#CADÊ MEU CHINELO?

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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

[do além] CINEMASCÓPIO DO POVO




::txt::Karl Marx::

Eu não sei se vocês leram que um sujeito chamado Alexandre Kluge fez a adaptação de O Capital para o cinema. Seu filme tem quase dez horas de duração. Claro que você quer saber a minha opinião sobre a película. Eu digo. Não vi e não gostei. Tenho cá minhas razões. E se lhe parecer contraditório, lembre que sou dialético.

A publicação de O Capital animou revoluções pelo mundo afora. Mas foram poucos os que passaram das primeiras páginas do primeiro livro que compõe a obra. Muitos defenderam as ideias contidas ali com a própria vida, tendo lido somente a orelha. Achei que uma adaptação cinematográfica pudesse, enfim, reverter esse fato. E que sua exibição iria conscientizar as grandes massas de trabalhadores explorados, que pagam por um saco de pipoca e um balde de refrigerante mais do que pelo ingresso. Mas, pelo amor do ópio do povo, quem vai se interessar em ver um documentário de nove horas e meia, em tempos de Twitter?

Entendo que o cineasta se aventurou em um empreendimento difícil. Ele próprio confessou isso em entrevistas ao dizer que fazer um filme sobre O Capital é o mesmo que filmar a lista telefônica, com o agravante de que a última ainda permite certo tipo de representação que o meu ensaio econômico-filosófico não suporta. Depois dessa comparação, resolvi nem conferir o resultado. Lista telefônica é um negócio anacrônico. Nem lembro mais a última vez que vi uma. Diferente da minha concepção dialética da história que a cada crise do sistema financeiro global ganha novo vigor.

Para piorar, o filme se chama Notícias de Antiguidades Ideológicas. Só consigo ver outros dois títulos de filme que conseguem igualmente, na sua sinceridade, manter a plateia afastada: Evita e Cilada. Contam-me que no Brasil a projeção teve intervalos para almoço, lanche e jantar. É o que se pode chamar de versão 3D. Uma dormidinha depois de cada refeição. Aliás, para quem gosta de roncar no cinema, o filme de Kruge é um prato cheio. Dura uma noite inteira.

Engels argumentou que a lógica da indústria do entretenimento é a criação de produtos rápidos e de fácil consumo. E que um longuíssima-metragem como esse, com depoimento do ensaísta Hans Magnus Enzensberger, do filósofo Peter Sloterdijk e do cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard, é uma maneira de se contrapor a esse formato que anestesia as plateias. Discordei completamente. Quero que a classe operária chegue ao paraíso sem passar pelo purgatório. Só não disse nada porque foi Engels quem financiou O Capital. É preciso manter uma boa relação com os investidores.

O mundo anda muito impaciente e solicitado. O camarada que desejar popularizar os conceitos contidos em O Capital tem de tentar, minimamente, seduzir o proletariado. As armas capitalistas são poderosas. Se queremos transformar a sociedade temos de encarar a concorrência com os Transformers.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

[agência pirata] SHAKESPEARE, MENOS A POESIA

::txt::Zeca Camargo::

Desta vez, achei melhor disfarçar… Da última vez em que estampei a frase "o melhor filme do ano" no título de um post, provoquei, digamos, um certo desconforto… Era o ano de 2008 – e minha escolha não foi exatamente este filme que você está pensando. Que filme? Bem, a julgar pela ira que despertei nos fãs – quando, no lugar desse previsível (e ligeiramente confuso) sucesso, escolhi um (o horror!) um filme de arte (“Hunger”, de Steve McQueen) –, sinto-me até constrangido em ter de refrescar sua memória. Afinal, o tal filme era supostamente tão bom, teria marcado tanto uma geração, que à menção do ano de 2008, essa produção deveria imediatamente pipocar nas lembranças dos fãs de cinema…

Assim, para você que tem um bom registro cinematográfico – e que, como eu, admirou esse filme nas suas modestas qualidades, sem se influenciar pelo afã coletivo que seu tema despertava –, acho que não preciso falar de novo seu nome. E como é para você que escrevo – você, que tem uma opinião equilibrada e sabe separar sua opinião de um modismo – vamos em frente: vamos falar do filme do ano. Do ano de 2010, claro.

Para ser transparente, vi tão poucos filmes nos últimos doze meses, que tenho que admitir que minha lista de melhores títulos é quase idêntica à relação de produções a que assisti… E, pelo jeito, dei sorte – já que quase tudo foi muito bom. Minha escolha de “filme do ano” é modesta – talvez mais idiossincrática ainda do que a minha relação dos “melhores discos que você não ouviu em 2010” . Mas ela é honesta, de coração – uma vez que poucos filmes mexeram comigo como esse que vou citar em breve.

Reconheço que é uma petulância escolher uma produção tão pequena e despretensiosa – que certamente não vai figurar em nenhuma lista de “melhores do ano” de nenhuma publicação importante (talvez nem mesmo de um blog relevante). Mas nenhum filme que vi este ano falou tanto comigo como esse. Talvez “Toy story 3”, já que esse é o filme “teoricamente” feito para crianças mais cruel que um adulto poderia assistir. Como escrevi em junho, o desenho é uma grande parábola sobre rejeição, mas elaborada de maneira tão brilhante, que ninguém sai do cinema achando que passou por uma lição de moral. Pela sutileza com que essa mensagem é passada, pelas boas risadas, e pela esperança de que as crianças que hoje se divertiram com ele vão, no futuro rever “Toy story 3” com outra perspectiva – quem sabe junto com seus filhos? –, esse filme entra, com louvor, na minha lista de melhores do ano.

