#CADÊ MEU CHINELO?

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

[conteúdo livre] VENTO ANARQUISTA



::txt::Zuenir Ventura::

Quem chamou a atenção para o que classificou de "enigma" foi o historiador e deputado pelo Parlamento Europeu Rui Tavares em recente artigo intitulado "A vingança do anarquista". Ele perguntava por que os mercados apertavam o cerco em torno de Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, e não incomodavam a Bélgica, que tinha uma dívida pública maior do que a portuguesa e, ainda por cima, estava sem governo eleito. Apesar disso, "a economia belga é a que mais cresceu na zona euro nos últimos tempos, ou seja, sete vezes mais do que a alemã".

Tavares ressaltava que isso aconteceu não "apesar", mas "graças" à situação singular dessa monarquia parlamentar que, "desgovernada" há 19 meses, desconhecia medidas de austeridade, recessão, arrocho, demissões e cortes de programas sociais. Desse modo, concluía o articulista, "a economia cresce de forma mais saudável, ajuda a diminuir o déficit e a pagar a dívida". Sede da União Europeia e da Otan, a Bélgica bateu o Iraque na categoria país sem governo, e não fez da crise política uma tragédia; preferiu enfrentá-la com bom humor e comemorar, chamando-a de Revolução da Batata Frita, como paródia à Revolução de Jasmim tunisiana e em homenagem ao prato nacional. Os jornais chegaram a fazer piada. Um anunciou em manchete: "Finalmente campeões do mundo"; outro celebrou, também com autoironia, o feito negativo inédito: "Recorde batido!"

Nos anos 70, o economista Edmar Bacha descreveu como Belíndia um país fictício, desigual e injusto, onde conviviam dois povos, um que tinha o padrão de vida da pequena e rica Bélgica e outro que lembrava a pobreza da Índia. Era o Brasil da época dos militares. Agora, o reino belga está sendo fonte de inspiração para outra fábula - a utopia anarquista de que não só é possível sobreviver sem governo como se vive até melhor sem ele.

Em tempos de descrença nas instituições, quando os jovens estão indo às praças públicas protestar em várias partes do mundo, independentemente de regime, ideologia ou credo, sabendo mais o que não querem do que o que querem, o exemplo belga pode exercer um grande fascínio, principalmente se considerarmos que nessa estação de tantas "primaveras" insurrecionais um pouco do vento da anarquia está soprando.

Já imaginou se a velha moda do "hay gobierno, soy contra" se espalha? No Brasil, onde o comportamento da Câmara e do Senado leva muita gente a sonhar com o seu fechamento por desnecessários, a experiência belga poderia ser adotada durante pelo menos alguns meses. Como se trata de um exercício de fantasia do tipo "o que não tem governo nem nunca terá", da música de Chico Buarque, quem sabe assim o país não funcionaria melhor? Uma coisa parece certa: sem ministros e ministérios, a corrupção seria menor.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

[paladar] PROVOCAR É PRECISO



::txt::Janaina Fidalgo::

Cozinhar, tão somente, já não basta. Tem de haver magia, ilusão e encantamento. Provocar os sentidos. Todos eles e, se possível, ao mesmo tempo. Divertir e surpreender. Nem que para isso seja necessário cruzar a fronteira da cozinha e, por que não, recorrer a linguagens multimídias como o 3D. No San Sebastián Gastronomika deste ano, o conceitualismo dos chefs espanhóis falou mais alto e marcou boa parte das apresentações.

Vídeos caprichados, com tomadas bem filmadas e edição competente, há muito não são novidade nos congressos de gastronomia, especialmente nos internacionais. Raras são as conferências em que um "filme" não conduz o discurso do cozinheiro, enquanto ele mostra o preparo de pratos complexos, impossíveis de demonstrar naquela meia hora a ele concedida. Tanto que em algumas das aulas, como a de Joan Roca, do El Celler de Can Roca, a estação de trabalho convencional - com fogão, pia e forno - permaneceu intocada e quase escondida pela escuridão de um auditório transformado momentaneamente em sala de cinema.

Mas, voltando ao 3D, Christian Escribà e sua mulher, a brasileira Patricia Schmidt, se inspiraram em Peter Pan e levaram a terra-do-nunca-modelada-em-açúcar de sua confeitaria em Barcelona, a Pastelería Escribà, ao palco do Palácio Kursaal. Exibiram numa tela gigantesca, a um público devidamente paramentado com óculos especiais, um vídeo com cenas filmadas em 3D em que apareciam ora "soprando" açúcar ora "espirrando" gotas de espumante no gastroespectador. "É um mundo que imaginamos e podemos tocar", explicou Escribà sobre o lado lúdico da confeitaria expresso ali, se não em quatro, ao menos em três dimensões.

Outro que surpreendeu, no caso por seu ímpeto teatral e pouco talento para ator, mas que ainda assim arrancou risos na última terça-feira, foi Juan Mari Arzak. Ao lado da filha, Elena, encenou o serviço de um jantar levando ao palco dois convidados com pauta prévia armada. Explicou que, pela primeira vez, recorreriam à multissensorialidade. E a encenação não se limitou ao jantar. Apareceu também num fogo simulado. Sob um limão assado com camarões, Arzak pôs uma tela com uma imagem em movimento de chama crepitando. "É para provocar sensações, estimular os sentidos antes de começarmos de fato a comer", disse o chef triestrelado. Diante da impossibilidade de reproduzia essa alusão à chama a todos que assistiam à aula, improvisou. Os limões foram servidos sobre um foguinho impresso em papel fotográfico.

Um dia antes, na segunda-feira, Joan Roca e seu irmão Jordi já haviam estimulado o lado sensorial (e o humor) do público do Gastronomika numa das aulas mais aplaudidas e comentadas do congresso. Atrás de um púlpito, Joan fez uma apresentação didática, explicando detalhes da preparação de alguns pratos e de técnicas usadas no El Celler de Can Roca, em Girona, sempre amparado por um vídeo demonstrativo. Falou da adaptação do clássico ajo blanco, que numa combinação a la yin e yang ganhou a companhia do "ajo negro", e mostrou como fazem as trufas líquidas servidas num prato que chega à mesa envolvido por um globo de papel - algo como a alusão a uma volta ao mundo imaginária.

O atrevimento, a provocação, deixou para o irmão Jordi. Substituindo Joan no palco, Jordi mostrou como faziam um "bloody mary" bem peculiar. Exibido em vídeo, dispensou maiores explicações e provocou riso coletivo na plateia. Como dar a vermelhidão de sangue à translúcida água de tomate com infusão de folhas de aipo? Por que não buscando inspiração no próprio sangue? Modelou uma teia de algodão-doce em forma de tubete, molhou o "tampão" num molho de tomate vermelho-escuro e o jogou na clara água de tomate. Derreteu em instantes, tingindo o caldo. Precisa explicar mais? Como escreveu Rodrigo Oliveira em seu caderno de anotações, "os Roca rocks".

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

[do além] POSTANDO E ANDANDO



::txt::Montaigne::

Provavelmente você já ouviu falar de mim, mas não está familiarizado com minhas ideias. Sou como aquele ator da novela das 7 que você conhece e não sabe o nome. A culpa não é sua e nem mesmo da escola em que estudou. A rede mundial de computadores é a responsável por meu ostracismo. Sou mais uma das vítimas da internet, assim como a indústria fonográfica, os segredos diplomáticos, os veículos impressos e o tempo livre.

Pode procurar. Você não encontrará um aplicativo para Facebook que salpique minhas frases em murais. Minha filosofia não vai bem com redes sociais. Também pudera. Em um ensaio intitulado Da Solidão, dediquei-me a investigar os perigos intelectuais e morais de se viver entre os outros e cheguei a algumas conclusões que aqui simplificarei para não subtrair seu precioso tempo de convívio social virtual.

Basicamente eu concluí que a conquista da Glória só não é uma coisa tola para o Tarcísio Meira e o Orlando Morais. Para chegar a esse resultado, percorri o seguinte caminho. Acompanhe: 1. Nossa tranquilidade depende do desprendimento em relação à opinião dos outros. 2. Se buscarmos fama que é a glória aos olhos alheios devemos buscar sua opinião favorável. 3. Portanto, se buscamos a fama, não alcançaremos o desprendimento. 4. Logo, a fama e a tranquilidade nunca podem ser companheiras.

Além da perda da tranquilidade, preocupar-se em demasia com a opinião dos outros acaba por nos corromper. Passamos a imitar aqueles que não são bons ou nos enchemos de raiva contra eles. Quando você vê, em nome de agradar, está repetindo opiniões impensadas e que nem são suas, como: “esse bando de vagabundo gosta mesmo é de ser sustentado pelo Bolsa Família”. “O cinema argentino é melhor que o brasileiro porque os portenhos leem mais.”

