#CADÊ MEU CHINELO?
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domingo, 10 de maio de 2015
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
[conteúdo livre] VENTO ANARQUISTA
::txt::Zuenir Ventura::
Quem chamou a atenção para o que classificou de "enigma" foi o historiador e deputado pelo Parlamento Europeu Rui Tavares em recente artigo intitulado "A vingança do anarquista". Ele perguntava por que os mercados apertavam o cerco em torno de Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, e não incomodavam a Bélgica, que tinha uma dívida pública maior do que a portuguesa e, ainda por cima, estava sem governo eleito. Apesar disso, "a economia belga é a que mais cresceu na zona euro nos últimos tempos, ou seja, sete vezes mais do que a alemã".
Tavares ressaltava que isso aconteceu não "apesar", mas "graças" à situação singular dessa monarquia parlamentar que, "desgovernada" há 19 meses, desconhecia medidas de austeridade, recessão, arrocho, demissões e cortes de programas sociais. Desse modo, concluía o articulista, "a economia cresce de forma mais saudável, ajuda a diminuir o déficit e a pagar a dívida". Sede da União Europeia e da Otan, a Bélgica bateu o Iraque na categoria país sem governo, e não fez da crise política uma tragédia; preferiu enfrentá-la com bom humor e comemorar, chamando-a de Revolução da Batata Frita, como paródia à Revolução de Jasmim tunisiana e em homenagem ao prato nacional. Os jornais chegaram a fazer piada. Um anunciou em manchete: "Finalmente campeões do mundo"; outro celebrou, também com autoironia, o feito negativo inédito: "Recorde batido!"
Nos anos 70, o economista Edmar Bacha descreveu como Belíndia um país fictício, desigual e injusto, onde conviviam dois povos, um que tinha o padrão de vida da pequena e rica Bélgica e outro que lembrava a pobreza da Índia. Era o Brasil da época dos militares. Agora, o reino belga está sendo fonte de inspiração para outra fábula - a utopia anarquista de que não só é possível sobreviver sem governo como se vive até melhor sem ele.
Em tempos de descrença nas instituições, quando os jovens estão indo às praças públicas protestar em várias partes do mundo, independentemente de regime, ideologia ou credo, sabendo mais o que não querem do que o que querem, o exemplo belga pode exercer um grande fascínio, principalmente se considerarmos que nessa estação de tantas "primaveras" insurrecionais um pouco do vento da anarquia está soprando.
Já imaginou se a velha moda do "hay gobierno, soy contra" se espalha? No Brasil, onde o comportamento da Câmara e do Senado leva muita gente a sonhar com o seu fechamento por desnecessários, a experiência belga poderia ser adotada durante pelo menos alguns meses. Como se trata de um exercício de fantasia do tipo "o que não tem governo nem nunca terá", da música de Chico Buarque, quem sabe assim o país não funcionaria melhor? Uma coisa parece certa: sem ministros e ministérios, a corrupção seria menor.
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
[águas passadas] CARTA PARA ZEZÉ DI CAMARGO
::txt::China::
::ilstrç::Kika Novaes::
Zezé, você não me conhece e nem faz ideia de quem eu sou, mas pode ficar sossegado comigo. Eu não quero te conhecer e nem quero ser teu amigo, mas resolvi te escrever esta carta pra te dar um toque, velho. Porra, Zezé, desiste de ser ícone da MPB, para de querer ser aceito por Caetano, Gil e Chico Buarque... esses caras não passaram pela metade do que você passou pra se tornar um artista cheio da grana. Você vende mais disco que os três juntos, faz mais shows e com certeza deve comer mais mulher do que os caras. Se liga man.
Assisti o filme sobre a sua vida e confesso que me emocionei com o que vi. Que vida dura, cara... tu se fudeu pra caralho pra conseguir crescer na carreira. Admiro isso e te respeito como artista exatamente por causa de todas essas dificuldades que tu passou sem nunca desistir do sonho (que frase blasé). Zezé, porra...TU COMEU OVO CRU!!!
Duvido que Chico, Gil ou Caetano tenham comido ovo cru pra ficar com a voz potente. Esses caras tomavam era suquinho com biscoitos e vestiam casaco de lã pra não gripar. Tu quer mesmo ser amigo dessa turma? Só menino criado em berço de ouro... todos mimadinhos e cheios de vontades. Não, Zezé, tu é melhor que isso.