(Uma rápida satisfação: ao contrário do que fiz com os discos, não vou separar minhas escolhas por itens. Eu já deveria saber disso, mas fui lembrado – pelos comentários mais superficiais – que algumas pessoas têm preguiça de ler um texto completo, e preferem julgar minhas preferências apenas pelas primeiras linhas, ou mesmo, apenas por um título. Vários foram os que escreveram sobre o post anterior deixando claro que desconsideravam minha lista, sem sequer ter se dado o trabalho de saber as razões daquelas escolhas… Magoei… E por isso resolvi adotar outra estratégia: falar dos meus filmes favoritos do ano em texto corrido. Quem sabe isso não assusta o leitor mais desavisado? Será que divago? Bem, de volta à sala de cinema!).

Deixar de fora a produção brasileira mais bem sucedida de todos os tempos, seria uma desconsideração muito grande. Incluir “Tropa de elite 2” na minha seleção, porém, não é mero protocolo. Como escrevi em outubro, os méritos dessa “continuação” de uma história de sucesso são muitos: um roteiro melhor, um tema maior, interpretações ainda mais memoráveis que as do primeiro filme – e uma incrível sintonia com o que está acontecendo no nosso país nesse momento. O recorde de bilheteria é mais do que merecido – e empresta um certo prestígio à lista de melhores performances para uma produção nacional… Esclareço: fui só eu que achou curioso que os dois “campeões de venda de ingressos” antes de “Tropa 2” eram “pornochanchadas” ligeiramente confeitadas, tentando disfarçar seu, hum, apelo popular escorados em histórias de grandes escritores (Jorge Amado e Nélson Rodrigues, claro)? Bem, adiante!

Duas preciosidades do começo do ano merecem ser lembradas também. Ambas são de 2009, mas chegaram às nossas telas só em 2010 – então, estão valendo. A primeira é uma das histórias de amor mais tristes que já vi no cinema, que se destaca pela originalidade de ser contada como uma comédia: “500 dias com ela”. Joseph-Gordon Levitt dá nesse filme um salto maior do que todas suas peripécias de desafio à gravidade em “A origem”, e me convenceu de que dentro de todo “mané” existe um coração… A segunda é “O segredo dos seus olhos” , o título argentino que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, mas cujos méritos vão muito além de uma estatueta. Seu retrato de uma Argentina claustrofóbica e assustada é estampado numa trama sofisticada e com um desfecho surpreendente – ligeiramente boicotado pelo epílogo deveras longo. “Segredo” é tão bem elaborado que eu tenho vontade de mandar para uma meia-dúzia de roteiristas para eles perceberem que não precisa ir estudar na Califórnia para vir com um bom script – aqui do lado mesmo, nosso “hermanos” dão o exemplo de que basta gostar da linguagem de cinema para fazer um produto de qualidade.

Por falar em roteiro de qualidade, em maio elogiei – e agora reforço – o trabalho de adaptação de “Os homens que não amavam as mulheres”. Sou um fã relutante dos livros de Steig Larsson, mas mesmo assim estava preocupado com o que poderia se perder nessa transição. Mas a produção sueca – de um diretor desconhecido para o grande público, e com um elenco idem – me deixou mais que satisfeito. E apavorado. A personalidade de Lisbeth Salander (a bizarra heroína da saga) foi encarnada com precisão por Noomi Repace – e Rooney Mara, que brilhou em “A rede social” (já chego lá), tem uma responsabilidade e tanto em segurar essa onda quando vier a versão hollywoodiana da história. Mas, como quem vai encarar o desafio de dirigir essa versão é David Fincher, respiro aliviado. Falando nele…

Tinha tudo para ser muito chato: uma história de dois garotos que inventaram um novo negócio multibilionário na internet? Não obrigado! Mundo virtual e cinema raramente combinam, mas em “A rede social” essa união deu muito certo. E a direção de Fincher, certamente, tem parte nisso. Não sei do que gostei mais: dos diálogos disparados como metralhadoras, das performances precisas e sem exageros, da estrutura desafiadora do roteiro, da construção de um personagem quase “demoníaco” (Eisenberg)… Só sei que o filme é quase perfeito – e vai ser um prazer ver ele colecionando estatuetas nessa temporada de prêmios.

