graça nos supermercados, festivais espontâneos nas auto-estradas...
Também precisamos inventar novas definições de tempos e novos modos de viajar. Tente viver sem um relógio, sem sincronizar o seu tempo ao tempo muito ocupado do resto do mundo. Tente fazer uma longa viagem a pé ou de bicicleta, de forma que você encontrará em primeira mão tudo pelo que você passar até chegar ao seu destino, sem vidros no meio. Tente explorar a sua própria vizinhança, olhando nos telhados e dobrando as esquinas que você nunca notou antes - você se surpreenderá com quanta aventura existe lá, esperando por você!
No mundo moderno, controle é exercido sobre nós automaticamente pelos espaços em que vivemos e nos movimentamos. Nós passamos por certos rituais em nossas vidas - trabalho, "lazer", consumo, submissão - porque o mundo é projetado só para isso. Todos nós sabemos que shopping centers são para fazer compras, escritórios são para trabalhar, e as ironicamente chamadas salas de estar são para assistir televisão, e escolas são para obedecer professores. Todos os espaços pelos quais transitamos possuem significados pré-estabelecidos, e tudo que precisa para nos manter fazendo as mesmas coisas é nos deixar caminhando pelos mesmos caminhos. É difícil achar algo para fazer no Wal-Mart além de olhar e comprar produtos; e, como estamos acostumados a isso, é difícil conceber que realmente poderia haver outra coisa para se fazer lá - sem mencionar que fazer qualquer coisa lá além de comprar é muitas vezes ilegal.
Restam no mundo cada vez menos espaços livres, não desenvolvidos, onde podemos deixar nossos corpos e mentes correr livres. Praticamente todo lugar que você pode ir pertence a alguma pessoa ou grupo que já lhe designou um significado e uma utilidade: propriedade privada, zona comercial, auto-estrada, sala de aula, parque federal. E as nossas próprias rotas previsíveis pelo mundo raramente nos levam perto das zonas livres que ainda restam.
Estes espaços, onde o pensamento e o prazer podem ser livres em todos os sentidos, estão sendo substituídos por ambientes cuidadosamente controlados como a Disneilândia - lugares onde nossos desejos são pré-fabricados e nos vendidos de volta com custos financeiros e emocionais. Dar o nosso próprio significado ao mundo e criar nossas próprias maneiras de nos divertir agir nele são partes fundamentais da vida humana; hoje, por nunca estarmos em lugares que encorajem essa postura, não deveríamos nos surpreender que tantas pessoas se sintam desesperadas e frustradas. Por terem sobrado tão poucos espaços livres no mundo, e por nossa rotina nunca nos levar lá, somos forçados a ir em lugares como a Disneilândia para termos algo parecido com brincadeiras e aventuras. A verdadeira aventura pela qual nossos corações anseiam foi substituída pela falsa aventura, e a sensação de criar pelo torpor de ser um mero espectador.
O nosso tempo está tão ocupado e controlado quanto nosso espaço; de fato, a subdivisão do nosso espaço é uma manifestação do que já aconteceu com o nosso tempo. O mundo inteiro se move e vive de acordo com um sistema padronizado de tempo, projetado para sincronizar nossos movimentos de um lado do planeta com o outro.
Dentro deste sistema, todos nós temos nossas vidas regradas por nossos horários de trabalho e/ou horários de aulas, assim como pelos horários de funcionamento do transporte público e do comércio, etc. Essa organização das nossas vidas, que começa na infância, exerce um controle sutil mas profundo sobre todos nós: chegamos a esquecer que o tempo de nossas vidas é nosso para gastar como escolhermos, ao invés de pensar em termos de dias de trabalho, horas de almoço, e finais-de-semana. Uma vida verdadeiramente espontânea é impensável para a maioria de nós; e o chamado tempo "livre" é normalmente apenas tempo que foi reservado para fazer outra coisa que não trabalhar. Com que freqüência você vê o sol nascer? Quantas vezes você passeia em belas tardes ensolaradas? Se você tivesse a oportunidade inesperada de fazer uma viagem bacana neste fim-de-semana, você poderia ir?