Você já é um ícone da música brasileira, nem se preocupe. Todo mundo te conhece, canta tuas músicas, vai nos shows, assite teu filme... tu queres mais o que? Depois do Roberto Carlos, só dá tu na arrecadação do ECAD, toca no rádio o dia inteiro e teve uma das maiores bilheterias do cinema nacional. Você precisa mesmo do respeito de um pequeno grupo pseudo intelectual? Sei não, Zezé, acho que tu vacila quando tenta colar nessa turma. Você já provou o seu talento brilhante, não precisa se rastejar. Acabo esta carta deixando claro que não quero ser seu amigo. Escrevi estas linhas porque não podia deixar passar a oportunidade de te dizer algumas verdades. Respeito sua vida, seu trabalho e o exemplo de que não devemos desistir jamais, porém não posso compactuar com essa safadeza que você está fazendo com a sua carreira.
PORRA, ZEZÉ...TU COMEU OVO CRU!!!
*texto originalmente escrito pra um edição antiga da revista O DILÚVIO, lá por meados de 2007.
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
SAMBA É ROCK (E VICE-VERSA)
::txt::Fagner Marques::
Como tudo que é relevante, surgiu por acaso, no improviso, na imaginação. Era 2007, acho. Tinha 24 anos e uma fixação: me especializar em algo. Achava muitos assuntos interessantes, desde física quântica até a importância da geladeira para os esquimós. Mas nada me era tão fascinante quanto o rock.
Mais que um estilo musical aquilo era, para mim, uma filosofia de vida. A representação da luta social sem armas. Ou melhor, com OUTRAS armas. "Essa máquina mata fascistas", cravara Woody Guthrie - um dos principais ícones da música country e de protesto do século passado e grande influência para o rock 'n roll - no case de seu violão.
De outro lado, esta forma de ver o mundo - e a vida, por consequência -, ganhou contornos populares. Era a bela dualidade: contestação e popularidade. O resto todo mundo já conhece. A essência blueseira na década de 1950, os movimentos sociais, a revolução sexual, Serguei (e meio mundo) comendo Janis Joplin, Hendrix queimando sua guitarra e tocando o horror, os Beatles exorcizando os fãs com doses cavalares de psicodelia, e o mundo que seguiu adiante e se tornou o que é hoje. Não importa! No fim, tudo é lindo, incoerente e polemico. Como uma declaração de Caetano.
Foi exatamente neste momento que a pulga se escondeu atrás da minha orelha. Pensei: onde, pelos infernos, estava o Brasil, enquanto o resto do mundo explodia em hormônios e exaltações rebeldes? Aquilo era sem sentido. Minha epifânia vinha de algo que ocorrera há dezenas de milhares de quilômetros de casa. Totalmente deslocado do meu cotidiano.
"Mentiroso", "Judas", podem exclamar alguns, acreditando que me rebelei contra o que sempre acreditei. Muito pelo contrário. Tentava descobrir como meu país, meu povo, havia contribuído com isso tudo. Até que um dia cheguei no samba.
Nossa matriz musical foi, para o Brasil, tudo o que o rock foi para Estados Unidos e Reino Unido. Quiçá, até mais! O batuque, tomado emprestado dos escravos, se modernizou na década de 1930. Se transformou na representação máxima do modo de vida da capital brasileira na época - o Rio de Janeiro -, retratando o cotidiano das classes, seus embates e os problemas estruturais de uma sociedade que engatinhava para se organizar. Mais do que isso, o samba questionava, na essência, os desfavores e os protestos sociais no Brasil.
Se Chico Buarque, Os Mutantes, Gal Costa, Maria Bethânia, Toquinho, Vinícius de Moraes e tantos outros nomes da chamada MPB são considerados, hoje, porta-vozes que reclamaram as ilegalidades e injustiças da ditadura militar, muito da produção deles se deve aos sambistas. Tanto os bambas das periferias e dos morros quanto os músicos e os poetas de classes mais favorecidas. Foram eles que, décadas antes, abraçaram a mesma causa: apresentar - em forma de versos e acordes - a vida, as angústias, as alegrias, as esperanças e as injustiças do povo. O samba foi o início do NOSSO movimento de contracultura.