Nos documentários – gênero do qual fomos bem servidos este ano –, dois destaques. Um inédito ainda por aqui (no circuito comercial), mas que tive a chance de ver numa viagem recente a Nova York: “Waiting for Superman” LINKI PARA http://www.waitingforsuperman.com/. Há semanas procuro uma brecha para falar dele no blog, mas acho que vou ter que deixar para 2001 – quem sabe quando (e se) ele estrear por aqui. É – para usar uma expressão que crítico de cinema gosta muito – um “retrato devastador” de como funciona a educação pública nos Estados Unidos. Para nós, brasileiros, que temos pouquíssimos motivos para nos orgulhar do nosso próprio sistema de educação – a professora Mirza, que é o personagem central de uma série que estou fazendo no “Fantástico”, é uma delas (perdão pela “cabotinagem”) – o filme é ainda mais chocante: se lá a situação é trágica, que esperança podemos ter? Mas vamos discutir isso melhor em outra ocasião…

O outro bom documentário do ano é “Uma noite em 67”. Um registro único – e não estou falando, claro, dos clipes musicais, que todo mundo já viu à beça, mas das entrevistas nos bastidores do festival de música daquele ano. Um ótimo retrato, não só de um momento musical único na história da MPB, mas também de uma geração – e até de uma fase muito peculiar da evolução da TV. Vi que ele acaba de sair em DVD – e, como sei que as chances de você ter visto no cinema (por conta do lançamento limitado) são poucas, eu recomendo fortemente que você o coloque na lista de sugestão de presentes para ganhar do seu amigo secreto (ou “oculto”…).

Com “67”, minha lista está quase completa. Mas falta, sei bem, o tal “filme” do ano para mim. E ele é… “Você vai encontrar o homem dos seus sonhos”, de Woody Allen. Eu sei, você já torceu o nariz. Vou tentar me explicar, mas sei que não vai ser fácil. Desde que o vi, na terça-feira passada, já tive sete discussões fortes em torno disso. E consegui vencer apenas duas argumentações, com pessoas que gosto e respeito – e mesmo assim, uma delas, não sei se convenci por inteiro. Ocorre que eu acredito mesmo que esse filme é brilhante. Sensacional. Quase um Shakespeare – só que sem a poesia. Deixe-me prosseguir…

Primeiro, encare “Você vai encontrar” como a obra final de uma trilogia – que começou com “Vicky Cristina Barcelona”, e continuou com “Tudo pode dar certo” . Esses filmes, mais “Você vai encontrar”, é fruto de um Woody Allen enlouquecido, mais velho, mas não exatamente mais maduro, que, finalmente, convenceu-se (e quer nos convencer também) de que nós, pobres humanos, não temos controle algum sobre nossas vidas – nem mesmo sobre o que quer nossos corações. E as consequências desse desvario são sempre imprevisíveis – quando não trágicas…

As relações (perigosas) de “Você vai conhecer” são tão rocambólicas que seria leviano detalhá-las em apenas um parágrafo. Vou apenas “pincelar”: Alfie (Anthony Hopkins) separa-se de Helena (Gemma Jones), para ter uma vida de playboy – que inclui um casamento com uma, hum, atriz… A filha do casal que se separou (Sally, vivida por Naomi Watts) tem um casamento sem graça com um escritor fracassado (Roy, Josh Brolin). Ela se apaixona pelo dono da galeria de arte onde trabalha (Greg, Antonio Banderas), e ele pela vizinha que troca de roupa com a janela aberta (Dia, Freida Pinto). Helena, desesperada, procura uma vidente – na sua opinião, muito mais eficiente do que os terapeutas que ela vinha frequentando. E as “previsões” que ela faz se desdobram – ainda que de maneira indireta – na vida desses personagens maravilhosos.

O que acontece depois que você entende todas essas relações, é o teatro do acaso. Todas as paixões são possíveis, assim como todas as decepções – e acompanhar cada reviravolta dessas histórias é simplesmente fascinante. Esse desgoverno das ações e emoções humanas, só reforçando, começou a ser exposta em “Vicky” – onde, como você bem lembra, nada funciona muito bem… Ou ainda: todas as mudanças propostas pelo destino não são bem aceitas – e o mundo retoma seu curso, com as mesmas manias e loucuras de dantes. “Tudo pode dar certo” tem o mesmo “moto” – mas é, a meu ver, o mais fraco da trilogia, justamente porque Woody Allen, como o título indica, força o roteiro para que tudo termine bonitinho. Os corações também estão a mil nesse filme, e as regras são quebradas todo o tempo. Mas a conclusão é “arrumadinha” demais. As coisas, como aprendemos sempre na prática, nunca são assim… E é com “Você vai conhecer o homem dos seus sonhos” que ele retoma a “Natureza” das coisas – com “N” maiúsculo mesmo, não nossa fauna e flora (e reino mineral!), mas a Natureza dos homes, o acaso, o destino.

Não dá para contar nada desse filme sem tirar o seu prazer de acompanhar cada cena. Porém, no intuito de te preparar melhor, chamo sua atenção para alguns detalhes. Como o diálogo final entre Greg e Sally; ou as visitas “inesperadas” de Helena à casa da filha; a interpretação de Pauline Collins, que faz a “atriz” que se “apaixona” por Alfie, Charmaine (interpretada pela sensacional Lucy Punch, onde Allen arruma atrizes e atores assim???); a confusão quando duas famílias brigam por conta de uma cerimônia de casamento; a sessão esotérica de “conversa com os mortos”; e tantas outras coisas…

Com uma realidade absurda – exatamente a que vivemos e relutamos em admitir que ela é absurda, na tentativa tola de fazer com que as coisas façam sentido (um raciocínio teimoso que talvez impeça as pessoas de apreciar o filme) – não me espanta que o único desfecho feliz possível no filme seja justamente aquele que depende de fantasia.

