#CADÊ MEU CHINELO?
quarta-feira, 23 de julho de 2014
[noéditorial] DA CULTURA POPULAR CONTEMPORÂNEA
“É como aquela velha história de que cachorro gosta só de osso. Ofereça um filé ao cão para ver o que ele irá preferir. Ao povo, não tem se dado o direito de entrar em contato com o filé”.
Ariano Vilar Suassuna (João Pessoa, 16 de junho de 1927 — Recife, 23 de julho de 2014)
quarta-feira, 16 de julho de 2014
[nem te conto] RUA TRISTÃO, Nº 7
:: txt :: Valter F. Santos ::
Havia uma casa abandonada que sempre me chamou bastante atenção. Era cercada por uma grade verde e rodeada de mato. Ela tinha as paredes brancas com janelas e portas da mesma cor do gradeado. Curiosamente, nunca teve uma viva alma que a habitasse por muito tempo.
Quando eu era pequeno e passava por ela, delirava imaginando mil coisas que poderiam acontecer de dia e de noite naquele lugar. Era divertido. Certa vez, imaginei cobras, macacos e zebras tocando violino sob a regência de um caboclo da mata, que assumia a função de maestro. Loucura total. E naquela época nem ocorria na minha cabeça que um dia eu beberia cafés, fumaria cigarros e tomaria algumas garrafas de cerveja enquanto uma música seria executada no jukebox do boteco da esquina. Bons tempos. A vida parecia não ter fim. O passar dos dias eram mais vagarosos; os dias de sol eram mais felizes; as festas em família eram mais animadas, com toda aquela gente correndo, pulando e gargalhando de um lado para o outro; o estouro do champagne era mais seco e barulhento; o som do choque das garrafas era mais límpido e estridente; e o disco do Senegal e do Carlos Barbosa pareciam-me mais lúdicos. Naquela época a vida era outra. Boa fase. Boa fase, mas que, aqui, não voltará mais - em virtude do “bolachão” do Senegal e do Carlos Barbosa, lógico. Mentira.
O tempo passou e tudo mudou. Ao mesmo passo em que a areia da ampulheta se esvai para o polo negativo, a corda se estica e, por conseguinte, fica mais suscetível ao seu ponto de rebentamento.
A casa foi demolida. Construíram um estacionamento em cima do terreno. Os dias estão voando em velocidades quase que imperceptíveis à mente humana. Os dias de sol não são mais tão agradáveis como eram; porque a camada de ozônio já está mais arregaçada que buceta de puta em época de pagamento de décimo terceiro. Hoje, as festas em família já não possuem o mesmo brilho, tal como àquele que era presente no olhar de todos os membros que um dia as constituíram. Não tenho mais forças para abrir o champagne nem um sistema auditivo apto a escutar aquele velho barulho de que não mais me recordo.
O tempo levou tudo. Só me restaram vagas impressões do que um dia existiu e que daqui um pouco não vou mais lembrar.
Assim é a vida. Assim é o tempo. Isso é existir.
Havia uma casa abandonada que sempre me chamou bastante atenção. Era cercada por uma grade verde e rodeada de mato. Ela tinha as paredes brancas com janelas e portas da mesma cor do gradeado. Curiosamente, nunca teve uma viva alma que a habitasse por muito tempo.
Quando eu era pequeno e passava por ela, delirava imaginando mil coisas que poderiam acontecer de dia e de noite naquele lugar. Era divertido. Certa vez, imaginei cobras, macacos e zebras tocando violino sob a regência de um caboclo da mata, que assumia a função de maestro. Loucura total. E naquela época nem ocorria na minha cabeça que um dia eu beberia cafés, fumaria cigarros e tomaria algumas garrafas de cerveja enquanto uma música seria executada no jukebox do boteco da esquina. Bons tempos. A vida parecia não ter fim. O passar dos dias eram mais vagarosos; os dias de sol eram mais felizes; as festas em família eram mais animadas, com toda aquela gente correndo, pulando e gargalhando de um lado para o outro; o estouro do champagne era mais seco e barulhento; o som do choque das garrafas era mais límpido e estridente; e o disco do Senegal e do Carlos Barbosa pareciam-me mais lúdicos. Naquela época a vida era outra. Boa fase. Boa fase, mas que, aqui, não voltará mais - em virtude do “bolachão” do Senegal e do Carlos Barbosa, lógico. Mentira.
O tempo passou e tudo mudou. Ao mesmo passo em que a areia da ampulheta se esvai para o polo negativo, a corda se estica e, por conseguinte, fica mais suscetível ao seu ponto de rebentamento.
A casa foi demolida. Construíram um estacionamento em cima do terreno. Os dias estão voando em velocidades quase que imperceptíveis à mente humana. Os dias de sol não são mais tão agradáveis como eram; porque a camada de ozônio já está mais arregaçada que buceta de puta em época de pagamento de décimo terceiro. Hoje, as festas em família já não possuem o mesmo brilho, tal como àquele que era presente no olhar de todos os membros que um dia as constituíram. Não tenho mais forças para abrir o champagne nem um sistema auditivo apto a escutar aquele velho barulho de que não mais me recordo.
O tempo levou tudo. Só me restaram vagas impressões do que um dia existiu e que daqui um pouco não vou mais lembrar.
Assim é a vida. Assim é o tempo. Isso é existir.
quinta-feira, 10 de julho de 2014
[bolo'bolo] NIMA
bolos não podem ser apenas vizinhanças ou arranjos materiais. Isso é só seu aspecto prático, externo. A motivação real dos ibus para viverem juntos é a bagagem cultural em comum, o nima. Todo ibu tem sua própria convicção e visão de como a vida poderia ser, mas alguns nimas só podem dar certo se ibus mentalmente semelhantes se encontrarem. Num bolo eles podem viver, transformar e completar seu nima comum. Por outro lado, os ibus cujos nimas excluem as formações sociais (eremitas, vagabundos, misantropos, yogues, loucos, anarquistas individuais, mágicos, mártires, sábios ou feiticeiras) podem ficar sozinhos e viver nos interstícios dos onipresentes, mas nunca compulsórios, bolos.
O nima contém hábitos, estilo de vida, filosofia, valores interesses, estilos de vestir, cozinha, maneiras, comportamento sexual, educação, religião, arquitetura, artesanato, arte, cores, rituais, música, dança, mitologia, pintura corporal: tudo quanto pertence a uma identidade ou tradição cultural. O nima define a vida, como o ibu a imagina, em sua forma prática de cada dia.
As fontes de nimas são múltiplas como eles. Podem ser tradições étnicas (vivas ou redescobertas), correntes filosóficas, seitas, experiências históricas, guerras ou catástrofes em comum, formas mistas ou recém-criadas. Um nima pode ser generalizado ou bem específico (como no caso de seitas ou tradições étnicas). Pode ser extremamente original ou apenas uma variação de outro nima. Pode ser bem aberto às inovações ou fechado e conservador. nimas podem aparecer como modas, espalhar-se como epidemias, e morrer. Podem ser gentis ou brutais, passivos-contemplativos ou ativos-extrovertidos.¹ Os nimas são o poder real dos bolos (poder = múltiplas possibilidades materiais e espirituais).
