::txt::Ronaldo Lemos::
“Não me tires o que não me podes dar!”, disse o cínico Diógenes para Alexandre, o Grande, quando este lhe fez sombra ao se posicionar em frente ao sol que banhava o filósofo. Milênios depois a anedota ainda ajuda a pensar sobre os limites da convivência. Questão que fica mais complexa à medida que a internet vai virando uma extensão da cidade: uma camada adicional do espaço público, igualmente permeada por regras de coexistência forjadas a duras penas nos embates do dia a dia.
Um exemplo fascinante desse embate é a recente moda dos bloqueadores portáteis de celular. Isso mesmo: aparelhos que cabem no bolso (ou na bolsa, dependendo do modelo) e criam um raio de até 15 metros onde é impossível usar o celular para falar ou acessar a internet. No Brasil os mais baratos são vendidos por R$ 90. O recurso vem caindo nas graças dos vigilantes do cotidiano, gente que pega ônibus (ou trem) e se cansou de ouvir conversas gritadas pelo celular durante a viagem. Solução: tapar o “sol” de todos para punir alguns.
Esse tipo de medida, além de ser uma modalidade de colapso da cidadania, expõe também a fragilidade do espaço digital. Se a moda pega, pode ganhar contornos de tragédia grega. Quem foi bloqueado hoje vai querer bloquear amanhã. Com isso o convívio vai se tornando inviável. Levada ao extremo, grupos articulados ou um governante mal-intencionado (como Mubarak fez no Egito) conseguem interromper partes da rede. Isso faz lembrar que, por incrível que pareça, a internet depende enormemente da ética de quem a utiliza para funcionar.
Três anos de prisão
Tal como nas cidades, ações de interrupção do espaço digital vão ganhando conotação política. É só pensar no Anônimos, o grupo hacker que consegue chamar a atenção derrubando sites como forma de protesto. Para além, não seria improvável protestos com base na nova onda. Por exemplo, um grupo segue para a avenida Paulista não para interromper o trânsito, mas para estrategicamente bloquear a comunicação por celular ao longo da avenida. O artista plástico Marcelo Cidade tentou fazer algo parecido na Bienal de 2006: interromper o sinal de todo o prédio da exposição, o que foi vedado pelo jurídico da Bienal. Bloqueadores de celular são ilegais no Brasil (exceto em presídios e em poucos casos permitidos). E o Código Penal estabelece pena de prisão de até três anos para quem “interrompe ou perturba serviço telefônico”.
Para a internet continuar a ser extensão da cidade, aberta e porosa, ela depende de um pacto social mais delicado do que se imagina. Se gentileza gera gentileza, a máxima pode ser multiplicada por cada byte que compõe a rede.
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