Andy Warhol trouxe mais intranquilidade ao planeta quando prometeu 15 minutos de fama para todo mundo. Agora todos cobram sua parte postando fotos, textos e imagens nas redes sociais em uma busca desesperada por likes, comments, shares e RTs. Mesmo o mais despretensioso dos posts, aquele que só dá bom dia para os amigos, não quer passar desapercebido. Mesmo o mais neutro comentário sobre uma partida de futebol, aquele que diz “que jogo”, almeja ouvir vozes concordantes. Uma fotinho de criança, então, não fica contente com menos do que uma dúzia de comentários exultantes e gritinhos onomatopeicos.

Sustento e repito que a busca e a manutenção de uma reputação flamejante é algo que causa grande perturbação e nos afasta da tranquilidade. E pode se tornar um vício sem fim. O cigarro pede ao fumante uma nova dose de nicotina a cada 20 minutos. O like pede ao postador que ele não saia da frente da tela. É uma escravidão permanente.

Não pretendo incentivar você a largar as redes sociais. Isso nem o doutor Drauzio Varella em campanha conseguiria. Mas sugiro que, vez ou outra, procure praticar o desapego. Com pequenos comentários ocasionais, você pode experimentar o ódio e o desprezo de seus amigos e assim se libertar da asfixiante vontade de agradar. Escreva, por exemplo, que você é a favor da construção da Usina de Belo Monte ou que vê valor na saga Crepúsculo.

Espero que você tenha gostado deste post. Quer dizer, não espero nada, para mim tanto faz. Estou pouco me lixando para sua opinião. Nossa, que vacilo, preciso praticar mais minha filosofia.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

[comida é pasto] O NORTE E O ORIENTE GASTRONÔMICO




txt::Monsenhor Jucá::

Estudar culinária e se aventurar no mercado gastronômico requer não somente receitas, métodos e análises mercadológicas. Pelo menos pra mim, em início de jornada. Aos poucos, tenho procurado algumas referências na área, a fim de me orientar e marcar um norte a seguir. Isso, porém (há porém) não implica em me nortear eternamente, talvez daqui um tempo eu dobre à direita, ou à esquerda, ou me desnorteie e me desoriente total. Ou não.

Entre alguns nomes que busco inspiração, destaco o peruano Gastón Acurio, cozinheiro peruano. Tido como pessoa mais influente em seu país do que o próprio presidente (que eu nem sei o nome, comprovando o mito), algo inimaginável para um Alex Atala aqui no Brasil, Acurio me chamou a atenção por alguns motivos.

"Descobrimos que por trás da diversidade cultural peruana estava um grito de liberdade", proclamou Gastón no maior festival de gastronomia da América Latina, o Mistura. Enquanto a maioria de nossos chefs imitam pratos franceses, feitos com ingredientes de lá, e nossas escolas de formação também nos disciplinam por esse caminho, Acurio valoriza a biodiversidade dos ingredientes locais.

Outro fator importante na filosofia do peruano é a questão social. Preocupado com a inclusão de jovens de baixa renda, tem promovido novos modelos de negócio para capacitar seus aprendizes. Acurio é ídolo no Peru, e tem se tornado uma referência pra mim, um mestiço cearúcho apaixonado por nossas frutas tropicais e temperos presentes nas mesas das tias e avós e raramente vistas em restaurantes badalados.

[noé ae?!] STÉPHANE SAN JUAN

terça-feira, 22 de novembro de 2011

[noé ae?!] DE FALLA

[agência pirata] BRASIL VIRA A TERRA DOS INDIES ESTATAIS



::txt::Alvaro Pereira Júnior::

Recebo o álbum triplo de Messias Bandeira. Messias é o cérebro da brincando de deus, com minúsculas, banda baiana mais inglesa de todos os tempos. Nesta primeira incursão solo, ele vem com três CDs ("escrever-me", "envelhecer-me", "esquecer-me"). Produção sofisticada.

Amigos também enviam o link de um debate impenetrável e sem fim sobre a categoria indie dominante no Brasil: os indies estatais. Parece um fórum de discussão de donos de cartório -só linguagem burocrática e a conhecida sanha brasileira de morder "algum" no governo (governo, no caso, é a Petrobras).

Antes, já tinha lido um líder do indie estatal dizer que os independentes do século 21 diferiam dos anos 90, quando o povo se virava sozinho. Agora, o lance é colar em um órgão governamental simpático à "causa". As palavras não são exatas, mas era esse o espírito.

Não sou contra incentivo estatal à arte. A cena canadense do Arcade Fire, por exemplo, deve muito à ajuda financeira para novos artistas de Québec.
Mas duvido que, se mudar o governo lá, mudarão os artistas beneficiados. Já no Brasil, um viés ideológico direciona os recursos estatais. Estar aliado à política cultural do poder é crucial.

Constate a homogeneidade desses festivais pendurados em dinheiro público. É tudo neo-hippie, e o vomitório nacional-regionalista predomina. Ridicularizamos o ministro Aluísio Pimenta, nos anos 80, por defender a "cultura da broa de milho". Hoje, apesar do verniz "moderno" de open source etc. do ex-ministro Gilberto Gil, o ideário jeca é igual.

Observo o álbum triplo do Messias. Nenhum logo ou benesse estatal. Um indie old school. Fico com ele.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

[do além] PALAVRAS POR ORDEM



::txt::Charles de Gaulle::

Andei lendo sobre o conflito entre os estudantes da USP e a Polícia Militar e cheguei à conclusão de que eu não tenho sorte mesmo. Quando enfrentei a crise de maio de 68, não tive a opinião pública do meu lado. Depois que os estudantes ocuparam a Faculdade de Nanterre, nos arredores de Paris, para protestar contra a sociedade de consumo e o ensino tradicional, fiz uso da força e tornei-me, logo eu, impopular.

A tentativa de sufocar aquele arroubo juvenil tomou grandes proporções. Nos dias seguintes, o conflito estendeu-se a outros setores. Mais de 10 milhões de trabalhadores entraram em greve. Os protestos tomaram conta do país, novos conflitos e enfrentamentos com a polícia pipocaram por toda parte. As instituições tremeram, por um triz não entramos em guerra civil. Cheguei a ponto de declarar a situação incontrolável e propor um referendo. As ruas estavam tão barulhentas que ninguém escutou. Não me restou alternativa senão dissolver a Assembleia e convocar eleições legislativas para junho. Meu partido venceu o pleito, mas no ano seguinte amarguei uma derrota no referendo sobre a regionalização e reforma do Senado. Fiquei désolé, pedi demissão e retirei-me da política. Foi uma saída melancólica para uma carreira triunfante.

A minha falta de sorte fica mais evidente quando se compara às verbalizações do pensamento de cada período. Aliás, as barricadas de Paris foram pródigas em slogans libertários. Maus tempos aqueles em que não havia redes sociais para chamar os protestantes de baderneiros mimados.

Outra diferença entre maio de 68 em Paris e outubro de 2011 na USP é que as frases de protesto antes eram gritadas e pixadas pelos estudantes. Agora elas vêm da sociedade e da imprensa. Ontem, palavras de ordem. Hoje, palavras por ordem. Acompanhe só:



Maio 68

"É proibido proibir"

USP 11

"É proibido"



Maio 68

"Sejam realistas, exijam o impossível!"

USP 11

"Sejam realistas”



Maio 68

"A imaginação ao poder"

USP 11

"A imaginação? Ah, vai se f..."



Maio 68

"O patrão precisa de ti, tu não precisas dele"

USP 11

“O patrão precisa de ti amanhã bem cedo”



Maio 68

"Revolução, eu te amo"

USP 11

“Revolução, eu conheci outra pessoa”



Maio 68

"Abaixo a universidade"

USP 11

“Me abaixo pra universidade”



Maio 68

"O sonho é realidade"

USP 11

“O sonho, em realidade, é sonho”



Maio 68

"O sagrado, eis o inimigo"

USP 11

“Consagrado, eis o nosso amigo”



Maio 68

“Nós somos todos judeo-alemães"

USP 11

“Nós somos todos alemães"



Maio 68

"Acabareis todos por morrer de conforto"

USP 11

“Acabareis todos por morrer de conforto. Deus te ouça”

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

[noé ae?!] SEU JORGE

[agência pirata] USP: ENTRE O CAPUZ E O CAPACETE



::txt::Eugênio Bucci::

Há dois anos e meio, em 18 de junho de 2009, escrevi neste mesmo espaço um artigo sobre a Universidade de São Paulo (USP): O atraso no espelho. Poucos dias antes, a Cidade Universitária virara uma praça de guerra, ou quase. Com balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo, policiais haviam dissolvido uma passeata de estudantes e funcionários, que também não eram lá tão pacíficos. Ali ficou patente que a USP mergulhara num déficit de representatividade e de legitimidade, que abria campo para o recrudescimento da violência.

