# que conversa é essa ?! #
De outro planeta
txt: China
pht: arquivo pessoal
Rafael Crespo, 35, guitarrista. Foi o responsável pelos hits mais importantes do Planet Hemp. Hoje em dia ele é sócio de um estúdio no Humaitá-RJ, e tenta montar uma banda de country/folk/rock no Rio de Janeiro. “A tarefa mais árdua que Deus me deu”.
Porque é tão difícil montar banda no Rio de Janeiro? Os músicos estão impregnados de clichês?
Primeiro porque tem pouco músico, mas rola um pouco disso que você falou também. Já ouvi não mais de uma vez que o Rio é o túmulo do rock, assim como dizem que São Paulo é o túmulo do samba, mas não acredite nas coisas que você ouve.
Eu acho que os cariocas num são bons pra cantar rock. Acaba sempre com aquela sonoridade B rock, anos oitenta.
Pode ser. Tem umas coisas boas mas o que se sobressai é mais isso mesmo. Talvez pelo fato de todas as grandes gravadoras, as emissoras de tv e rádio estarem concentradas aqui, criou-se essa cultura pop no Rio de Janeiro, enquanto São Paulo sempre foi mais underground, e os estados estavam muito distantes para se preocuparem com isso.
Tu acha que os anos 80 fizeram mal a cena rock que se criou depois?
A que veio depois não porque quem veio depois, veio puto com o que rolava antes. Falo de Raimundos, Planet Hemp, Chico Science...foi uma ruptura com aquela coisa de Blitz, Barão Vermelho Kid Abelha, o rock de mauricinho.
Nessa época tu já tinha banda ou foi no Planet Hemp que começou tua carreira?
Não. Comecei a tocar razoavelmente, o suficiente para ser aceito numa banda, lá pelo meio dos anos 80.
Guitarra?
Isso, guitarra. Lembro até hoje do Rock in Rio I, o Herbet Vianna chamando o Angus Young (ACDC) de mão dura. Me deu uma raiva, mas hoje eu entendo.
Porque ele disse isso?
Porque ele achava que o Angus Young só sabia tocar aquele som, que ele não tinha swingue para tocar um reggae ou um ska. Mas quem disse que o Angus precisa tocar ska, o cara tocava numa das maiores bandas de rock da época, era um guitarrista showmen, o cara não tava nem aí. Cada um faz o seu som.
Tu acha que o cara pra viver de música tem que ser, digamos assim, versátil?
Aqui no Brasil, sim. Já ouvi uma definição de malandragem que era o seguinte: Malandro era o cara que conseguia viver bem e se divertir sem dinheiro, ou seja, foi o jeito que o pobre inventou para viver melhor. Foi aí que surgiu a malandragem. Acho que o músico brasileiro é meio assim, se vira como pode para fazer o que gosta.
É, tu poderia ter feito parte de outras bandas rentáveis, mas você sempre investiu no underground.
É, eu fiz parte de uma banda que acho que vai ficar marcada na história de algum jeito, não sei se bom ou ruim. Podia ter me acomodado com o que tinha conseguido, mas não ia me sentir feliz e realizado enquanto visse tantas bandas boas e de qualidade serem desprezadas e subestimadas.
Porque tu saiu do Planet no meio do caminho? Só pra não ser preso? (Os músicos do Planet Hemp foram presos pela polícia em 1997, época em que Rafael se afastou da banda).
Pois é, você já viu aquele filme, Matchpoint, do Woody Allen?
Não.
Então vai ver! Ele diz que na vida tudo é uma questão de sorte. Acho que foi isso. Saí num momento em que não concordava com os rumos musicais que a banda tava tomando. Não consigo fazer uma coisa e olhar na cara das pessoas se eu não tiver tendo prazer no que faço e no convívio com eles. Então rolou aquilo, mas depois a gente amadurece, cresce e...sei lá, morre um dia, né?
Mas tu voltou pela grana ou porque se entendeu com os caras?
Eu me entendi com os caras no momento que eu tava mais duro, essas coincidências são foda, né?
Tu tem muita composição nos discos do Planet, mas ao mesmo tempo, você tem essa coisa de colocar os teus sons na internet . Aqui em Recife, os compositores que ganham bem com direito autoral, não querem botar as músicas na rede por medo de perder grana. O que tu acha? O cara perde, ou ganha na frente liberando as músicas?
Bom, eu não vejo música por esse ângulo. É como se o Picasso cobrasse pelo número de vezes que alguém visse um quadro dele. Acho que primeiro, música é uma arte(mas pode ser que eu esteja enganado), logo me considero um artista, e o que eu mais quero é que as pessoas ouçam minhas músicas, conheçam a minha arte. Dinheiro é conseqüência de vários fatores. Não é nisso que eu penso quando faço um som, nem quando tento achar um meio para que as pessoas possam, ter acesso. Acho que quem vive de música, quem tem um nível de vida elevado, não quer perder nunca o que conquistou. Desse ponto de vista eu ate entendo(embora não concorde), mas para o artista que ta começando, que não tem porra nenhuma, não faz diferença. É uma questão complicada, não é tão simples assim.
Gostei da analogia com os quadros de Picasso. Se ele cobrasse ia ser complicado mesmo. Tu agora tá tocando em quantas bandas? Quando eu te conheci, você tinha pelo menos umas seis.
Pois é, eu era jovem, né? Cheio de energia. Agora eu só toco com o Polara, e faço umas músicas que eu tô tentando divulgar sob o nome de Poniboy. Acho que é isso, não tenho mais nenhum plano ambicioso para conquistar o mundo, mas também não me contento com o que tenho. Então a questão é: Enquanto eu tiver criatividade para fazer música, enquanto não me provarem que o que eu faço e ruim, eu vou continuar fazendo e divulgando da maneira mais ética possível o meu trabalho.
Tu já se vendeu (ou se rendeu) a pressões de gravadora alguma vez?
Depende.
Como assim?
O q isso significa? Assinar um contrato e se render? Não. Nunca.
Fazer coisas que a gravadora insistiu e que não eram legais para a banda, essas coisas.
Eu já quebrei um disco de ouro uma vez na festa de entrega do nosso disco de ouro, acho que depois disso os caras ficaram meio com medo de mim.
Porque tu fez isso?
Pra começar porque eu tava completamente embriagado. E depois porque o nosso primeiro disco de ouro era igual aqueles que você vê em filme. Era um lp de 12 polegadas dourado, lindo. Tenho ate hoje. O segundo era um cdzinho mixuruca, e ainda por cima com um design de muito mau gosto. Como eu já tava insatisfeito por varias coisas que vinham ocorrendo. Acho que isso ficou no inconsciente, e a bebida ajudou a trazer tudo isso a tona. Na época eu achei engraçado. Hoje em dia eu acho muito mais engraçado ainda.
Pelo menos vai ter história pra contar pros netos.
Bom, algumas é melhor eles não saberem.
Hahahahahahahahahaha. E agora dono de estúdio? Deve ser chato ficar alugando equipamento pra galera destruir.
Até que não. Eu tenho me aprimorado bastante gravando, mixando, fazendo algumas experiências. Mas eu to me concentrando nessa história de tirar bons timbres, de tentar ser original, sei lá. Coisas que eu sempre questionei também quando era músico. Lembro que na gravação do nosso primeiro cd, ninguém sacava muito de estúdio nem nada, aí eu levei um cd de uma banda para o engenheiro de som e mostrei pra ele um som que começava parecendo que você tava ouvindo um ensaio da banda, e de repente entrava a gravação porrada. Eu achei aquilo foda. Falei pro cara que queria fazer igual. O cara ficou olhando pra mim e achando que eu tava brincando ou que eu era maluco, até que ele sacou que era sério, que ele ia ter que fazer aquilo mesmo. Ele ficou umas três horas para descobrir como fazia aquilo, e eu não tinha a menor idéia...só sei que depois que ele descobriu, eu disse que ia gravar a musica inteira daquele jeito.
Bom, depois que gravamos o som, o cara me chamou de canto e falou bem sério comigo. “Olha, quando você mostrar isso pros caras da gravadora, você explica pra eles que a intenção que você queria era essa mesmo. Fala aquilo que você falou pra mim, diz que não é defeito e nem que foi má qualidade do estúdio”. Hahahahahahahaha. Eu fiquei rindo da cara dele.
Não tava entendendo porque ele tava se preocupando, tinha ficado do caralho, fodasse o resto.
Hoje em dia eu me dou conta, de como as pessoas eram atrasadas e retrógradas naquela época. Nesse mundo de gravadoras e produtores ainda são, mas hoje as pessoas ousam mais. Naquela época era proibido você fazer alguma coisa diferente. Depois disso eu comecei a me interessar por produção e por todos os recursos que um estúdio oferece e que não é aproveitado.
Qual era essa música?
Skank. Era uma música instrumental. E tem uma escondida também, a última do cd que rola isso. Por mim, eu teria gravado o disco inteiro desse jeito.
Pega pra ouvir o primeiro disco do Defalla. O som é muito foda. O disco é de 1984, sei lá, por ai. Quando eu fui tocar com os caras perguntei pra eles como que os caras da gravadora deixaram eles fazer aquilo. O Edu K me contou história. Disse que o técnico de som, que também era o produtor do disco, era um porra louca e curtiu as idéias da banda, então fez tudo do jeito que eles queriam. Eles só mostraram o disco pra gravadora quando já tava tudo pronto.
Então, o primeiro disco deles lembra muito o usuário, do Planet, até os rifffs de guitarra são parecidos. Tu vivia ouvindo isso, né?
Esse disco me marcou muito. Foi a primeira vez que eu vi alguém fazer rock de verdade na minha frente, a um metro de distância, fazendo loucura, tirando uns sons loucos. Aquilo mudou minha vida de verdade, tipo, eu devia ter uns 15 anos. Eu falei isso pra eles depois porque eu entendi que você não precisava ser nenhum virtuoso pra fazer um som bom, bastava ter bom gosto, atitude...é isso aí.
Tu acha que o Brasil pode se tornar referência mundial no quesito rock?
Acho, de verdade. Aqui é o único país do mundo que tem banda de tudo quanto é estilo, tudo mesmo, e com talento. O que falta é incentivo e estrutura. Nenhum lugar do mundo tem a variedade que tem no Brasil.
Aqui você tem desde country a black metal, desde forró, a milonga, ou seja, tem de tudo, é só incentivar.
Eu li uma entrevista do Millencollin (banda de hardcore melódico da Suécia) quando eles vieram ao Brasil a primeira vez. O jornalista perguntou se foi muito difícil para eles, porque eles não eram americanos e tal. Eles disseram que não. Eles montaram a banda e ganharam do governo os instrumentos, e depois que eles tinham gravado disco, o governo patrocinou a tour deles pelos EUA e Europa. Ele disse que lá isso é comum.
Tu concorda com a postura de Marcelo D2? Meter o pau em Faustão e Gugu e depois ir lá cantar. Tu iria no Faustão?
Olha, a gente uma vez ia no Ratinho, ai eu fui lá no apartamento do Marcelo e do Lobato (empresário do Planet Hemp) e disse que não queria ir.Disse que eu não concordava com ele, não apoiava aquele programa dele, não deixava minha filha assistir aquele tipo de programa, porque aquilo é um desserviço a cultura. Então eu não podia ir lá porque era contra meus ideais. Não sei o que eles acharam, mas a gente não foi.
Agora sobre o D2, acho que ele é dono do nariz dele, ele sabe o que é melhor pra ele. Não cabe a mim dizer se eu acho certo ou não.