Estes ambientes e horários restritivos limitam drasticamente o vasto potencial de nossas vidas. Eles também nos isolam uns dos outros. Nos nossos trabalhos, passamos uma grande parte do tempo fazendo um determinado tipo de trabalho com um determinado grupo de pessoas em um determinado local (ou pelo menos em um determinado ambiente, o que vale para operários de construção e empregados temporários). Experiências tão limitadas e repetitivas nos dão uma visão muito limitada do mundo, e não nos dá oportunidade de conhecer pessoas diferentes. Nossos lares nos isolam ainda mais: hoje nos mantemos trancafiados em pequenas caixas, em parte por medo daqueles a quem o capitalismo maltratou ainda mais que a nós, e em parte porque nós acreditamos na propaganda paranóica das empresas que vendem sistemas de segurança. Os subúrbios de hoje são cemitérios das comunidades, as pessoas empacotadas em caixas separadas... exatamente como a mercadoria no supermercado, lacrados para "maior frescor". Com grossas paredes entre nós e nossos vizinhos, nossos amigos e família, espalhados por cidades e nações, é difícil haver qualquer tipo de comunidade, muito menos compartilhar espaço comunitário no qual as pessoas podem se beneficiar mutuamente da criatividade alheia. Tanto o trabalho quanto as nossas casas, nos mantém amarrados a um lugar único, estacionários, incapazes de viajar ao longe no mundo exceto em rápidas férias.
Até mesmo nossas viagens são restritas e restritivas. Nossos métodos modernos de transporte - carros, ônibus, metrôs, trens, aviões - todos eles nos mantêm presos a trilhas fixas, vendo o mundo passar pela janela, como se fosse um programa de televisão particularmente chato. Cada um de nós vive em um mundo pessoal que consiste principalmente de destinações bem conhecidas (o local de trabalho, o mercadinho, o apartamento de um amigo, a boate) com alguns elos entre elas (sentado no carro, ficar de pé no metro, subir a escada), e poucas chances de encontrar algo inesperado ou de descobrir novos lugares. Um homem pode viajar pelas estradas de dez países sem ver nada além de asfalto e postos de gasolina, se ele ficar no seu carro. Presos a nossas trilhas (trilhos?), não conseguimos visualizar uma viagem livre, viagens de descoberta que nos poriam em contato direto com pessoas e coisas completamente novas a cada esquina.
Ao invés disso, ficamos sentados presos em engarrafamentos, cercados por centenas de pessoas na mesma situação que nós, mas separados deles pelas jaulas de aço de nossos carros - de forma que eles parecem mais com objetos em nosso caminho do que com seres humanos como nós. Nós pensamos que alcançamos mais partes do mundo com nossos transportes modernos; mas na verdade, quando vemos alguma coisa, vemos menos. Quando nossas capacidades de transporte aumentam, nossas cidades se espalham mais e mais no horizonte. E sempre que as distâncias aumentam, mais carros são necessários; mais carros precisam de mais espaço e então as distâncias aumentam de novo... e de novo. Neste ritmo, auto-estradas e postos de gasolina irão um dia substituir tudo pelo qual valia a pena viajar... isso quer dizer, tudo que ainda não virou um parque temático ou uma atração turística.
Alguns de nós vêem a internet como a "fronteira final", como um espaço livre, ainda não desenvolvido pronto para ser explorado. O ciberespaço pode oferecer ou não algum grau de liberdade para aqueles que conseguem pagar o acesso para usá-lo e explorá-lo; mas o que quer que ele ofereça, ele oferece sob a condição de deixarmos nossos corpos na chapelaria: amputação voluntária. Lembre-se, você é um corpo tanto quanto é uma mente: ficar sentando, parado, olhando luzes que brilham durante horas, sem usar os sentidos do toque, paladar e olfato, é liberdade? Você esqueceu a sensação de pisar descalço na grama úmida ou na areia quente, do cheiro dos eucaliptos ou de lenha queimando em suas narinas? Você se lembra do cheiro dos talos de tomate? A tremulação da chama de uma vela, a emoção de correr, nadar, tocar?
Hoje podemos recorrer à internet quando queremos emoções sem nos sentirmos enganados, pois nossa vida moderna já é tão limitada e previsível que esquecemos como a ação e movimento no mundo de real podem fazer a gente se sentir bem. Por que se acomodar com a liberdade limitada que o ciberespaço pode dar, quando existem muito mais experiências e sensações para sentir aqui no mundo real? Nós devíamos estar correndo, dançando, remando uma canoa, bebendo a essência da vida, explorando novos mundos - quais novos mundos? Temos que redescobrir nossos corpos, nossos sentidos, o espaço à nossa volta, e então podemos transformar este espaço em um novo mundo ao qual podemos dar nossos próprios significados.