O déficit de representatividade expressava-se nos movimentos sindicais da universidade. Tanto o Diretório Central dos Estudantes (DCE) quanto o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), incapazes de mobilizar grandes contingentes entre seus presumíveis filiados, apostavam em ações supostamente radicais. Para propagandear suas reivindicações ocupavam gabinetes oficiais na base de piquetes que se valiam intimidações físicas. De outro lado, o déficit de legitimidade já era notório nos órgãos de poder da universidade, que estavam distantes do conjunto da comunidade, que não os reconhecia como interlocutores.

O atraso espelhado - um movimento sindical pouco representativo contra órgãos de poder pouco legítimos - deu no que tinha de dar: um ambiente desprovido de pontes institucionais de diálogo, no qual a força bruta substitui o debate.

Infelizmente, o quadro não mudou até hoje. A crise de representatividade e de legitimidade continua. O resto é sintoma. O debate sobre a presença da Polícia Militar (PM) dentro do câmpus era e é sintoma. A celeuma sobre o consumo de drogas pelos estudantes, também. A base profunda do mal-estar reside na inexistência de instâncias acadêmicas e administrativas que deem conta de resolver as interrogações que a vida universitária suscita naturalmente. O problema da USP não é tanto de autonomia jurídica, mas de autonomia intelectual: ela não dispõe dos meios institucionais para pensar e para resolver os desafios que ela própria produz em sua rotina. Como uma criança, precisa chamar o irmão mais velho na hora do aperto, tanto para fazer piquete como para afastar o piquete.

No final de 2011, temos um remake piorado do mesmo filme de 2009. No dia 27 de outubro, policiais tentaram deter estudantes que portavam maconha. A reação dos colegas foi imediata e barulhenta. Em questão de 48 horas, o velho roteiro de crise foi posto em marcha, incluindo a previsível e indefectível invasão da Reitoria. Desta vez, porém, com um déficit de representatividade ainda mais grave. A proposta de ocupação tinha sido rejeitada pela assembleia do DCE, mas a minoria que perdeu a votação manobrou o resultado: após o encerramento da assembleia, quando muitos estudantes já tinham ido embora, reinstalou às pressas a mesma assembleia - esvaziada - e, só aí, conseguiu aprovar o que queria. A ocupação ocorreu. Ato reflexo, a opinião pública voltou-se contra o movimento estudantil, que apareceu na foto como birra de gente mimada que quer fumar maconha na santa paz.

Na semana passada, quando 400 policiais, dois helicópteros, além de cavalos, desalojaram e indiciaram os 73 jovens que se encontravam acampados no prédio principal da USP, o quadro inverteu-se. A ação da PM efetivamente devolveu a Reitoria ao reitor, mas, inadvertidamente, devolveu o ânimo ao movimento estudantil. As assembleias lotaram, várias faculdades entraram em greve e, dessa vez, os mesmos estudantes que reprovavam a invasão passaram a condenar com veemência a ação dos policiais. Não porque estes se tenham excedido em maus tratos, o que não ficou provado. A revolta contra a presença dos policiais tem uma razão mais sutil: a comunidade universitária sente-se humilhada quando um excesso estudantil é removido por uma ação policial que lembra essas operações de combate a motim de presídio.

Aliás, quando eclode um motim entre presidiários, o pessoal de direitos humanos é chamado para tentar negociar uma solução antes da entrada da tropa. Na Cidade Universitária, nem isso houve. Que a PM patrulhe o câmpus com o objetivo de proteger a vida dos que ali estudam e trabalham pode até ser, mas chamar o batalhão para resolver manifestações políticas, sem que se esgotassem outras tentativas de mediação, isso é humilhante.

É verdade que o figurino adotado pelos invasores da Reitoria colaborou para que a crise da USP assumisse um visual de presídio amotinado. Com o rosto coberto, eles se achavam fantasiados de manifestantes antiglobalização da Europa, mas estavam ainda mais parecidos com presidiários do PCC e com traficantes, o que eu mesmo tive chance de dizer aos alunos numa aula aberta que fiz na quinta passada nos jardins da ECA. O capuz foi um erro estético, resultante do erro ético de afrontar uma decisão de assembleia. Do mesmo modo, os capacetes e escudos da PM foram um erro de método, este decorrente da ausência de instâncias de interlocução interna. Uma universidade que não dialoga é uma universidade que se bate, mais do que se debate.

Em síntese, de 2009 a 2011, a USP não deu um passo para a frente nem um passo para trás: deu apenas um passo para baixo, afundou-se no buraco em que se encontra encravada. Para onde ir agora?

Do ponto de vista das entidades de professores, alunos e funcionários, a palavra de ordem é a renovação completa das chapas, das bandeiras e dos métodos. As maiorias precisam entrar em cena, precisam falar. Só assim poderão desautorizar as minorias que acreditam mandar no grito. Quanto às instâncias oficiais da USP, precisam da mesma renovação, o que pode incluir até mesmo consultas à comunidade para a escolha de diretores e reitores. Aí, o diálogo poderá encontrar lugar institucional na vida acadêmica - e só o diálogo institucional pode esvaziar a violência e libertar a universidade.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

[over12] FORA DO EIXO E LONGE DE MIM

::txt::China::

Ontem de tarde rolou um debate aca­lo­rado via twit­ter sobre o Fora Do eixo e as ques­tões que levanto a res­peito desse cole­tivo. Não é a pri­meira vez que os ques­ti­ono, mas como hoje a reper­cus­são foi grande, inclu­sive por parte de jor­na­lis­tas e músi­cos que admiro, resolvi escre­ver este texto, pois per­cebi que não adi­an­tava escre­ver 140 carac­te­res. A galera só lê o que con­vém.

Como não é nenhuma novi­dade o que penso sobre o FDE, escrevo nova­mente, mas agora com espaço para colo­car tudo o que penso e sem nin­guém dis­tor­cer nada do que eu falo. Quem qui­ser saber minha opi­nião, leia esse texto até o fim e, por favor, não fique tirando fra­ses des­lo­ca­das do con­texto para mon­tar seu contra-argumento…use o texto inteiro.

As pes­soas me per­gun­ta­ram o que seria o Fora do eixo e o cubo card, pois muita gente não faz a menor idéia do que isso seja. Então, deixa eu expli­car.
A grosso modo, o FDE é um cole­tivo que orga­niza shows e even­tos artís­ti­cos pelo país, com cola­bo­ra­do­res em quase todos os Estados do Brasil.
Cubo card é a moeda que eles inven­ta­ram. Sim, eles tem a sua pró­pria moeda.

Mas antes de tudo, pre­ciso escla­re­cer umas coi­sas que foram dis­tor­ci­das no twitter.

Não estou falando pela MTV e nem como VJ. Estou ques­ti­o­nando o FDE como músico. No MTV na BRasa nunca levan­tei qual­quer ques­tão sobre o FDE e nem farei isso, por­que é des­leal. Tenho muito mais visi­bi­li­dade (por estar na TV todos os dias) do que os mem­bros do FDE. Seria muita filha­da­pu­ta­gem da minha parte ficar metendo o pau no cole­tivo durante o pro­grama. Até por­que, as pes­soas que assis­tem o MTV na BRasa que­rem saber sobre as ban­das e não sobre o cole­tivo FDE. E, como fun­ci­o­ná­rio da MTV, faço o que os meus supe­ri­o­res me pedem, afi­nal de con­tas, recebo para fazer o tra­ba­lho que me foi ofe­re­cido. Se ama­nhã a MTV dis­ser que eu tenho que falar bem do FDE no pro­grama, vou falar tran­qui­la­mente, pois é o meu tra­ba­lho, e na MTV eu sou pago para exe­cu­tar o que me pedem. Isso não quer dizer que eu con­corde, mas ordens são ordens.

Na minha car­reira musi­cal é outra história…eu sou o meu chefe e esco­lho o que é melhor para a minha car­reira. E como músico, posso ques­ti­o­nar o que eu não acho inte­res­sante para o meu tra­ba­lho.
Eu vivo da música e pre­ciso rece­ber os cachês dos shows para con­se­guir sobre­vi­ver.
Ainda não estão acei­tando cubo card na pada­ria e em nenhuma conta que eu tenho que pagar no fim do mês.

Eu me valo­rizo como artista! E tenho cer­teza abso­luta que tenho que ser remu­ne­rado pelo meu tra­ba­lho. Ou melhor, qual­quer tra­ba­lho tem que ser remunerado.

O jor­na­lista e escri­tor Pedro Alexandre Sanches, que eu admiro há muito tempo e sou fã de sua escrita e sabe­do­ria, me escre­veu o seguinte no twit­ter:
“RT @pdralex Faço só um lem­brete ao que­rido @chinaina: a MTV, como todo veí­culo de comu­ni­ca­ção, pega dinheiro público. Questionamos todos, ou só alguns? #IdeiasPerigosas”

Não sei por­que ele enfiou a MTV no meio desse papo. Eu não me ins­crevo em edi­tal de cul­tura para rece­ber meu salá­rio na MTV…e em momento algum eu estava falando como fun­ci­o­ná­rio da MTV, que isso fique claro!!!
Meus ques­ti­o­na­men­tos são como músico que atua a quase 14 anos no cená­rio naci­o­nal. Se a MTV pega ou não grana pública não é um pro­blema meu. Não sou o dono da MTV. Sou ape­nas um pres­ta­dor de ser­vi­ços. O que posso dizer é que eles estão pagando meu salá­rio em dia. Nunca atra­sa­ram e nem ofe­re­ce­ram Cubo Card em troca do meu suor.