Se tua filha quiser seguir carreira musical tu vai achar bom?
Lógico. Mas ela tem mais jeito para desenhar. Puxou a mãe.
Garota sensata.
Hehehehe. Mas uma coisa hoje eu me arrependo: De não ter estudado mais
Antes. Achava besteira, mas hoje acho que me faz falta.
Conhecimentos gerais?
Não, conhecimento específico mesmo. Eu estudei jornalismo, mas queria ser musico. Hoje em dia acho que poderia escrever melhor se tivesse levado mais a serio os meus estudos. Isso é uma coisa que eu sinto falta.
É, o ruim é ver tanto jornalista que estudou escrevendo besteira por aí...
Pois é, isso é o que mais tem.
Tem previsão pra sair esse disquinho de Poniboy?
Não. Um dia.
Não se sente seguro pra lançar esse material ainda?
Eu tô fazendo músicas novas. Aquelas músicas que estão no site da trama...aquilo foi só um retrato de um momento que eu passei. Nunca tinha pensado em fazer nada além daquilo. Hoje eu tenho feito muito mais músicas, e as músicas estão mais consistentes, mas ainda não tenho os arranjos prontos, queria gravar com uma estrutura, uma banda, tipo violino, piano, banjo, acordeom. Isso leva tempo, e sem dinheiro...leva mais ainda.
Primeiro, preciso montar a banda, mas tá clareando aqui a situação, dia 17 agora vou fazer o meu primeiro show.
Tu devia catar esses caras em faculdades de música. Gente nova, sangue novo.
Essa foi a idéia inicial, mas músico de faculdade, músico que estuda, tem outra filosofia. Eles põem notas demais. Prefiro pegar a molecada que tem mais o espírito punk mesmo. É só domar um pouco a testosterona deles que rola.
Tu gosta do Rio de Janeiro? Sempre achei que você odiava esse lugar. Até por tu ter ido morar em São Paulo um tempo.
Eu já odiei muito o Rio. Hahahahahaha. É sério, mas hoje em dia eu não odeio mais nada. Se pudesse escolher moraria em SP, acho que tem mais haver comigo. A cidade, as pessoas, o clima, tudo. Na verdade o fato é que eu não odeio o Rio, mas eu amo São Paulo. Mas pelo menos aqui eu tô perto da minha família, da minha filha, isso é importante também.
Tu acha que o Planet Hemp tem volta?
Não. Só se for daqui a uns 25 anos, tipo encontro de amigos.
Só pra ganhar uma grana.
Cara, espero que não. Espero resolver esse problema muito antes disso.
#CADÊ MEU CHINELO?
segunda-feira, 21 de julho de 2008
quinta-feira, 17 de julho de 2008
EDDIE C. CAMPBELL
# connection #
Mississipi vive
txt e pht: Luís Vieira
Por volta das 22h30min do dia 10 de julho, o cantor Eddie C. Campbell rumava ao palco do Abbey Road trocando a bengala pela sua guitarra. Campbell estava acompanhado da The Special Blues Band, formada por Gaspo Hamônica (gaita), Edu Meireles (baixo), André Tubino (guitarra) e Adrian Flores (baterista e líder da banda).
Apesar de ter deixado o Mississipi para viver Chicago em 1949 aos 10 anos, o cantor carrega o estilo mississipiano na vestimenta, no modo de falar e, principalmente, na música. O show de Campbell e sua banda foi marcado pela crueza nas execuções das músicas. Além disso, o cantor mostrou que merece respeito não apenas por seus cabelos brancos. A voz aveludada não deixou nada a desejar.
Um dos maiores clichês do mundo da música é a saudade de décadas passadas. No entanto, não se pode deixar de dizer isso quanto se vê o show de Eddie Campbell. O lamento a respeito das dificuldades do cotidiano, a simples criatividade e bom humor para relatar histórias e, ainda, um pouco mais de poesia para tratar do romantismo de um artista que teve seu auge na década de 70.
Após provavelmente ter gastado as unhas tocando sua guitarra por mais de uma hora, Campbell mostrou o que mais usa para tocar guitarra, mostrando mais uma forma de interação com o público. Ele ainda abriu um grande sorriso para justificar porque não toca mais com os dentes.
Mississipi vive
txt e pht: Luís Vieira
Por volta das 22h30min do dia 10 de julho, o cantor Eddie C. Campbell rumava ao palco do Abbey Road trocando a bengala pela sua guitarra. Campbell estava acompanhado da The Special Blues Band, formada por Gaspo Hamônica (gaita), Edu Meireles (baixo), André Tubino (guitarra) e Adrian Flores (baterista e líder da banda).
Apesar de ter deixado o Mississipi para viver Chicago em 1949 aos 10 anos, o cantor carrega o estilo mississipiano na vestimenta, no modo de falar e, principalmente, na música. O show de Campbell e sua banda foi marcado pela crueza nas execuções das músicas. Além disso, o cantor mostrou que merece respeito não apenas por seus cabelos brancos. A voz aveludada não deixou nada a desejar.
Um dos maiores clichês do mundo da música é a saudade de décadas passadas. No entanto, não se pode deixar de dizer isso quanto se vê o show de Eddie Campbell. O lamento a respeito das dificuldades do cotidiano, a simples criatividade e bom humor para relatar histórias e, ainda, um pouco mais de poesia para tratar do romantismo de um artista que teve seu auge na década de 70.
Após provavelmente ter gastado as unhas tocando sua guitarra por mais de uma hora, Campbell mostrou o que mais usa para tocar guitarra, mostrando mais uma forma de interação com o público. Ele ainda abriu um grande sorriso para justificar porque não toca mais com os dentes.
terça-feira, 8 de julho de 2008
PITO KARCOMA
Descobrindo Pito Karcoma
txt e phts: Junior Bellé
Ele não tem carro nem celular. Mas é vegetariano. Semanalmente ajudante num hospital público em Elche, Espanha. Musico multiuso nos domingos e feriados religiosos. Anarquista em epílogo e epígrafe insurrecional. Libertário em estilo integral. Não move os calcanhares um milímetro se no horizonte brilhar “MAINSTREAM”, como o néon importado de um pub granfino. Advogado da Pirataria Caseira. Há um tempo atrás tinha o cético hábito de invadir o palco todo encapuzado, apontando o violão para a têmpora dos inocentes e gritando: “Yo Soy Julio Bustamante”. Muita gente captou a idéia. E decodificou. Sua turnê girou os maiores e menores okupas e ateneus da Espanha reverberando seus acordes pirotécnicos. Felizmente ninguém saiu ferido. Na pele. Pra quem ainda não conhece, abaixo vai um bate papo virtual com o “Elvis Callejero das Partituras Libertárias”. Pito Karcoma!
Na sua página na Internet a biografia começa no ano de 1993, mas o que você fez antes dessa data, antes mesmo dos Black Carcomas? Dá uns pitacos da tua história, juventude, o contato com o punk e com o anarquismo.
Nasci em 1961, em plena ditadura franquista, a morte do ditador e, o que aqui se chamou “transição democrática”, me tomou em plena adolescência. Foi uma época de intenso ativismo na esquerda, ali eu comecei, conheci o anarquismo – também outros movimentos políticos –, através dos livros e da história primeiramente, depois já militando em múltiplos coletivos, tanto políticos como culturais, comecei a tentar depositar meu grãozinho de areia nessa tarefa coletiva que é a revolução. Queria começar a ser anarquista, acredito que nunca somos completamente, é um caminho a seguir. Então me filiei a anarcosindicalista CNT, lutei contras as usinas nucleares, contra o ingresso na OTAN, nas greves, contra o serviço militar, pelas okupações, contra mil coisas, sempre onde havia uma oportunidade para se mobilizar. De uma forma ou outra sempre perdemos aquelas batalhas, algumas vezes triunfamos, pouquíssimas... as vezes também fraquejamos, mas sempre voltávamos novamente para primeira linha e assim seguíamos, sem nos rendermos jamais frente ao capitalismo. Também, paralelamente ás atividades políticas, participei em fazines e publicações, tanto políticas quanto musicais. Fizemos durante dois anos um programa de rádio chamado “Barrikada” em uma emissora livre, a “Radio Punxa”. Também estive em algumas experiências teatrais, mas na musica comecei desde muito jovem escutando os cantores que resistiam à ditadura. Logo já se podia escutar ao menos outras vertentes musicais, primeiro o rock ou o heavy - aquele feito aqui possuía um compromisso social que hoje desapareceu quase completamente – e assim chegou o punk. Ou melhor, chegou todo o rock radikal Vasco, e de outros lugares do país, tudo muito rápido, e isso marcou um método de fazer as coisas que ainda atualmente perdura, tanto em novos grupos como no público. Para mim, o punk não é uma moda ou uma forma de vestir. É uma atitude. Faça você mesmo. Tome seu próprio poder e comece a fazer as coisas que queira. Isso é o que há de realmente revolucionário no punk, o resto não deixa de ser as vezes apenas moda, ainda que, seguramente, é uma moda bastante selvagem. (risos)
Sobre os Black Carcomas. Vocês eram um grupo de punk, mas qual era a influência musical, ideológica? A distância do mainstream era proposital? E, outra coisinha, pra emendar, o Black era um projeto temporal?
O Black Carcomas nasceu por casualidade, já no ano de 1993, e foi formado por quatro amigos: Txno, Kurro, Tado e eu. Totalmente diferentes quanto à personalidade, gosto musical e projetos de grupo. Se bem que não havia nenhum projeto de grupo no começo. Simplesmente no juntamos para tocar, para nos divertirmos e fazer barulho. Então enfiamos um ideário e aquilo começou a rodar. Por isso nos chamaram de “um grupo de punk rock”, porque decidimos fazer as coisas por nós mesmos, sem necessidade de grandes músicos, sem aspirar ser uma estrela do rock, e neste ponto sim, estávamos todos de acordo. Por outro lado, o fato de sermos todos tão diferentes trouxe uma criatividade especial e coletiva. Se você ouve as canções, somos um grupo de guitarras, baixo, bateria e voz, que tem a atitude punk, mas que musicalmente era só o que podíamos e sabíamos tocar. Aqueles cinco anos foram A Bomba! (risos). Como todo grupo que se preze, éramos terríveis em cima e em baixo do palco.
Na hora de compor éramos somente em dois, normalmente: Tomas Rometo – “El Txino”, que tinha as influências do power punk e do pop mas cru, feito na guitarra -; e eu. Me seduzia mais o punk com a mensagem política, ainda que não tivesse nojo de outros estilos menos ortodoxos. Algumas canções compúnhamos meio-a-meio, acho que isso é perceptível nas diferente musicas. A experiência comercial do grupo foi mínima, já que atuávamos geralmente em circuitos políticos e alternativos, ou em bares de rock. Até fizemos algumas apresentações com empresário para edição do CD... eu não gostava daquilo, era uma empresa a mais, algo para se vender, ainda que na época eu tivesse que mentir, etc. Sinceramente, não gostei nada de tratar com esse tipo de gente. E nisso o grupo se dissolveu e alguns deixaram a musica. E aqui estou eu já há 10 anos como Pito Karcoma.
Assim eu produzi o cassete “Música del baile, vol.1” e o CD “En el corazón de la calle”, mais algumas musicas ao vivo em alguma compilação. Porque a verdade é essa, nunca conseguimos no estúdio a força e a raiva que tínhamos ao vivo, nem a velocidade. (risos). Era no palco que os Black Carcomas eram os azes, eram os mais rápidos. Simples, mas rápidos. E esse é o truque do punk!
Agora ventilando o leque. Como foi participar da encenação da “Resistencia” do Edilio Peña?