Não encare este escrito como uma tentativa de comparar dois estilos musicais. Talvez queira, aqui, apenas apresentar o 'achismo' de quem vê a cultura brasileira como algo a ser preservado a admirado. Ok, admito, comparo sim. Dois estilos de vida, duas formas de ver o mundo. Diferentes em vários planos, mas muito parecidos na essência. Para mim, samba é rock. E vice-versa!
segunda-feira, 31 de maio de 2010
COMIDA É PASTO
Você tem fome de que?
:txt: Monsenhor Jacá*
Eu já disse muitas vezes em outros espaços: “quem hoje diz que funk, tecnobrega, pagode e rap não é música, há cem anos atrás dizia que samba não era música e negro não era gente”. Mas por que a expressão cultural de pessoas que vivem com precárias condições financeiras não é válida ou é pior? Qual a razão pra não reconhecer a poesia dum povo cercado por tráficos, drogas, bandidos e prostitutas? Quem disse que a influencia do banditismo da periferia não pode, mas a convivência familiar com criminosos de colarinho branco pode sim.
Outro dia um amigo me disse que Porto Alegre é a cidade do rock, pois aqui a galera ouve rock'n'roll, “bicho”. Retruquei: “é nada, aqui a galera ouve pagode, funk, axé, gauchesco e sertanejo; quem ouve rock é a galerinha que frequenta a Independência”. O cara ficou doido. “Como assim, Jacá? Tá louco meu?! Isso é coisa lá na pra Bahia, Goiás, Rio”. Se você tem mais de um neurônio, leitor, sabe que estou certo.
Se “galera” se resume ao seu círculo de amigos e familiares, talvez seja rock, ou jazz, ou samba, etc. Mas a imensa galera que habita a Restinga, a Alvorada, o Campo da Tuca, o Viamão, entre outros tantos lugares distantes mais de uma hora do centro da capital, para onde vai e vem todos dias bater ponto por um mísero salário, ah, essa galera não ouve rock. Se ouvisse, o Porão do Beco seria na Santa Isabel, nos Canudos ou na Mathias Velho.
É esse tipo de preconceito musical pelo qual me rebelo. Parece que só é bom aquela chatice de Chico Buarque, com suas letras proparoxítonas e seus shows caros exclusivos pra barão com estrelinha vermelha do partido no peito assistir. Essa é a música popular brasileira que você conceitua? Música dum fidalgo feita pra aristocratas? Chico Buarque é exatamente isso. Ele não joga bola no areião do Vidigal, e sim no campinho do presidente e no time dos ministros. Essa nossa “MPB” é nojenta. (Nossa não! Deles).
Eu tenho me divertido muito com aquilo que eu defino de música popular brasileira de verdade. O som que vem da vila, do morro, da periferia e do subúrbio. E não é só por questão social. A estética é surreal. Há um assalto autoral, músicas são sampleadas, riffs de guitarra plagiadas, letras traduzidas sem nenhum nexo com as originais. Também há um intenso e movimentado mercado informal ao redor da música. O tecnobrega de Belém do Pará é um exemplo sempre citado por muitos teóricos que defendem ponto de vista parecido com o meu.
Em tempos de internet e tecnologia avançados, com amplo acesso da população, em velocidades de conexão e modernização jamais imaginados, o roubo autoral, o plágio, o remix e a total desobediência ao copyright é a bandeira da subversão. Foda-se o autor, dane-se a propriedade intelectual. E quando os piratas modernos trazem a voz da marginalidade oprimida por 510 anos de escravidão pela classe política dominadora que este ano briga por mais quatro anos de sequencia desse modelo falido, aí sim é que os tornamos nossos heróis revolucionários de hoje, pois a rebeldia deles não é disputar o poder, mas talvez atingi-lo através de arte subversiva.
Se você pensa semelhante ou a partir de agora pode reformular seus conceitos, mas não conhece muitos artistas dessa geração pirata, procure no oráculo e baixe o som deles: Deize Tigrona, DJ Cremoso, João Brasil, Viviane Batidão, MC Marcinho, M.I.A., DJ Topo, DJ Lucio K, Chernobyl, Edu K.
* o autor deste texto pode ser você, basta me plagiar. O roubo é livre!