Como qualquer tipo de nima pode surgir, é também possível que panelinhas brutais, patriarcais, repressivas, estúpidas, fanáticas e terroristas possam se estabelecer em alguns bolos. Não existem leis nem regras humanistas, liberais ou democráticas acerca do conteúdo dos nimas e não há Estado para impor. Ninguém pode impedir um bolo de cometer suicídio em massa, de morrer devido a experiências com drogas, de mergulhar na loucura ou de ser infeliz sob um regime violento. bolos com um nima-bandido poderiam aterrorizar regiões inteiras ou continentes, como os hunos ou vikings fizeram. Liberdade e aventura, terrorismo generalizado, quadrilhas, ataques, guerras tribais, vendettas, pilhagens – dá de tudo.
Por outro lado, a lógica de bolo’bolo põe um limite na praticabilidade e na expansão desse tipo de comportamento e dessas tradições. Pilhagens e bandidagens têm sua própria economia. Além do mais, é absurdo transpor motivações do sistema atual de dinheiro e propriedade para bolo’bolo. Um bandido-bolo tem que ser relativamente forte e bem organizado, e precisa de uma estrutura de disciplina interna e repressão. Para a turminha dominante dentro de um bolo desses isso significaria vigilância permanente e muito trabalho com a repressão. Seus ibus poderiam deixar o bolo a qualquer momento, outros ibus poderiam aparecer e os bolos em volta estariam aptos a observar as estranhas evoluções de um bolo assim desde o começo. Poderiam mandar hóspedes, restringir as trocas, arruinar o munu do bandido-bolo, ajudar os oprimidos do bolo contra a turma de cima. O suprimento de comida e de produtos, bem como de armas e equipamentos, traria problemas graves. Os ibus do bandido-bolo teriam que trabalhar, antes de mais nada, para conseguir uma base para seus ataques: daí a possibilidade de uma rebelião contra os chefões. Sem um aparato de Estado em larga escala, a repressão poderia dar trabalho demais e não seria proveitosa para os opressores. Ataques e exploração também não seriam muito proveitosos porque não há meio de preservar as coisas roubadas de uma forma fácil de transportar (não há dinheiro). Ninguém entraria em intercâmbio com um bolo desses. Então ele teria que roubar produtos em sua forma natural, o que significa um monte de trabalho para o transporte e a necessidade de repetidos ataques. Como existem poucas ruas, poucos carros e escassos meios de transporte individual, um bolo-bandido só poderia atacar seus vizinhos, e esgotaria rapidamente suas fontes. Junte a isso a resistência dos outros bolos, a possível intervenção de milícias das comunidades maiores (tega, vudo, sumi: veja yaka), e a bandidagem se torna um comportamento pouco proveitoso, marginal.
Historicamente, a conquista, o saque e a opressão entre nações sempre foram efeitos da repressão interna e de falta ou impossibilidade de comunicação. Nenhuma dessas causas pode existir em bolo’bolo: os bolos são pequenos demais para uma repressão efetiva, e ao mesmo tempo os meios de comunicação são bem desenvolvidos (redes telefônicas, redes de computadores, facilidade de viajar, etc.). Em bolos isolados a dominação não compensa, e a independência só é possível com embasamento agrícola. Bolos predatórios ainda são possíveis, mas somente como um tipo de arte pela arte, e por curtos períodos de tempo. De qualquer modo, por que começaríamos tudo isso de novo agora que temos à nossa disposição as experiências da História? E quem seriam os controladores do mundo se não fôssemos mais capazes de compreender essas lições?
Numa grande cidade poderíamos encontrar os seguintes bolos: Lítero-bolo, Sym-bolo, Sado-bolo, Maso-bolo, Vege-bolo, Gay-bolo, Franco-bolo, Ítalo-bolo, Play-bolo, Não-bolo, Retro-bolo, Sol-bolo, Blue-bolo, Rock-bolo, Paleo-bolo, Dia-bolo, Punk-bolo, Krishna-bolo, Tarô-bolo, Daime-bolo, Jesu-bolo, Tao-bolo, Marl-bolo, Necro-bolo, Coco-bolo, Para-bolo, Basquete-bolo, Coca-bolo, Incapa-bolo, High-Tech-bolo, Índio-bolo, Mono-bolo, Metro-bolo, Acro-bolo, Proto-bolo, Erva-bolo, Macho-bolo, Hebro-bolo, Ruivo-bolo, Freak-bolo, Careta-bolo, Pyramido-bolo, Marx-bolo, Tara-bolo, Logo-bolo, Mago-bolo, Anarco-bolo, Eco-bolo, Dada-bolo, Dígito-bolo, Subur-bolo, Bom-bolo, Super-bolo, etc. Além disso, existem também os velhos bolos normais, onde os ibus têm uma vida comum, razoável e saudável (seja isso o que for).
A diversidade de identidades culturais destrói a moderna cultura de massas e as modas comerciais, mas também a padronizada linguagem nacional. Como não há um sistema escolar centralizado, cada bolo pode falar sua própria linguagem ou dialeto. Podem ser línguas que já existem, gírias ou linguagens artificiais. Assim a linguagem oficial, que funciona como meio de controle e dominação, decai, e daí resulta uma espécie de caos babilônico, isto é, uma ingovernabilidade através da dysinformação. Como essa desordem lingüística poderia causar alguns problemas aos viajantes, ou em emergências, existe asa’pili – um vocabulário artificial de alguns termos básicos que pode ser facilmente aprendido por todo mundo. asa’pili não é verdadeiramente uma linguagem, pois consiste de apenas algumas palavras (como: ibu, bolo, sila, nima, etc.), e seus respectivos sinais (para os que não podem ou não querem falar). Com a ajuda de asa’pili, todo ibu pode obter em qualquer lugar coisas básicas como comida, abrigo, tratamento médico, etc. Se quiser entender melhor um bolo de língua estrangeira, vai ter que estudar. Como o ibu agora tem um montão de tempo, não terá problemas. A barreira natural da linguagem também é uma proteção contra a colonização cultural. Identidades culturais não podem ser assimiladas de uma forma superficial – você realmente tem que se relacionar como todos os elementos, passar algum tempo com as pessoas.²
¹ bolos não são primariamente sistemas ecológicos de sobrevivência, pois se você quiser somente sobreviver é provável que não valha a pena. bolos são estruturas apropriadas ao surgimento de todos os tipos de estilo, filosofia, tradições e paixões. bolo’bolo não é um estilo de vida em si, mas apenas um sistema de limites flexíveis (biológicos, técnicos, energéticos, etc.). Para o conhecimento desses limites o material ecológico e alternativo pode ser valioso, mas não deveria jamais servir para determinar o conteúdo dos diferentes estilos de vida. (O fascismo também teve seus elementos bioideológicos...) No âmago de bolo’bolo está nima (identidade cultural), e não a sobrevivência. Por essa mesma razão, o nima não pode ser definido por bolo’bolo, pode somente ser vivido na prática. Nenhuma identidade alternativa em especial (comida natural, roupas de algodão, mitologia da Mãe Terra, etc.) está sendo proposta.
