::txt::Alex Antunes::
Numa seleção da grande música black brasileira em que figurassem Tim Maia, Jorge Ben, Elza Soares, Luiz Melodia, Trio Mocotó, Djavan, Dafé, Hyldon, Cassiano e uns poucos outros, o grande Marku Ribas teria lugar certo. Talvez com uma diferença: não está morto, alquebrado, escanteado ou acomodado. Na verdade, Marku parece, aos 63 aninhos, em melhor forma do que nunca. E isso não é uma frase de efeito. Como sugere seu nome artístico, inspirado no milenar sítio arqueológico Maku da região onde nasceu Marco Antonio, à beira do São Francisco, norte de Minas, o homem parece movido por forças imemoriais e inarredáveis, na confluência das culturas negra, indígena e branca. Sem nunca ter "hypado", mas sempre estimado como um dos gênios da música brasileira setentista, Marku continua traçando sua trajetória única com charme (no sentido de encantamento mesmo), coerência, originalidade e potência notáveis.
Cantor, violonista, percussionista e ator, Marku colocou sua carreira ascendente em rota de choque com a ditadura militar, que o prendeu em 1968, pelo teor de algumas de suas letras. Foi parar no exílio na França, onde atuou em filmes de Robert Bresson e Jean-Marc Thibault. Montou um grupo em Paris que o levou em excursão ao Caribe, fixando então residência na Martinica e em Stª Lucia, ilha inglesa, onde teve a oportunidade de se encontrar com Bob Marley. De volta ao Brasil, em férias, gravou em 1972 o álbum Underground, com arranjos de Erlon Chaves, e inscreveu “Zamba Ben” entre as músicas clássicas dos bailes do samba-rock afins. Em outra passagem pelo país em 1975, registrou o álbum Marku, onde já sacava o reggae em “Meu Samba Regue” e contava com as participações de João Donato, Miúcha e Wilson das Neves. Seu cadinho de brasilidade profunda, africanismos e sons caribenhos nunca mais secou, rendendo uns tantos outros discos até a década de 90. Nessas cinco décadas, compôs ou tocou com músicos díspares como Jair Rodrigues, Alcione, Erasmo Carlos, Raul de Souza, Chico Buarque (Ópera do Malandro, 79) e Rolling Stones (Dirty Work, 85), influenciou gente do calibre de João Bosco, Ed Motta e Marcelo D2. De volta ao cinema, participou de vários filmes, com destaque para o papel do revolucionário Carlos Marighela em Batismo de Sangue (2007), e o crooner da banda do baile em Chega de Saudade (2008). Em 2009, saiu seu primeiro DVD, da série Toca Brasil (Itaú Cultural), uma parceria com o selo +Brasil Música.
Mas vamos ao que interessa. O álbum 4Loas dissipa qualquer melancolia do ouvinte que não ouviu Marku antes. Porque Marku é agora. Samba, jazz, black elétrica; mestria nos violões angulosos, nas onomatopéias, prosódias e scat singing sempre desconcertantes, na poesia inusitada. Sem falar da banda afiadíssima (Ezequiel Lima no baixo, Neném na bateria e Fabinho Gonçalves na guitarra) em arranjos rítmicos e harmonicamente detalhados, cheios de clima e molho. “Doce Vida” é uma deliciosa bossa clássica, com direito a canoa e tudo. Já em “Aurora da Revolução”, “Daomé”, “Altas Horas” (esta última em parceria com o falecido baixista Luizão Maia), o samba é mais inquieto, um bom tempero de gafieira no suingue, com uma ajuda do trombone de Pedro Aristides e do trompete de Paulo Márcio em alguns momentos. Na citada “Aurora”, Marku usa um recurso poético que lhe é caro: encarar a mulher como algo transformador, mobilizador – revolucionário. Algo de matriarcal, feiticeiro e misterioso sempre parece empoderar as mulheres que canta.
“Querobem Querubim” (parceria com o também recentemente falecido Arnaud Rodrigues) é aparentada do melhor samba-jazz. E as sexys e sinuosas “Aristóporindé” e “A Embaixatriz” são invenções markutianas pura. “Sambatema” tem uma pegada afrobeat encantadora, e uma letra hipnótica. Em “Bervely Help” Marku se joga num pop jazzy e tenso, movido pelo ótimo órgão Hammond de Cristiano Caldas e uma letra conspiratória. “O Mar Não Tem Cabelo” é o momento funk, com algo do groove de Dafé, Cassiano e o Jeff Beck de Wired. Ou seja, uma funkeira daquelas que parece vir diretamente dos anos 70, nos clavinetes, guitarras wah wah e metaleiras. Finalmente, a lancinantemente delicada “Ce Pas Pour Ça” é só voz, violão e a marimba de vidro de seu sobrinho Amoy Ribas.
Se a música brasileira está vivendo o seu melhor momento desde a passagem dos anos 60 para os 70 (exatamente aquela de que emergiu Marku), o cara em si está de volta, com tudo, para nos ensinar como se zamba bem. Bendito seja o mestre.
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2 comentários:
maravilha de matéria!! sempre bom saber um pouco mais dos nossos ídolos que vivem fora do mainstream! valeu!
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