#CADÊ MEU CHINELO?
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domingo, 6 de novembro de 2011
[agência pirata] E NO BAHREIN, NÃO VAI NADA
::txt::Aldir Blanc::
Meu saudoso amigo Fausto Wolff defendia a seguinte tese: corruptos são assassinos seriais, genocidas. Quando passei para o 3o- ano médico, fui para o hospital Gaffrée. Eu estava farto de quebrar pipetas, destruir lâminas, deixar cair placas a caminho da estufa etc. Queria o contato com o doente. Numa das primeiras aulas na cabeceira de um rapazola com esquistossomose, um durão do 6o- ano descreveu os sinais e sintomas, mostrou o estrago no organismo do menino e, ao explicar o ciclo do caramujo à doença, foi tomado de emoção, que dominou a custo. Desculpou-se e esclareceu:
— O rio onde ele foi contaminado está em área considerada livre do Schistosoma mansoni. Vocês sabem o que isso significa? Um político deve ter desviado a verba e o garoto vai morrer. Outros vão morrer por causa de um sujo ganancioso.
Ora, falam muito em algoritmos. Eu não entendo lhufas de matemática. A cara de meu pai ao assinar provas com notas zero me constrange até hoje. Para continuar meu raciocínio, vou citar a competente especialista em economia do GLOBO, Miriam Leitão:
“Para qualquer pessoa que vai para as ruas protestar — ou não — parece um acinte que quem escolheu entrar no negócio bancário lucre na abundância e na crise, eternamente sem punição (o grifo é meu).”
Aqui entra o tal algoritmo. Além daqueles que perderam o emprego, a casa própria, o plano de saúde, seria possível calcular quantas pessoas no mundo a ganância de Wall Street matou? Aposto que chegaríamos, ajudados pelo algoritmo, a vários holocaustos.
Por que insurgentes líbios não têm aspas nos jornais e “indignados” do movimento Ocupe Wall Street são pejorativamente marcados com elas? Assad prometeu cem afeganistãos se tentarem derrubá-lo. Um direitista comemorou o êxito da política externa americana. Título do artigo: “Barack Kissinger Obama.” Aí, um atentado matou o maior número de americanos desde a invasão. Os EUA têm uma noção estranha de “manter a situação sob controle”. Nojento ver a foto do filho de Kadhafi, fumando e bebendo água, executado logo depois, além das dezenas de corpos num quarto de hotel. Os métodos da insurgência lembram muito os de seu antecessor.
Empolgados com os movimentos libertários, os cidadãos do Forte Apache Bahrein saíram às ruas. Levaram um pau e foram em cana. E no Bahrein, não vai nada?
■ ■ ■ ■ ■ ■
quinta-feira, 24 de março de 2011
[agência pirata] CHE KADAFI
::txt::Elio Gaspari::
Outro dia, um curioso estava em cima de um camelo nas ruínas de Petra. Saíra da pracinha onde Indiana Jones matou o beduíno fanfarrão, quando três sujeitos apareceram no caminho. Eram ladrões. Um deles vestia camiseta com a imagem do Che Guevara. Das selvas da Bolívia, a lenda do Guerrilheiro Heroico chegara à cidade perdida dos nabateus.
Ninguém pode prever o que acontecerá com Muamar Kadafi, mas os Estados Unidos estão no caminho da construção de mais um personagem lendário. Daqui a meio século, alguém poderá cruzar com um plantador de coca do altiplano boliviano vestindo uma camiseta do "Rei Filósofo" líbio.
Os mitos são construídos pelos inimigos. Se a Inglaterra tivesse mandado Napoleão para Boston talvez ele tivesse morrido comerciando vinhos com o ervanário que entesourou. Seu mito deve muito aos seis anos de confinamento na ilha de Santa Helena, onde morreu.
Muitos são os guerrilheiros latino-americanos lembrados — Jorge Masetti, Camilo Torres ou mesmo Sandino — mas só Guevara tem camisetas até em Petra.
Se Guevara tivesse ido a julgamento, certamente teria sido anistiado pela Bolívia e seria hoje um octogenário reminiscente em Havana. Em outubro de 1967, as forças da coalizão americano-boliviana que o capturaram decidiram executá-lo num casebre do vilarejo de La Higuera. A ordem foi dada pelo comando boliviano e transmitida por um agente da CIA que lhe tungou um Rolex.
A execução de Guevara e a exposição de seu corpo sobre tanques de lavar roupa, numa cena evocativa do Crucificado, abriram o protocolo da lenda. (No Youtube há dezenas de vídeos sobre esse episódio, para todos os gostos.) A casa virou museu e ao lado dela há um enorme busto do Che, à frente de um crucifixo.
Em 1997 seus restos mortais foram trasladados para Cuba e estão num mausoléu. As execuções que ordenou tornaram-se justiçamentos, seu fanatismo, coerência, e suas aventuras, desassombro.