A função decisiva da identidade cultural pode ser bem ilustrada pelo destino dos povos colonizados. Sua miséria atual não começou com a exploração material, mas com a relativamente planejada destruição de suas tradições e religiões pelos missionários cristãos. Muitas dessas nações poderiam estar melhor, mesmo nas condições atuais, só que não sabem mais como nem para quê. A derrocada moral é pior do que a exploração econômica. (É claro que as nações industrializadas foram desmoralizadas da mesma maneira – só que aconteceu há muito mais tempo e já se tornou parte de seus padrões culturais.) Na Samoa ocidental não há fome e quase nenhuma doença, e a intensidade de trabalho é muito baixa. (Isso se deve principalmente ao clima e à relativamente monótona dieta de inhame, frutas e carne de porco.) A Samoa ocidental é um dos 33 países mais pobres do mundo. Tem uma das taxas de suicídio mais altas do mundo. Na maioria, os que se matam são pessoas jovens. Esses suicídios não se devem à miséria em si (embora não se possa negar que há miséria), mas à quebra moral e à falta de perspectivas. Os missionários cristãos destruíram as velhas religiões, tradições, danças, festivais, etc. As ilhas estão cheias de igrejas e de alcoólatras. O paraíso foi destruído muito antes da chegada de Margaret Mead. A despeito de algumas concepções ordinário-marxistas, cultura é mais importante do que sobrevivência material, e a hierarquia das necessidades básicas não é tão obvia como parece, e sim etnocêntrica. Comida não são somente calorias, estilos de cozinhar não são apenas luxos, casas não são somente abrigos, roupas são muito mais do que uma proteção para o corpo. Não é de se estranhar que pessoas morrendo de fome lutem por sua religião, sua honra, sua língua e outros "folclores" antes de pedir uma garantia de salário mínimo. É verdade que essas motivações foram manipuladas por facções políticas, mas isso também acontece com as lutas econômicas "razoáveis". O fato é que existem.
De onde viria o nima? Não seria correto procurar identidades culturais exclusivamente em velhas tradições étnicas. O conhecimento e a redescoberta de tais tradições são muito úteis e podem ser inspiradores, mas uma tradição também pode nascer hoje. Por que não inventar novos mitos, linguagens, novas formas de vida comunitária, de moradia, de roupas, etc.? A tradição de um pode tornar-se a utopia de outro. A invenção das identidades culturais foi comercializada e neutralizada em forma de modas, cultos, seitas, ondas e estilos. A proliferação das seitas mostra que muitas pessoas sentem necessidade de ter a vida guiada por um arquétipo ideológico bem definido. O desejo que é desvirtuado nos cultos é aquele de uma unidade entre as idéias e a vida – um novo totalitarismo ("Ora et labora"). Se bolo’bolo for considerado um tipo de totalitarismo pluralista, não será má a definição. Pode-se dizer que nos anos 60 teve início um período de invenção cultural em muitos países, especialmente os industrializados: as tradições orientais, egípcias, folclóricas, mágicas, alquímicas e outras foram revividas. Começou a experiência com estilos de vida utópicos e tradicionais. Após a decepção com as riquezas materiais das sociedades industrializadas, muita gente se voltou para a riqueza cultural.
Já que o nima é o coração do bolo, não pode ser controlado por leis nem regras. Por isso mesmo é impossível haver regulamentos para o trabalho dentro dos bolos. A definição do tempo de trabalho sempre foi a viga-mestra das construções utópicas. Thomas More (1516) garantia seis horas por dia, Weitling três horas por dia, Callembach 20 horas por semana, André Gortz (Les chemins du Paradis – l’agonie du Capital, Galilée, 1983) propõe uma vida de vinte mil horas de trabalho. Segundo a pesquisa de Marshall Sahlin, em Stone Age Economics (1972), duas ou três horas por dia vencem a corrida. A questão é saber quem deveria fazer cumprir esse horário mínimo de trabalho, e por quê. Tais regras implicam um Estado central ou organismo similar para recompensar ou punir. Já que não há Estado em bolo’bolo, não podem existir regras (mesmo as mais favoráveis) nesse campo. É o contexto cultural de um bolo que define o que é considerado trabalho (=dor) e o que é percebido como lazer (=prazer), ou se essa distinção faz realmente sentido. Cozinhar pode ser um ritual muito importante num bolo, uma paixão, enquanto em outro é visto como tediosa necessidade. Talvez neste a música seja mais importante, enquanto naquele seria tido como barulho. Ninguém pode saber se um bolo vai usar setenta ou quinze horas semanais de trabalho. Não há estilo de vida obrigatório, nenhuma contabilidade geral de trabalho e lazer; unicamente um fluxo mais ou menos livre de paixões, perversões, aberrações, etc.
² Porque não escolher uma língua internacional que já existe, como o inglês ou o espanhol? É impossível, porque essas línguas têm sido os instrumentos do colonialismo cultural e tendem a decompor as tradições e os dialetos locais. A instituição de línguas "nacionais" padronizadas nos séculos 16 e 17 foi um dos primeiros passos da jovem burguesia para dar transparência ao proletariado fabril recém-nascido: você só pode impor regras e leis se elas forem compreendidas. A incompreensão ou fingir-se de bobo foram das primeiras formas de recusa à disciplina industrial. As mesmas línguas "nacionais" se tornaram mais tarde instrumentos de disciplina a nível imperialista. bolo’bolo significa que todo mundo fica bolo de novo...
Mesmo as chamadas línguas internacionais, como o esperanto, são modeladas nas línguas nacionais européias e ligadas às culturas imperialistas.
A única solução é uma língua completamente fortuita, desconectada e artificial, sem ligações culturais. É assim que asa’pili foi sonhada pelo ibu, e nenhuma pesquisa, etimológica ou não, poderá explicar por que um ibu é um ibu, um bolo é um bolo, um taku é um taku, etc.
asa’pili é formada de um grupo de 18 sons (e uma pausa) encontrados nas mais diversas linguagens e pronunciados exatamente como no português. O "l" pode ser pronunciado também como "r". A acentuação é livre.
Os termos de asa’pili podem ser escritos através de sinais; não é necessário um alfabeto. Do mesmo jeito que nesta edição as palavras utilizam caracteres latinos, outros alfabetos (hebraico, árabe, cirílico, grego, etc.) podem ser usados.
A repetição de uma palavra indica o plural orgânico: bolo’bolo = todos os bolos, o sistema de bolos. Graças ao apóstrofo ( ‘ ), palavras compostas podem ser criadas à vontade. A primeira determina a Segunda (ao contrário do português): asa’pili (linguagem planetária), fasi’ibu (viajante), yalu’gano (restaurante), etc.