Foda é quem pega dinheiro público para fazer um fes­ti­val de música, por exem­plo, e não paga aos artis­tas, que são a maté­ria prima da coisa toda.

E mais…quem disse que sou con­tra as leis de incen­tivo ou cap­ta­ção de ver­bas públi­cas? Não sou con­tra não, mas acho que as leis de incen­tivo têm que ser melhor for­mu­la­das, exa­ta­mente para não bene­fi­ciar ape­nas os esper­ta­lhões da cul­tura, que só con­se­guem se movi­men­tar as cus­tas de tais editais.

Eu fui incen­ti­vado pelo FUNCULTURA, o fundo de cul­tura do Estado de PE, quando gra­vei o “Simulacro”, meu disco de 2007. Quando fui pro­du­zir o “Moto Contínuo” não tive cora­gem de me ins­cre­ver, de novo, em um edi­tal. O nome já tá dizendo:“Incentivo”.
Eu já havia sido incen­ti­vado, não tinha sen­tido algum me ins­cre­ver nova­mente. Então ban­quei o disco com a grana que eu ganhava nos shows. E sem leis de incen­tivo ou edi­tais de cul­tura paguei meu disco e ainda pren­sei CD e vinil (que tá che­gando no iní­cio do pró­ximo mês). Acho que inde­pen­dên­cia é isso. Mas nem me con­si­dero um inde­pen­dente total, pois pre­ci­sei da ajuda de vários ami­gos para rea­li­zar esse trabalho.

Não sou con­tra quem capta dinheiro atra­vés das leis de incen­tivo e edi­tais de cul­tura…de forma alguma. Só acho que pre­cisa haver um “seman­col” por parte de quem ins­creve os seus pro­je­tos todos os anos. Não dá pra ficar mamando na teta do governo a toda hora. E o minis­té­rio da cul­tura pre­cisa melho­rar a lei, para que ela sirva a todos e não ape­nas a alguns.

Seguindo no mesmo tema, um outro cara me escre­veu no twit­ter:
”@chi­naina o seu ultimo show em recife foi em fes­ti­val com $ publico, é errado? sem falar shows pela pre­fei­tura! errado tb?#IdeiasPerigosas”

Não é errado tocar em fes­ti­vais que são ban­ca­dos com dinheiro público. Errado é cap­tar o dinheiro público e não pagar aos envol­vi­dos.
Eu fui pago para tocar nes­ses even­tos. Que isso fique claro também!

Mais uma do twit­ter:
”@chi­naina vai lá. com essa visão sen­sa­ci­o­nal de mer­cado que você tem, vamo ver por quanto mais tempo você recebe seu cachezão”

Então qual é a visão certa? tocar de graça? não rece­ber pelo meu tra­ba­lho? É isso o que estão me pro­pondo? Não, obri­gado.
É o FDE quem tem a polí­tica certa de mer­cado? Também não.
O que acon­tece é que nin­guém sabe qual será o cami­nho do mer­cado cul­tu­ral e fono­grá­fico. Não dá pra dizer qual é o melhor cami­nho. Existem algu­mas opções e pou­cas cer­te­zas. O mer­cado cul­tu­ral no Brasil ainda não se achou.
É claro que o governo tem que cui­dar da cul­tura, mas não pode ser a única saída para ela.
Rolou uma grande enchente em Pernambuco, que dei­xou muita gente desa­bri­gada. Sabe onde o governo fez o pri­meiro corte de des­pe­sas para aju­dar os desa­bri­ga­dos? Na cul­tura!
O governo está errado? Lógico que não. Eu faria o mesmo.
Então, tá claro que não dá pra ficar depen­dendo só do governo, né?

E a banda Macaco Bong, que eu gosto pra cara­lho, me escre­veu isso:
RT @Macacobong: @chi­naina não tem essa de tamo colado pelo som. ou ta colado ou nao ta.

Eu admiro o som dos caras. Todos ótimos músi­cos, mas não con­cordo com as idéias que eles têm sobre a polí­tica do FDE e etc…
Normal. Cada um pensa como quer.
Mas esse papo de “tá colado ou não tá” parece coisa de patru­lha­mento ide­o­ló­gico. Rolou um novo AI-5 e eu não soube?
Tô colado no Macaco Bong pelo som, sim! Comprei o disco deles. Acho muito bom. E mesmo que as nos­sas idéias sobre as polí­ti­cas cul­tu­rais sejam dife­ren­tes, con­ti­nuo achando o som deles sen­sa­ci­o­nal e um dia pre­tendo fazer algo com a rapa­zi­ada.
Opinião todo mundo tem. E eu res­peito todas. Não fico ten­tando cate­qui­zar ninguém.

O cara mais coe­rente nesse debate todo que rolou durante a tarde foi o músico e pro­du­tor Daniel Ganjaman. E foi por causa de um twit­ter dele que come­çou esse papo todo. hahahahaahahaha.

Ele tui­tou algo sobre o con­gresso FDE e eu tirei uma onda (juro que achei que era uma tirada irô­nica dele)… brin­quei com ele, como já rolou um monte de vezes, inclu­sive. Acho que tenho essa inti­mi­dade para brin­car com Ganja, do mesmo jeito que ele tem total liber­dade para tirar a onda que qui­ser comigo. Conheço essa jóia há mui­tos anos.
Ele colo­cou as suas opi­niões e eu colo­quei as minhas. Em momento algum ele ten­tou me “cate­qui­zar”. Apenas expôs suas con­vic­ções. E eu as minhas, claro.

Se o FDE está ser­vindo para Ganjaman, ótimo. Ele tá rece­bendo direi­ti­nho pelo seu tra­ba­lho? Não sei. Tá tudo certo entre as ações de Ganjaman e o FDE? Deve estar, né? Se ele tá dizendo que o cole­tivo é impor­tante para a cena cul­tu­ral bra­si­leira é por­que deve estar tudo em cima mesmo…para ele.

Para vários artis­tas desse país não é bem assim. Conheço deze­nas de ban­das que pas­sa­ram pelos even­tos orga­ni­za­dos pelo FDE e recla­mam do não paga­mento de cachês e da falta de estru­tura para exe­cu­tar o seu tra­ba­lho.
E vários des­ses even­tos foram ban­ca­dos com dinheiro público.
Aí eu per­gunto: se tem dinheiro público na parada é por­que rolou um edi­tal, certo? Se rolou um edi­tal, tinha lá o nome das ban­das que toca­ram, certo? Se tinha o nome das ban­das, devia ter o valor cobrado pelas apre­sen­ta­ções, certo? E se tinha isso tudo, cadê o dinheiro para pagar as ban­das?
Não, meus caros, não são todos que rece­bem pelos shows. Apenas alguns. Talvez os que apóiam as ações do cole­tivo FDE.

Só por­que é artista inde­pen­dente tem que tocar por amor a arte?
Amor ao que faze­mos já existe, mas isso tam­bém é um tra­ba­lho… e pre­cisa ser remunerado.

Quem não se lem­bra da entre­vista do Sr. Pablo Capilé, falando que as ban­das tinham que tocar de graça mesmo? Ele dizia: “Eu sou den­tro da ABRAFIN um defen­sor de que não se deve­ria pagar cachê as ban­das”.

A ABRAFIN, para quem não conhece, nas­ceu pri­meiro que o FDE e con­siste em uma rede de fes­ti­vais inde­pen­den­tes for­mada pelos pro­du­to­res des­ses fes­ti­vais. Alguns des­ses pro­du­to­res toca­vam em ban­das pouco conhe­ci­das ou eram empre­sá­rios artís­ti­cos. As ban­das “apa­dri­nha­das” por eles toca­vam na mai­o­ria dos fes­ti­vais orga­ni­za­dos pela ABRAFIN em todo país. Estranho, né? Parece coisa de máfia. Mais estra­nho ainda era o fato deles pega­rem grana pública para ban­car os fes­ti­vais e não paga­rem aos artis­tas que não “esta­vam” com eles, claro. E não estou falando de calote. O papo era reto; não temos cachê para te pagar. Se qui­ser tocar é assim.
Já me con­vi­da­ram para tocar em alguns fes­ti­vais orga­ni­za­dos pela ABRAFIN. Nunca topei. Mas o papo era: China, te damos ali­men­ta­ção, hotel e pas­sa­gens aéreas para a sua banda. Para a equipe não rola, pois temos ótimos pro­fis­si­o­nais aqui (que nunca tra­ba­lha­ram comigo, vale lem­brar).
E eu per­gun­tava: Mas e o cachê?
E a res­posta era: Cara, você vai ter a chance de tocar para um grande público e ainda pode pas­sar o fim de semana aqui para conhe­cer a cidade. Não temos como te pagar um cachê.
Minha res­posta era (aprendi com um amigo): Se vocês me derem hotel e ali­men­ta­ção o ano todo, eu toco de graça no fes­ti­val. Se fosse assim, eu não me pre­o­cu­pa­ria com as con­tas, né? Tava tudo certo. E se eu qui­sesse fazer turismo, eu não iria tra­ba­lhando, iria de férias.
Ah, e não era per­mi­tido ques­ti­o­nar a ABRAFIN. Se ques­ti­o­nasse, você estava auto­ma­ti­ca­mente eli­mi­nado de todos os fes­ti­vais orga­ni­za­dos por eles.