Releio o parágrafo anterior e percebo que ele é vago demais – quase abstrato. Mas é isso que me encantou no filme. E é por isso que achei esse filme tão genial. Ri, chorei, passei por momentos aflitos, outros graves, levei sustos, reconheci situações vividas por mim etc. etc. etc. Não é isso que faz da Shakespeare algo tão universal? Ah se Woody Allen soubesse colocar tudo em versos…

E com o encantamento de “Você vai conhecer o homem da sua vida”, digo que o ano cinematográfico fecha bem. Os lançamentos de fim de ano – como “Cisne negro”, que estou louco para ver –, ficam, quem sabe, para a lista de 2011. E quinta-feira vamos dar uma geral pelos bons livros de 2010.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Mostra de Vídeos: Coletivo Catarse e a Cultura livre




O Coletivo Catarse participa do Circuito Cultural O Dilúvio organizando a mostra de vídeos e debate sobre Cultura Livre.

Vídeos: Tecnobrega e a Cooperativa LAVACA. As charges engajadas de LATUFF e a producão cinematográfica nigeriana. Desinformémonos e batuque do Sopapo. A generosidade compartilhada como base da comunicação.

Catarse é um coletivo de comunicadores comprometidos com a construção de alternativas que fortaleçam a cultura e o jornalismo independentes e enriqueçam o debate público em seus temas mais importantes.

Através de um trabalho autoral e engajado, se aproxima de movimentos e organizações que entendem a cultura como um direito humano e a comunicação como uma ação transformadora.

segunda-feira, 15 de março de 2010

O SEGREDO DOS SEUS OLHOS




#mandachuva

da estação Retiro para as telas do mundo

txt: Tiago Jucá Oliveira
phts e vd: Melissa Orsi dos Santos


Fim-de-semana de eleição é uma das melhores coisas que há. A melhor pedida é viajar, de preferência pra algum país vizinho, e assim fugir da farsa eleitoral. Numa dessas datas, fomos pra Buenos Aires nos alienar com cultura, gastronomia, história e arquitetura. Até um clássico entre Racing versus San Lorenzo, en El Cilindro, eu fui assistir com La Guardia Imperial. Ganhamos de 2x1.

Antes disso, resolvemos dar um pulo de trem em Tigre, ciudad vizinha a capital platina. No trilhar de volta a Buenos Aires, descemos na Estação Retiro no exacto momento de um set cinematográfico. Sem saber do que tratava a fita, e mesmo se soubesse, provavelmente seria um filme, ou clipe, ou novela ou comercial que jamais passaria no Brasil.

Então passamos a filmar e fotografar, sem demais intenções. Não colhemos muito material, não: meia penca de fotos e três pequenos vídeos, e apenas o trecho abaixo tem registro de uma ação. É o momento da cena em que os personagens Bejamin Espósito (Ricardo Darín) e Ricardo Morales (Pablo Rago) se encontram na estação. A produtora do filme já tinha chamado nossa atenção duas vezes pra gente não filmar. Na terceira vez ela vem agressiva, desesperada e impaciente, com a mão no censurar da câmera: "baje la cámara, por favor, te lo pido!"



Um ano e meio depois, "O Segredo dos Seus Olhos" é o vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro. E a notícia na televisão exibe justamente aquela cena da Estação. "Eu conheço esse lugar!". Gostaria que você, leitora ou leitor ou gaytor, esquecesse todo o enrolation inicial que fiz até chegar aqui pra lhe dizer: o filme é lindo, é emocionante, é engraçado, é tenso, é imprevisível. Poderia argumentar sobre o desenrolar do enredo, mas "te mo" contar o fim.

Saí chocado do cinema. Quando deitei as ideias no travesseiro, Thoreau desobedeceu o sono. Em "A Desobediência Civil", ele perguntava se devemos obedecer a determinada lei que consideramos injusta ou a nossa própria consciência. Perguntei parecido, só pra mim, mas agora pra você também: e quando a lei não cumpre o que diz, devemos fazer justiça com as próprias mãos? E devemos omitir nosso testemunho diante da vingança de terceiros?

Ainda não sei qual daqueles três pares de olhos é o mais cruel. Sei, e somente sei, que evitei o olhar do espelho antes de dormir. Há alguns segredos nesse objeto que prefiro não ver.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

SALA NORBERTO LUBISCO



# aYedinha #

Enrola com transparência

txt: Marcelo Noah

Aproveitando que a cidade estava vazia, a Secretaria de Cultura do Governo do Estado do RS fechou sorrateiramente a sala NORBERTO LUBISCO da Casa de Cultura Mário Quintana neste janeiro. Sim, fechou fechado, para não abrir mais. Junto da sala, três dos dez funcionários do cinema da CCMQ foram demitidos, sobraram sete.

Ninguém, nenhum jornal, nenhum programa de TV ou rádio noticiou essa catástrofe.

Então, nesta próxima semana farei uma série de reportagens e entrevistas para o programa que estou conduzindo esse mês, ao meio-dia, na Rádio Ipanema FM, o 'N Coisas'. Gostaria de contar com a ajuda daqueles que, como eu, não aceitam isso calados e exigem um posicionamento dos responsáveis por esse atentado à cultura de Porto Alegre. Quem tiver algo a dizer, contribuir, informar, etc. pode mandar para mim.

Por fim, gostaria de lembrar que a sala Norberto Lubisco leva o nome do "fotógrafo gaúcho que marcou por mais de três décadas a nossa produção cinematográfica e teve seus trabalhos inúmeras vezes premiados com Kikito de melhor direção de fotografia no Festival de Cinema de Gramado".

