#CADÊ MEU CHINELO?

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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

[mandachuva] ABRE O PONCHO DESTA ALMA

 

:: txt :: Tiago Jucá ::

A morte de um artista, às vezes, me faz revisitar sua obra e procurar entender um pouco mais sobre o ser humano que habitava aquela pele e tentar compreender o legado cultural deixado ao mundo. Foi assim com uns que eu era mega fã, tipo Lou Reed, Michael Jackson e David Bowie. E muitas recordações de atmosferas passadas vinham à tona, embaladas ao som das caixas.
 
Outros artistas revisito com eles ainda vivos. Odair José e Reginaldo Rossi são uns dos exemplos de eu voltar a ouvir algo que antigamente não dava muita orelha. E acabo por me dar conta de suas respectivas genialidades e da crucial importância deles para o cancioneiro popular.
 
Dou graças aos meus pais pelo meu apreço musical desde piá. Não era toda casa que tinha toca-discos e toca-fitas nos anos 80. Nem sempre por questão financeira, muito por desapreço cultural mesmo. E nossa humilde residência tinha dezenas de LPs para acompanhar cervejadas e churrascadas aos amigos que nos visitavam.
 
No crescer das pernas fui "confiscando" alguns vinis pra mim, somando à minha emergente coleção iniciada com Plunct-plact-zum. Um deles, uma coletânea com grandes sucessos de Jorge Ben, foi morar comigo em Porto Alegre depois de adulto. No apartamento no qual morei com dois amigos no Partenon, começo dos anos 90, um dia coloquei o babulina pra tocar. Jorge já era Ben Jor e havia caído num relativo ostracismo desde o boom do rock nacional oitentista. Ambos piraram com aquela guitarra swingada e com a sequência interminável de hits. Pouco tempo depois Jorge reaparecia com o político WBrasil e caíria novamente no gosto popular, com seus antigos sucessos revigorados. Os amigos não cansavam de realçar que o "Tiagão já ouvia antes de virar moda".
 
A recente morte de Telmo de Lima Freitas trouxe-me, primeiramente, esses vagos e remotos flashbacks infantis, de meu pai escutando a bolacha num domingo esfumaçado. Porém, há porém, o resgate das letras do xiru missioneiro me tem causado um despertar de angústias perante o atual e talibânico quadro político sanitário brasileiro. Me sinto um plebeu em plena idade média, com todo aquele obscurantismo científico cercado de pragas contagiantes e, surrealmente, desgovernado por um déspota fascista. O cheiro da fumaça parece de bruxas sendo queimadas pelo santo inquisitor.
 
Na avenida paralela à minha rua, a sirene da ambulância ecoa de hora em hora, transportando memórias passadas pra tentar salvar sonhos futuros. Não há nenhuma esperança de um iluminismo no fim da curva. E o verão fica cada vez mais gelado. Como diria Telmo, "abre o poncho desta alma, prenda minha, que eu preciso me abrigar, se o inferno for intenso, como eu penso, muito frio eu vou passar".

domingo, 15 de abril de 2012

[agência pirata] CRIOLO



::txt::Caetano Veloso::

Um dia vinha ouvindo rádio no carro e Jorge Ben cantou “Cadê Teresa?”. Adoro essas músicas de Jorge para Teresa, Domingas, Teresinha, Domenica, Tetê-Teteretê, todas essas mulheres que são a mesma loura paulistana com quem ele se casou. Na canção ele busca sua amada e, sem saber por onde ela anda, se pergunta se ela não terá arranjado “outro crioulo”. Naquele dia eu tinha lido numa manchete que Rick Santorum teria quase chamado Obama de “crioulo”, num discurso de campanha. Imaginei que a palavra que assim traduziam fosse “nigger” e senti múltiplas revoltas. Conferi na página indicada e, de fato, “nigger” era o que o candidato republicano tinha começado a dizer. Ou isso se supunha. Pensei que Santorum poderia ter feito isso para mostrar à parte reacionária fanática do Partido Republicano, que é a que o apoiava, que ele estava a ponto de pronunciar o xingamento que ela tem preso na garganta.