** este texto também foi publicado na edição impressa do Jornalismo B, porém com um trecho censurado. Aqui você o tem na versão original, sem a tesoura de Fidel
:txt: Monsenhor Jacá*
Eu já disse muitas vezes em outros espaços: “quem hoje diz que funk, tecnobrega, pagode e rap não é música, há cem anos atrás dizia que samba não era música e negro não era gente”. Mas por que a expressão cultural de pessoas que vivem com precárias condições financeiras não é válida ou é pior? Qual a razão pra não reconhecer a poesia dum povo cercado por tráficos, drogas, bandidos e prostitutas? Quem disse que a influencia do banditismo da periferia não pode, mas a convivência familiar com criminosos de colarinho branco pode sim.
Outro dia um amigo me disse que Porto Alegre é a cidade do rock, pois aqui a galera ouve rock'n'roll, “bicho”. Retruquei: “é nada, aqui a galera ouve pagode, funk, axé, gauchesco e sertanejo; quem ouve rock é a galerinha que frequenta a Independência”. O cara ficou doido. “Como assim, Jacá? Tá louco meu?! Isso é coisa lá na pra Bahia, Goiás, Rio”. Se você tem mais de um neurônio, leitor, sabe que estou certo.
Se “galera” se resume ao seu círculo de amigos e familiares, talvez seja rock, ou jazz, ou samba, etc. Mas a imensa galera que habita a Restinga, a Alvorada, o Campo da Tuca, o Viamão, entre outros tantos lugares distantes mais de uma hora do centro da capital, para onde vai e vem todos dias bater ponto por um mísero salário, ah, essa galera não ouve rock. Se ouvisse, o Porão do Beco seria na Santa Isabel, nos Canudos ou na Mathias Velho.
É esse tipo de preconceito musical pelo qual me rebelo. Parece que só é bom aquela chatice de Chico Buarque, com suas letras proparoxítonas e seus shows caros exclusivos pra barão com estrelinha vermelha do partido no peito assistir. Essa é a música popular brasileira que você conceitua? Música dum fidalgo feita pra aristocratas? Chico Buarque é exatamente isso. Ele não joga bola no areião do Vidigal, e sim no campinho do presidente e no time dos ministros. Essa nossa “MPB” é nojenta. (Nossa não! Deles).
Eu tenho me divertido muito com aquilo que eu defino de música popular brasileira de verdade. O som que vem da vila, do morro, da periferia e do subúrbio. E não é só por questão social. A estética é surreal. Há um assalto autoral, músicas são sampleadas, riffs de guitarra plagiadas, letras traduzidas sem nenhum nexo com as originais. Também há um intenso e movimentado mercado informal ao redor da música. O tecnobrega de Belém do Pará é um exemplo sempre citado por muitos teóricos que defendem ponto de vista parecido com o meu.
Em tempos de internet e tecnologia avançados, com amplo acesso da população, em velocidades de conexão e modernização jamais imaginados, o roubo autoral, o plágio, o remix e a total desobediência ao copyright é a bandeira da subversão. Foda-se o autor, dane-se a propriedade intelectual. E quando os piratas modernos trazem a voz da marginalidade oprimida por 510 anos de escravidão pela classe política dominadora que este ano briga por mais quatro anos de sequencia desse modelo falido, aí sim é que os tornamos nossos heróis revolucionários de hoje, pois a rebeldia deles não é disputar o poder, mas talvez atingi-lo através de arte subversiva.
Se você pensa semelhante ou a partir de agora pode reformular seus conceitos, mas não conhece muitos artistas dessa geração pirata, procure no oráculo e baixe o som deles: Deize Tigrona, DJ Cremoso, João Brasil, Viviane Batidão, MC Marcinho, M.I.A., DJ Topo, DJ Lucio K, Chernobyl, Edu K.
* o autor deste texto pode ser você, basta me plagiar. O roubo é livre!
** este texto também foi publicado na edição impressa do Jornalismo B, porém com um trecho censurado. Aqui você o tem na versão original, sem a tesoura de Fidel
sexta-feira, 17 de julho de 2009
SABOTAGE
# cabra da peste #
Cabeça de nego
txt: Miguel RMS
Como se a benção da inspiração tivesse confundido o Brooklyn de Nova Iorque com o seu xará mais pobre, o Brooklyn de São Paulo, nasceu Mauro Mateus dos Santos. Preto, pobre e inspirado, porque pobre se não tiver inspiração não se cria. É sério, vai pensando que é fácil sorrir morando no Canão, na beira da água espraiada, onde “só falta água e quando chove alaga”. Aliás só quem ri da espraiada em São Paulo é o Maluf, lembrando da obra superfaturada em R$ 432 milhões.