Foi uma oportunidade única. Na minha cidade, Elche, há um grupo de teatro chamado “La Carátula”, já com quarenta anos de trajetória. No ano de 1996 eles decidiram colocar em prática o projeto “Resistencia”, um texto do escritor venezuelano Edilio Peña. Queriam fazer algo novo e, ao mesmo tempo, que aproximasse duas facetas culturais que poucas vezes se encontravam, o teatro e o mundo do rock. Todo mundo se conhecia, inclusive o Txino era um dos atores numas montagens anteriores. Pensaram no Black Carcomas para fazer a musica ao vivo de uma plataforma, e participar no cenário tocando. Não éramos os melhores músicos, mas éramos quem podia se identificar com o texto, um texto que fala de poder, de sua relação, de como realmente utiliza seus mecanismos para perpetuar-se, fala do controle ideológico, da ambição, da tortura e da morte se for necessário, e como, ao mesmo tempo, a resistência, a dignidade e a ética acabam renascendo no indivíduo de uma forma ou de outra. Quando li o texto do Edilio me apaixonei pela obra, então participamos atuando, compondo a trilha sonora, compomos uma canção que tem o mesmo nome do texto e que interpretávamos ao finalizá-la. Além de grandes efeitos especiais, também levávamos uma tela gigante para passar vídeos, onde projetávamos, paralelamente ao teatro, imagens realmente duras e demolidoras que carregavam o espetáculo com um sentido de denúncia ainda maior.
Durante um ano fizemos uma dezena de atuações em grandes teatros, que para nós era um cenário desconhecido, e penso que para o público teatral era realmente impactante todo aquele desenvolvimento. Também acredito que conseguimos que o público dos shows percebesse que existiam espetáculos teatrais que podiam ser tão interessantes como um concerto de rock, em nível ideológico ou mesmo ao transmitir algumas sensações. A obra era dura, algumas pessoas não puderam suportar as cenas mais cruas de tortura, levantando da cadeira e saindo, e nós lá atuando e sabendo que não estávamos inventando nada.
Infelizmente era uma obra complexa e cara, com muito pessoal: atores, músicos, técnicos de vídeo, luzes e som, etc. Além do mais, incomodava as empresas de teatro e os teatros públicos, geridos por políticos, pelo conteúdo que possuía. Aqui na Espanha, ao contrário da música, quase todos os grupos teatrais são profissionais. Mas, sobretudo, recomendo a leitura do texto “Resistencia”, de Edilio Peña, que tivemos o prazer de conhecer já que veio à estréia. Até tentamos levar a peça para a Venezuela, mas o custo econômico, somente da viagem, era enorme, éramos mais de 15 pessoas além de todo o equipamento da obra.
Para mim foi muito gratificante, sempre utilizei todos os meios possíveis em nível cultural para expressar minhas idéias: zines, musica, teatro, rádio, cartazes ou debates. Como agora, que respondo a esta entrevista, esta foi uma grande oportunidade, o melhor de tudo é que sempre se acaba aprendendo algo novo para utilizar no futuro.
“Comando X” e a canção “Ya soy Julio Bustamante” é como um prelúdio musical, uma partitura identitária que abarca posturas como a dos coletivos Wo Ming e Luther Blisset. Você concorda com isso? E como surgiu a idéia de mesclar agitação política direta e música? Como foram os primeiros passos do “Comando X”?
Ano de 1997. A canção “Yo Soy Julio Bustamante” é uma brincadeira, mas foi a esquiva para que um grupo de encapuzados praticassem a guerrilha cultura. Gravamos essa canção em umas fitas cassetes editadas artesanalmente, e que vendíamos muito barato para animar as pessoas a utilizar os 30 minutos de fita virgem que sobrava para gravar e piratear seus artistas preferidos. Mas além da canção single, difundíamos manifestos e comunicados anarquistas, anti-sistema, animando as pessoas a interagirem com a ação direta cultural, política, pessoal, etc. Lançávamos santinhos e proclamávamos esses comunicados em concertos, tanto nossos como de amigos, em manifestações, em institutos de ensino, etc. Fazíamos ações, painéis, ações teatrais de guerrilha. Também fizemos um texto intitulado “Para esta canción no me hace falta la guitarra”. Foi um manifesto musical insurgente que debatia sobre o papel revolucionário da cultura e seus participantes. Algumas revistas nacionais fizeram eco para aquilo tudo, como “El Jueves”, “La Letra A”, também alguns zines, etc.
Pode parecer estranho, mas para mim não é, não me considero um músico, me considero um agitador cultural e político. E era divertido, o humor como arma anti-capitalista. Ao mesmo tempo, era um pouco arriscado, pois inúmeras vezes estava rompendo as fronteiras da legalidade e gritando coisas que não se podia gritar. Mas já que não podemos mudar o mundo nesse momento, gostamos muito de rir dos que nos oprimem com o respeito que merecem.
Sobre a influência, tínhamos meios precários, mas ainda assim, graças à difusão que comentei anteriormente, nossa mensagem chegou as pessoas, e pôde semear o debate do papel do artista que se sente revolucionário. Também foi possível interagir com diferentes componentes da ação de rua, e da ação artística, tudo ao mesmo tempo, utilizar o humor como arma frente á alienação ideológica a que nos submeteram os meios de propaganda. Um debate que, de qualquer forma, ainda está presente. E acredito que, a respeito deste da pirataria contra as grandes gravadoras, nós fomos um dos pioneiros ao reivindicar isso abertamente. Isso é o Comando X!
Como surgiu a idéia do “Hacer Reír, Hacer Bailar, Hacer Pensar”? Era um lance diferente do Black Carcomas, mas ainda tinha um vinculo com o “Comando X”, certo? Dá umas pinceladas sobre seu tur pela Espanha, de ônibus e trem, cantando em okupas, ateneus, etc. Era musica e propaganda, descarado, quase uma ação direta cultural, mas como foi a receptividade do público?
Sim, era uma continuação, na linha que marcou o “Comando X”, agora já atuando sozinho. O “Comando X” saia de cena com uma balaclava, através do público, a partir de qualquer lugar, de improviso, envolto em explosões pirotécnicas nem sempre bem controladas, com a nova canção “Cuidadano Terrorista”, ressonando pelo equipamento de som da sala, lançando um míssil desde o cenário e continuando com canções e scketchs humorísticos contra o Estado, a monarquia, os políticos, empresários, igreja, contra o fascismo, etc. Todos os nossos inimigos estavam na mira, dessa vez não para que fizéssemos sisudas análises críticas e artigos de opinião, senão simplesmente para rimos deles e ridicularizá-los com toda nossa gana e com toda nossa força!
O espetáculo [Hacer Reír, Hacer Bailar, Hacer Pensar] mantive girando por dois anos, ao redor de todo o país, muitas vezes viajando de ônibus ou de trem, eu não tenho carro nem celular, é uma opção tão política quanto possa ser a escolha pelo vegetarianismo, e com o público tive um êxito incrível. E isso aconteceu principalmente porque eu unia musica, teatro e ação, as pessoas estavam acostumadas a ver grupos de rock, ou cantores, mas meu espetáculo tinha uns 50% de teatro, com disfarces, pirotecnia, elementos vários, tudo com um humor que também poderíamos chamar de punk. Talvez um palhaço punk. Ou um cômico punk, essa poderia ser uma boa definição para o que eu fazia. Por isso digo que nos discos há sempre uma falta. No boca-a-boca aquilo se espalhou como espuma, e até hoje me perguntam, quando chego a algum lugar, se vou fazer o espetáculo com os petardos. Milagrosamente ninguém nuca saiu ferido com o fogo, nem sequer eu, mesmo fazendo aquelas maluquices em qualquer boteco pequeno. Bem, a fumaça asfixiava as pessoas, mas eu estava acostumado com a pólvora, vivo em um lugar onde há essa tradição popular, e é espetacular.
Durante minhas viagens, na maleta eu levava uma parafernália com meia dezena de balaclavas, já que sempre fazia um concurso e repartia elas com o público, todos os petardos pirotécnicos, armas simuladas, navalhas, também um par de narizes de palhaço, disfarces, perucas, etc. Mas também levava material político para distribuir, e também recolhia materiais para levar para minha região: publicações, cartazes, panfletos, etc. Felizmente a polícia nunca me pegou, senão, queria ver que explicação eu iria arrumar. (risos)
Desde 2001 a sua musica tem se aproximado de uma certa latinidade, do acústico também, é bastante perceptível no disco “Inventario”, e especialmente com o “Kilombo Agitación”. Houve uma guinada na sonoridade?
Cronologicamente falando, depois de dois anos no “Comando X”, encontrei um pessoal para fazer umas bandas de musica, totalmente instáveis quanto à duração, e delas saíram discos, uso as musicas para atuar, as vezes sozinho, outras com o “Kilombo Agitación”. Eles eram tremendos, sempre é mais divertido tocar com outras pessoas, com formação acústica, percussão, ventos, vozes, etc. Minhas musicas são tão latinas como eu mesmo, nunca gostei das fronteiras, mas me sinto mais próximo da cultura da América do Sul do que da cultura anglosaxã. Não apenas pelo idioma, mas também pela forma de viver a vida, aliás, essa é uma boa explicação.
Além do mais, a cultura musical, e não somente musical, que acontece na América do Sul, para mim, é muito mais rica, variada e alegre que os três acordes do rock and roll e todos seus derivados. Por um lado isso se impõe na cultura juvenil por vir oferecendo seu modelo faturado desde suas multinacionais. Para comparar, é o mesmo que acontece no cinema, as projeções de Hollywood tomam as telas, mas existe muito cinema para se descobrir em muitos outros países.
Também existe o fato de eu ser amigo e companheiro de latinos de muitos países, e dos que vivem aqui. Alguns deles também foram parte do “Kilombo Agitación”, “Kato y Karola”. E outros conheci por cartas ou Internet. Assim tenho muitos amigos e contatos lá, como por exemplo neste momento, nesta entrevista. E também graças a isso vou conhecendo um pouco melhor a realidade da América do Sul, recebendo e intercambiando zines, revistas, agora já com páginas web. Essa é uma das partes boas da Internet. Alguns projetos foram adiante por conta desses contatos.
Creio que tenho essas influências latinas, não sei muito bem como, mas, por exemplo, quando todos meus colegas escutavam punk nos 80 e começo dos 90, eu curtia mesmo as toadas dos velhos intentos revolucionários mexicanos, pra mim eram grandes canções.
Foi você quem criou a Kiriki Récords? Como é o trabalho numa “produtora ilegal”?
Assim surgiu, um desenho de uma companheira, uma imagem que era apenas um papagaio toatalmente tropikal, com uma bonita crista punk de cor vermelha. Ninguém negou que era bonito. O nome é Kiriki, o grito do galo briguento, é uma estupenda forma de definirmos.
Kiriki Récords é uma produtora de cultura, por isso não é nenhuma empresa. A idéia surgiu quando comecei a editar cassetes e depois CDs. Tanto dos grupos em que participava, quanto compilações, e coisas de outros grupos. Tampouco são muitos. Uma coisa que me iludiu foi co-editar um livro, o tema eram os presidiários, mas fazer um suporte como o livro, para mim foi uma batalha ganha. A Kiriki Récords é uma maneira para que as pessoas reconheçam que existe uma continuidade nos trabalhos, não apenas como Pito Karcoma, mas agora está difícil editar, o melhor é a web. Mas estamos aí ainda.