Seja como tenha sido, terminei pensando mais na tradução oferecida pelo jornal brasileiro (pode ter sido este) do que na história em si. Fazia uns três dias que eu comentara com meu filho Zeca sobre a impropriedade de se traduzir “nigger” por “crioulo” nas legendas dos filmes americanos que passam na TV. Ao me ouvir dizer que “crioulo” não tinha essa conotação pejorativa de “nigger”, ele mostrou dúvidas. Mas o fato é que não há em português brasileiro nenhuma palavra que indique ao mesmo tempo aspecto racial e desqualificação absoluta automática. A palavra “crioulo” cantada por Jorge Ben tem toda a doçura natural e a carga afirmativa que um xingamento não pode ter, a não ser por uma torção, como quando chamamos alguém admirável de filho da puta.

Os negros americanos se chamam de “nigger” entre si, com carinho, como quem toma o que foi sempre usado como ofensa por brancos contra si e vira pelo avesso, mas ninguém que não seja negro (e não esteja na mesma onda de quem profere a palavra) tem o direito de fazê-lo. Nos raps, eles se chamam de “nigger” como chamam as garotas de “bitch”. Ouço muitos veados brasileiros chamarem uns aos outros de “veado”, mostrando intimidade e carinho: não é o mesmo que um ogro passar na rua e te chamar de veado. Mas “crioulo” nunca esteve nessa posição. Quando Jorge Ben fala de crioulo, não há sombra, nem remota, de tratamento ofensivo. Suponho que as legendas dos filmes venham contribuindo para o progresso do nosso racismo. Progresso tão desejado pelos racialistas. Mas por que foi essa a palavra escolhida por Drei Marc e cia.?

Quando era novo, eu não gostava do “Samba do crioulo doido”. Sentia (ainda sinto) racismo ali dentro daquela gracinha meio sem-graça de Sérgio Porto. Aliás, Paulo Francis, num artigo de sua coluna na “Folha de S.Paulo”, narrou um diálogo racista que teve com Porto por causa da presença de pretos nas praias da Zona Sul (não leio essas antologias que saem das crônicas de Francis, mas parece que essas desmunhecadas racistas não são selecionadas pelos organizadores, já que nunca ouvi comentários a respeito). A caricatura do samba-enredo feita ali nunca me pareceu engraçada. Lembrei-me dela ao ouvir as letras das canções dos blocos afro de Salvador declamadas com sarcástica pedanteria pelo grupo teatral Os Catedrásticos. O que faz esse grupo é, a meu ver, muito melhor do que o samba de Stanislaw: eles dizem “a sério” letras de músicas de carnaval da Bahia, para o irresistível efeito cômico. “Abre a rodinha, por favor”, dito em tom sóbriodramático fica sensacional. As descrições de egitos e madagascares dos sambas-reggae do Olodum parecem mais nonsense do que a famosa paródia. Mas nesses casos, sempre surge uma frase que se sustenta por si mesma em sua força épica — e o riso some. É que são as letras que foram escritas a sério que estão ali sendo ridicularizadas. E a seriedade que lhes é pano de fundo leva o espectador a pensar que Moreno cantando “Deusa do Ébano 2” é que desnuda mais o sentido do repertório desses blocos.

O charmoso rapper paulista tomou para si o pseudônimo de Criolo Doido, enobrecendo tanto cada uma das duas palavras quanto a união delas na piada amarela de Sérgio. (Este, não nos esqueçamos, de cara desgostou da bossa nova). Criolo é o nome derivado de crioulo, palavra que, segundo pude sentir no livrão “Um defeito de cor” (recomendado por Millôr), era usada para designar os negros nascidos no Brasil. Estes mostravam superioridade sobre os africanos que chegavam: seu domínio do português, seu conhecimento do cristianismo, tudo isso eram coisas que os envaideciam. Nos países de língua espanhola das Américas, “criollo” designa sobretudo descendentes de europeus nascidos no Novo Mundo. Na Louisiana, EUA, “creole” teve originalmente essa acepção, depois passou a significar descendente de franceses e, finalmente, mestiço. A palavra saiu do português. No Brasil, terra de sua língua de origem, ela se grudou aos pretos. Por que vamos usar TV e jornais para transformar “crioulo” num xingamento? Nosso racismo progride. Com dificuldades, mas sim. Sem negros nas escolas privadas ditas boas e com essas distorções em manchetes e legendas, chegamos lá. Liv Sovik pode ficar descansada.