Esta sala é (ou 'era'?) uma da mais charmosas da cidade e a última com suas portas voltadas para a calçada (Rua dos Andradas). Ressalto também que ela, mesmo fechada, está em perfeitas condições de uso - projetor, assentos, ar-condicionado - contando com 53 lugares.

Eu não admito isso assim dócil, aquela sala é nossa!
E você, que tal? Avante, pessoal!

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

AI QUE VIDA!



# agência pirata #
O fenômeno "Ai Que Vida!" e a pirataria digital

txt: Marcelo De Franceschi e Leonardo Foletto

O cartaz que abre este post é de “Ai que Vida!”, longa-metragem produzido no Maranhão e no Piauí, 24º filme do jornalista e cineasta maranhense Cícero Filho. É muito provavelmente o primeiro dos 24 que tu deve ter ouvido falar – se é que ouviu. Trata-se de um pequeno fenômeno do cinema (independente) nacional: produzido em 2007, ainda hoje encontra-se em cartaz em alguns cinemas da região Nordeste, especialmente nos estados do Piauí e Maranhão. Em sua semana de estréia, no já longínquo setembro de 2007, fez mais espectadores no Cinema Riverside, em Teresina, do que fez, no mesmo cinema, o badalado Harry Potter e Ordem da Fênix, 5º filme do bruxo criado pela hoje bilionária escocesa J.K. Rowling, em um mês.

Cícero e sua equipe de 25 pessoas começaram as gravações com R$ 800,00 no bolso e uma câmera digital mini-dv, emprestada por uma faculdade de comunicação de Teresina, além de três atores profissionais no elenco. Escolheram como cenário a pequena Amarante, distante 170 KM de Teresina, a capital piauiense, pois segundo o co-roteirista, diretor de arte e Diógenes Machado, :”A cidade é o berço da cultura de nosso estado. A terra do cavalo piancó, do inegualavel poeta Da Costa e Silva, das mais belas construções arquitetônicas do Piauí.“

Com ajuda da prefeitura, que hospedou a equipe de Cícero de graça, e dos moradores da cidade, que fizeram desde figuração até empréstimos de carros e casas para a gravação do filme, vinte e cinco dias depois estava finalizado o processo de gravação do filme. O orçamento extrapolou o inicial e chegou aos R$30 mil. Problema? Que nada, é costume, como de novo nos conta o co-roteirista Diógenes: “Como sempre, pouca gente acretitava no nosso trabalho, só quando terminamos de gravar foi que os empresários resolveram ajudar. Começou a aparecer mil reais dali, cinco mil de um lado, quatro mil do outro e felizmente conseguimos angariar fundos para começar a edição“.

Quatro meses na ilha de edição depois, Ai que Vida! estava pronto para estrear. Mas onde? A primeira rede de cinemas de Teresina que foi procurada pela equipe não topou exibir o filme, nem mesmo numa segunda-feira e com direito a 80% da bilheteria das sessões. “O diretor dos cinemas nos disse que não adiantaria 80% da bilheteria no contrato já que não ia dar ninguem mesmo“, conta Diógenes. Foram duas semanas de negociação, que de nada adiantaram. A equipe tentou outro cinema, o Riverside, localizado num shopping de mesmo nome, que aceitou; ficariam uma semana em cartaz, para ver no que dava. O resultado foi um sucesso estrondoso, com todas as sessões da semana lotadas e mais renda do que um mês de exibição do último Harry Potter. Como prêmio ganharam mais uma semana de exibição, também lotada, e a partir daí o filme se espraiou pelo Cine Praia Grande, em São Luís, capital do vizinho estado do Maranhão, e por festivais de cinema como o de Brasília e da Paraíba.

Dá uma olhada no trailer do filme antes de continuar lendo a postagem:




Através de um patrocínio do Governo do Estado do Piauí, foram produzidas 300 cópias de DVD, que logo foram distribuídas nas locadoras da capital Teresina. Mas a demanda foi maior que os 300 DVDs, tamanha a identificação dos espectadores com a história simples e popularíssima, carregada de citações à cultura local e ao modo de vida das pessoas da região. Então, a própria população tratou de trocar/vender/copiar adoidado os dvds nos camelôs, num fenômeno parecido com o do Tropa de Elite, que já era conhecido de boa parte do público brasileiro quando estreou oficialmente nos cinemas em 12 de outubro – e foi a maior bilheteria no período de uma semana no Brasil em todo o ano de 2007, com cerca de 180 mil espectadores.

A cópia/troca dos DVDs do “Ai que Vida!” não foi nenhum pouco condenada por Cícero, segundo o próprio afirmou em entrevista ao site Cabeça de Cuia:

“Ai que vida” se alastrou, tudo culpa da pirataria. Fico feliz, ao ver que o filme está sendo aceito de forma positiva pela população. Difundir o cinema para a população menos favorecida é um foco primordial do meu trabalho. Meu maior lucro é ver as pessoas comentando que gostaram muito do filme, que se retrataram com o enredo e as personagens!”.