Lendo um tanto sobre você, me pareceu que tem uma afinidade grande com a Venezuela. Em 2004, você gravou o clipe “Siempre Ciudad”, do disco “Em Busca y Captura”, com o Maracaibo Teatro. Depois “El Libertario” de Caracas edita aquele pitelzinho do “Notas de Libertad”, compilação em que você participa. Você tem mesmo uma conexão especial com a Venezuela, amigos ou uma afinidade com o pessoal de lá?
É verdade, aquí em Elche, minha cidade, no começo por conta de um grupo chamado La Carátula, que tem uma longa trajetória de atuações na Venezuela, conhecemos pessoas e textos de lá. La Carátula organiza anualmente um festival de oralidade, onde há falas de contos, oradores, etc. Tudo na base da palavra. Mas não apenas da Venezuela, gente de quase todos os países latinos tem passado por aqui, e temos nos empapado mutuamente de histórias, textos, poesias que nos trazem os sentimentos daqueles lados. É lindo, e também interessante.
O Maracaibo Teatro é um grupo que saiu do La Carátula e iniciou sua própria trajetória, dirigida ao teatro de rua, de animação, etc. Apenas optaram por esse nome. Com Juan Carlos García, um dos criadores, fizemos o vídeo-clipe “Siempre Ciudad”. Nele participaram pessoas de outros grupos de teatro daqui, o negócio é que os participantes são todos amigos, nos conhecemos não apenas do movimento cultural, mas por nos encontrarmos bastante nos bares, e esse é um lugar onde há tempo de imaginar e colocar em prática muitas coisas.
Em contra partida, o contato com o periódico “El Libertario” surgiu por carta, e num contexto mais ativista. Conheci o Rafael Uzcategui e aceitei seu oferecimento. Com isso pude convidar e recopilar alguns dos músicos espanhóis que aparecem, já que havíamos participado juntos em alguns projetos, e tocado em festivais libertários, e nisso surgiu um grande trabalho, o CD “Notas de Libertad, “Recompilatorio Internacional de Trovadores Libertarios ”. Tenho muito orgulho de ter participado deste trabalho, da pequenina colaboração que tive, para que isso tudo nascesse, primeiro o disco e depois, na Internet, na direção Notas de Libertad. Ainda seguimos em contato regularmente com o Rafael, através de blogs, webs e correios eletrônicos.
Mas, como disse, tenho contato com gente de toda América Latina. No México, com a Biblioteca Social Reconstruir, editei minha primeira k7 “Komando X Tropikala”, envio regularmente discos para lá, tenho correspondência, fiz algumas entrevistas, agora a Biblioteca está fazendo duas recompilações e me pediram algumas canções. Esses contatos, nos quais troco informações, zines, webs, como disse, me permitem conhecer essas realidades, ou, pelo menos, ter uma idéia delas. Por fim, se o contato se mantém acaba chegando na amizade, ainda que seja através das letras.
Uma perguntinha de café no boteco: como está a vida, a música, a política libertária, os jornais e livros?
Bem, essa pergunta me permite dizer que eu não sou um artista ou um musico profissional, eu sou um trabalhador que trabalha para ganhar o salário. Quase todos os dias, como quase todo mundo. Trabalho em um hospital público como ajudante, no mais baixo escalão. Assim me sobra pouco tempo para fazer as coisas, tocar violão, cantar, e também escrever, ler, informar-me. Além do mais, é preciso limpar a casa, fazer comida, fazer um pouco de exercício físico para se manter ágil e forte. Some-se a isso que todo fim de semana rola alguma atuação própria, ou algum ato político, ou algum show interessante. Ainda assim sobra um tempo para o ativismo social. Mas não posso contar tudo (risos). Há um ano fui preso enquanto apoiava uma greve e me processaram (risos). Isso que só estávamos pintando! A gente faz o que pode!
Eu, como Pito Carcoma, cantor e compositor, ou algo assim, armado com seu violão e sua voz, me sinto mais próximo à literatura que à musica, mas também mais próximo à política que à musica. Isso se nota no meu trabalho, meu cenário não é rock, meu cenário é a revolução, ou seus espaços, e para notar isso é só ver onde toco normalmente. É ali onde se luta, quase sempre para companheiros e cobrindo economicamente os gastos de viagem, nada mais. Não há nada mais que falar.
O que produzo se pode acompanhar na minha página http://pitokarcoma.org , onde há as datas das apresentações, informações biográficas mais detalhadas para os que tenham mais curiosidade. Além do mais, é possível baixar gratuitamente todos meus discos e meu último trabalho em DVD – “Cosas Que Pasan”, editado recentemente. A web, além das informações, oferece um meio de difusão e distribuição muito mais eficiente e barato do meu trabalho. É um instrumento básico no meu trabalho diário, como o de outras tantas pessoas. Mas o mais importante de tudo é que existe uma filosofia não-comercial, de não fazer da cultura, da música, um negócio. Arte e Dinheiro são termos antagônicos, o dinheiro apodrece a arte e a liberdade. Evidente que tudo isso é uma atitude anti-capitalista, não somente no terreno cultural, mas também no econômico. É arte livre, não depende do que vão pagar ela, isso seria dar todo o poder ao mercado.
Sobre escrever, já me dediquei a isso em algumas vezes. Têm horas que sinto o impulso de escrever sobre coisas que vejo que passam em branco, mas há outras pessoas que escrevem. O certo é que, se um dia eu deixasse de tocar, me dedicaria a escrever. Mas no momento isso não está nos meus planos, é necessário dedicar muito tempo para ter a experiência para escrever bem. Por enquanto, leio muito o que os outros escrevem, há escritores e jornalistas que adoro ler, pessoas com as quais me sinto identificado, com quem aprendo, e isso me tranqüiliza.
Pra encerrar, um pedido ingrato: faz um Top 5 dos melhores grupos atualmente.
(risos) Impossível. Muitos me ajudaram para que eu esteja aqui, entre os que têm mais culpa, creio eu, estão “La Polla Récords”, agora tenho escutado bastante o “Evaristo canta con Gatillazo” – pura sociologia incendiária nas letras. Já disse um, mas a lista seria eterna, e com certeza já os conheceriam. Dessa forma, para atender seu pedido, vou apresentar um projeto que vai mais além do formato canção-grupo musical.
Eu falei sobre a Internet, e nela há uma página bacana, a http://masquepalabras.org/, onde se pode encontrar e escutar um monte de grupos com conteúdo social: cantores-autores, mestiços, HC, punk, Hip-hop. Totalmente recomendável, todos com algo em comum, com muito em comum. O administrador é o Bene, antigo componente da dupla “Paso a Paso”, um grande ativista e amigo, agora em alguns grupos musicais muito mais agressivos, mas ainda assim levando adiante este projeto que oferece uma seleção de grupos que, certamente, não serão os melhores da atualidade, mas que recomendo que conheçam. Estão esperando, todos na órbita anti-comercial, fazendo cultura, arte, reivindicação. Nada de business. Para mim, estes músicos são muito mais interessantes, os melhores, independente da própria música – www.masquepalabras.org.
Um Saludo aos leitores e muito obrigado pela paciência, nos vemos em www.pitokarcoma.org
Salud y libertad!
txt e phts: Junior Bellé
Ele não tem carro nem celular. Mas é vegetariano. Semanalmente ajudante num hospital público em Elche, Espanha. Musico multiuso nos domingos e feriados religiosos. Anarquista em epílogo e epígrafe insurrecional. Libertário em estilo integral. Não move os calcanhares um milímetro se no horizonte brilhar “MAINSTREAM”, como o néon importado de um pub granfino. Advogado da Pirataria Caseira. Há um tempo atrás tinha o cético hábito de invadir o palco todo encapuzado, apontando o violão para a têmpora dos inocentes e gritando: “Yo Soy Julio Bustamante”. Muita gente captou a idéia. E decodificou. Sua turnê girou os maiores e menores okupas e ateneus da Espanha reverberando seus acordes pirotécnicos. Felizmente ninguém saiu ferido. Na pele. Pra quem ainda não conhece, abaixo vai um bate papo virtual com o “Elvis Callejero das Partituras Libertárias”. Pito Karcoma!
Na sua página na Internet a biografia começa no ano de 1993, mas o que você fez antes dessa data, antes mesmo dos Black Carcomas? Dá uns pitacos da tua história, juventude, o contato com o punk e com o anarquismo.
Nasci em 1961, em plena ditadura franquista, a morte do ditador e, o que aqui se chamou “transição democrática”, me tomou em plena adolescência. Foi uma época de intenso ativismo na esquerda, ali eu comecei, conheci o anarquismo – também outros movimentos políticos –, através dos livros e da história primeiramente, depois já militando em múltiplos coletivos, tanto políticos como culturais, comecei a tentar depositar meu grãozinho de areia nessa tarefa coletiva que é a revolução. Queria começar a ser anarquista, acredito que nunca somos completamente, é um caminho a seguir. Então me filiei a anarcosindicalista CNT, lutei contras as usinas nucleares, contra o ingresso na OTAN, nas greves, contra o serviço militar, pelas okupações, contra mil coisas, sempre onde havia uma oportunidade para se mobilizar. De uma forma ou outra sempre perdemos aquelas batalhas, algumas vezes triunfamos, pouquíssimas... as vezes também fraquejamos, mas sempre voltávamos novamente para primeira linha e assim seguíamos, sem nos rendermos jamais frente ao capitalismo. Também, paralelamente ás atividades políticas, participei em fazines e publicações, tanto políticas quanto musicais. Fizemos durante dois anos um programa de rádio chamado “Barrikada” em uma emissora livre, a “Radio Punxa”. Também estive em algumas experiências teatrais, mas na musica comecei desde muito jovem escutando os cantores que resistiam à ditadura. Logo já se podia escutar ao menos outras vertentes musicais, primeiro o rock ou o heavy - aquele feito aqui possuía um compromisso social que hoje desapareceu quase completamente – e assim chegou o punk. Ou melhor, chegou todo o rock radikal Vasco, e de outros lugares do país, tudo muito rápido, e isso marcou um método de fazer as coisas que ainda atualmente perdura, tanto em novos grupos como no público. Para mim, o punk não é uma moda ou uma forma de vestir. É uma atitude. Faça você mesmo. Tome seu próprio poder e comece a fazer as coisas que queira. Isso é o que há de realmente revolucionário no punk, o resto não deixa de ser as vezes apenas moda, ainda que, seguramente, é uma moda bastante selvagem. (risos)
Sobre os Black Carcomas. Vocês eram um grupo de punk, mas qual era a influência musical, ideológica? A distância do mainstream era proposital? E, outra coisinha, pra emendar, o Black era um projeto temporal?
O Black Carcomas nasceu por casualidade, já no ano de 1993, e foi formado por quatro amigos: Txno, Kurro, Tado e eu. Totalmente diferentes quanto à personalidade, gosto musical e projetos de grupo. Se bem que não havia nenhum projeto de grupo no começo. Simplesmente no juntamos para tocar, para nos divertirmos e fazer barulho. Então enfiamos um ideário e aquilo começou a rodar. Por isso nos chamaram de “um grupo de punk rock”, porque decidimos fazer as coisas por nós mesmos, sem necessidade de grandes músicos, sem aspirar ser uma estrela do rock, e neste ponto sim, estávamos todos de acordo. Por outro lado, o fato de sermos todos tão diferentes trouxe uma criatividade especial e coletiva. Se você ouve as canções, somos um grupo de guitarras, baixo, bateria e voz, que tem a atitude punk, mas que musicalmente era só o que podíamos e sabíamos tocar. Aqueles cinco anos foram A Bomba! (risos). Como todo grupo que se preze, éramos terríveis em cima e em baixo do palco.