Além dessa pequena asa’pili (tem cerca de 30 palavras apenas), pode ser criada outra para intercâmbios científicos, convenções internacionais, etc. Cabe à assembléia planetária definir um dicionário e uma gramática. Esperemos que seja fácil.
O nima contém hábitos, estilo de vida, filosofia, valores interesses, estilos de vestir, cozinha, maneiras, comportamento sexual, educação, religião, arquitetura, artesanato, arte, cores, rituais, música, dança, mitologia, pintura corporal: tudo quanto pertence a uma identidade ou tradição cultural. O nima define a vida, como o ibu a imagina, em sua forma prática de cada dia.
As fontes de nimas são múltiplas como eles. Podem ser tradições étnicas (vivas ou redescobertas), correntes filosóficas, seitas, experiências históricas, guerras ou catástrofes em comum, formas mistas ou recém-criadas. Um nima pode ser generalizado ou bem específico (como no caso de seitas ou tradições étnicas). Pode ser extremamente original ou apenas uma variação de outro nima. Pode ser bem aberto às inovações ou fechado e conservador. nimas podem aparecer como modas, espalhar-se como epidemias, e morrer. Podem ser gentis ou brutais, passivos-contemplativos ou ativos-extrovertidos.¹ Os nimas são o poder real dos bolos (poder = múltiplas possibilidades materiais e espirituais).
Como qualquer tipo de nima pode surgir, é também possível que panelinhas brutais, patriarcais, repressivas, estúpidas, fanáticas e terroristas possam se estabelecer em alguns bolos. Não existem leis nem regras humanistas, liberais ou democráticas acerca do conteúdo dos nimas e não há Estado para impor. Ninguém pode impedir um bolo de cometer suicídio em massa, de morrer devido a experiências com drogas, de mergulhar na loucura ou de ser infeliz sob um regime violento. bolos com um nima-bandido poderiam aterrorizar regiões inteiras ou continentes, como os hunos ou vikings fizeram. Liberdade e aventura, terrorismo generalizado, quadrilhas, ataques, guerras tribais, vendettas, pilhagens – dá de tudo.
Por outro lado, a lógica de bolo’bolo põe um limite na praticabilidade e na expansão desse tipo de comportamento e dessas tradições. Pilhagens e bandidagens têm sua própria economia. Além do mais, é absurdo transpor motivações do sistema atual de dinheiro e propriedade para bolo’bolo. Um bandido-bolo tem que ser relativamente forte e bem organizado, e precisa de uma estrutura de disciplina interna e repressão. Para a turminha dominante dentro de um bolo desses isso significaria vigilância permanente e muito trabalho com a repressão. Seus ibus poderiam deixar o bolo a qualquer momento, outros ibus poderiam aparecer e os bolos em volta estariam aptos a observar as estranhas evoluções de um bolo assim desde o começo. Poderiam mandar hóspedes, restringir as trocas, arruinar o munu do bandido-bolo, ajudar os oprimidos do bolo contra a turma de cima. O suprimento de comida e de produtos, bem como de armas e equipamentos, traria problemas graves. Os ibus do bandido-bolo teriam que trabalhar, antes de mais nada, para conseguir uma base para seus ataques: daí a possibilidade de uma rebelião contra os chefões. Sem um aparato de Estado em larga escala, a repressão poderia dar trabalho demais e não seria proveitosa para os opressores. Ataques e exploração também não seriam muito proveitosos porque não há meio de preservar as coisas roubadas de uma forma fácil de transportar (não há dinheiro). Ninguém entraria em intercâmbio com um bolo desses. Então ele teria que roubar produtos em sua forma natural, o que significa um monte de trabalho para o transporte e a necessidade de repetidos ataques. Como existem poucas ruas, poucos carros e escassos meios de transporte individual, um bolo-bandido só poderia atacar seus vizinhos, e esgotaria rapidamente suas fontes. Junte a isso a resistência dos outros bolos, a possível intervenção de milícias das comunidades maiores (tega, vudo, sumi: veja yaka), e a bandidagem se torna um comportamento pouco proveitoso, marginal.
Historicamente, a conquista, o saque e a opressão entre nações sempre foram efeitos da repressão interna e de falta ou impossibilidade de comunicação. Nenhuma dessas causas pode existir em bolo’bolo: os bolos são pequenos demais para uma repressão efetiva, e ao mesmo tempo os meios de comunicação são bem desenvolvidos (redes telefônicas, redes de computadores, facilidade de viajar, etc.). Em bolos isolados a dominação não compensa, e a independência só é possível com embasamento agrícola. Bolos predatórios ainda são possíveis, mas somente como um tipo de arte pela arte, e por curtos períodos de tempo. De qualquer modo, por que começaríamos tudo isso de novo agora que temos à nossa disposição as experiências da História? E quem seriam os controladores do mundo se não fôssemos mais capazes de compreender essas lições?
Numa grande cidade poderíamos encontrar os seguintes bolos: Lítero-bolo, Sym-bolo, Sado-bolo, Maso-bolo, Vege-bolo, Gay-bolo, Franco-bolo, Ítalo-bolo, Play-bolo, Não-bolo, Retro-bolo, Sol-bolo, Blue-bolo, Rock-bolo, Paleo-bolo, Dia-bolo, Punk-bolo, Krishna-bolo, Tarô-bolo, Daime-bolo, Jesu-bolo, Tao-bolo, Marl-bolo, Necro-bolo, Coco-bolo, Para-bolo, Basquete-bolo, Coca-bolo, Incapa-bolo, High-Tech-bolo, Índio-bolo, Mono-bolo, Metro-bolo, Acro-bolo, Proto-bolo, Erva-bolo, Macho-bolo, Hebro-bolo, Ruivo-bolo, Freak-bolo, Careta-bolo, Pyramido-bolo, Marx-bolo, Tara-bolo, Logo-bolo, Mago-bolo, Anarco-bolo, Eco-bolo, Dada-bolo, Dígito-bolo, Subur-bolo, Bom-bolo, Super-bolo, etc. Além disso, existem também os velhos bolos normais, onde os ibus têm uma vida comum, razoável e saudável (seja isso o que for).