Os personagens de cenas como a de La Higuera raramente percebem a dimensão histórica dos episódios de que participam. O general americano que comanda o bombardeio da Líbia acredita que a choldra é boba, manda explodir o conjunto onde se supunha que estivesse Kadafi, e diz que não se pretende matá-lo.
Exatos sete anos depois do bombardeio de Bagdá, transformou-se uma operação militar que se diz destinada a proteger civis numa ofensiva que incluiu o lançamento de bombas sobre a capital líbia. (Nunca é demais lembrar o primeiro verso do hino dos fuzileiros americanos: “Dos salões de Montezuma às praias de Trípoli”.)
À diferença de Che, Kadafi é um oligarca larápio, mas há nele um ingrediente messiânico ausente no DNA do tunisiano Ben Ali ou do egípcio Hosni Mubarak. Como eles, soube seduzir empreiteiros, petroleiros, políticos e professores.
Parece um fanfarrão, mas é possível que fale sério quando diz coisas assim: “Kadafi não é uma pessoa comum, que você possa envenenar ou armar uma revolução contra ele. Eu lutarei até a última gota de meu sangue”.
Imagine-se um cenário catastrófico: Kadafi sai do seu esconderijo e, em vez de se esconder numa cafua, como Saddam Hussein, desaparece, como d. Sebastião, durante um combate num oásis do Saara.
Outro dia, um curioso estava em cima de um camelo nas ruínas de Petra. Saíra da pracinha onde Indiana Jones matou o beduíno fanfarrão, quando três sujeitos apareceram no caminho. Eram ladrões. Um deles vestia camiseta com a imagem do Che Guevara. Das selvas da Bolívia, a lenda do Guerrilheiro Heroico chegara à cidade perdida dos nabateus.
Ninguém pode prever o que acontecerá com Muamar Kadafi, mas os Estados Unidos estão no caminho da construção de mais um personagem lendário. Daqui a meio século, alguém poderá cruzar com um plantador de coca do altiplano boliviano vestindo uma camiseta do "Rei Filósofo" líbio.
Os mitos são construídos pelos inimigos. Se a Inglaterra tivesse mandado Napoleão para Boston talvez ele tivesse morrido comerciando vinhos com o ervanário que entesourou. Seu mito deve muito aos seis anos de confinamento na ilha de Santa Helena, onde morreu.
Muitos são os guerrilheiros latino-americanos lembrados — Jorge Masetti, Camilo Torres ou mesmo Sandino — mas só Guevara tem camisetas até em Petra.
Se Guevara tivesse ido a julgamento, certamente teria sido anistiado pela Bolívia e seria hoje um octogenário reminiscente em Havana. Em outubro de 1967, as forças da coalizão americano-boliviana que o capturaram decidiram executá-lo num casebre do vilarejo de La Higuera. A ordem foi dada pelo comando boliviano e transmitida por um agente da CIA que lhe tungou um Rolex.
A execução de Guevara e a exposição de seu corpo sobre tanques de lavar roupa, numa cena evocativa do Crucificado, abriram o protocolo da lenda. (No Youtube há dezenas de vídeos sobre esse episódio, para todos os gostos.) A casa virou museu e ao lado dela há um enorme busto do Che, à frente de um crucifixo.
Em 1997 seus restos mortais foram trasladados para Cuba e estão num mausoléu. As execuções que ordenou tornaram-se justiçamentos, seu fanatismo, coerência, e suas aventuras, desassombro.
Os personagens de cenas como a de La Higuera raramente percebem a dimensão histórica dos episódios de que participam. O general americano que comanda o bombardeio da Líbia acredita que a choldra é boba, manda explodir o conjunto onde se supunha que estivesse Kadafi, e diz que não se pretende matá-lo.
Exatos sete anos depois do bombardeio de Bagdá, transformou-se uma operação militar que se diz destinada a proteger civis numa ofensiva que incluiu o lançamento de bombas sobre a capital líbia. (Nunca é demais lembrar o primeiro verso do hino dos fuzileiros americanos: “Dos salões de Montezuma às praias de Trípoli”.)
À diferença de Che, Kadafi é um oligarca larápio, mas há nele um ingrediente messiânico ausente no DNA do tunisiano Ben Ali ou do egípcio Hosni Mubarak. Como eles, soube seduzir empreiteiros, petroleiros, políticos e professores.
Parece um fanfarrão, mas é possível que fale sério quando diz coisas assim: “Kadafi não é uma pessoa comum, que você possa envenenar ou armar uma revolução contra ele. Eu lutarei até a última gota de meu sangue”.
Imagine-se um cenário catastrófico: Kadafi sai do seu esconderijo e, em vez de se esconder numa cafua, como Saddam Hussein, desaparece, como d. Sebastião, durante um combate num oásis do Saara.
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