Na hora de compor éramos somente em dois, normalmente: Tomas Rometo – “El Txino”, que tinha as influências do power punk e do pop mas cru, feito na guitarra -; e eu. Me seduzia mais o punk com a mensagem política, ainda que não tivesse nojo de outros estilos menos ortodoxos. Algumas canções compúnhamos meio-a-meio, acho que isso é perceptível nas diferente musicas. A experiência comercial do grupo foi mínima, já que atuávamos geralmente em circuitos políticos e alternativos, ou em bares de rock. Até fizemos algumas apresentações com empresário para edição do CD... eu não gostava daquilo, era uma empresa a mais, algo para se vender, ainda que na época eu tivesse que mentir, etc. Sinceramente, não gostei nada de tratar com esse tipo de gente. E nisso o grupo se dissolveu e alguns deixaram a musica. E aqui estou eu já há 10 anos como Pito Karcoma.
Assim eu produzi o cassete “Música del baile, vol.1” e o CD “En el corazón de la calle”, mais algumas musicas ao vivo em alguma compilação. Porque a verdade é essa, nunca conseguimos no estúdio a força e a raiva que tínhamos ao vivo, nem a velocidade. (risos). Era no palco que os Black Carcomas eram os azes, eram os mais rápidos. Simples, mas rápidos. E esse é o truque do punk!
Agora ventilando o leque. Como foi participar da encenação da “Resistencia” do Edilio Peña?
Foi uma oportunidade única. Na minha cidade, Elche, há um grupo de teatro chamado “La Carátula”, já com quarenta anos de trajetória. No ano de 1996 eles decidiram colocar em prática o projeto “Resistencia”, um texto do escritor venezuelano Edilio Peña. Queriam fazer algo novo e, ao mesmo tempo, que aproximasse duas facetas culturais que poucas vezes se encontravam, o teatro e o mundo do rock. Todo mundo se conhecia, inclusive o Txino era um dos atores numas montagens anteriores. Pensaram no Black Carcomas para fazer a musica ao vivo de uma plataforma, e participar no cenário tocando. Não éramos os melhores músicos, mas éramos quem podia se identificar com o texto, um texto que fala de poder, de sua relação, de como realmente utiliza seus mecanismos para perpetuar-se, fala do controle ideológico, da ambição, da tortura e da morte se for necessário, e como, ao mesmo tempo, a resistência, a dignidade e a ética acabam renascendo no indivíduo de uma forma ou de outra. Quando li o texto do Edilio me apaixonei pela obra, então participamos atuando, compondo a trilha sonora, compomos uma canção que tem o mesmo nome do texto e que interpretávamos ao finalizá-la. Além de grandes efeitos especiais, também levávamos uma tela gigante para passar vídeos, onde projetávamos, paralelamente ao teatro, imagens realmente duras e demolidoras que carregavam o espetáculo com um sentido de denúncia ainda maior.
Durante um ano fizemos uma dezena de atuações em grandes teatros, que para nós era um cenário desconhecido, e penso que para o público teatral era realmente impactante todo aquele desenvolvimento. Também acredito que conseguimos que o público dos shows percebesse que existiam espetáculos teatrais que podiam ser tão interessantes como um concerto de rock, em nível ideológico ou mesmo ao transmitir algumas sensações. A obra era dura, algumas pessoas não puderam suportar as cenas mais cruas de tortura, levantando da cadeira e saindo, e nós lá atuando e sabendo que não estávamos inventando nada.
Infelizmente era uma obra complexa e cara, com muito pessoal: atores, músicos, técnicos de vídeo, luzes e som, etc. Além do mais, incomodava as empresas de teatro e os teatros públicos, geridos por políticos, pelo conteúdo que possuía. Aqui na Espanha, ao contrário da música, quase todos os grupos teatrais são profissionais. Mas, sobretudo, recomendo a leitura do texto “Resistencia”, de Edilio Peña, que tivemos o prazer de conhecer já que veio à estréia. Até tentamos levar a peça para a Venezuela, mas o custo econômico, somente da viagem, era enorme, éramos mais de 15 pessoas além de todo o equipamento da obra.
Para mim foi muito gratificante, sempre utilizei todos os meios possíveis em nível cultural para expressar minhas idéias: zines, musica, teatro, rádio, cartazes ou debates. Como agora, que respondo a esta entrevista, esta foi uma grande oportunidade, o melhor de tudo é que sempre se acaba aprendendo algo novo para utilizar no futuro.
“Comando X” e a canção “Ya soy Julio Bustamante” é como um prelúdio musical, uma partitura identitária que abarca posturas como a dos coletivos Wo Ming e Luther Blisset. Você concorda com isso? E como surgiu a idéia de mesclar agitação política direta e música? Como foram os primeiros passos do “Comando X”?
Ano de 1997. A canção “Yo Soy Julio Bustamante” é uma brincadeira, mas foi a esquiva para que um grupo de encapuzados praticassem a guerrilha cultura. Gravamos essa canção em umas fitas cassetes editadas artesanalmente, e que vendíamos muito barato para animar as pessoas a utilizar os 30 minutos de fita virgem que sobrava para gravar e piratear seus artistas preferidos. Mas além da canção single, difundíamos manifestos e comunicados anarquistas, anti-sistema, animando as pessoas a interagirem com a ação direta cultural, política, pessoal, etc. Lançávamos santinhos e proclamávamos esses comunicados em concertos, tanto nossos como de amigos, em manifestações, em institutos de ensino, etc. Fazíamos ações, painéis, ações teatrais de guerrilha. Também fizemos um texto intitulado “Para esta canción no me hace falta la guitarra”. Foi um manifesto musical insurgente que debatia sobre o papel revolucionário da cultura e seus participantes. Algumas revistas nacionais fizeram eco para aquilo tudo, como “El Jueves”, “La Letra A”, também alguns zines, etc.
Pode parecer estranho, mas para mim não é, não me considero um músico, me considero um agitador cultural e político. E era divertido, o humor como arma anti-capitalista. Ao mesmo tempo, era um pouco arriscado, pois inúmeras vezes estava rompendo as fronteiras da legalidade e gritando coisas que não se podia gritar. Mas já que não podemos mudar o mundo nesse momento, gostamos muito de rir dos que nos oprimem com o respeito que merecem.
Sobre a influência, tínhamos meios precários, mas ainda assim, graças à difusão que comentei anteriormente, nossa mensagem chegou as pessoas, e pôde semear o debate do papel do artista que se sente revolucionário. Também foi possível interagir com diferentes componentes da ação de rua, e da ação artística, tudo ao mesmo tempo, utilizar o humor como arma frente á alienação ideológica a que nos submeteram os meios de propaganda. Um debate que, de qualquer forma, ainda está presente. E acredito que, a respeito deste da pirataria contra as grandes gravadoras, nós fomos um dos pioneiros ao reivindicar isso abertamente. Isso é o Comando X!
Como surgiu a idéia do “Hacer Reír, Hacer Bailar, Hacer Pensar”? Era um lance diferente do Black Carcomas, mas ainda tinha um vinculo com o “Comando X”, certo? Dá umas pinceladas sobre seu tur pela Espanha, de ônibus e trem, cantando em okupas, ateneus, etc. Era musica e propaganda, descarado, quase uma ação direta cultural, mas como foi a receptividade do público?
Sim, era uma continuação, na linha que marcou o “Comando X”, agora já atuando sozinho. O “Comando X” saia de cena com uma balaclava, através do público, a partir de qualquer lugar, de improviso, envolto em explosões pirotécnicas nem sempre bem controladas, com a nova canção “Cuidadano Terrorista”, ressonando pelo equipamento de som da sala, lançando um míssil desde o cenário e continuando com canções e scketchs humorísticos contra o Estado, a monarquia, os políticos, empresários, igreja, contra o fascismo, etc. Todos os nossos inimigos estavam na mira, dessa vez não para que fizéssemos sisudas análises críticas e artigos de opinião, senão simplesmente para rimos deles e ridicularizá-los com toda nossa gana e com toda nossa força!
O espetáculo [Hacer Reír, Hacer Bailar, Hacer Pensar] mantive girando por dois anos, ao redor de todo o país, muitas vezes viajando de ônibus ou de trem, eu não tenho carro nem celular, é uma opção tão política quanto possa ser a escolha pelo vegetarianismo, e com o público tive um êxito incrível. E isso aconteceu principalmente porque eu unia musica, teatro e ação, as pessoas estavam acostumadas a ver grupos de rock, ou cantores, mas meu espetáculo tinha uns 50% de teatro, com disfarces, pirotecnia, elementos vários, tudo com um humor que também poderíamos chamar de punk. Talvez um palhaço punk. Ou um cômico punk, essa poderia ser uma boa definição para o que eu fazia. Por isso digo que nos discos há sempre uma falta. No boca-a-boca aquilo se espalhou como espuma, e até hoje me perguntam, quando chego a algum lugar, se vou fazer o espetáculo com os petardos. Milagrosamente ninguém nuca saiu ferido com o fogo, nem sequer eu, mesmo fazendo aquelas maluquices em qualquer boteco pequeno. Bem, a fumaça asfixiava as pessoas, mas eu estava acostumado com a pólvora, vivo em um lugar onde há essa tradição popular, e é espetacular.
Durante minhas viagens, na maleta eu levava uma parafernália com meia dezena de balaclavas, já que sempre fazia um concurso e repartia elas com o público, todos os petardos pirotécnicos, armas simuladas, navalhas, também um par de narizes de palhaço, disfarces, perucas, etc. Mas também levava material político para distribuir, e também recolhia materiais para levar para minha região: publicações, cartazes, panfletos, etc. Felizmente a polícia nunca me pegou, senão, queria ver que explicação eu iria arrumar. (risos)
Desde 2001 a sua musica tem se aproximado de uma certa latinidade, do acústico também, é bastante perceptível no disco “Inventario”, e especialmente com o “Kilombo Agitación”. Houve uma guinada na sonoridade?
Cronologicamente falando, depois de dois anos no “Comando X”, encontrei um pessoal para fazer umas bandas de musica, totalmente instáveis quanto à duração, e delas saíram discos, uso as musicas para atuar, as vezes sozinho, outras com o “Kilombo Agitación”. Eles eram tremendos, sempre é mais divertido tocar com outras pessoas, com formação acústica, percussão, ventos, vozes, etc. Minhas musicas são tão latinas como eu mesmo, nunca gostei das fronteiras, mas me sinto mais próximo da cultura da América do Sul do que da cultura anglosaxã. Não apenas pelo idioma, mas também pela forma de viver a vida, aliás, essa é uma boa explicação.
Além do mais, a cultura musical, e não somente musical, que acontece na América do Sul, para mim, é muito mais rica, variada e alegre que os três acordes do rock and roll e todos seus derivados. Por um lado isso se impõe na cultura juvenil por vir oferecendo seu modelo faturado desde suas multinacionais. Para comparar, é o mesmo que acontece no cinema, as projeções de Hollywood tomam as telas, mas existe muito cinema para se descobrir em muitos outros países.
Também existe o fato de eu ser amigo e companheiro de latinos de muitos países, e dos que vivem aqui. Alguns deles também foram parte do “Kilombo Agitación”, “Kato y Karola”. E outros conheci por cartas ou Internet. Assim tenho muitos amigos e contatos lá, como por exemplo neste momento, nesta entrevista. E também graças a isso vou conhecendo um pouco melhor a realidade da América do Sul, recebendo e intercambiando zines, revistas, agora já com páginas web. Essa é uma das partes boas da Internet. Alguns projetos foram adiante por conta desses contatos.