A diversidade de identidades culturais destrói a moderna cultura de massas e as modas comerciais, mas também a padronizada linguagem nacional. Como não há um sistema escolar centralizado, cada bolo pode falar sua própria linguagem ou dialeto. Podem ser línguas que já existem, gírias ou linguagens artificiais. Assim a linguagem oficial, que funciona como meio de controle e dominação, decai, e daí resulta uma espécie de caos babilônico, isto é, uma ingovernabilidade através da dysinformação. Como essa desordem lingüística poderia causar alguns problemas aos viajantes, ou em emergências, existe asa’pili – um vocabulário artificial de alguns termos básicos que pode ser facilmente aprendido por todo mundo. asa’pili não é verdadeiramente uma linguagem, pois consiste de apenas algumas palavras (como: ibu, bolo, sila, nima, etc.), e seus respectivos sinais (para os que não podem ou não querem falar). Com a ajuda de asa’pili, todo ibu pode obter em qualquer lugar coisas básicas como comida, abrigo, tratamento médico, etc. Se quiser entender melhor um bolo de língua estrangeira, vai ter que estudar. Como o ibu agora tem um montão de tempo, não terá problemas. A barreira natural da linguagem também é uma proteção contra a colonização cultural. Identidades culturais não podem ser assimiladas de uma forma superficial – você realmente tem que se relacionar como todos os elementos, passar algum tempo com as pessoas.²
¹ bolos não são primariamente sistemas ecológicos de sobrevivência, pois se você quiser somente sobreviver é provável que não valha a pena. bolos são estruturas apropriadas ao surgimento de todos os tipos de estilo, filosofia, tradições e paixões. bolo’bolo não é um estilo de vida em si, mas apenas um sistema de limites flexíveis (biológicos, técnicos, energéticos, etc.). Para o conhecimento desses limites o material ecológico e alternativo pode ser valioso, mas não deveria jamais servir para determinar o conteúdo dos diferentes estilos de vida. (O fascismo também teve seus elementos bioideológicos...) No âmago de bolo’bolo está nima (identidade cultural), e não a sobrevivência. Por essa mesma razão, o nima não pode ser definido por bolo’bolo, pode somente ser vivido na prática. Nenhuma identidade alternativa em especial (comida natural, roupas de algodão, mitologia da Mãe Terra, etc.) está sendo proposta.
A função decisiva da identidade cultural pode ser bem ilustrada pelo destino dos povos colonizados. Sua miséria atual não começou com a exploração material, mas com a relativamente planejada destruição de suas tradições e religiões pelos missionários cristãos. Muitas dessas nações poderiam estar melhor, mesmo nas condições atuais, só que não sabem mais como nem para quê. A derrocada moral é pior do que a exploração econômica. (É claro que as nações industrializadas foram desmoralizadas da mesma maneira – só que aconteceu há muito mais tempo e já se tornou parte de seus padrões culturais.) Na Samoa ocidental não há fome e quase nenhuma doença, e a intensidade de trabalho é muito baixa. (Isso se deve principalmente ao clima e à relativamente monótona dieta de inhame, frutas e carne de porco.) A Samoa ocidental é um dos 33 países mais pobres do mundo. Tem uma das taxas de suicídio mais altas do mundo. Na maioria, os que se matam são pessoas jovens. Esses suicídios não se devem à miséria em si (embora não se possa negar que há miséria), mas à quebra moral e à falta de perspectivas. Os missionários cristãos destruíram as velhas religiões, tradições, danças, festivais, etc. As ilhas estão cheias de igrejas e de alcoólatras. O paraíso foi destruído muito antes da chegada de Margaret Mead. A despeito de algumas concepções ordinário-marxistas, cultura é mais importante do que sobrevivência material, e a hierarquia das necessidades básicas não é tão obvia como parece, e sim etnocêntrica. Comida não são somente calorias, estilos de cozinhar não são apenas luxos, casas não são somente abrigos, roupas são muito mais do que uma proteção para o corpo. Não é de se estranhar que pessoas morrendo de fome lutem por sua religião, sua honra, sua língua e outros "folclores" antes de pedir uma garantia de salário mínimo. É verdade que essas motivações foram manipuladas por facções políticas, mas isso também acontece com as lutas econômicas "razoáveis". O fato é que existem.
De onde viria o nima? Não seria correto procurar identidades culturais exclusivamente em velhas tradições étnicas. O conhecimento e a redescoberta de tais tradições são muito úteis e podem ser inspiradores, mas uma tradição também pode nascer hoje. Por que não inventar novos mitos, linguagens, novas formas de vida comunitária, de moradia, de roupas, etc.? A tradição de um pode tornar-se a utopia de outro. A invenção das identidades culturais foi comercializada e neutralizada em forma de modas, cultos, seitas, ondas e estilos. A proliferação das seitas mostra que muitas pessoas sentem necessidade de ter a vida guiada por um arquétipo ideológico bem definido. O desejo que é desvirtuado nos cultos é aquele de uma unidade entre as idéias e a vida – um novo totalitarismo ("Ora et labora"). Se bolo’bolo for considerado um tipo de totalitarismo pluralista, não será má a definição. Pode-se dizer que nos anos 60 teve início um período de invenção cultural em muitos países, especialmente os industrializados: as tradições orientais, egípcias, folclóricas, mágicas, alquímicas e outras foram revividas. Começou a experiência com estilos de vida utópicos e tradicionais. Após a decepção com as riquezas materiais das sociedades industrializadas, muita gente se voltou para a riqueza cultural.
Já que o nima é o coração do bolo, não pode ser controlado por leis nem regras. Por isso mesmo é impossível haver regulamentos para o trabalho dentro dos bolos. A definição do tempo de trabalho sempre foi a viga-mestra das construções utópicas. Thomas More (1516) garantia seis horas por dia, Weitling três horas por dia, Callembach 20 horas por semana, André Gortz (Les chemins du Paradis – l’agonie du Capital, Galilée, 1983) propõe uma vida de vinte mil horas de trabalho. Segundo a pesquisa de Marshall Sahlin, em Stone Age Economics (1972), duas ou três horas por dia vencem a corrida. A questão é saber quem deveria fazer cumprir esse horário mínimo de trabalho, e por quê. Tais regras implicam um Estado central ou organismo similar para recompensar ou punir. Já que não há Estado em bolo’bolo, não podem existir regras (mesmo as mais favoráveis) nesse campo. É o contexto cultural de um bolo que define o que é considerado trabalho (=dor) e o que é percebido como lazer (=prazer), ou se essa distinção faz realmente sentido. Cozinhar pode ser um ritual muito importante num bolo, uma paixão, enquanto em outro é visto como tediosa necessidade. Talvez neste a música seja mais importante, enquanto naquele seria tido como barulho. Ninguém pode saber se um bolo vai usar setenta ou quinze horas semanais de trabalho. Não há estilo de vida obrigatório, nenhuma contabilidade geral de trabalho e lazer; unicamente um fluxo mais ou menos livre de paixões, perversões, aberrações, etc.
² Porque não escolher uma língua internacional que já existe, como o inglês ou o espanhol? É impossível, porque essas línguas têm sido os instrumentos do colonialismo cultural e tendem a decompor as tradições e os dialetos locais. A instituição de línguas "nacionais" padronizadas nos séculos 16 e 17 foi um dos primeiros passos da jovem burguesia para dar transparência ao proletariado fabril recém-nascido: você só pode impor regras e leis se elas forem compreendidas. A incompreensão ou fingir-se de bobo foram das primeiras formas de recusa à disciplina industrial. As mesmas línguas "nacionais" se tornaram mais tarde instrumentos de disciplina a nível imperialista. bolo’bolo significa que todo mundo fica bolo de novo...
Mesmo as chamadas línguas internacionais, como o esperanto, são modeladas nas línguas nacionais européias e ligadas às culturas imperialistas.