Mesmo na época em que só exis­tia a ABRAFIN, tinha gente defen­dendo essa asso­ci­a­ção. Mas os que defen­diam esta­vam se bene­fi­ci­ando da mesma (claro, nin­guém vai falar mal do lugar onde se ganha o pão). Ou eram cura­do­res que rece­biam pela tal cura­do­ria, ou eram uns pou­cos artis­tas que rece­biam cachê. Que eu me lem­bre, nunca toquei num fes­ti­val da ABRAFIN…e se toquei, pode ter cer­teza que recebi meu cachê, senão nem saía de casa.

Vários pro­du­to­res que faziam parte da ABRAFIN caí­ram fora da asso­ci­a­ção. Por que será?
O FDE fun­ci­ona mais ou menos sob os mes­mos con­cei­tos da ABRAFIN. O cole­tivo fala que fez mais de 5.000 shows pelo país. Meus para­béns. Mas vamos aos fatos:

1– Se o FDE capta dinheiro público para orga­ni­zar as suas ações, por que deze­nas de artis­tas recla­mam que não rece­bem cachê? Pra onde vai esse dinheiro?

2– De que adi­anta fazer 5.000 shows por ano se a mai­o­ria deles são em luga­res que não ofe­re­cem uma mínima estru­tura para uma boa apre­sen­ta­ção? Isso só queima a banda e não ajuda em nada na car­reira da mesma.
Não adi­anta ter quan­ti­dade, e sim qualidade!

3– Qualidade é outro ponto. Uma banda (que não cita­rei o nome) disse que fez uma turnê pelo FDE. Quase 30 shows. Desses quase 30, ape­nas 3 ou 4 tive­ram cachê (que foram pagos pelos sescs onde eles se apre­sen­ta­ram). Os outros 20 e tan­tos foram em luga­res que não tinham a menor estru­tura para se apre­sen­tar. Som de pés­sima qua­li­dade e equipe inex­pe­ri­ente. Sem falar no público de menos de 25 pes­soas… numa quinta-feira, e no inte­rior sei lá de onde. E os músi­cos ainda tinham que ficar pela casa dos ami­gos.
Se é pra ficar na casa dos ami­gos e não rece­ber cachê, por­que eu pre­ciso de um cole­tivo para orga­ni­zar a minha turnê? Eu mesmo ligo para o con­tra­tante e vou lá tocar.

4- Quem banca a casa FDE em SP?

5– Se o governo mudar nas pró­xi­mas elei­ções o FDE se sustenta?

Estes são ape­nas alguns pon­tos. Tem mais um monte de his­tó­rias nebu­lo­sas, que não posso con­tar por­que não acon­te­ce­ram comigo, mas com outros artis­tas que pre­fe­rem ficar fora do eixo dessa dis­cus­são por medo de reta­li­a­ções. O que é uma pena.

Mas… antes que vocês pos­sam res­pi­rar, eu con­ti­nuo a linha de pensamento.

Acho que uma banda deve tocar de graça quando valer a pena. Se o fes­ti­val vai dar visi­bi­li­dade, se os for­ma­do­res de opi­nião esti­ve­rem lá e se tiver um bom público para apre­ciar o seu tra­ba­lho.
Eu já toquei de graça milhões de vezes, mas nunca ia numa rou­bada. Pra falar a ver­dade, todas as rou­ba­das que peguei com minha banda foi por tocar depen­dendo do cachê refe­rente a bilhe­te­ria do show. As vezes não dava gente mesmo e eu tinha que arcar com os cus­tos. Acontece.

Os mes­mos canais que o FDE tem, você tam­bém tem. Todas as casas de show tem site, é só entrar em con­tato. Os canais que eles têm, e que você não tem acesso, é onde deve estar a grana. Mas você tam­bém pode se ins­cre­ver em um edi­tal de cul­tura e bata­lhar o seu tutu. Se vai con­se­guir, são outros qui­nhen­tos, ou não.

Se você não valo­riza o seu tra­ba­lho nin­guém vai valorizar.

Só quem cresce no FDE é o pró­prio nome do cole­tivo, que usa o talento e suor das ban­das para garan­tir a pró­xima verba para as suas atividades. Esse papo de que estão aju­dando a cena inde­pen­dente é con­versa mole. Alguns mem­bros do FDE estão fazendo nome (e polí­tica) em cima dessa cena. Não duvido nada que algum des­ses caras se can­di­date a depu­tado nas pró­xi­mas elei­ções. E o slo­gan já está pronto: EM DEFESA DA CULTURA BRASILEIRA.
Haja paciência.

Concluindo…

Não sou con­tra o FDE!
A idéia é linda mesmo. Sensacional! Imagina uma rede de fes­ti­vais pelo país inteiro… onde as ban­das vão cir­cu­lar e mos­trar o seu tra­ba­lho? Chega a emo­ci­o­nar.
O modus ope­randi é que é estra­nho, esqui­sito mesmo.
E não acho que o cole­tivo FDE é for­mado só por maçãs podres. Tem muita gente boa tra­ba­lhando no cole­tivo. O pro­blema é que enquanto uns estão real­mente lutando para achar um lugar ao sol, outros se apro­vei­tam na sombra.

Nunca toquei nos even­tos FDE por­que não con­cordo com o jeito que as coi­sas fun­ci­o­nam por lá.
Acho que tenho argu­men­tos sufi­ci­en­tes para ques­ti­o­nar as ati­vi­da­des do FDE.
No dia que as coi­sas forem dife­ren­tes (e não só para mim, mas para um monte de artis­tas que se sujei­tam a essas con­di­ções), eu faço meu show com o maior prazer. Mas o FDE vai ter que pagar meu cachê, claro, e eu só faço shows com a minha equipe. Não dá pra cor­tar nin­guém… pelo bem da apre­sen­ta­ção. Para um bom show acon­te­cer, tem que ter uma boa equipe tra­ba­lhando para que tudo corra bem.
Mas se o esquema for como está, onde pou­cos se bene­fi­ciam, dizendo que o FDE é uma coisa incrí­vel, a sal­va­ção da pátria… nem pre­cisa ligar no meu escritório.

Agradeço o con­vite para assis­tir ao con­gresso FDE, mas não quero envol­ver meu nome nisso. Tenho vários ami­gos que se arre­pen­de­ram de ter asso­ci­ado seu nome ao FDE. Não serei o próximo.

E para os desa­vi­sa­dos que não conhe­cem a minha his­tó­ria…
Já toquei de graça (quando valeu a pena), Já fui enga­nado por empre­sá­rios, já fiz inú­me­ras tur­nês de Ônibus saindo de Recife e rodando o Brasil inteiro. Já toquei (e toco) em gran­des fes­ti­vais, já pas­sei por gra­va­do­ras, já lan­cei dis­cos de forma inde­pen­dente, já fui con­tem­plado por edi­tais de cul­tura, já ban­quei meu disco, pro­duzi dis­cos, tenho um estú­dio e um selo para lan­çar novos artistas…ou seja, já pas­sei por todo o cal­vá­rio para me tor­nar um artista cons­ci­ente.
Minha car­reira vai super bem. Acabei de lan­çar disco novo e tenho feito vários shows… todos com cachê, diga-se de pas­sa­gem.
E houve boa­tos de que eu estava na pior…hahahahahahahaha.

Último twit­ter…

Tamo quase fechando com o @chi­naina pro show de aber­tura do #con­gres­sofdebit.ly/vtQyAr #IdeiasPerigosas

Obrigado, mas eu não tra­ba­lho por Cubo Card.

Notas: Leia a carta aberta de João Parahyba do Trio Mocotó. Ele tam­bém se inco­moda com as mes­mas ques­tões.
Leia tam­bém a entre­vista que dei para o Diário de Pernambuco, que foi com­par­ti­lhada neste site, falando sobre FDE, governo, leis de incen­tivo e #motocontinuo.

E não pode­ria dei­xar de colo­car aqui o texto de Alvaro Pereira Júnior, inti­tu­lado: Indies esta­tais.


Para bom enten­de­dor meia foto basta.