Creio que tenho essas influências latinas, não sei muito bem como, mas, por exemplo, quando todos meus colegas escutavam punk nos 80 e começo dos 90, eu curtia mesmo as toadas dos velhos intentos revolucionários mexicanos, pra mim eram grandes canções.
Foi você quem criou a Kiriki Récords? Como é o trabalho numa “produtora ilegal”?
Assim surgiu, um desenho de uma companheira, uma imagem que era apenas um papagaio toatalmente tropikal, com uma bonita crista punk de cor vermelha. Ninguém negou que era bonito. O nome é Kiriki, o grito do galo briguento, é uma estupenda forma de definirmos.
Kiriki Récords é uma produtora de cultura, por isso não é nenhuma empresa. A idéia surgiu quando comecei a editar cassetes e depois CDs. Tanto dos grupos em que participava, quanto compilações, e coisas de outros grupos. Tampouco são muitos. Uma coisa que me iludiu foi co-editar um livro, o tema eram os presidiários, mas fazer um suporte como o livro, para mim foi uma batalha ganha. A Kiriki Récords é uma maneira para que as pessoas reconheçam que existe uma continuidade nos trabalhos, não apenas como Pito Karcoma, mas agora está difícil editar, o melhor é a web. Mas estamos aí ainda.
Lendo um tanto sobre você, me pareceu que tem uma afinidade grande com a Venezuela. Em 2004, você gravou o clipe “Siempre Ciudad”, do disco “Em Busca y Captura”, com o Maracaibo Teatro. Depois “El Libertario” de Caracas edita aquele pitelzinho do “Notas de Libertad”, compilação em que você participa. Você tem mesmo uma conexão especial com a Venezuela, amigos ou uma afinidade com o pessoal de lá?
É verdade, aquí em Elche, minha cidade, no começo por conta de um grupo chamado La Carátula, que tem uma longa trajetória de atuações na Venezuela, conhecemos pessoas e textos de lá. La Carátula organiza anualmente um festival de oralidade, onde há falas de contos, oradores, etc. Tudo na base da palavra. Mas não apenas da Venezuela, gente de quase todos os países latinos tem passado por aqui, e temos nos empapado mutuamente de histórias, textos, poesias que nos trazem os sentimentos daqueles lados. É lindo, e também interessante.
O Maracaibo Teatro é um grupo que saiu do La Carátula e iniciou sua própria trajetória, dirigida ao teatro de rua, de animação, etc. Apenas optaram por esse nome. Com Juan Carlos García, um dos criadores, fizemos o vídeo-clipe “Siempre Ciudad”. Nele participaram pessoas de outros grupos de teatro daqui, o negócio é que os participantes são todos amigos, nos conhecemos não apenas do movimento cultural, mas por nos encontrarmos bastante nos bares, e esse é um lugar onde há tempo de imaginar e colocar em prática muitas coisas.
Em contra partida, o contato com o periódico “El Libertario” surgiu por carta, e num contexto mais ativista. Conheci o Rafael Uzcategui e aceitei seu oferecimento. Com isso pude convidar e recopilar alguns dos músicos espanhóis que aparecem, já que havíamos participado juntos em alguns projetos, e tocado em festivais libertários, e nisso surgiu um grande trabalho, o CD “Notas de Libertad, “Recompilatorio Internacional de Trovadores Libertarios ”. Tenho muito orgulho de ter participado deste trabalho, da pequenina colaboração que tive, para que isso tudo nascesse, primeiro o disco e depois, na Internet, na direção Notas de Libertad. Ainda seguimos em contato regularmente com o Rafael, através de blogs, webs e correios eletrônicos.
Mas, como disse, tenho contato com gente de toda América Latina. No México, com a Biblioteca Social Reconstruir, editei minha primeira k7 “Komando X Tropikala”, envio regularmente discos para lá, tenho correspondência, fiz algumas entrevistas, agora a Biblioteca está fazendo duas recompilações e me pediram algumas canções. Esses contatos, nos quais troco informações, zines, webs, como disse, me permitem conhecer essas realidades, ou, pelo menos, ter uma idéia delas. Por fim, se o contato se mantém acaba chegando na amizade, ainda que seja através das letras.
Uma perguntinha de café no boteco: como está a vida, a música, a política libertária, os jornais e livros?
Bem, essa pergunta me permite dizer que eu não sou um artista ou um musico profissional, eu sou um trabalhador que trabalha para ganhar o salário. Quase todos os dias, como quase todo mundo. Trabalho em um hospital público como ajudante, no mais baixo escalão. Assim me sobra pouco tempo para fazer as coisas, tocar violão, cantar, e também escrever, ler, informar-me. Além do mais, é preciso limpar a casa, fazer comida, fazer um pouco de exercício físico para se manter ágil e forte. Some-se a isso que todo fim de semana rola alguma atuação própria, ou algum ato político, ou algum show interessante. Ainda assim sobra um tempo para o ativismo social. Mas não posso contar tudo (risos). Há um ano fui preso enquanto apoiava uma greve e me processaram (risos). Isso que só estávamos pintando! A gente faz o que pode!
Eu, como Pito Carcoma, cantor e compositor, ou algo assim, armado com seu violão e sua voz, me sinto mais próximo à literatura que à musica, mas também mais próximo à política que à musica. Isso se nota no meu trabalho, meu cenário não é rock, meu cenário é a revolução, ou seus espaços, e para notar isso é só ver onde toco normalmente. É ali onde se luta, quase sempre para companheiros e cobrindo economicamente os gastos de viagem, nada mais. Não há nada mais que falar.
O que produzo se pode acompanhar na minha página http://pitokarcoma.org , onde há as datas das apresentações, informações biográficas mais detalhadas para os que tenham mais curiosidade. Além do mais, é possível baixar gratuitamente todos meus discos e meu último trabalho em DVD – “Cosas Que Pasan”, editado recentemente. A web, além das informações, oferece um meio de difusão e distribuição muito mais eficiente e barato do meu trabalho. É um instrumento básico no meu trabalho diário, como o de outras tantas pessoas. Mas o mais importante de tudo é que existe uma filosofia não-comercial, de não fazer da cultura, da música, um negócio. Arte e Dinheiro são termos antagônicos, o dinheiro apodrece a arte e a liberdade. Evidente que tudo isso é uma atitude anti-capitalista, não somente no terreno cultural, mas também no econômico. É arte livre, não depende do que vão pagar ela, isso seria dar todo o poder ao mercado.
Sobre escrever, já me dediquei a isso em algumas vezes. Têm horas que sinto o impulso de escrever sobre coisas que vejo que passam em branco, mas há outras pessoas que escrevem. O certo é que, se um dia eu deixasse de tocar, me dedicaria a escrever. Mas no momento isso não está nos meus planos, é necessário dedicar muito tempo para ter a experiência para escrever bem. Por enquanto, leio muito o que os outros escrevem, há escritores e jornalistas que adoro ler, pessoas com as quais me sinto identificado, com quem aprendo, e isso me tranqüiliza.
Pra encerrar, um pedido ingrato: faz um Top 5 dos melhores grupos atualmente.
(risos) Impossível. Muitos me ajudaram para que eu esteja aqui, entre os que têm mais culpa, creio eu, estão “La Polla Récords”, agora tenho escutado bastante o “Evaristo canta con Gatillazo” – pura sociologia incendiária nas letras. Já disse um, mas a lista seria eterna, e com certeza já os conheceriam. Dessa forma, para atender seu pedido, vou apresentar um projeto que vai mais além do formato canção-grupo musical.
Eu falei sobre a Internet, e nela há uma página bacana, a http://masquepalabras.org/, onde se pode encontrar e escutar um monte de grupos com conteúdo social: cantores-autores, mestiços, HC, punk, Hip-hop. Totalmente recomendável, todos com algo em comum, com muito em comum. O administrador é o Bene, antigo componente da dupla “Paso a Paso”, um grande ativista e amigo, agora em alguns grupos musicais muito mais agressivos, mas ainda assim levando adiante este projeto que oferece uma seleção de grupos que, certamente, não serão os melhores da atualidade, mas que recomendo que conheçam. Estão esperando, todos na órbita anti-comercial, fazendo cultura, arte, reivindicação. Nada de business. Para mim, estes músicos são muito mais interessantes, os melhores, independente da própria música – www.masquepalabras.org.
Um Saludo aos leitores e muito obrigado pela paciência, nos vemos em www.pitokarcoma.org
Salud y libertad!
segunda-feira, 7 de julho de 2008
BERNA CEPPAS
# águas passadas #
A BAILAR
tht e ent: Caio Jobim e Leandro De Nardi
phts: Pindzm
É uma noite de segunda-feira típica do verão carioca na Lapa. O movimento no largo dos arcos em frente ao Circo Voador ainda é pequeno, exceto pelas barracas com suas diversas ofertas de comes e bebes, os ambulantes e os cambistas que oferecem descontos vantajosos à minoria que escapa à condição de estudante. A julgar pela quantidade dos informais, o movimento será grande logo mais, embora não haja fila na bilheteria e quase ninguém lá dentro sob a lona mais quente do Rio de Janeiro.
A entrevista está marcada para as dez horas, já estamos atrasados, mas não conseguimos entrar. Tentamos por trás, pela entrada dos artistas, mas não é o caso, a assessora de imprensa fica na entrada principal informa o segurança. Negativo, lá ela não está. Nosso enviado especial ao Rio de Janeiro não sabe o que fazer, fica nervoso. Pede informação às meninas que cuidam da lista, mas claro, lá estavam nossos nomes e os respectivos convites. Direto aos camarins. Agora estamos no caminho certo, embora ninguém da banda houvesse chegado.
Salvos pelo Super Homem. É tradição Imperial que nos bailes pré-carnavalescos de verão músicos e foliões venham fantasiados e é vestindo uma camiseta de manga curta com o símbolo do homem de aço e os óculos de Clark Kent que Berna Ceppas, um dos idealizadores da Orquestra Imperial, chega ao back stage e nos é imediatamente apresentado para que tenha início a conversa reproduzida abaixo.
À medida que o papo flui, os demais integrantes vão aparecendo. Ouve-se uma buzina e o portão se abre para a chegada de Max Sette em seu Corcel II com Rubinho Jacobina na carona. Domenico chega discretamente e se aproxima da nossa roda para dar um alô. Kassin se dirige ao camarim e volta tomando um Gatorade. Hidratação para agüentar as mais de três horas de show sob o calor da lona, das luzes e da aglomeração humana. O casal Thalma de Freitas e Stephane San Juan chega a bordo de um Monza e uma nova roda se forma atrás do palco.
Um parêntese cinematográfico se abre em nossa conversa. A dupla Berna e Kassin assina a trilha sonora de alguns dos melhores filmes brasileiros recentes, como o Céu de Suely, de Karin Ainouz, e Árido Movie, de Lírio Ferreira, esta ao lado dos pernambucanos Otto e Pupilo. A boa notícia é que provavelmente estes trabalhos, pouco conhecidos até mesmo por aqueles que costumam assistir filmes brasileiros, possivelmente serão lançados em cd acompanhados dos respectivos roteiros.
Berna é chamado ao telefone. É Mario Caldato, produtor de “Carnaval só no ano que vem”, disco de inéditas que será lançado em breve, avisando que está chegando. Nelson Jacobina traz um amigo, Kassin se junta à roda e o assunto passa a ser o show de lançamento do disco “Futurismo”, dali a duas noites, no Teatro Odisséia. Comentam sobre o virtuosismo do baixista e guitarrista Alberto Continentino que substitui o amigo e compenhiro de Orquestra, Pedro Sá, devido aos seus compromissos na banda de Caetano Veloso. Estava encerrada a entrevista. Kassin+2 é um assunto que merece exclusividade. Por hora, fiquem com Berna Ceppas, seu sócio no Estúdio Monaural.