Para conseguir isso, precisamos inventar novos jogos - que possam ser jogados nos espaços já conquistados deste mundo, nos shopping centers, restaurantes e salas de aula, que vão destruir seus significados prescritos para que possamos lhes dar novos significados de acordo com nossos sonhos e desejos. Precisamos de jogos que nos unam, nos tirem da confinação e isolamento de nossas casas particulares, e nos tragam aos espaços públicos onde podemos nos beneficiar da companhia e criatividades dos outros. Assim como desastres naturais e blecautes podem unir as pessoas e trazer-lhes emoção (afinal, todo mundo quer um pouco de variedade emocionante em um mundo outrora terrivelmente previsível), nossos jogos vão nos unir para fazermos coisas novas e emocionantes. Devemos pintar poesia nas paredes das zonas comerciais, fazer shows nas ruas, sexo em praças e em sala de aula, piqueniques de graça nos supermercados, festivais espontâneos nas auto-estradas...
Também precisamos inventar novas definições de tempos e novos modos de viajar. Tente viver sem um relógio, sem sincronizar o seu tempo ao tempo muito ocupado do resto do mundo. Tente fazer uma longa viagem a pé ou de bicicleta, de forma que você encontrará em primeira mão tudo pelo que você passar até chegar ao seu destino, sem vidros no meio. Tente explorar a sua própria vizinhança, olhando nos telhados e dobrando as esquinas que você nunca notou antes - você se surpreenderá com quanta aventura existe lá, esperando por você!
domingo, 3 de julho de 2011
sábado, 2 de julho de 2011
[copyleft] TAZ
::txt::Hakim Bey::
Gabriele D’Annunzio, poeta decadente, artista, músico, esteta, mulherengo, doidivanas aeronauta pioneiro, bruxo negro, gênio e mal-educado, emergiu da Primeira Guerra Mundial como herói e com um pequeno exército à sua disposição e comando: os arditi. Ávido por aventura, ele decidiu capturar a cidade de Fiume, na Iugoslávia, e entregá-la para a Itália. Depois de uma cerimônia necromântica com sua amante num cemitério de Veneza, ele partiu para a conquista de Fiume, e foi bem-sucedido sem nenhum problema digno de ser mencionado. Porém a Itália recusou sua oferta generosa. O primeiro-ministro chamou-o de idiota.
Ofendido, D’Annunzio decidiu declarar independência e ver por quanto tempo conseguiria mantê-la. Ele e um de seus amigos anarquistas escreveram a Constituição, que instituía a música como o principio central do Estado. A Marinha (composta por desertores e sindicalistas anarquistas dos estaleiros de Milão) se autonomeou Uscochi, em homenagem aos antigos piratas que em tempos passados viviam nas ilhas da região e saqueavam os navios venezianos e otomanos. Os modernos uscochi foram bem-sucedidos em alguns de seus golpes malucos: vários polpudos navios mercantes italianos de repente deram à República um futuro: dinheiro em seus cofres! Artistas, boêmios, aventureiros, anarquistas (D’Annunzio se correspondia com Malatesta), fugitivos e refugiados sem pátria, homossexuais, dândis militares (o uniforme era preto com a caveira e os ossos cruzados dos piratas - depois roubado pela SS) e excêntricos reformadores de toda espécie (incluindo budistas, teosofístas e seguidores do vedanta) começaram a aparecer em Fiume aos bandos. A festa não acabava nunca. Toda manhã, do seu balcão, D’Annunzio lia poesia e manifestos; toda noite havia um concerto, seguido por fogos de artifício. Nisso se resumia toda a atividade do governo. Dezoito meses mais tarde, quando o vinho e o dinheiro haviam terminado e a frota italiana finalmente apareceu e arremessou alguns projéteis contra o Palácio Municipal, ninguém tinha energia para resistir.
D’Annunzio, como muitos anarquistas italianos, voltou-se mais tarde para o fascismo - na verdade, o próprio Mussolini (o ex-socialista) seduziu o poeta para este caminho. Quando o poeta percebeu o seu erro já era tarde: já estava muito doente e muito velho. Mas o Duce mandou matá-lo de qualquer modo - foi empurrado de um balcão - e o transformou num "mártir". Quanto a Fiume, embora não tenha a seriedade de uma Ucrânia ou Barcelona liberadas, provavelmente pôde nos ensinar mais sobre certos aspectos de nossa busca. Ela foi, de certo modo, a última das utopias piratas (ou o único exemplo moderno), e também, talvez, algo muito próximo da primeira TAZ moderna.