Assim como Tropa de Elite, Wolverine, SICKO e outros tantos, “Ai Que Vida!” é prova de que uma coisa não necessariamente anula a outra. Ou em palavras mais adequadas: que a dita “pirataria” não necessariamente anula a renda obtida no cinema, como querem nos fazer crer os incomodativos comerciais exibidos antes daquele DVD que alugamos na locadora da esquina. Ao contrário, em alguns casos pode aumentar tanto o burburinho em torno da produção que ela vai circular ainda mais, o que fatalmente resultará em mais prestígio ao seu autor, o que, por sua vez, poderá render mais contatos e condições de produção de uma nova (e melhor) obra cinematográfica.

Como já falamos por aqui, a pirataria gera mais grana do que querem nos fazer crer. Nisso, o jurista Lawrence Liang, um hábil indiano que investiga questões relacionadas com pirataria, economia informal, direitos de autor e cultura livre no Alternative Law Forum de Bangalore, tem algo a nos dizer, via entrevista no Remixtures:

Todo o circuito da pirataria cria economias locais bastante dinâmicas. Gera emprego, permite a transferência de tecnologia, possibilita o surgimento de inovações locais. Se olharmos o fenómeno de um ponto de vista de uma economia global da informação, onde somos uma multinacional que controla os direitos de um filme ou de uma música, sim, é mau para a economia. Mas se estivermos interessados no desenvolvimento das economias locais, bem como da inovação local, diria que é algo positivo para a economia.

Pode notar: quem joga a culpa pela “morte da indústria cinematográfica” no vazamento de uma cópia dita “pirata” frequentemente são aqueles cineastas/produtores decadentes que estão vendo seu lucro fácil de décadas se esvaírem em milhares de mãos espalhadas pelos mais obscuros quartos ao redor do planeta. Aqueles que se escondem em castelos encantados por lucros de décadas gerado por multinacionais que se acostumaram a controlar os direitos de toda e qualquer produto cultural que o dinheiro lhes permite comprar.


O casal romântico Valdir e Charleni à frente de todo o elenco do filme


O cenário que se avizinha mui provavelmente permite espaço para todos que souberem aproveitar bem as potencialidades de cada mídia. Como disse Gilberto Gil no final desta postagem, não adianta buscar uma resposta pronta a pergunta-que-não-quer-calar “como vou ganhar dinheiro?. Ao que parece, as respostas estão por aí, escondidas em cada tipo de produção, em cada tipo de mídia, em cada tipo de orçamento, em cada tipo de objetivo desejado. O hábito secular de ir ao cinema não irá acabar duma hora pra outra, substituído pela solitária prática de ver um filme numa tela de 14 polegadas em um sistema de som abelhudo de caixinhas de sons toscas; vai, sim, é dividir espaço com esse novo hábito e outros tantos que surgem (e mais e mais vão surgir) de acordo com as possibilidades e criatividades de cada um.

Para fechar, vale citar o que Giba Assis Brasil, veterano cineasta gaúcho, disse em matéria na revista Aplauso de setembro, que infelizmente só circula no estado do Rio Grande do Sul:

“A industria está perdida. No caso do DVD, estão errando o alvo e deixando grandes corporações criminosas ganharem dinheiro as suas custas. Seria mais inteligente se mudassem a sua política de preços. Ou que arranjassem alternativas para vender cópias pela Internet a preço baixo. Em vez disso, preferem chamar garotos que baixam filmes de ladrões e criar uma ficção segundo a qual o compartilhamento está associado ao tráfico de drogas. Ninguém vai acreditar nisso. Eles vão perder de novo.”

Se relacionamos a fala de Giba com esse post do Remixtures começamos a entender que algumas coisas são mais complicadas do que parecem…


P.s: Antes que nos esqueçamos: se você ficou louco pra assistir ao filme “Ai que vida!”, baixe aqui o arquivo, que está em boa qualidade. E se você gostou também da trilha sonora, não deixa de assistir ao clipe da música tema.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

LA TETA ASSUSTADA




# agência pirata #
O premiado filme peruano

txt: Ale Lucchese

Ontem fomos assistir A Teta Assustada, tá lá em cartaz na Casa de Cultura Mario Quintana, sala Paulo Amorin, se não me engano – confirmem no google e já aproveitem para ver os horários. O filme é peruano, e ganhou o Urso de Ouro em Berlim. Ou seja, é um peixe grande feito pelos nossos vizinhos latinos: não iria me perdoar de não vê-lo no cinema.

A história é de uma menina que teria o tal mal da “teta assustada”, considerado na crença indígena uma enfermidade que passa pelo leite das mulheres que foram abusadas sexualmente – coisa bastante corriqueira para uma geração que teve de conviver com a guerrilha. O mal deixaria filhos e filhas medrosos, assustados, sempre inseguros. Continua dando o clima de realismo mágico o fato de a protagonista criar uma batata dentro da vagina como método para evitar estupros.

Sim, realismo mágico. O filme tem um clima de encantamento, mas um encantamento profano, cheio de areia, de dor, de alegria, de ruído e música. Para completar, há um certo humor na família da heroína, que prepara casamentos para noivos muito pobres. Mas é um humor repleto de poesia, não de barbarismo e zombaria. Um equilíbrio muito bonito de ser visto nas telas.

Mas o mais impressionante disso tudo é o que esse filme tem causado no Peru. Segundo o relato de uma amiga nossa que mora por lá, a repercussão é comparável ao que Cidade de Deus representou para o Brasil – talvez até maior, visto que a cinematografia peruana é ainda mais diminuta.