Como amadureceu a idéia de um disco da Orquestra Imperial uma vez que a proposta inicial era apenas fazer apresentações ao vivo?
Na verdade, o bagulho começou há quatro anos atrás, quatro anos e meio, na época da copa de 2002. E era um lance totalmente informal pra gente cobrir quatro datas numa casa de shows que tinha no Rio, chamada Ballroom, era meio projetão, só pra cobrir 04 datas. Aí pintou mais quatro. Só iam os amigos, pra dançar. Não era um lance bombando. O negócio foi pegando, lentamente. Ao mesmo tempo, nessa época, tava rolando um movimento, não só no Rio, mas no Rio também, de um certo resgate de cultura, um negócio assim que a gente nem gosta de se vincular muito, que a gente chama até de Regionazismo (risadas). É tipo uns caras brancos da PUC, que se apropriam da cultura popular e não quer deixar mexer, ficam carregando aquilo de um jeito estranho, mas a gente (Orquestra Imperial) era mó galhofa assim, mas por conta desse momento da música a galera começou a chegar também, com forró, com samba de raiz, isso tudo ao mesmo tempo. A Orquestra começou a vingar, a dar certo. Não sabemos o que a gente fez de tão errado pra ter dado tão certo. Era totalmente improvável que uma banda com 19 pessoas no palco vingasse.
19 pessoas com outras bandas.
Dentro da Orquestra tem varias bandas. A gente pode, por exemplo, ir pra Porto Alegre e fazer o Festival Imperial. Ficamos lá uma semana. A gente faz show da Thalma, show da Nina, do +2, show do Dupplex, eu e Kassin temos um projeto de som eletrônico, o Monoaural, o Artificial, projeto solo do Kassin. Fazer vários shows só rearranjando essa galera da Orquestra. No disco, chegamos a tocar estimulados pelo estilo e começou naturalmente a acontecer parcerias internas. Sambas. Musicas desse universo. Não somos uma banda de gafieira. Somos uma banda pop que se meteu a tocar musica de gafieira. Isso por toda uma vontade, por achar legal isso. As pessoas começaram a fazer sambas. A chegada do Seu Wilson foi muito importante (Wilson das Neves) pra estimular a galera. O cara é totalmente velha guarda, um cara que gravou com todo mundo, inventou o estilo praticamente, estava dentro do surgimento do estilo. Começamos a ver que a gente era uma banda de cover. A Orquestra era uma banda de cover. Má pô! Vamos dar o passo. Esse primeiro EP na verdade são regravações de musicas já existentes. Mas o disco mesmo, que sai em março, abril, vai ser o disco com as inéditas, 11 musicas inéditas que a gente garimpou dentro dessa produção da Orquestra. O disco é muito isso. Um divisor de águas, de certo jeito.
Fale do disco faixa a faixa, os autores das composições, quais as parcerias que se formaram dentro da Orquestra Imperial?
Tem várias parcerias. Tem uma do Wilson das Neves com o Max Sette, com o Steffan San Juan, francês marido da Thalma. Tem uma que foi engraçada. Fomos pra Comandatuba, ficamos meio ilhados num Resort lá, pra fazer vários shows de lançamento de um carro da Fiat. Estavam lá Sandra de Sá, Ney Matogrosso, Beth Carvalho. Tinha um certo clima lá. Aí os neguinhos começaram a fazer um som em conjunto, a partir de uma frase do Dômenico de que “A Orquestra podia causar ereção”. Ai nasceu uma musica, numa noite louca, todo mundo fascinado no lugar. Aí nasceu essa parceria, a Sandra de Sá também faz parte dela. Outra é uma música do Domenico com a Beth Carvalho, que ele trouxe pra Orquestra. Outra é uma parceria do Rodrigo Amarante com o Kassin e o Domenico. Tem uma música maravilhosa, só da Thalma, “Não foi em Vão”. Tem uma música do Rubinho, “Salamaleque”, junto com, o Max Sette. Acho que não vou lembrar das onze (risos). Tem o “Ela Rebola” com o Mautner (Jorge Mautner). Tem outra do Bartollo com o Mautner também. “Ela Rebola” é uma parceria do Nelson Jacobina com o Jorge Mautner. “O Supermercado do Amor” é do Bartollo com Jorge Mauter.
Essas musicas tão rolando nos shows?
Não. Algumas. Tocamos “Era Bom” que é uma parceria do Wilson com o Max e tocamos “Ereção”, essa criada em conjunto. E a gente tá tocando “Ela Rebola” também.
A OI se apresentou em algumas capitais brasileiras como Belo Horizonte, São Paulo e Recife. Como foi a recepção do público longe de casa?
Foi bem legal. Foram só essas cidades. Porto Alegre dançou em cima do laço. Foi uma pena. Estávamos afimzão de ir. É um trampo pra quem ta produzindo. É muita gente. Quando a gente ta viajando são 25 pessoas, com passagens, hotéis, diárias.
Mas agora, com o lançamento do disco, tem chance de outras capitais assistirem ao baile-show?
Tem chance sim, lógico. Mas é preciso fazer um negócio germinado, tipo, entre praças. Se a gente chegou a Porto Alegre, faz Punta del Este, Buenos Aires, Florianópolis e Curitiba.
Como que vocês pretendem divulgar o disco? Qual a importância da Internet, Myspace, Youtube, etc..?
Estamos com uma página na internet (www.orquestraimperial.com.br). No You Tube é tudo espontâneo, neguinho que filma no meio do show e bota lá. Nada que a gente faça. Eu até fiz um link na página do My Space e botei. É meio estranho. A gente pagando mico. Nem tão sóbrio né. (risos) Podia até filtrar um pouco. Mas é isso aí, faz parte.
E os shows no exterior como foram? Portugal, Estados Unidos. Como foi a recepção? Havia muitos brasileiros?
Foi impressionante realmente a gente ter conseguido ir pra essas praças, visto a dificuldade de produção. Em Portugal não havia muitos brasileiros não, porque a facilidade da língua aproximava. Em Chicago tinha mais brasileiros, Seu Jorge abriu a noite lá pra gente. Em Londres a gente estava inserido na “Tropicália”, foi bem legal, a receptividade foi bem grande, aí a colônia de brasileiros não era tão grande.
Há algum tempo vocês se associaram ao DJ Marlboro, expoente do funk, e juntos fazem um baile que agrega duas vertentes de origem popular, o samba e o funk, mas que na opinião de alguns, inclusive alguns fãs, são incongruentes. Vocês fazem essa união que para uns parece muito distante. Mas pra vocês parece próximo....
É misturado mesmo né. Não tem como não ser misturado. Acho até que vários sambistas, de vários autores de sambas que a gente toca, se eles ainda fossem vivos ainda, eles estariam falando de coisas cotidianas como a internet, a viagem do homem a lua, sei lá... é da natureza desse tipo de musica comentar o cotidiano, e o fato do Marlboro e o funk que está aí é a mesma coisa de um certo jeito. É o comportamento, a atitude, é comentar o cotidiano. É muito próximo o universo do funk e do samba.
Cara... valeu pelo papo aí e vamos a todos a bailar !
A BAILAR
tht e ent: Caio Jobim e Leandro De Nardi
phts: Pindzm
É uma noite de segunda-feira típica do verão carioca na Lapa. O movimento no largo dos arcos em frente ao Circo Voador ainda é pequeno, exceto pelas barracas com suas diversas ofertas de comes e bebes, os ambulantes e os cambistas que oferecem descontos vantajosos à minoria que escapa à condição de estudante. A julgar pela quantidade dos informais, o movimento será grande logo mais, embora não haja fila na bilheteria e quase ninguém lá dentro sob a lona mais quente do Rio de Janeiro.
A entrevista está marcada para as dez horas, já estamos atrasados, mas não conseguimos entrar. Tentamos por trás, pela entrada dos artistas, mas não é o caso, a assessora de imprensa fica na entrada principal informa o segurança. Negativo, lá ela não está. Nosso enviado especial ao Rio de Janeiro não sabe o que fazer, fica nervoso. Pede informação às meninas que cuidam da lista, mas claro, lá estavam nossos nomes e os respectivos convites. Direto aos camarins. Agora estamos no caminho certo, embora ninguém da banda houvesse chegado.
Salvos pelo Super Homem. É tradição Imperial que nos bailes pré-carnavalescos de verão músicos e foliões venham fantasiados e é vestindo uma camiseta de manga curta com o símbolo do homem de aço e os óculos de Clark Kent que Berna Ceppas, um dos idealizadores da Orquestra Imperial, chega ao back stage e nos é imediatamente apresentado para que tenha início a conversa reproduzida abaixo.
À medida que o papo flui, os demais integrantes vão aparecendo. Ouve-se uma buzina e o portão se abre para a chegada de Max Sette em seu Corcel II com Rubinho Jacobina na carona. Domenico chega discretamente e se aproxima da nossa roda para dar um alô. Kassin se dirige ao camarim e volta tomando um Gatorade. Hidratação para agüentar as mais de três horas de show sob o calor da lona, das luzes e da aglomeração humana. O casal Thalma de Freitas e Stephane San Juan chega a bordo de um Monza e uma nova roda se forma atrás do palco.
Um parêntese cinematográfico se abre em nossa conversa. A dupla Berna e Kassin assina a trilha sonora de alguns dos melhores filmes brasileiros recentes, como o Céu de Suely, de Karin Ainouz, e Árido Movie, de Lírio Ferreira, esta ao lado dos pernambucanos Otto e Pupilo. A boa notícia é que provavelmente estes trabalhos, pouco conhecidos até mesmo por aqueles que costumam assistir filmes brasileiros, possivelmente serão lançados em cd acompanhados dos respectivos roteiros.
Berna é chamado ao telefone. É Mario Caldato, produtor de “Carnaval só no ano que vem”, disco de inéditas que será lançado em breve, avisando que está chegando. Nelson Jacobina traz um amigo, Kassin se junta à roda e o assunto passa a ser o show de lançamento do disco “Futurismo”, dali a duas noites, no Teatro Odisséia. Comentam sobre o virtuosismo do baixista e guitarrista Alberto Continentino que substitui o amigo e compenhiro de Orquestra, Pedro Sá, devido aos seus compromissos na banda de Caetano Veloso. Estava encerrada a entrevista. Kassin+2 é um assunto que merece exclusividade. Por hora, fiquem com Berna Ceppas, seu sócio no Estúdio Monaural.
Como amadureceu a idéia de um disco da Orquestra Imperial uma vez que a proposta inicial era apenas fazer apresentações ao vivo?
Na verdade, o bagulho começou há quatro anos atrás, quatro anos e meio, na época da copa de 2002. E era um lance totalmente informal pra gente cobrir quatro datas numa casa de shows que tinha no Rio, chamada Ballroom, era meio projetão, só pra cobrir 04 datas. Aí pintou mais quatro. Só iam os amigos, pra dançar. Não era um lance bombando. O negócio foi pegando, lentamente. Ao mesmo tempo, nessa época, tava rolando um movimento, não só no Rio, mas no Rio também, de um certo resgate de cultura, um negócio assim que a gente nem gosta de se vincular muito, que a gente chama até de Regionazismo (risadas). É tipo uns caras brancos da PUC, que se apropriam da cultura popular e não quer deixar mexer, ficam carregando aquilo de um jeito estranho, mas a gente (Orquestra Imperial) era mó galhofa assim, mas por conta desse momento da música a galera começou a chegar também, com forró, com samba de raiz, isso tudo ao mesmo tempo. A Orquestra começou a vingar, a dar certo. Não sabemos o que a gente fez de tão errado pra ter dado tão certo. Era totalmente improvável que uma banda com 19 pessoas no palco vingasse.