Mas voltando pro Mauro, foi daqueles que cresceu como todos ali, convivendo com “a música, o crime e o futebol”. E ele fez suas opções aqui e ali, juntou todas dando mais espaço hora pro samba, hora pro Santos Futebol Clube, hora pro crime. Foi no crime que passou parte da infância, levando o respeito na cintura. Foi pro crime que perdeu o irmão que sempre citava nas letras. Foi ali que conheceu o rap, ainda no tempo da São Bento, participou do festival onde influenciou Pedro Paulo Soares da Silva a cantar rap, o mesmo Pedro que ia virar Mano Brown.
No crime foi rebatizado, falsificando a assinatura da mãe na Febem ganhou do irmão o apelido que levou pra vida: Sabotage! E foi sabotando o que estava previsto que o mano driblou a vida, largou o crime, gravou o disco “O Rap é Compromisso” pela gravadora do Pedro Paulo, a Cosa Nostra, com ele foi eleito artista revelação do ano no prêmio Hutuz de 2002 (dez anos depois de começar a cantar rap), fez participações em tantos discos que nem lembrava mais, fez parte da trilha sonora e o papel dele mesmo no filme “O Invasor”, ensinou gíria pro elenco e beijou a bunda da Rita Cadilac no filme Carandiru e ainda mudou a cara do rap nacional indo pela contramão.
Quando o rap se tornava cada vez mais sisudo e fechado, Sabote sorria seu sorriso sem dentes, cantarolava um samba antigo que dizia: “Se eu parar pra cantar tristeza meu tempo aqui não chega...”. Pra quem esperava o mito do rapper mau Sabote se mostrava simplesmente o “Maurinho do Canão”, preto, pobre, inspirado, falando sobre a vontade de subir no palco vestido de terno e gravata, só pra surpreender os que pensam que rap é roupa.
Assim como Chico Science foi o elo de ligação entre a lama e o mundo, o regional e o global, Sabotage foi o elo de ligação entre as várias correntes do rap, unia o discurso da favela com a levada do asfalto. Com ele o rap paulista ficou mais malandro, valorizou o jogo de palavras no verso, fez rap samba com o Instituto sem parecer imitação do Dr. Marcelo, mostrando que se pode falar de mulher em rap com todo respeito e poesia, afinal “todo malandro vira otário quando ama”. Às vezes nem precisava falar muita coisa, só citar o nome dos parceiros no verso, os presentes e ausentes, como ele mesmo dizia só pra falar que “se o crime fosse tudo isso esse pessoal todo ainda tava aqui”.
Uma vez falou pro Napoli que se via no som do outro Chico, o Buarque, onde o cidadão morreu na contramão atrapalhando o sábado. Sabote viveu na contramão, da sociedade enquanto estava no crime e na contramão da onda de separações e brigas quando estava no rap, mas morreu em uma sexta-feira, 24/01/2003 na mesma mão que muitos outros pretos e pobres do país, baleado, uma morte sem inspiração se é que existe inspiração na morte.
O elo foi perdido. O assassino? Não foi localizado, a mídia tratou como só mais um caso, a polícia tratou como a mídia. Uns dizem que um antigo desafeto matou Sabote, outros dizem que foi a inveja do seu sucesso. De repente foi o destino, que pisa na tentativa da mudança de caminhos escritos, e na coragem de se falar em construir um bom lugar morando no gueto do gueto. Sabote falou que as “estrelas nascem crescem evoluem e morrem”.
Mas ele vive na memória daqueles que conheceram, ouviram e adotaram o rap como compromisso. Se bobear o Maurinho tá por aí, aparece volta e meia no verso de um, na gíria de outro, no alto falante de um carro, no toca-disco de algum outro preto, pobre e inspirado, talvez no Canão, no Brooklyn, na Santo Afonso, no Boréu, Alvorada, Alto Zé do Pinho, Vila Jardim...
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