O fato é que Magaly Solier, atriz e cantora que interpreta o papel central da trama, é uma descendente de indígenas, e que deixa isso bem claro na cor de sua pela, na maneira de se vestir, de usar o cabelo… Depois ter sido sucesso nos maiores festivais de cinema do mundo e de estar lotando teatros com seus shows, Magaly é o ídolo midiático mais parecido com o que a maioria das mulheres peruanas enxergam em seus espelhos. Isso tem reforçado a auto-estima desta população, gerando um sentimento de saudável orgulho em relação às suas raízes e identidade.

Aém disso, Magaly levou para as rádios e telas canções em quechua – língua herdada do Império Inca e falada cotidianamente por mais ou menos 10 milhões pessoas na América do Sul. Pessoas essas que muitas vezes se envergonham de falar a língua de seus antepassados fora de casa, apesar de se comunicarem basicamente por ela entre os seus amigos e parentes. Agora, com Magaly invadindo as caixas de som de lá e de além, parecem se envergonhar um pouco menos – e levarem a cabeça um pouco mais erguida

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

SE NADA MAIS DER CERTO

# manda chuva #
O segundo pior filme que já vi

txt: Tiago Jucá Oliveira

Há poucos dias estive em Fortaleza e, após ler uma crítica positiva num jornal local, fomos Melissa e eu assistir o filme "Se nada mais der certo". O que era pra ser uma tarde chovosa e cultural no Dragão no Mar acabou por se tornar um porre de encher qualquer saco.

É possível enumerar todos pontos fracos do filme: péssimo roteiro, atores medianos, direção chata, o filme não flui nem prende atenção. De positivo, só a fotografia. Mas como diz meu amigo Moita, quando alguém diz que o filme tem uma boa fotografia, é porque o filme é uma merda.

E o que impressiona é notar que o filme é já ganhou bons prêmios, é elogiado nos cadernos culturais e recomendado por cineastas de respeito. Ora, não sou o dono da verdade, mas entendo um pouco sim de cinema, inclusive tenho experiência profissional no assunto. E cinema pode ser comercial, alternativo, underground, etc. Porém, qualquer um deles precisa prender a atenção de quem assiste. E filme que dá vontade de sair da sala antes de completar um quarto do tempo, não é cinema.

Há, qual o pior filme que eu já vi? "Ainda Orangotangos". 100% merda, como quase todos os filmes gaúchos.

sábado, 23 de maio de 2009

O BANDIDO DA LUZ (RE)ENCARNADA



# agência pirata #
Luz Vermelha reencarnado

txt: Pedro Alexandre Sanches


Em 1968, foi lançado o filme O Bandido da Luz Vermelha, e, com ele, o chamado cinema marginal brasileiro. João Acácio Pereira da Costa, o personagem real no qual o marginal da ficção foi livremente inspirado, ganhou liberdade em 1997, após uma temporada de 30 anos na prisão. Morreu assassinado em janeiro de 1998 (o ator Paulo Villaça, que o interpretou no cinema, morrera em 1992). O cineasta Rogério Sganzerla, autor e diretor d'O Bandido, morreu de câncer cerebral em 2004, aos 57 anos. Ainda assim, o Bandido da Luz Vermelha está vivíssimo em 2009.

O personagem voltará às telas em nova encarnação, desta vez no corpo do cantor Ney Matogrosso. Ele é o protagonista de Luz nas Trevas – A Revolta de Luz Vermelha, atualmente em produção. O roteiro original foi escrito por Sganzerla ao longo de vários anos, até poucos dias antes de morrer. Chegou a ter duas mil páginas. Apanha o bandido na cadeia, condenado a uma espécie de pena perpétua, "prisioneiro de mim mesmo".

Na vida como na ficção, Luz Vermelha usava roupas exóticas, assaltava casas burguesas com uma lanterna em punho, jantava com as vítimas, estuprava, matava. Na nova versão tem um filho não-reconhecido, Tudo ou Nada (interpretado por André Guerreiro), nascido, crescido e marginalizado na Favela do Lixão. Um ex-menino de rua, como também foi João Acácio, mais tarde descrito como portador de esquizofrenia paranóide. Com locações na favela de Heliópolis, a nova fábula avança em direção à escalada contínua de violência e favelização no Brasil.

Matogrosso foi ator antes de se firmar como cantor, e em 1976 lançou um inspirado disco chamado Bandido. Sisudo e barbado em algumas cenas, trabalha agora para se despir de sua forte persona musical e dar substância ao personagem brutalizado. "É um exercício de contenção, de introspecção", diz, em meio a uma filmagem no Parque da Luz, no centro de São Paulo.

A cidade, por sinal, é outra personagem central do filme de 1968 como do atual. E deixa à vontade o artista hoje radicado no Rio. "Surgi em São Paulo, com cabeça paulista, atitude paulista. Muito tempo depois descobri que fui gerado numa pensão na praça da Sé", diz, um dia antes de filmar ao ar livre na caótica rua 25 de Março.



O esforço de se dissociar da imagem musical andrógina não o impede de encerrar o filme no topo de um prédio, reinterpretando Sangue Latino (jurei mentiras e sigo sozinho...), uma das canções que o alçaram à fama em 1973, com o grupo paulistano Secos & Molhados. "Mas procurei fazer o bandido cantando, e não eu mesmo. Fiz grave, uma oitava abaixo."