A única solução é uma língua completamente fortuita, desconectada e artificial, sem ligações culturais. É assim que asa’pili foi sonhada pelo ibu, e nenhuma pesquisa, etimológica ou não, poderá explicar por que um ibu é um ibu, um bolo é um bolo, um taku é um taku, etc.
asa’pili é formada de um grupo de 18 sons (e uma pausa) encontrados nas mais diversas linguagens e pronunciados exatamente como no português. O "l" pode ser pronunciado também como "r". A acentuação é livre.
Os termos de asa’pili podem ser escritos através de sinais; não é necessário um alfabeto. Do mesmo jeito que nesta edição as palavras utilizam caracteres latinos, outros alfabetos (hebraico, árabe, cirílico, grego, etc.) podem ser usados.
A repetição de uma palavra indica o plural orgânico: bolo’bolo = todos os bolos, o sistema de bolos. Graças ao apóstrofo ( ‘ ), palavras compostas podem ser criadas à vontade. A primeira determina a Segunda (ao contrário do português): asa’pili (linguagem planetária), fasi’ibu (viajante), yalu’gano (restaurante), etc.
Além dessa pequena asa’pili (tem cerca de 30 palavras apenas), pode ser criada outra para intercâmbios científicos, convenções internacionais, etc. Cabe à assembléia planetária definir um dicionário e uma gramática. Esperemos que seja fácil.
sábado, 5 de julho de 2014
[agência pirata] COBERTURA PERSONIFICADA E LEGALISTA DA CORRUPÇÃO POLÍTICA
:: txt :: Bruno Bernardo de Araújo ::
Há poucas semanas, o Fantástico, da TV Globo, anunciava uma reportagem, cujo título interpelou-me à primeira vista: “Manual da Corrupção Eleitoral”. Assisti ao programa com uma expectativa contida. Um dos elementos mais curiosos foi o fato de toda a reportagem girar em torno de uma personagem fictícia, Cândido Peçanha, apresentada como protótipo do político corrupto brasileiro. Um segundo episódio ocorrera, igualmente semanas atrás, por ocasião da ida de um grupo de parlamentares à penitenciária da Papuda com o objetivo de fiscalizar as condições carcerárias de José Dirceu. Ao passar por uma banca de jornal, em Brasília, a manchete do Correio Braziliense chamou a minha atenção: “Cela de Dirceu tem chuveiro quente, TV e micro-ondas”. Enquanto a lia, uma senhora de meia-idade aproximou-se de mim e, com ar de profunda revolta, destilou um “que absurdo!”.
Episódios desse tipo são boas fontes de reflexão para algumas inferências que venho fazendo sobre a forma como o jornalismo constrói o fenômeno da corrupção política no Brasil. Uma dessas inferências está relacionada com a construção de notícias e reportagens extremamente personificadas. Ambos os casos, apesar de conjunturalmente distintos, têm um denominador comum: estão centrados em pessoas – Cândido Peçanha e José Dirceu. Apesar de o primeiro ser uma personagem fictícia, de caráter coletivo, o seu efeito de ancoragem e materialização no real, via discurso jornalístico, é enorme. Sem falar no seu efeito de diabolização da política e, particularmente, do político. O segundo ator, conhecido até pelo mundo mineral, teve sua imagem sobejamente estampada nos diversos meios de comunicação social, principalmente durante os meses do julgamento do mensalão. Envolvido em abordagens como as da revista Veja, Dirceu fora apresentado como uma espécie de anti-herói, o vilão da sociedade brasileira. Ao contrário, o ministro Joaquim Barbosa foi vangloriado, transfigurado em herói do povo, “o menino pobre que mudou o Brasil”.
Jornalismo e discussão política
A tendência de centralização da cobertura jornalística da corrupção em pessoas, tendo por detrás motivações claramente ideológicas, encerra um conjunto variado de consequências. A mais preocupante é a ausência de um debate sério, na esfera pública, sobre os reais motivos da proliferação de um fenômeno, apontado pelo sociólogo português Boaventura de Sousa Santos como uma das maiores causas de crise das democracias ocidentais.
Visto por Habermas como um dos principais mobilizadores do espaço público burguês, o jornalismo foi historicamente associado a uma arena de discussão crítica de temas caros à opinião pública. No século 19, as questões sociais mais importantes da sociedade francesa estavam nas páginas da imprensa, dando corpo a fervorosos debates de ideias que envolviam intelectuais, políticos e outras figuras importantes da época. Um exemplo da vocação crítica da imprensa, na discussão de temas sociais, envolveu o romancista Émile Zola que, envolvido no chamado affaire Dreyfus, publicou o célebre J’accuse! (Eu acuso!), manifesto em defesa de um soldado francês de origem judaica, acusado de traição ao Estado, numa tramoia arquitetada por oficiais de cúpula das Forças Armadas. Foi, aliás, daí que surgiu a expressão “intelectual”.
Sem dúvida, o jornalismo de hoje exerce um papel fundamental na denúncia de casos, de que é exemplo o famoso “caso mensalão”, ou mesmo as denúncias contra o ex-presidente Fernando Collor de Mello, conducentes a uma crise política de proporções gigantescas, que culminou, como se sabe, com o seu impeachment. No entanto, o desempenho do jornalismo na busca por respostas ao fenômeno que denuncia é extremamente reduzido, para não dizer redutor. Após a denúncia, o que passa a importar é a culpabilidade de indivíduos. Curioso é que, mesmo antes da manifestação da justiça, muitos acusados são antecipadamente condenados, numa espécie de tribunal simbólico da esfera pública.
Naturalmente, o meu objetivo não é a defesa de qualquer envolvido em qualquer caso de corrupção. Corrupção é uma prática ilícita e deve ser punida. Em contrapartida, o aspecto para o qual gostaria de chamar a atenção está relacionado com o lugar assumido pelo jornalismo frente ao problema. Um lugar cada vez mais dissociado da arena de discussão política, à qual ele esteve ligado durante séculos. Não estou a falar, obviamente, em política partidária, mas na visão aristotélica de Política como o espaço de discussão aprofundada de questões atinentes à realidade da polis.
Oportunidade abandonada
O jornalismo brasileiro tende a criar a ideia de que vivemos imersos numa “cultura de impunidade”, alertando-nos para o fato de que a corrupção está culturalmente arraigada ao código genético tupiniquim. Por outro lado, não são raras as construções semânticas que apontam a corrupção política como um problema endêmico, pulverizado em nossa sociedade e em todo o sistema político.
Ao adotar essas construções midiáticas de sentido, chegamos à conclusão de que a corrupção impregna-se de tal forma nas instituições políticas nacionais, estaduais e municipais, que a própria estrutura estatal rui, num imparável apodrecimento. A corrupção, nesse contexto, possa ser um problema de Estado e a integrar o nosso imaginário. Dados da Transparência Internacional de 2013 colocaram o Brasil na 69ª posição, num ranking que procura mensurar o nível de percepção pública da corrupção, em países dos cinco continentes. Segundo a organização, uma das responsáveis pela alta percepção do fenômeno entre os brasileiros é a mídia.