Acredito que se compararmos Fiume com a Paris revolucionária de 1968 (e também com as insurreições urbanas da Itália dos anos 70), assim como com as comunas contraculturais americanas e suas influências anarco-New Left, poderíamos notar certas similaridades, tais como: a importância da teoria estética (cf. os situacionistas) e o que poderia ser chamado de "economia pirata", viver bem, do excedente da super-produção social - e até mesmo a popularidade dos uniformes militares coloridos; o conceito de música como transformação social revolucionária; e, finalmente, um certo ar de impermanência que compartilham, de estarem prontos para seguir em frente, mudarem de forma, mudarem-se para outras universidades, topos de montanhas, guetos, fábricas, "aparelhos", fazendas abandonadas, ou até mesmo para outros planos da realidade. Ninguém mais tentava impor uma ditadura revolucionária, seja em Fiume, Paris ou Millbrook. Ou o mundo mudaria, ou não. Enquanto isso, continue na estrada e viva intensamente.
sexta-feira, 1 de julho de 2011
[agência pirata] INVENTANDO DEUS
::txt::Henrique Goldman::
Numa madrugada em 1977, esperando por um ônibus na avenida Paulista, conheci um hippie holandês que perambulava pela América Latina e ficamos muito amigos. Apresentei ele para a galera e o levei pras baladas. Era um cara inteligente e engraçado, que contava aventuras incríveis. Tinha fumado ópio no Nepal e tomado peiote num deserto mexicano. A simples menção desses lugares e dessas drogas já nos dava barato.
O holandês ficou umas semanas em São Paulo e logo foi para a Bolívia. Passados alguns meses, ele nos mandou de Amsterdã pelo correio um disco de vinil do King
Crimson, de capa dupla. Na dobra da capa dupla tinha um canudo fechado dos dois lados. O canudo continha uma carga muito valiosa: três pedrinhas de LSD! Naquela época, no Brasil – e ainda mais para um bando de moleques – tomar LSD era um sonho inatingível, inspirado pelos livros do Aldous Huxley e do Timothy Leary. Que grande tesão!
Eu, o Pimenta e o Serginho nos mandamos para a Barra do Sahy. Naquela época, muitas praias do litoral norte de São Paulo só eram acessíveis através de trilhas na mata, ainda eram desertas e paradisíacas, o lugar ideal para a nossa primeira trip. Chegamos com nossa barraca, nossos violões e as pedras preciosas de LSD.
O dia seguinte amanheceu ensolarado e de café da manhã tomamos os ácidos e de cara fumamos um beque (que na época chamávamos de “bêisi”). A primeira e inesquecível sensação foi um cair de ficha fenomenal, a tomada de consciência de que nada existe de verdade, de que o mundo é uma ilusão animal, uma piada divina, protagonizada por homens, bichos e coisas. Passamos muitas horas fechados na minúscula barraca, rindo convulsivamente de tudo e de nada.
Entre os nossos mantimentos, trouxemos uma caixa de doce de caju cristalizado. A marca era Palmeirón. Nunca tínhamos ouvido esse nome antes e o próprio som da palavra Palmeirón era uma viagem absurda. Ficamos um tempo repetindo a palavra Palmeirón como se fosse um mantra. Logo percebemos que a caixa de doce de caju cristalizado tinha um cheiro peculiar e entramos numas de que cheirar a caixa de doce de caju nos fazia viajar ainda mais alto.
Foi aí então que tivemos a epifania. Sentimos a presença de Deus, claramente entre nós. Era um Deus anárquico e ridículo mas imensamente sagrado. Ficamos horas fechados naquela barraca, cheirando a caixa de doce de caju, fumando um beque atrás do outro, nos deleitando na imanência daquele Deus psicodélico.
Quando finalmente resolvemos sair da barraca, o sol mais lindo do mundo nos esperava, se pondo, redondo e dourado, atrás do mar. Nos ajoelhamos na areia e nos prostramos, comovidos com a beleza e sacralidade da ilusão que chamamos de mundo e de Deus. Com lágrimas nos olhos, batizamos nosso deus de Deus Caju-Menino.
Contra a caretice
Para a minha geração tomar drogas era – muito além do barato em si – um gesto anticonformista, um ato de adesão à contracultura e à revolução sexual, um grito rebelde contra a caretice da burguesia e a burrice da ditadura militar.
Não fui só eu – que hoje em vez de tomar drogas prefiro malhar na academia – que mudei. O mundo também mudou e foi ficando cada vez mais cínico e careta. Sei que o meu papo é bem de tiozão mas sinto muitas saudades de quando sonhava-se mais com coisas que não têm nada a ver com poder e dinheiro.
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