[paladar] OCCUPY SEU QUINTAL



::txt::Janaina Fidalgo::

Não há desculpa: sempre dá para fazer roça em casa, nem que seja um canteiro de ervas. 'Roceiros urbanos' ensinam a comer bem, se divertir e preservar o ambiente plantando - e até criando cabras e abelhas - em espaços pequenos.

Morar em uma cidade grande e dispor de um ínfimo pedaço de terra e de pouco tempo livre não são empecilhos para uma turma que retomou uma das mais primitivas atividades desde que o homem deixou de ser nômade e coletor: o cultivo e o preparo de alimentos para o próprio consumo.

Não são agricultores, no sentido estrito da palavra, porque não dependem diretamente da terra para sobreviver nem moram em áreas rurais. São, digamos, sitiantes urbanos cada vez mais independentes. Cultivam verduras, legumes e frutas em pequenos espaços de terra na cidade. Criam abelhas, galinhas e coelhos. Alimentam fermentos naturais e assam os próprios pães. Fazem geleias, iogurte, caldo e embutidos.

Buscam a segurança de saber exatamente onde e como foi produzido o que eles e a família vão comer e também o prazer de trabalhar com as mãos - e não há como negar o viés político-ideológico que move alguns.

Em Pasadena, Califórnia, uma família transformou há mais de 20 anos uma casa comum de cidade num sítio urbano onde produz 3 toneladas de alimentos orgânicos por ano. Jules Dervaes e os três filhos - Justin, Anaïs e Jordanne - plantam tomate, moranga, feijão, verduras, maçãs, mirtilo, goiaba, morango, laranja e ervas.

"Comida cultivada em casa é muito superior em sabor e nutrientes do que a que vem do supermercado. Além disso, não é mais saudável só para você, mas também para o ambiente. Plantando localmente, você reduz sua pegada ecológica", diz Jules em entrevista ao Paladar.

O projeto de cultivo caseiro que Jules batizou de Urban Homestead (sítio urbano) supre as necessidades da família direta e indiretamente. Eles se alimentam do que plantam, compartilham a produção com amigos e familiares e vendem o excedente da colheita a restaurantes e moradores de Pasadena para comprar o que não conseguem produzir em casa, como açúcar, arroz e farinha de trigo.

"Quando comecei não havia modelos bem-sucedidos para copiar. Tudo que eu tinha em mente eram as grandes fazendas. Transportar esses modelos para meu reduzido espaço custou muito trabalho físico e mental. Nosso sucesso veio de tentativas e erros - e muito suor."

O projeto não é só de cultivo e de criação de animais para produção de ovos, leite e mel. Inclui práticas ecológicas, como compostagem de resíduos orgânicos, uso de energia e fornos solares e de equipamentos movidos a manivela e a pedal, reúso de água e até produção de biodiesel.

O Urban Homestead deu tão certo que virou até um premiado curta-metragem, Homegrown Revolution, em que a família compartilha a experiência; e Jules, sua filosofia: "Cultivar alimentos é uma das ocupações mais perigosas da face da terra. Porque você corre o risco de se tornar livre".

"Todo mundo pode fazer algo com o que tem. Você só precisa aprender o comportamento do ambiente. Sempre encorajo as pessoas a aprender práticas antigas e a pesquisar como as gerações pioneiras sobreviviam", diz.

Também na Califórnia, no Vale do Napa, a enóloga Heather Munden cria abelhas, planta vegetais em pequenos canteiros, faz pão em fogão a lenha e mata porcos para preparar embutidos. "Não precisa muito para plantar a própria comida, é só usar bem o terreno", diz ao Paladar.

Aqui no Brasil, três casais amigos vivem há quase dois anos a experiência de conciliar a rotina de profissionais liberais com a prática da agricultura e pecuária urbanas. Mudaram para a mesma rua, num condomínio de classe média alta em Curitiba, e alugaram um terreno rodeado por prédios onde plantam e criam galinhas, coelhos e cabras.

"Quem disse que a gente não pode voltar a ser responsável por 60 a 70% da nossa comida? Não vamos produzir tudo que precisamos, mas quanto mais gente tivermos na nossa network, menos vamos precisar do supermercado", diz Claudio Oliver, da Casa da Videira.

Em São Paulo, na Lapa, a blogueira Neide Rigo não deixa descoberto nem um pedacinho de terra, seja nas praças do bairro ou nos muito bem aproveitados 12 m² de seu quintal. Nele, tem ervas, verduras, frutas e legumes. Fora as abelhas indígenas, os pães e uma porção de alimentos que faz.

"É preciso começar. Plantar, colher e fazer comida são coisas que estão no inconsciente coletivo. É instintivo e fazem parte da nossa sobrevivência."


Assista e leia.

Você pode ver o premiado documentário sobre a família Dervaes no YouTube (escreva no campo de busca "homegrown revolution"). Para conhecer melhor o projeto, visite o urbanhomestead.org.

E para saber mais sobre o projeto da comunidade autossustentável de Curitiba visite o site mantido pelo grupo: casadavideira.com.br

terça-feira, 15 de novembro de 2011

[agência pirata] A DURA VIDA DOS ATEUS EM UM BRASIL CADA VEZ MAIS EVANGÉLICO



::txt::Eliane Brum::

O diálogo aconteceu entre uma jornalista e um taxista na última sexta-feira. Ela entrou no táxi do ponto do Shopping Villa Lobos, em São Paulo, por volta das 19h30. Como estava escuro demais para ler o jornal, como ela sempre faz, puxou conversa com o motorista de táxi, como ela nunca faz. Falaram do trânsito (inevitável em São Paulo) que, naquela sexta-feira chuvosa e às vésperas de um feriadão, contra todos os prognósticos, estava bom. Depois, outro taxista emparelhou o carro na Pedroso de Moraes para pedir um “Bom Ar” emprestado ao colega, porque tinha carregado um passageiro “com cheiro de jaula”.

Continuaram, e ela comentou que trabalharia no feriado. Ele perguntou o que ela fazia. “Sou jornalista”, ela disse. E ele: “Eu quero muito melhorar o meu português. Estudei, mas escrevo tudo errado”. Ele era jovem, menos de 30 anos. “O melhor jeito de melhorar o português é lendo”, ela sugeriu. “Eu estou lendo mais agora, já li quatro livros neste ano. Para quem não lia nada...”, ele contou. “O importante é ler o que você gosta”, ela estimulou. “O que eu quero agora é ler a Bíblia”. Foi neste ponto que o diálogo conquistou o direito a seguir com travessões.

- Você é evangélico? – ela perguntou.

- Sou! – ele respondeu, animado.

- De que igreja?

- Tenho ido na Novidade de Vida. Mas já fui na Bola de Neve.

- Da Novidade de Vida eu nunca tinha ouvido falar, mas já li matérias sobre a Bola de Neve. É bacana a Novidade de Vida?

- Tou gostando muito. A Bola de Neve também é bem legal. De vez em quando eu vou lá.
- Legal.

- De que religião você é?

- Eu não tenho religião. Sou ateia.

- Deus me livre! Vai lá na Bola de Neve.

- Não, eu não sou religiosa. Sou ateia.

- Deus me livre!

- Engraçado isso. Eu respeito a sua escolha, mas você não respeita a minha.
- (riso nervoso).

- Eu sou uma pessoa decente, honesta, trato as pessoas com respeito, trabalho duro e tento fazer a minha parte para o mundo ser um lugar melhor. Por que eu seria pior por não ter uma fé?

- Por que as boas ações não salvam.

- Não?

- Só Jesus salva. Se você não aceitar Jesus, não será salva.

- Mas eu não quero ser salva.

- Deus me livre!

- Eu não acredito em salvação. Acredito em viver cada dia da melhor forma possível.

- Acho que você é espírita.

- Não, já disse a você. Sou ateia.

- É que Jesus não te pegou ainda. Mas ele vai pegar.

- Olha, sinceramente, acho difícil que Jesus vá me pegar. Mas sabe o que eu acho curioso? Que eu não queira tirar a sua fé, mas você queira tirar a minha não fé. Eu não acho que você seja pior do que eu por ser evangélico, mas você parece achar que é melhor do que eu porque é evangélico. Não era Jesus que pregava a tolerância?

- É, talvez seja melhor a gente mudar de assunto...

O taxista estava confuso. A passageira era ateia, mas parecia do bem. Era tranquila, doce e divertida. Mas ele fora doutrinado para acreditar que um ateu é uma espécie de Satanás. Como resolver esse impasse?

(Talvez ele tenha lembrado, naquele momento, que o pastor avisara que o diabo assumia formas muito sedutoras para roubar a alma dos crentes. Mas, como não dá para ler pensamentos, só é possível afirmar que o taxista parecia viver um embate interno: ele não conseguia se convencer de que a mulher que agora falava sobre o cartão do banco que tinha perdido era a personificação do mal.)