Já que o jornalismo aponta para a existência de uma corrupção sistêmica, seria de esperar que o próximo passo a ser dado fosse a discussão desse sistema, cuja precariedade, como se depreende da narrativa jornalística, estaria na base do nascimento e do espraiamento do fenômeno. Curiosamente, ao fazer a cobertura de casos específicos, o jornalismo abandona completamente, ou relega a um plano muito secundário, a oportunidade do debate, voltando o seu horizonte de interesses para uma luta frenética pela condenação de pessoas. Nesse movimento de incorporação de uma pseudoaura jurídica, é interessante observar que o jornalismo tanto elogia quanto critica a justiça oficial, adotando tons que variam, em maior ou menor grau, de acordo a aproximação, ou o distanciamento dos vereditos judiciais de suas expectativas condenatórias.
Efeito perverso
Essa reflexão conduz-me a questões presentes na filosofia de Platão. Em sua República, ao narrar o diálogo entre Sócrates e o sofista Trasímaco sobre o que seria o bom e o justo, o filósofo grego permite aflorar o tema da legitimidade. Segundo o professor da Universidade de Brasília Alexandre Araújo Costa, naquele contexto, a legitimidade, para Platão, seria o conceito de que dispúnhamos para questionar a validade de uma ordem, mesmo quando ela adviesse de uma pessoa, ou instituição com potencial de gerar obediência. Na contramão desse conceito platônico de legitimidade, podemos trazer a legalidade, ou discurso legalista, que não permite discussão alguma. Ao magistrado não cabe colocar a lei em causa, devendo aplicá-la tout court. O discurso legalista, portanto, prevê a confirmação das estruturas.
Essa ligação ao pensamento platônico permite, ainda que com cuidado, fazer algumas elucidações quanto à postura do jornalismo frente ao tema da corrupção política, tal como descrevemos antes. Queremos dizer que, no momento em que o jornalismo abre mão da discussão de uma estrutura, que o próprio aponta como degradada pela corrupção, e passa a preocupar-se, tão-somente, com a culpabilidade de pessoas, ele assume, lui-même, um discurso legalista.
Em outras palavras, o jornalismo reduz a legitimidade platônica à legalidade, sendo que a característica principal dessa última é justamente abafar o debate. Recorrendo à noção de despolitização, que o filósofo alemão Carl Schimdt desenvolve, em O ofício do político, podemos estabelecer uma analogia com o seu pensamento para dizer que o jornalismo despolitiza a sua prática porque não discute as temáticas a fundo. Um exemplo, entre vários: no ano passado, durante o julgamento do cabimento de embargos infringentes, na Ação Penal 470, a grande mídia, em nenhum momento, procurou discutir a real validade daquele instituto recursal. Antes e depois das sessões de julgamento, o clima de opinião midiático era o mesmo: não cabem os embargos. Por que? A história dirá, mas posso adiantar o meu contributo: porque importava apenas a condenação sumária.
Ao não discutir as questões, o jornalismo desvincula-se de sua faceta histórica mais nobre: a procura por respostas adequadas às demandas sociais, ou, melhor ainda, ao interesse público. De qualquer modo, essa despolitização assume nuances muito particulares. Não se trata de esquecimento, nem tampouco de ingenuidade: a não discussão assenta em objetivos ideológicos.
O discurso legalista ideologizado do jornalismo sobre a corrupção política tem, portanto, um efeito perverso, mas, sobretudo, paradoxal. Isso porque, como antes dissemos, se a legalidade não autoriza a contestação das estruturas (das normas, do sistema como um todo), ao adotá-la em seu discurso, o jornalismo confirma, tacitamente, a mesma estrutura, visceralmente comprometida pela existência da corrupção, que antes havia denunciado.
Por fim, vale ressaltar que, guardados os perigos da generalização, essa é uma tendência observável em todos os meios de comunicação, de um lado a outro do espectro político-ideológico. É nesse enquadramento que o discurso jornalístico sobre a corrupção assume-se como personificado e, consequentemente, legalista. Desse modo, pouco ou nada nos ajuda a compreender o fenômeno da corrupção política.
Por agora, vem-me na memória, como um relâmpago, aquilo que o repórter polonês Ryszard Kapuscinski uma vez disse, referindo à sua própria profissão: “Os cínicos não servem para este ofício”.
Há poucas semanas, o Fantástico, da TV Globo, anunciava uma reportagem, cujo título interpelou-me à primeira vista: “Manual da Corrupção Eleitoral”. Assisti ao programa com uma expectativa contida. Um dos elementos mais curiosos foi o fato de toda a reportagem girar em torno de uma personagem fictícia, Cândido Peçanha, apresentada como protótipo do político corrupto brasileiro. Um segundo episódio ocorrera, igualmente semanas atrás, por ocasião da ida de um grupo de parlamentares à penitenciária da Papuda com o objetivo de fiscalizar as condições carcerárias de José Dirceu. Ao passar por uma banca de jornal, em Brasília, a manchete do Correio Braziliense chamou a minha atenção: “Cela de Dirceu tem chuveiro quente, TV e micro-ondas”. Enquanto a lia, uma senhora de meia-idade aproximou-se de mim e, com ar de profunda revolta, destilou um “que absurdo!”.
Episódios desse tipo são boas fontes de reflexão para algumas inferências que venho fazendo sobre a forma como o jornalismo constrói o fenômeno da corrupção política no Brasil. Uma dessas inferências está relacionada com a construção de notícias e reportagens extremamente personificadas. Ambos os casos, apesar de conjunturalmente distintos, têm um denominador comum: estão centrados em pessoas – Cândido Peçanha e José Dirceu. Apesar de o primeiro ser uma personagem fictícia, de caráter coletivo, o seu efeito de ancoragem e materialização no real, via discurso jornalístico, é enorme. Sem falar no seu efeito de diabolização da política e, particularmente, do político. O segundo ator, conhecido até pelo mundo mineral, teve sua imagem sobejamente estampada nos diversos meios de comunicação social, principalmente durante os meses do julgamento do mensalão. Envolvido em abordagens como as da revista Veja, Dirceu fora apresentado como uma espécie de anti-herói, o vilão da sociedade brasileira. Ao contrário, o ministro Joaquim Barbosa foi vangloriado, transfigurado em herói do povo, “o menino pobre que mudou o Brasil”.
Jornalismo e discussão política
A tendência de centralização da cobertura jornalística da corrupção em pessoas, tendo por detrás motivações claramente ideológicas, encerra um conjunto variado de consequências. A mais preocupante é a ausência de um debate sério, na esfera pública, sobre os reais motivos da proliferação de um fenômeno, apontado pelo sociólogo português Boaventura de Sousa Santos como uma das maiores causas de crise das democracias ocidentais.
