#CADÊ MEU CHINELO?
terça-feira, 19 de outubro de 2010
[the end] JIM MORRISON E O FIM DO JORNALISMO
::txt::Tiago Jucá Oliveira::
A reportagem pergunta: o que você acha dos jornalistas? Ele responde: “Eu poderia ser jornalista. Creio que a entrevista é a nova forma de arte. Acho que a auto entrevista é a essência da criatividade. Fazer perguntas a si mesmo e procurar respostas. O escritor está apenas respondendo a uma série de perguntas jamais feitas”.
Li o trecho acima numa edição da Rolling Stone do mês passado. É uma entrevista antiga feita pela matriz americana e reproduzida agora pela filial brasileira com o astro Jim Morrison, eterno líder da banda The Doors. Uma resposta genial, em vários sentidos, pra uma pergunta trivial mas bem direcionada. E que me despertou várias dúvidas e uma única solução. Começo pela última.
O problema está resolvido e solucionado. Desisto de ser jornalista. A partir de agora. Por tempo indeterminado. Estudei num satélite engraçado, ao lado do Planetário. Lá fiz muitos parceiros e grandes amigos. Troquei muita informação. Me comuniquei, sabotei, subverti e mais dezessete ou vinte cinco outras coisas. No final do curso fui comunicado que o meu diploma poderia ser pego em uma semana lá no prédio da reitoria. Eu esperava mais pra um fim de faculdade. E não um pedaço de papel.
Passei oito anos na desgraçada cousa (digite no open office, no word ou no google os termos 'coiso' e 'cousa' e verá que nenhum deles sugere que a palavra esteja errada, portanto, elas existem). Não aprendi quase nada. Pouca coisa que talvez você não possa fazer. E coisos que qualquer pessoa é capaz de aprender facilmente.
Eu invejo algumas profissões: o médico que sabe operar um paciente, o engenheiro que constrói uma casa, a cientista que faz descobertas, o arqueólogo que nos revela o passado, a bióloga que cuida a vida de animais em extinção. Eles fazem o mundo; nós, jornalistas, apenas comunicamos uns aos outros sobre suas operações. É uma profissão que felizmente não precisa de diploma, e eu nunca fui contra isso. Não cabe requisito pra ser pombo correio. Sem asas a notícia não voa. Até nossa carta magna versa sobre a comunicação, proibindo qualquer tipo de licença ou censura que barre a livre expressão e comunicação.
A independência jornalística é linda e romântica, mas não enche a barriga. Optar por caminhos alternativos tem os piores efeitos colaterais. Você vive atrás da grana, e não consegue fazer jornalismo como sempre quis fazer, tipo mega entrevistas, ultra reportagens, importantes denúncias. Não há estrutura financeira, material, humana nem jurídica pra isso. Algumas vezes você até consegue fazer algo, seria mais uma exceção pra confirmar a regra. E o pior: se consegue, uma pequena parcela lhe vê, ouve ou lê, pois você não tem a mesma audiência e penetração dos grandes.
O caminho tradicional tem seus vícios de longa data. Você tem tudo que desejaria ter em sua própria redação: tecnologia e técnicos pra lhe dar suporte, motoristas e fotógrafos a lhe esperar prontamente pra cobrir sua pauta, secretária pra lhe servir o café e atender o telefone, produção com todos os contatos possíveis pra você requisitar, etc, além das monedas (não muitas) garantidas todo final de mês. Mas vira escravo, colabora com quem sempre combateu, e se tudo der certo, daqui a quarenta anos de fidelidade a empresa, assume o lugar do Lasier Martins. Antes disso, você vai tirar foto de cágados e pombas no parcão ou fazer previsão do tempo.
A classe também não anda bem. Tem gente boa por aí a produzir boas cousas. Mas me causa certa perplexidade alguns deles. Muitos jornalistas competentes, em época de eleições, se mostram extremamente intransigentes. É decepcionante observar colegas, antes tão aprofundados por um outro mundo possível, agora como cães de guarda do coronelismo que domina o país. Ai de você levantar a voz ou fazer qualquer crítica aos monarcas e ao populismo. Receberá rótulos, tais como “golpista”, termo em voga.
Inevitável eu tentar a sorte em outras panelas. Até hoje mandando chuva, caio de boca no fogão pra por fogo em tudo que possa ser cozido. Não deixarei de escrever. Investirei nas auto entrevistas, todas elas bem temperadas. O DILÚVIO muda de mãos, talvez de rumo, mas segue sua sofrida e heroica resistência. Como já dizia Antônio Conselheiro, “adeus povo, adeus árvores, adeus campos, aceitai minha despedida”. A revista e seus tentáculos já fazem parte da história do jornalismo independente e das comunidades virtuais. Roubo agora Agostinho Carrara, que sampleou o mártir da grande família brasileira, Getúlio Vargas: “saio da história pra entrar na vida”.
Enquanto isso, sigo minha leitura. A Rolling Stone pergunta a Jim Morrison se ele é católico. Ele responde:
Religião é como filosofia, algo a que você devota mais seu tempo. Pode ser uma mulher. Pode ser uma droga. Pode ser álcool. Pode ser dinheiro. Pode ser literatura. Creio que religião é a coisa na qual você mais pensa e trabalha. Estou meio que ligado ao ramo da arte e literatura... meus heróis são artistas e escritores.
Por duas vezes você disse que manipulou a imprensa com sucesso. O quanto desta entrevista foi manipulado?
Não se pode evitar o fato de que o que você diz poderia possivelmente aparecer impresso um dia, por isso você mantém isso em mente. Tenho tentado esquecer isso.
Há outro tema em que você gostaria de tocar?
Que tal... Podemos discutir o álcool? Só um diálogo rápido. Nada longo
Ok. Parte da mitologia diz que você bebe bastante.
Em um nível muito básico, amo beber. Mas não me consigo ver tomando leite ou água ou Coca-Cola. Isso estraga tudo pra mim. Você tem que ter vinho ou cerveja para completar a refeição.
Isso é tudo que você quer dizer?
Ficando bêbado... Você tem o controle completo até certo ponto. A escolha é sua, toda vez que toma um gole. Você tem uma porção de pequenas escolhas. É como... Acho que é a diferença entre suicídio e a rendição lenta...
O que isso quer dizer?
Não sei, cara. Vamos ali beber.
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