A direção de Luz nas Trevas cabe à ex-esposa de Sganzerla, Helena Ignez, em dupla com o cineasta paulista Ícaro Martins (de O Olho Mágico do Amor, 1981). "Sou da turma que resolveu fazer cinema vendo O Bandido da Luz Vermelha", afirma o codiretor.

Como atriz, Helena estreou com o cinema novo, em Pátio (1959), do então marido Glauber Rocha, baiano como ela. Poucos anos depois, juntou-se aos "filhos" rebeldes de Glauber, formuladores da anarquia e do niilismo pós-AI-5 do cinema marginal. Namorou o carioca Júlio Bressane, que a dirigiu em Cara a Cara (1967), e se casou com o catarinense Sganzerla, futuro sócio dele na produtora Belair Filmes. Hoje às vésperas de completar 70 anos, teve três filhas, Paloma, com Glauber, e Djin (atriz no novo filme) e Sinai, com Sganzerla.



"Como a maioria das mulheres dominadoras, caso com pessoas mais jovens. Só Glauber tinha a mesma idade que eu", brinca. O cineasta baiano tinha 20 anos quando lançou Pátio. Sganzerla estreou O Bandido aos 22. "Essas relações amorosas e também cinematográficas me agradam muito. No começo achava estranho, porque com o machismo reinante nessa geração a que pertenço, durante muito tempo fui a mulher do Glauber, a ex-mulher do Glauber", diz.



À distância desses cineastas tão aguerridos, teria ela se transformado tardiamente em cineasta? "Mas eu sempre dirigi o meu trabalho. O que eu não quero é essa valorização da palavra 'cineasta'. Não valorizo", responde na diagonal. Ela dirigira em 2007 o independente Canção de Baal ("um filme sobre o comportamento machista, algo que eu conheço profundamente"). E admite o estranhamento diante do ambiente industrial de Luz nas Trevas, um filme patrocinado e orçado em 2,7 milhões de reais.

"Fazer um filme dentro do mercado é muito mais difícil que criar fora dele", constata. "Em Canção de Baal, não tinha que prestar contas a ninguém. Desta vez tem. A equipe de profissionais de luz e maquinaria é a melhor de São Paulo, mas tem o ritmo de mercado, com funcionamento muito diferente do cinema de invenção e poesia que fiz até hoje. É inédito para mim". E arremata com uma confissão incomum entre seus pares: "Às vezes me sinto amarrada".

Lembra que O Bandido da Luz Vermelha, embora arrojado, foi um filme comercial em seu tempo (foi vendido por Sganzerla como "um western sobre o Terceiro Mundo"). Mesmo apostando que Luz nas Trevas também será bem-sucedido, diz que a ligação com o cinema de mercado é passageira. "Não me preocupo (com o mercado), em nenhuma circunstância. E me afastei. Saí do mundo mesmo. Mas não da arte, do pensamento, da criatividade, do espírito. Me sinto muito viva e livre. E não quero me integrar em mercado nenhum. Essa homenagem a Rogério está feita".

Tampouco a relação de Sganzerla com o mercado não foi harmônica. Após o levante do cinema marginal, seguiu trajetória errática, sempre com grandes dificuldades de concretização de projetos. Fez Nem Tudo É Verdade entre 1980 e 1986, em referência direta ao inacabado It's All True (1942), que o norte-americano Orson Welles filmava no Brasil dentro da chamada política da boa vizinhança. Welles foi influência escancarada em seu cinema, especialmente n'O Bandido.

Sganzerla nunca pareceu se desvencilhar do impacto do primeiro filme, possível prisioneiro de si mesmo, como seu personagem. De fato, não são poucas as semelhanças simbólicas entre criador e criatura, a começar pela marginalidade artística de um e a concreta de outro.

Em Luz nas Trevas, o bandido se diz recuperado e convertido, e se auto-rebatiza Luz Divina. Foi como se denominou João Acácio, catarinense como Sganzerla, ao ser solto em 1997. Sganzerla visitara Acácio na prisão em 1994, com o pretexto de uma reportagem da revista Manchete. Levou-lhe de presente uma Bíblia.

Acácio foi morto com um tiro na têmpora quatro meses depois de libertado, por um amigo que o hospedava no bairro periférico de Cubatão, em Joinville (SC). Teria assediado as mulheres da casa e ameaçado matar a família. "Meus dias aqui são de um morto-vivo", proclama o personagem de Luz nas Trevas, antes de fugir da prisão com a cumplicidade involuntária da mídia, vestido com colete de repórter, dentro do furgão de uma emissora de tevê. "Eu não sei viver", lamenta-se.

"Não vamos esquecer que a Ordem do Mérito só é dada para quem demonstrar que não o tem", diz um policial no roteiro, como a simbolizar o sentimento de inadequação do autor em relação ao mundo a seu redor.

Sua ex-esposa trabalha 12 horas por dia na homenagem ao autor-personagem, e de início minimiza o esforço de conduzi-la: "Esse é um filme que já vem dirigido". Mas em seguida corrige a afirmação: "Rogério não está me dando nenhum tipo de dica. Eu que me vire".

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