Chegaram ao destino depois de mais algumas conversas corriqueiras. Ao se despedir, ela agradeceu a corrida e desejou a ele um bom fim de semana e uma boa noite. Ele retribuiu. E então, não conseguiu conter-se:

- Veja se aparece lá na igreja! – gritou, quando ela abria a porta.

- Veja se vira ateu! – ela retribuiu, bem humorada, antes de fechá-la.

Ainda deu tempo de ouvir uma risada nervosa.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

[over12] BAFO DE MERDA



::txt::Monsenhor Jucá::

Fulano, por motivos óbvios não poderei dizer o nome, carregava esse estranho apelido com muito pesar em seu caráter. Uma alcunha tal coal essa sempre era um incômodo babilônico. Em qualquer roda que ele falava, as pessoas já davam um passo pra trás e torciam o nariz junto ao rosto pro lado, prenunciando o famigerado bafo do amigo.

Certo sol ele tava na rua somente com 5 contos na carteira, e a fome apertou. Parou no primeiro butequinho que encontrou, viu o cardápio, tinha caldo de galinha, o mais barato. Seis pila. Carteira dele: cinco...

Pediu arrego pro garção, falou que sentia fome e coisa tal, e o baromem novamente negou o pedido. "Se está escrito SEIS, é porque é SEIS!", bravou. Bafo de Merda se levantou e disse que ia procurar outra lanchonete. Foi embora.

O dono do bar pensou bem, lembrou dum papagaio chato que tinha e chamou o Bafo:

- Eu tenho aqui um papagaio que me incomoda há meses, ele bem temperadinho, bem cozidinho, oh, fica uma delícia. Faço o caldinho do papagaio por 5 pila pra ti, que é gente fina, amizade e pá.

- Feito!

Meu amigo voltou a sua mesa, puxou a cadeira; sentou-se. De repente, sentiu uma cutucada na sua perna, sentiu outra, então olhou pra baixo e viu o papagaio com uma moeda de 1 real no bico.

Mas isso foi bem antes dele casar. Diz o Bug que o apelido de solteira era Bafo de Porra. Não me lembro o porquê.

[onze do onze do onze] #ROMÁRIOday




Essa postagem foi programada pra entrar no blog exatamente as 11h 11m e 11s do dia 11 do 11 de 2011 em homenagem ao maior 11 de todos os tempos. Ele fez mais de mil gols, nos deu o tetra e agora, como deputado, tá botando CBF e FIFA na parede. Como diria não sei quem, eu só queria ser...

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

[paladar] CUCA É COISA DE PADEIRO



::txt::Olívia Fraga::

Oito e meia da manhã de sábado e a clientela já se aproxima da Banca Penedo no Mercado Municipal de Santo Amaro. O bom-dia ao padeiro Thomas Huppert é dado em alemão, assim como todo o diálogo entre o vendedor e seus fregueses. Por isso, quando você visitar a banca, não diga cuca, diga Streuselkuchen (em tradução livre, bolo de flocos).

As cucas preparadas na madrugada chegam frescas à banca, com as cestas de pães alemães, bagels e strudels, alguns levados na hora ao forno improvisado. Outras levadas já prontas. A fila é grande e só aumenta.

Thomas Huppert aprendeu "o certo e o errado" das cucas na escola de panificação de Worms, em sua Alemanha natal. "Minha mãe fazia cuca sem qualquer critério e quando não acertava colocava a culpa no forno", brinca.

Estudou cinco anos e, de volta ao Brasil, em 1994, ajudou os pais a abrirem a Huppert & Huppert, em Curitiba. Há dez anos, mudou-se para São Paulo, equipou um galpão em Santo André, associou-se a Daniel Hollaender, proprietário da Banca Penedo, e se concentrou na produção de cucas.

De seu galpão saem, semanalmente, quase 400 cucas, vendidas em mercados de São Paulo, como o Emporium Dinis, no Shopping Pátio Higienópolis, e na Casa Zilanna. Ele não gosta de invencionices e não faz pirações dulcíssimas, como rechear com chocolate ou doce de leite. "Alemão gosta do contraste e não vê a cuca como um doce, mas como um pão de frutas mesmo", diz.

Naquele sábado, as cucas tradicionais de maçã eram ladeadas com outras feitas de ameixa e de jabuticaba que ele testou na última safra. Os trabalhos começam às 2h da manhã de sexta para sábado, quando Huppert fermenta a massa podre com fermento biológico e assa as maçãs lentamente. O padeiro recomenda que as cucas sejam consumidas até dois dias depois da fabricação.

O 'bolo da mãe' era, na verdade, a cuca da vizinha alemã. As famílias felizes são todas iguais, é verdade. Nossas avós nos fazem bolos, doces e mimos com os quais a gente sonha a vida inteira. Como em todas as casas, a minha era assim. Até que, em algum momento da infância, notei que minha mãe, rara e pouco atrevida no fogão, repetia a mesma receita "errada"de bolo. Era errado, mas tão gostoso!

Parecia uma torta de maçã, mas não era. Se fosse, talvez não agradasse tanto (maçã toda criança encara, mas maçã-e-pão foi um gosto adquirido). Entendia aquilo como um pão que não cresceu muito e ainda conseguia ser doce, com uma crosta diferente, uma farofa doce por cima. Era um pão doce que queria ser mais do que era, queria agradar a gente.

Complicando todas as coisas, minha mãe dizia que era o "bolo da dona Ana". Que Ana? Que dona? Ela tinha um bolo? A explicação veio anos mais tarde, quando finalmente entendi que a receita do "bolo" era de uma senhora alemã, Ana, de quem a família alugou a primeira casa. O "bolo" era a cuca, deliciosa, que agora conheço por "bolo da mãe".


Onde fica
Banca Penedo
Mercado Municipal de Santo Amaro -
R. Padre José de Anchieta, 953, loja 37, Santo Amaro
tel. 5686-5312

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

[noé ae?!] FEVEREIRO DA SILVA

[agência pirata] ASSIM NÃO, PESSOAL



::txt::Antônio Prata::

Em 1998, na primeira semana do meu curso de ciências sociais, na PUC, fizemos um abaixo-assinado. Estávamos em fevereiro, a classe era abafada e pedimos para que a reitoria instalasse um ventilador. Redigimos um texto à mão, coisa de três linhas, e, durante o intervalo, uma colega foi até o Centro Acadêmico digitar e imprimir nossa justa e simples reivindicação. Mal chegou ao CA, um aluno ofereceu-se para ajudar.

Minha amiga voltou uma hora depois, com os olhos arregalados. As três linhas tinham virado um manifesto de duas páginas, que falava do "sucateamento" da educação no Brasil, dos salários dos professores nas escolas públicas, citava Maio de 68 e terminava exigindo: "a) a divisão da turma em dois; b) a mudança para uma classe maior; ou c) ventiladores".

Sem entrar no mérito do longo manifesto, perguntei que história era aquela de dividir a turma em dois -o que implicaria dobrar o número de professores e custaria mais de R$ 100 mil-, se nós só pedíamos um ventilador? Ela disse que tentara explicar tal raciocínio ao membro do CA, mas ouviu em resposta que era "preciso dar uma alternativa à reitoria, para começarem a discutir". Alguém sugeriu, então, que pedíssemos: a) um ventilador ou b) um frigobar com Boêmias e Chicabons. Se a reitoria preferisse a segunda opção, não nos oporíamos.

A história seria cômica, não fosse por um detalhe: a educação pública no Brasil era -e é- uma lástima, os salários dos professores eram -e são- uma vergonha. Ao cobrar do reitor de uma universidade privada melhorias no ensino público, contudo -e no abaixo-assinado por um ventilador-, o guerrilheiro do CA não fazia nada pela educação no país, só tornava ridículo, aos olhos dos demais alunos, todos os que levantassem as bandeiras legítimas de um ensino de qualidade -além, é claro, de afastar definitivamente a possibilidade de conseguirmos o ventilador.

A invasão da reitoria da USP me fez lembrar daquele episódio. Que a polícia prenda jovens por consumo de maconha é lamentável. Que jogue gás lacrimogêneo contra os estudantes que protestam contra a prisão é uma violência desmedida. Mas que, em reação a isso, alunos invadam o prédio da reitoria e peçam a proibição da PM no campus é um raciocínio tão equivocado quanto sugerir a divisão da turma em dois, por causa do calor. Ou luta-se para que ninguém seja preso por porte de maconha e que ninguém tome porrada da PM -e acampa-se em frente do Palácio dos Bandeirantes, não na reitoria- ou o que se está exigindo é um privilégio. Sugerir que a PM possa entrar em todos os lugares, menos no campus da universidade, não é um pensamento libertário, é um vício classista: a velha ideia de que, neste país, todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros.