Visto por Habermas como um dos principais mobilizadores do espaço público burguês, o jornalismo foi historicamente associado a uma arena de discussão crítica de temas caros à opinião pública. No século 19, as questões sociais mais importantes da sociedade francesa estavam nas páginas da imprensa, dando corpo a fervorosos debates de ideias que envolviam intelectuais, políticos e outras figuras importantes da época. Um exemplo da vocação crítica da imprensa, na discussão de temas sociais, envolveu o romancista Émile Zola que, envolvido no chamado affaire Dreyfus, publicou o célebre J’accuse! (Eu acuso!), manifesto em defesa de um soldado francês de origem judaica, acusado de traição ao Estado, numa tramoia arquitetada por oficiais de cúpula das Forças Armadas. Foi, aliás, daí que surgiu a expressão “intelectual”.
Sem dúvida, o jornalismo de hoje exerce um papel fundamental na denúncia de casos, de que é exemplo o famoso “caso mensalão”, ou mesmo as denúncias contra o ex-presidente Fernando Collor de Mello, conducentes a uma crise política de proporções gigantescas, que culminou, como se sabe, com o seu impeachment. No entanto, o desempenho do jornalismo na busca por respostas ao fenômeno que denuncia é extremamente reduzido, para não dizer redutor. Após a denúncia, o que passa a importar é a culpabilidade de indivíduos. Curioso é que, mesmo antes da manifestação da justiça, muitos acusados são antecipadamente condenados, numa espécie de tribunal simbólico da esfera pública.
Naturalmente, o meu objetivo não é a defesa de qualquer envolvido em qualquer caso de corrupção. Corrupção é uma prática ilícita e deve ser punida. Em contrapartida, o aspecto para o qual gostaria de chamar a atenção está relacionado com o lugar assumido pelo jornalismo frente ao problema. Um lugar cada vez mais dissociado da arena de discussão política, à qual ele esteve ligado durante séculos. Não estou a falar, obviamente, em política partidária, mas na visão aristotélica de Política como o espaço de discussão aprofundada de questões atinentes à realidade da polis.
Oportunidade abandonada
O jornalismo brasileiro tende a criar a ideia de que vivemos imersos numa “cultura de impunidade”, alertando-nos para o fato de que a corrupção está culturalmente arraigada ao código genético tupiniquim. Por outro lado, não são raras as construções semânticas que apontam a corrupção política como um problema endêmico, pulverizado em nossa sociedade e em todo o sistema político.
Ao adotar essas construções midiáticas de sentido, chegamos à conclusão de que a corrupção impregna-se de tal forma nas instituições políticas nacionais, estaduais e municipais, que a própria estrutura estatal rui, num imparável apodrecimento. A corrupção, nesse contexto, possa ser um problema de Estado e a integrar o nosso imaginário. Dados da Transparência Internacional de 2013 colocaram o Brasil na 69ª posição, num ranking que procura mensurar o nível de percepção pública da corrupção, em países dos cinco continentes. Segundo a organização, uma das responsáveis pela alta percepção do fenômeno entre os brasileiros é a mídia.
Já que o jornalismo aponta para a existência de uma corrupção sistêmica, seria de esperar que o próximo passo a ser dado fosse a discussão desse sistema, cuja precariedade, como se depreende da narrativa jornalística, estaria na base do nascimento e do espraiamento do fenômeno. Curiosamente, ao fazer a cobertura de casos específicos, o jornalismo abandona completamente, ou relega a um plano muito secundário, a oportunidade do debate, voltando o seu horizonte de interesses para uma luta frenética pela condenação de pessoas. Nesse movimento de incorporação de uma pseudoaura jurídica, é interessante observar que o jornalismo tanto elogia quanto critica a justiça oficial, adotando tons que variam, em maior ou menor grau, de acordo a aproximação, ou o distanciamento dos vereditos judiciais de suas expectativas condenatórias.
Efeito perverso
Essa reflexão conduz-me a questões presentes na filosofia de Platão. Em sua República, ao narrar o diálogo entre Sócrates e o sofista Trasímaco sobre o que seria o bom e o justo, o filósofo grego permite aflorar o tema da legitimidade. Segundo o professor da Universidade de Brasília Alexandre Araújo Costa, naquele contexto, a legitimidade, para Platão, seria o conceito de que dispúnhamos para questionar a validade de uma ordem, mesmo quando ela adviesse de uma pessoa, ou instituição com potencial de gerar obediência. Na contramão desse conceito platônico de legitimidade, podemos trazer a legalidade, ou discurso legalista, que não permite discussão alguma. Ao magistrado não cabe colocar a lei em causa, devendo aplicá-la tout court. O discurso legalista, portanto, prevê a confirmação das estruturas.
Essa ligação ao pensamento platônico permite, ainda que com cuidado, fazer algumas elucidações quanto à postura do jornalismo frente ao tema da corrupção política, tal como descrevemos antes. Queremos dizer que, no momento em que o jornalismo abre mão da discussão de uma estrutura, que o próprio aponta como degradada pela corrupção, e passa a preocupar-se, tão-somente, com a culpabilidade de pessoas, ele assume, lui-même, um discurso legalista.
Em outras palavras, o jornalismo reduz a legitimidade platônica à legalidade, sendo que a característica principal dessa última é justamente abafar o debate. Recorrendo à noção de despolitização, que o filósofo alemão Carl Schimdt desenvolve, em O ofício do político, podemos estabelecer uma analogia com o seu pensamento para dizer que o jornalismo despolitiza a sua prática porque não discute as temáticas a fundo. Um exemplo, entre vários: no ano passado, durante o julgamento do cabimento de embargos infringentes, na Ação Penal 470, a grande mídia, em nenhum momento, procurou discutir a real validade daquele instituto recursal. Antes e depois das sessões de julgamento, o clima de opinião midiático era o mesmo: não cabem os embargos. Por que? A história dirá, mas posso adiantar o meu contributo: porque importava apenas a condenação sumária.
Ao não discutir as questões, o jornalismo desvincula-se de sua faceta histórica mais nobre: a procura por respostas adequadas às demandas sociais, ou, melhor ainda, ao interesse público. De qualquer modo, essa despolitização assume nuances muito particulares. Não se trata de esquecimento, nem tampouco de ingenuidade: a não discussão assenta em objetivos ideológicos.
O discurso legalista ideologizado do jornalismo sobre a corrupção política tem, portanto, um efeito perverso, mas, sobretudo, paradoxal. Isso porque, como antes dissemos, se a legalidade não autoriza a contestação das estruturas (das normas, do sistema como um todo), ao adotá-la em seu discurso, o jornalismo confirma, tacitamente, a mesma estrutura, visceralmente comprometida pela existência da corrupção, que antes havia denunciado.
Por fim, vale ressaltar que, guardados os perigos da generalização, essa é uma tendência observável em todos os meios de comunicação, de um lado a outro do espectro político-ideológico. É nesse enquadramento que o discurso jornalístico sobre a corrupção assume-se como personificado e, consequentemente, legalista. Desse modo, pouco ou nada nos ajuda a compreender o fenômeno da corrupção política.
Por agora, vem-me na memória, como um relâmpago, aquilo que o repórter polonês Ryszard Kapuscinski uma vez disse, referindo à sua própria profissão: “Os cínicos não servem para este ofício”.
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