Nesse meio-tempo, Santorum dançou, Demóstenes serve a Rui Falcão (amparado pela mídia e pelo Cachoeira) como água sanitária do mensalão — e me prometi ler “Classes, raças e democracia”, de Luis Sérgio Alfredo Guimarães.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

[release] MARKU RIBAS - 4LOAS

::txt::Alex Antunes::

Numa seleção da grande música black brasileira em que figurassem Tim Maia, Jorge Ben, Elza Soares, Luiz Melodia, Trio Mocotó, Djavan, Dafé, Hyldon, Cassiano e uns poucos outros, o grande Marku Ribas teria lugar certo. Talvez com uma diferença: não está morto, alquebrado, escanteado ou acomodado. Na verdade, Marku parece, aos 63 aninhos, em melhor forma do que nunca. E isso não é uma frase de efeito. Como sugere seu nome artístico, inspirado no milenar sítio arqueológico Maku da região onde nasceu Marco Antonio, à beira do São Francisco, norte de Minas, o homem parece movido por forças imemoriais e inarredáveis, na confluência das culturas negra, indígena e branca. Sem nunca ter "hypado", mas sempre estimado como um dos gênios da música brasileira setentista, Marku continua traçando sua trajetória única com charme (no sentido de encantamento mesmo), coerência, originalidade e potência notáveis.

Cantor, violonista, percussionista e ator, Marku colocou sua carreira ascendente em rota de choque com a ditadura militar, que o prendeu em 1968, pelo teor de algumas de suas letras. Foi parar no exílio na França, onde atuou em filmes de Robert Bresson e Jean-Marc Thibault. Montou um grupo em Paris que o levou em excursão ao Caribe, fixando então residência na Martinica e em Stª Lucia, ilha inglesa, onde teve a oportunidade de se encontrar com Bob Marley. De volta ao Brasil, em férias, gravou em 1972 o álbum Underground, com arranjos de Erlon Chaves, e inscreveu “Zamba Ben” entre as músicas clássicas dos bailes do samba-rock afins. Em outra passagem pelo país em 1975, registrou o álbum Marku, onde já sacava o reggae em “Meu Samba Regue” e contava com as participações de João Donato, Miúcha e Wilson das Neves. Seu cadinho de brasilidade profunda, africanismos e sons caribenhos nunca mais secou, rendendo uns tantos outros discos até a década de 90. Nessas cinco décadas, compôs ou tocou com músicos díspares como Jair Rodrigues, Alcione, Erasmo Carlos, Raul de Souza, Chico Buarque (Ópera do Malandro, 79) e Rolling Stones (Dirty Work, 85), influenciou gente do calibre de João Bosco, Ed Motta e Marcelo D2. De volta ao cinema, participou de vários filmes, com destaque para o papel do revolucionário Carlos Marighela em Batismo de Sangue (2007), e o crooner da banda do baile em Chega de Saudade (2008). Em 2009, saiu seu primeiro DVD, da série Toca Brasil (Itaú Cultural), uma parceria com o selo +Brasil Música.

Mas vamos ao que interessa. O álbum 4Loas dissipa qualquer melancolia do ouvinte que não ouviu Marku antes. Porque Marku é agora. Samba, jazz, black elétrica; mestria nos violões angulosos, nas onomatopéias, prosódias e scat singing sempre desconcertantes, na poesia inusitada. Sem falar da banda afiadíssima (Ezequiel Lima no baixo, Neném na bateria e Fabinho Gonçalves na guitarra) em arranjos rítmicos e harmonicamente detalhados, cheios de clima e molho. “Doce Vida” é uma deliciosa bossa clássica, com direito a canoa e tudo. Já em “Aurora da Revolução”, “Daomé”, “Altas Horas” (esta última em parceria com o falecido baixista Luizão Maia), o samba é mais inquieto, um bom tempero de gafieira no suingue, com uma ajuda do trombone de Pedro Aristides e do trompete de Paulo Márcio em alguns momentos. Na citada “Aurora”, Marku usa um recurso poético que lhe é caro: encarar a mulher como algo transformador, mobilizador – revolucionário. Algo de matriarcal, feiticeiro e misterioso sempre parece empoderar as mulheres que canta.