Com esta invasão, os guerrilheiros da reitoria não fizeram mal apenas à discussão sobre drogas e violência policial: ajudaram a tornar ridículos, aos olhos de toda a população, os milhares de outros jovens que, no Brasil e fora dele, lutaram e lutam por causas urgentes e fundamentais; não para serem tratados como cafés com leite.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

[noé ae?!] LUCAS SANTTANA convida MORAES MOREIRA

[do além] OCUPE CAKE



::txt::Groucho Marx::

Não são apenas os motéis e hospitais de Pernambuco, compradores de lixo hospitalar, que estão em maus lençóis. Pelos quatro cantos da terra eclodem protestos de diversas ordens. Primeiro foi a Primavera Árabe, agora o Outono Americano. E o que há em comum entre esses movimentos? Todos os manifestantes esperam um dia ter seu Verão Caribenho.

A revolta que me chama mais a atenção é o movimento Ocupe Wall Street, batizado na Espanha como Ocupe-se, em razão de o desemprego lá estar acima dos 20%. Esses jovens que tomaram as redondezas do maior centro financeiro do planeta protestam contra o capitalismo, mas rejeitam qualquer alternativa clássica como solução. A saída para eles não é pela direita nem pela esquerda. Parecem só acreditar na máxima do Millôr: “O capitalismo é a exploração do homem pelo homem. O socialismo é o contrário”.

Ora, se não se alinham às ideias de Adam Smith e Karl Marx, deveriam considerar o Groucho-Marxismo como a única, legítima e possível Terceira Via. E não aquela bobagem que tinha como um dos seus líderes o Tony Blair. Está na hora de eu ser levado a sério. Estamos cansados de brincadeiras. Se o mundo virou uma comédia, vamos profissionalizá-la. E o que professa o Groucho-Marxismo? Fico satisfeito em ver que você está prestando atenção no texto, ao me fazer tão importante pergunta. Deixarei meu irmão, Harpo, respondê-la, para não parecer que legislo em causa própria.

Harpo:







”.

Brilhante, Harpo, obrigado. Eu ainda acrescentaria que a minha mais célebre afirmação "eu nunca faria parte de um clube que me aceitasse como sócio" já continha a essência do sistema ideológico Groucho-Marxista, além de expressar com clareza minha crença no homem.

Para os que ainda ficaram em dúvida, preparei três pequenos quadros comparativos que evidenciam as vantagens do que até aqui foi exposto.


Sociedade

Liberalismo: com classes

Marxismo: sem classes

Groucho-Marxismo: desclassificada



Regime

Liberalismo: democracia

Marxismo: ditadura do proletariado

Groucho-Marxismo: começa na segunda



Estado

Liberalismo: mínimo

Marxismo: máximo

Groucho-Marxismo: de graça


No dia que o mundo adotar essa ideologia política e socioeconômica seremos todos irmãos. Irmãos Marx. Na prática não mudará muito. Você sabe como são os irmãos, né? Brigam o tempo todo.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

[domínio público] O CASTELO



::phrs::Franz Kafka::

A reverência diante da autoridade é inata em vocês, continuará a ser incutida durante a vida toda das formas mais variadas e por todos os lados; até vocês ajudam nisso como podem.

domingo, 6 de novembro de 2011

[agência pirata] E NO BAHREIN, NÃO VAI NADA



::txt::Aldir Blanc::

Meu saudoso amigo Fausto Wolff defendia a seguinte tese: corruptos são assassinos seriais, genocidas. Quando passei para o 3o- ano médico, fui para o hospital Gaffrée. Eu estava farto de quebrar pipetas, destruir lâminas, deixar cair placas a caminho da estufa etc. Queria o contato com o doente. Numa das primeiras aulas na cabeceira de um rapazola com esquistossomose, um durão do 6o- ano descreveu os sinais e sintomas, mostrou o estrago no organismo do menino e, ao explicar o ciclo do caramujo à doença, foi tomado de emoção, que dominou a custo. Desculpou-se e esclareceu:

— O rio onde ele foi contaminado está em área considerada livre do Schistosoma mansoni. Vocês sabem o que isso significa? Um político deve ter desviado a verba e o garoto vai morrer. Outros vão morrer por causa de um sujo ganancioso.

Ora, falam muito em algoritmos. Eu não entendo lhufas de matemática. A cara de meu pai ao assinar provas com notas zero me constrange até hoje. Para continuar meu raciocínio, vou citar a competente especialista em economia do GLOBO, Miriam Leitão:

“Para qualquer pessoa que vai para as ruas protestar — ou não — parece um acinte que quem escolheu entrar no negócio bancário lucre na abundância e na crise, eternamente sem punição (o grifo é meu).”

Aqui entra o tal algoritmo. Além daqueles que perderam o emprego, a casa própria, o plano de saúde, seria possível calcular quantas pessoas no mundo a ganância de Wall Street matou? Aposto que chegaríamos, ajudados pelo algoritmo, a vários holocaustos.

Por que insurgentes líbios não têm aspas nos jornais e “indignados” do movimento Ocupe Wall Street são pejorativamente marcados com elas? Assad prometeu cem afeganistãos se tentarem derrubá-lo. Um direitista comemorou o êxito da política externa americana. Título do artigo: “Barack Kissinger Obama.” Aí, um atentado matou o maior número de americanos desde a invasão. Os EUA têm uma noção estranha de “manter a situação sob controle”. Nojento ver a foto do filho de Kadhafi, fumando e bebendo água, executado logo depois, além das dezenas de corpos num quarto de hotel. Os métodos da insurgência lembram muito os de seu antecessor.

Empolgados com os movimentos libertários, os cidadãos do Forte Apache Bahrein saíram às ruas. Levaram um pau e foram em cana. E no Bahrein, não vai nada?

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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

[agência pirata] COMIDA BRASILEIRA DE VERDADE



::txt::Nina Horta::

Ai, ai, ai, agora podemos ter certeza de que a cozinha brasileira está na moda no Brasil. Até uns meses atrás isso era conversa de gulosos, antropólogos, alguns donos de restaurante intelectualizados, críticos e interessados. Hoje chegou nas assessorias de imprensa e nos eventores e promotores.

Vai arribar nas nossas praias um estrangeiro importante. E vai precisar comer. Antes queriam servir a comida do país do visitante, como curry para os indianos e salsichas para os alemães. Os bufês se esfalfaram de dizer que não era educado.

Imagina você, brasileiro, resolver gastar o seu rico dinheirinho com uma viagem à Tailândia dos seus sonhos. Chega lá e já é recebido com uma homenagem à altura. Uma bela feijoada -e antes fosse bela.

O mais provável é que você ria muito do resultado conseguido. Ou uma farofa com dendê. "Raios, viajei tanto para comer comida malfeita do meu próprio país!", seria provavelmente a sua reação.

E então, imaginamos que a comida mais educada a se servir ao estrangeiro é a do Brasil, no caso, mas tomando-se os devidos cuidados, tendo que amansar uma pimenta, uma farofa, para que o hóspede não estranhe e adoeça.

Mas, viva, os eventores querem comida brasileira! Certo. Você manda um cardápio com entradinhas de mandioca, tudo bem pequeno, como telhas de biju, que eles adoram. Depois, um bacalhau em tiras, misturado com ovo e batata palha, quer comida mais brasileira que bacalhau? "Não", retruca a menina eventora inteligente. "Bacalhau é norueguês e português."

Bem, tem lá suas razões, mas se formos atrás da comida dos índios, seria a farinha, talvez um lagarto ou um macaquinho moqueado. Um belo peixe seco, um pirarucu. Pode ser. Vamos fazer um peixão do Amazonas, um pirão, (para disfarçar a farinhice), uns palmitos... Nada de mangas, nem coco, nem quindins, nem doces d'ovos, nem compotas, devagar com a louça, tem que ser brasileiro-brasileiro.

Poderíamos oferecer o que o brasileiro come, aquele que come e que não filosofa sobre a comida, só come. Do sul ao norte, com diferenças mínimas vamos ter o arroz com feijão, verdura, salada, um bolinho e um pedaço não muito grande de carne de peixe, ave ou vaca.

Ah, desmaia a promotora, "mas estou recebendo visitas importantíssimas, o rei da Bowela, a editora da 'Mode', vou dar arroz e feijão?". Pois é, minha filha, fomos colonizados, se quiser uma globalização, dá, mas comida brasileira antes de Cabral... Não vai dar não, não vai dar não... Os próprios brasileiros vão estranhar aquele pequi cheiroso, aquele tucupi da mandioca.

Acho que os experts em comida podem continuar seus estudos brasileiros, mas há que ter duas vertentes. Comida brasileira de verdade e picadinho carioca para eventos.

O picadinho será rebatizado, convertido, "antropofagizado", canibalizado, esqueceremos as origens da carne ensopada, das batatinhas fritas, do tomate, do arroz, e ficaremos com as bananas-da-terra (sei lá), os ovos de macuco (índio não conhecia vaca, nem galinha) e muita farinha. Se possível, lançada na boca de longe, o que faria a festa, com prosecco ou cauim, bem mais animada.

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