19 pessoas com outras bandas.
Dentro da Orquestra tem varias bandas. A gente pode, por exemplo, ir pra Porto Alegre e fazer o Festival Imperial. Ficamos lá uma semana. A gente faz show da Thalma, show da Nina, do +2, show do Dupplex, eu e Kassin temos um projeto de som eletrônico, o Monoaural, o Artificial, projeto solo do Kassin. Fazer vários shows só rearranjando essa galera da Orquestra. No disco, chegamos a tocar estimulados pelo estilo e começou naturalmente a acontecer parcerias internas. Sambas. Musicas desse universo. Não somos uma banda de gafieira. Somos uma banda pop que se meteu a tocar musica de gafieira. Isso por toda uma vontade, por achar legal isso. As pessoas começaram a fazer sambas. A chegada do Seu Wilson foi muito importante (Wilson das Neves) pra estimular a galera. O cara é totalmente velha guarda, um cara que gravou com todo mundo, inventou o estilo praticamente, estava dentro do surgimento do estilo. Começamos a ver que a gente era uma banda de cover. A Orquestra era uma banda de cover. Má pô! Vamos dar o passo. Esse primeiro EP na verdade são regravações de musicas já existentes. Mas o disco mesmo, que sai em março, abril, vai ser o disco com as inéditas, 11 musicas inéditas que a gente garimpou dentro dessa produção da Orquestra. O disco é muito isso. Um divisor de águas, de certo jeito.
Fale do disco faixa a faixa, os autores das composições, quais as parcerias que se formaram dentro da Orquestra Imperial?
Tem várias parcerias. Tem uma do Wilson das Neves com o Max Sette, com o Steffan San Juan, francês marido da Thalma. Tem uma que foi engraçada. Fomos pra Comandatuba, ficamos meio ilhados num Resort lá, pra fazer vários shows de lançamento de um carro da Fiat. Estavam lá Sandra de Sá, Ney Matogrosso, Beth Carvalho. Tinha um certo clima lá. Aí os neguinhos começaram a fazer um som em conjunto, a partir de uma frase do Dômenico de que “A Orquestra podia causar ereção”. Ai nasceu uma musica, numa noite louca, todo mundo fascinado no lugar. Aí nasceu essa parceria, a Sandra de Sá também faz parte dela. Outra é uma música do Domenico com a Beth Carvalho, que ele trouxe pra Orquestra. Outra é uma parceria do Rodrigo Amarante com o Kassin e o Domenico. Tem uma música maravilhosa, só da Thalma, “Não foi em Vão”. Tem uma música do Rubinho, “Salamaleque”, junto com, o Max Sette. Acho que não vou lembrar das onze (risos). Tem o “Ela Rebola” com o Mautner (Jorge Mautner). Tem outra do Bartollo com o Mautner também. “Ela Rebola” é uma parceria do Nelson Jacobina com o Jorge Mautner. “O Supermercado do Amor” é do Bartollo com Jorge Mauter.
Essas musicas tão rolando nos shows?
Não. Algumas. Tocamos “Era Bom” que é uma parceria do Wilson com o Max e tocamos “Ereção”, essa criada em conjunto. E a gente tá tocando “Ela Rebola” também.
A OI se apresentou em algumas capitais brasileiras como Belo Horizonte, São Paulo e Recife. Como foi a recepção do público longe de casa?
Foi bem legal. Foram só essas cidades. Porto Alegre dançou em cima do laço. Foi uma pena. Estávamos afimzão de ir. É um trampo pra quem ta produzindo. É muita gente. Quando a gente ta viajando são 25 pessoas, com passagens, hotéis, diárias.
Mas agora, com o lançamento do disco, tem chance de outras capitais assistirem ao baile-show?
Tem chance sim, lógico. Mas é preciso fazer um negócio germinado, tipo, entre praças. Se a gente chegou a Porto Alegre, faz Punta del Este, Buenos Aires, Florianópolis e Curitiba.
Como que vocês pretendem divulgar o disco? Qual a importância da Internet, Myspace, Youtube, etc..?
Estamos com uma página na internet (www.orquestraimperial.com.br). No You Tube é tudo espontâneo, neguinho que filma no meio do show e bota lá. Nada que a gente faça. Eu até fiz um link na página do My Space e botei. É meio estranho. A gente pagando mico. Nem tão sóbrio né. (risos) Podia até filtrar um pouco. Mas é isso aí, faz parte.
E os shows no exterior como foram? Portugal, Estados Unidos. Como foi a recepção? Havia muitos brasileiros?
Foi impressionante realmente a gente ter conseguido ir pra essas praças, visto a dificuldade de produção. Em Portugal não havia muitos brasileiros não, porque a facilidade da língua aproximava. Em Chicago tinha mais brasileiros, Seu Jorge abriu a noite lá pra gente. Em Londres a gente estava inserido na “Tropicália”, foi bem legal, a receptividade foi bem grande, aí a colônia de brasileiros não era tão grande.
Há algum tempo vocês se associaram ao DJ Marlboro, expoente do funk, e juntos fazem um baile que agrega duas vertentes de origem popular, o samba e o funk, mas que na opinião de alguns, inclusive alguns fãs, são incongruentes. Vocês fazem essa união que para uns parece muito distante. Mas pra vocês parece próximo....
É misturado mesmo né. Não tem como não ser misturado. Acho até que vários sambistas, de vários autores de sambas que a gente toca, se eles ainda fossem vivos ainda, eles estariam falando de coisas cotidianas como a internet, a viagem do homem a lua, sei lá... é da natureza desse tipo de musica comentar o cotidiano, e o fato do Marlboro e o funk que está aí é a mesma coisa de um certo jeito. É o comportamento, a atitude, é comentar o cotidiano. É muito próximo o universo do funk e do samba.
Cara... valeu pelo papo aí e vamos a todos a bailar !
terça-feira, 1 de julho de 2008
5 ANOS SE QUEIMANDO NA CHUVA
# umbigada #
Cozinhando a xilarmonia
txt: Arlei Arnt
phts: Fernanda Scur
Foi uma festa daquelas. O novo em emergência e o velho consagrado. Antes muitos diziam: "esse Fruet, ouvi falar, quero ver ao vivo". Pois Fruet e Os Cozinheiros não deixaram o público ficar decepcionado. Em pouco mais de meia hora de apresentação, exibiram as músicas do CD "O Som do Fim ou Tanto Faz" e mostraram que há uma excelente cozinha por trás daquele escolhido o melhor compositor pop segundo o Prêmio Açorianos. E é verdade. A maioria dos elogios ouvidos foram justamente pra boa performance da banda. A nova revelação da música gaúcha tae, mostrando que tem talento pra manter o nível conquistado.
Bem, hora do intervalo entre as bandas. Muralha, grande Muralha, percussionista do Zumbira e Os Palmares, é nosso apresentador. Além de chamar as bandas pro palco, cumpre uma missão de sortear brindes, cortesias das Cachaça Chica e da Menina Vinil. Um dos números sorteados demora a aparecer. Logo logo uma garota se diz ser a premiada. Muralha confere o número. E não é. A garota sai reclamando: "com os jãos antes era diferente, me perguntavam meu número antes e faziam de conta que era o número sorteado". Hehehehe.
Mudanças sempre vem a calhar. E nesta festa deu pra notar isso. O DILÚVIO desde que saiu da Feevale vem se reestruturando. E apesar das dificuldades iniciais, é incrível como conta com novos colaboradores, dispostos a ver O DILÚVIO na linha de frente da imprensa marginal. Aqui vale os agradecimentos a quem acredita em imprensa sem politicagem: Melissa Orsi dos Santos, Cielito Rebellato, Rafael Rubim, Iur Marcelo, Fernanda Scur, Guilherme Carlin, Leandro de Nardi, Fernando Gomes, Pablo Zborowski, Diego Jucá, Rodrigo Colla, Fabrício Coutinho, Pimpa, Muralha, Fruet.
Mas enfim, sobe a Graforréia Xilarmônica ao palco. E de lá não descem por mais de duas horas. Impressiona a todos o carisma da banda. Parece que não falta música a ser tocada. E no palco é uma banda de primeira, exceto a horrorosa camiseta que Carlo Pianta veste. Ok, uma semana antes de empatarem o Gre-nal com ajuda do juiz, entende-se a euforia pelo time que briga pra não ficar na zona de rebaixamento. O público curte, dança e canta. Vibra com os "amigos punks" que atravessaram a Goethe. O DILÚVIO agradece a todos presentes. E vem mais por ae. É só abrir o guarda-chuvas.
Cozinhando a xilarmonia
txt: Arlei Arnt
phts: Fernanda Scur
Foi uma festa daquelas. O novo em emergência e o velho consagrado. Antes muitos diziam: "esse Fruet, ouvi falar, quero ver ao vivo". Pois Fruet e Os Cozinheiros não deixaram o público ficar decepcionado. Em pouco mais de meia hora de apresentação, exibiram as músicas do CD "O Som do Fim ou Tanto Faz" e mostraram que há uma excelente cozinha por trás daquele escolhido o melhor compositor pop segundo o Prêmio Açorianos. E é verdade. A maioria dos elogios ouvidos foram justamente pra boa performance da banda. A nova revelação da música gaúcha tae, mostrando que tem talento pra manter o nível conquistado.
Bem, hora do intervalo entre as bandas. Muralha, grande Muralha, percussionista do Zumbira e Os Palmares, é nosso apresentador. Além de chamar as bandas pro palco, cumpre uma missão de sortear brindes, cortesias das Cachaça Chica e da Menina Vinil. Um dos números sorteados demora a aparecer. Logo logo uma garota se diz ser a premiada. Muralha confere o número. E não é. A garota sai reclamando: "com os jãos antes era diferente, me perguntavam meu número antes e faziam de conta que era o número sorteado". Hehehehe.
Mudanças sempre vem a calhar. E nesta festa deu pra notar isso. O DILÚVIO desde que saiu da Feevale vem se reestruturando. E apesar das dificuldades iniciais, é incrível como conta com novos colaboradores, dispostos a ver O DILÚVIO na linha de frente da imprensa marginal. Aqui vale os agradecimentos a quem acredita em imprensa sem politicagem: Melissa Orsi dos Santos, Cielito Rebellato, Rafael Rubim, Iur Marcelo, Fernanda Scur, Guilherme Carlin, Leandro de Nardi, Fernando Gomes, Pablo Zborowski, Diego Jucá, Rodrigo Colla, Fabrício Coutinho, Pimpa, Muralha, Fruet.
Mas enfim, sobe a Graforréia Xilarmônica ao palco. E de lá não descem por mais de duas horas. Impressiona a todos o carisma da banda. Parece que não falta música a ser tocada. E no palco é uma banda de primeira, exceto a horrorosa camiseta que Carlo Pianta veste. Ok, uma semana antes de empatarem o Gre-nal com ajuda do juiz, entende-se a euforia pelo time que briga pra não ficar na zona de rebaixamento. O público curte, dança e canta. Vibra com os "amigos punks" que atravessaram a Goethe. O DILÚVIO agradece a todos presentes. E vem mais por ae. É só abrir o guarda-chuvas.
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