“Querobem Querubim” (parceria com o também recentemente falecido Arnaud Rodrigues) é aparentada do melhor samba-jazz. E as sexys e sinuosas “Aristóporindé” e “A Embaixatriz” são invenções markutianas pura. “Sambatema” tem uma pegada afrobeat encantadora, e uma letra hipnótica. Em “Bervely Help” Marku se joga num pop jazzy e tenso, movido pelo ótimo órgão Hammond de Cristiano Caldas e uma letra conspiratória. “O Mar Não Tem Cabelo” é o momento funk, com algo do groove de Dafé, Cassiano e o Jeff Beck de Wired. Ou seja, uma funkeira daquelas que parece vir diretamente dos anos 70, nos clavinetes, guitarras wah wah e metaleiras. Finalmente, a lancinantemente delicada “Ce Pas Pour Ça” é só voz, violão e a marimba de vidro de seu sobrinho Amoy Ribas.
Se a música brasileira está vivendo o seu melhor momento desde a passagem dos anos 60 para os 70 (exatamente aquela de que emergiu Marku), o cara em si está de volta, com tudo, para nos ensinar como se zamba bem. Bendito seja o mestre.

terça-feira, 1 de junho de 2010

UMBABARAUMA, HOMEM GOL



2010
:txt: Som Barato

Você não sabe? Não soube?

Essa tarde Daniel Ganjaman, do selo Instituto, movimentou a twittosfera (???) brasileira através de seu perfil ao informar sobre a gravação de Umbabarauma por Jorge Ben, Mr. Simpatia, e um timaço na cozinha: Céu, Anelis Assumpção, Thalma de Freitas, Pupilo, Da Lua, Mano Brown com a produção do competentíssimo Daniel Ganjaman e Zegon.

Colocando em minutos a tag #Umbabarauma no TTbr do Twitter, os produtores perceberam o frisson que causaram ao informar sobre a produção da faixa que contou com a participação da nata músical do país.

Entre afoitos, feridos, e fãs histéricos (you and me...), temos um Jorge Ben em altíssimo nível, cantando como ficamos mal acostumados a ouvi-lo durante bons tempos. Desencanado, malemolente e bem disposto na brincadeira, Jorge Ben deixou bem claro que ainda pode jogar o jogo.



A produção de Ganjaman no que tange a voz do Mr. Simpatia lembrou a faixa Shuffering & Shimiling do Red, Hot and Riot: The Music and Spirit of Fela Kuti, álbum em tributo a Fela Kuti, onde Jorge alcançou falsetes que não o víamos alcançar desde, talvez, o África Brasil. Ah, os anos 80...

Umbabarauma reúne parte da nata da cena musical nacional, dentre vários ritmos, estilos, também contando com a produção de um dos melhores profissionais do país, Daniel Ganjaman. Mas não apenas por isso a regravação é um marco. Umbabarauma é um marco pois demonstra, em menos de 10 anos, que nas duas vezes em que Jorge Ben teve a produção de um profissional que compreende a relação do artista com sua obra, vimos seu talento esculpido, moldado e transformado, lembrando os tempos inesquecíveis - talvez inalcançáveis - das decadas de 60/70.



Umbabarauma
Ficha Técnica:

Jorge Ben
Gabriel Ben Menezes
Mano Brown
Negresko Sis
Duani Martins
Pupillo
Gustavo Da Lua
Produzido por Daniel Ganjaman e Zegon.
Arquivo de Torrent: baixe aqui

assista ao video

FINO COLETIVO



Copacabana
:txt: Bruno Maia_

Passados três anos desde o lançamento do primeiro disco, o Fino Coletivo volta com um trabalho que comprova que, passados alguns sustos, as mudanças vividas ao longo deste período não afetaram o rendimento do (hoje) sexteto. “Copacabana” é um disco pra tocar na festinha, na festona, no rádio, no mp3 player, e deixar o clima temperado. Quem vai?

Uma das certezas que se tem ao ouvir este novo disco é que a sonoridade da banda está consolidada como algo original e autoral. Quem conheceu o primeiro trabalho deles (“Fino Coletivo”/2007), reconhecerá facilmente o grupo em “Copacabana”. Quem for apresentado agora, não terá dificuldade de sacar qual é a dos caras. A presença dos vocais inspirados no samba, o wah wah na cores do violão turbinado, as vozes registradas tantas vezes em coros (sobretudo nos refrões), as letras bem cuidadas fazendo referências às estruturas do samba-canção e do sambalanço, o groove e soul dos baixos e percussões, sempre convidando pra dançar, se somam de uma forma definitivamente particular. Não foram à toa os prêmios dados ao grupo em sua estreia, como o respeitado reconhecimento como “Melhor Grupo” pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) em 2007.

É difícil negar que esse é um disco um pouco mais ‘carioca’ do que o primeiro e que um dos grandes méritos da banda está em achar uma sonoridade original para essa tal carioquice. Sim, porque a expressão “sonoridade carioca” ao longo dos anos virou campo propício a uma série de clichês estimulados pelos sucessos, sobretudo, do samba e da bossa nova, normalmente associados ao som da moda. Agora não. O Fino Coletivo consegue desenvolver isso sem que essa “carioquice” seja restritiva, nem soe como uma bandeira – afinal, dos três compositores atuais, dois são alagoanos. E a receita deles é simples e potente: a (boa) falta de purismos, um esmero lírico ligado à estruturas do samba e suas vertentes, os arranjos feitos para comportar efeitos, texturas e programações junto com coros de vozes e bons refrães.

O nome “Copacabana” é uma metáfora eficiente para uma babilônia de sons e referências, possível de ser sintonizada em qualquer parte do mundo.

Depois de quase dois anos rodando o país com esta formação, não resta muito o que dizer sobre o entrosamento da banda e sobre a consciência que eles têm do que fazem musicalmente. Apesar da estrada ter se estendido para muito além das fronteiras regionais, a cancha dos palcos cariocas trouxe esse certo sotaque já citado. E é assim que o canto arrastado de samba-canção encontra o groove do baixo e dos metais já em “Batida de trovão”. O resultado sonoro da faixa de abertura remete à uma noite de sábado daquelas, logo no início do álbum. “Espantando a solidão” é o verso que resume a pretensão dos caras. Expectativas e empolgação. E aí, vai cair pra dentro? Se sim, escolheu bem.

Nos (com)passos seguintes, vêm “A coisa mais linda do mundo” e “Ai de Mim”. Nessa, o Babulina da Tijuca já passou pelo Beco das Garrafas e virou Jorge Ben. Começa a se notar a força que os teclados de Donatinho, agora membro efetivo da banda e elemento determinante na sonoridade do disco, passam a ter neste novo momento. É das mãos dele que saem a maioria das texturas que dão cor ao disco, por vezes dialogando diretamente com o ritmo, em outras com a harmonia. Quando De Leve entra pra improvisar sobre a base de “Abalando Geral”, a ponte saiu do Leme direto para Niterói, carregada no sotaque e no tal tempero.

Em “Fidelidade”– outro samba-canção, dessa vez aquecido por um dos naipes desenhados por Marlon Sette para o álbum -, o Fino chega cantando que vai “fazer revolução no amor (...) levantar bandeira da fidelidade/pois é coisa da antiga/ser malandro traidor/hoje eu visto a camisa/pelo bem do nosso amor”. Mais uma vez, pinta o diálogo com esse ‘malandro traidor’, velha figura mítica carioca, mas que também tem um pé na malandragem nordestina do forró e do repente. “Bravo mar” mostra que essa fronteira do grupo é mesmo expansiva, a ponto de flertar sem dificuldades com uma espécie de xote. Arrastado, marcado por triângulos e ganzá (conduzidos por Rita Albano). Essa pilha segue acessa em “Menina bonita” e sua precisa percussão.

Já a regravação de “Swing de Campo Grande”, dos Novos Baianos, foi responsável pela conexão entre o Fino Coletivo e o selo Oi Música. A versão foi uma das vencedoras de um concurso realizado pela Oi FM, em que o grupo de Pepeu, Moraes, Paulinho, Baby e Galvão foi homenageado. Logo depois aparece no disco “Nhem Nhem Nhem”, uma bela busca do repertório de Totonho & Os Cabra. De letra inspirada, a canção ganhou, pelas mãos da produção de Daniel Medeiros e Alvinho Cabral, uma versão com uma dinâmica mais interessante do que a original, algo raro. Além desta tal dinâmica, o naipe baseado em ataques ajudam a dar uma força especial ao refrão, já tão bonito melódica e liricamente. Certamente é um dos pontos altos de “Copacabana”.

Para quem acompanhou a história do Fino Coletivo, ouvir “Se vacilar o Jacaré abraça” ajuda a fazer a conexão com a fase anterior da banda. Celebrando a amizade que permanece, eles põem pra jogo a sua versão pra música de Alvinho Cabral e Wado, este ex-membro da banda e que a gravou originalmente em seu trabalho solo. Já na reta final, pintam “Velho dia” (composição familiar de Alvinho Lancellotti, com seu irmão Domenico e seu pai, o renomado Ivor Lancellotti), e “Amor Meu”. Quem se basear pela listagem de canções do encarte vai se surpreender ao ouvir a surpresa escondida minutos depois do último acorde. Na verdade, chegando para fechar o disco vem um canto de roda, feito por Jorge Cabral (pai de Alvinho) para sua mulher, Roselma, em homenagem ao aniversário dela em 23 de abril, dia de São Jorge (ou Ogum, como sugere a letra) e, justamente por isso, um feriado carioca. Musicado por Alvinho Lancellotti, é um canto de benção, de terreiro, levado na palma da mão, meio oração, meio samba. E agora sim, podemos encerrar os trabalhos. Amém, saravá.

quarta-feira, 17 de março de 2010

MAQUINADO




#uirapuru2010
Mundialmente Anônimo

txt: Ramiro Zwetsch

Misturar, confundir e transformar é preciso. A feijoada, a tropicália, o afrobeat, o gol de bicicleta, o Kraftwerk, o Mané Garrincha, o Moacir Santos, o Moebius, o cachorro vira-lata, “Pulp Fiction” e milhares de outras maravilhas do mundo estão aí pra desfazer qualquer dúvida. O Maquinado é mistura, confusão, transformação. O projeto de Lúcio Maia, guitarrista da Nação Zumbi, era de um jeito nos primeiros shows (com três guitarras, baixo e bateria na banda), apareceu bem diferente no disco de estreia “Homem Binário” (cheio de batidas eletrônicas e participações, principalmente nos vocais), mudou outra vez sua formação de palco (para guitarra, baixo, percussão e toca-discos) e surge novamente transformado em “Mundialmente Anônimo” – o segundo e novo disco.

Considerado um dos melhores guitarristas de sua geração, Lúcio fez um primeiro disco mais voltado para sua vocação como produtor. Havia guitarras, claro. Mas elas não uivavam com a mesma tensão de “Mundialmente Anônimo”. O peso e a distorção das seis cordas permeiam o disco, aliviam em algumas faixas e explodem na última – “SP”, um clique preciso da babilônia paulistana em dias de caos.

Lúcio também está mais à vontade como cantor e já apresenta uma identidade vocal mais definida. Neste disco, ele é o vocalista em sete das oito faixas cantadas – as rimas que gingam no rap “Tropeços Tropicais” são cortesia de Lurdez da Luz (Mamelo Sound System). Duas são instrumentais: além de “SP”, a letárgica “Um Recado Para o Lucas Extensivo ao Pio” – essa estabelece um criativo telefone sem fio com “Um Recado Para o Lúcio Maia” (de Pio Lobato) e “Um Recado Para o Pio Lobato” (de Lucas Santtana). O melhor jeito de cantar já aparecia em uma das faixas de destaques de “Homem Binário” – a cinematográfica “Sem Conserto” – e agora se intensifica nas climáticas “Bem-vinda ao Inferno”, “Girando Com o Sol”, “Pode Dormir” e “Provando a Sanidade”.

Mas nem tudo é transformação: “Mundialmente Anônimo” segue fiel à essência do Maquinado, de liquidificar várias referências – do rock ao hip hop, do dub aos ritmos brasileiros, das batidas afro-caribenhas à vanguarda eletrônica – sem soar desconexo ou descontínuo. Do cancioneiro verde e amarelo, o repertório pinça versões para Jorge Ben (“Zumbi”, o abre-alas do disco) e Mundo Livre S/A (“Super-homem Plus”) – ambas profundamente modificadas.

Se fosse um personagem, o Maquinado seria uma mistura de Ranxerox (um frankstein pop criado pelos quadrinistas italianos Tanino Liberatore e Stefano Tamburini, bem pra lá da beira do ataque de nervos) com os protagonistas soturnos e melancólicos dos filmes do chinês Won Kar Wai – uma amálgama viva de humores e temperamentos. Na boa música brasileira contemporânea, quase todo mundo é meio assim.

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