# manda chuva #Ainda o chato assunto do diploma
txt: Tiago Jucá OliveiraPrimeiramente, eu gostaria de criticar e elogiar o pessoal do
Jornalismo B. Criticar por que acho que debater exigência de diploma de jornalismo não leva a nada. Não vai mudar porra nenhuma, independente da obrigação ou não. E também pelo fato que não sou eu a pessoa indicada pra defender um dos lados das questões. Não pertenço a nenhuma entidade, movimento, coletivo ou ong que defenda a não obrigatoriedade. E por último, criticar por ter chamado uma pessoa do sindicato que não quer que vocês exerçam o jornalismo. Duvido que haja mais de cinco blogs, em Porto Alegre, melhores que o Jornalismo B. E eu, uma pessoa formada, sou muito pior fotojornalista do que a Thais, que é bióloga, e que faz fotos pro Jornalismo B, pr
O DILÚVIO e pro Jornal Já. Se depender do sindicato, seus dias de jornalismo e fotojornalismo estão contados. Vocês convidaram o inimigo pra trincheira.
Mas eu os elogio ao mesmo tempo, pois debater jornalismo sempre é bom. E também agradeço as palavras do
Alexandre Lucchese sobre minha pessoa e sobre O DILÚVIO ao nos qualificar como um dos debatedores. Diz ele, no próprio blog, semana passada: “O Jucá e sua O DILÚVIO representam o que há de mais independente, autônomo e livre na imprensa de Porto Alegre – quer o próprio Jucá queira reconhecer isso ou não. Desde seus temas e pautas, até sua organização e ’sede’, passando pela diagramação e textos, O DILÚVIO congrega a grande maioria das características que qualquer veículo alternativo e informal gostaria de ter. E, acredito, é alguém que tem este tipo de experiência durante tantos anos que poderá levantar esta discussão de maneira genuinamente rica perante a entidade que busca formalizar o exercício do jornalismo.”
E acho que ele tem uma certa razão no que disse. O DILÚVIO é uma referência nacional em cultura livre, em reciclagem de idéias, em autonomia editorial, em jornalismo cultural. Já ganhamos uma bolsa da Fundação Avina pra produzir uma série de reportagens sobre licenças livres e multiplicação do conhecimento. Entre os 50 veículos contemplados com a bolsa de investigação, somente O DILÚVIO era uma publicação independente, no meio de grandes como CNN, Rádio CBN, Carta Capital, El Clárin, La Nación, Jornal do Conmércio, etc.
Também já fomos convidados pra debater jornalismo, com outras 40 experiências bem sucedidas de modelos alternativos de comunicação, no evento Onda Cidadã, promovido pelo Itaú Cultural. Recentemente, fomos escolhidos a 6º melhor publicação impressa do país, através do Prêmio Dynamite.
Portanto, se não sou o apropriado pra debater diploma, tenho uma certa credibilidade pra discutir jornalismo. Também temos forte personalidade pra dizer que ninguém vai nos obrigar a ter somente jornalistas com diploma em nossa revista. Leis que não consideramos justas, nós não obedecemos. Isto se deve ao nosso maior inspirador que é
Henry Thoreau, autor do clássico
A Desobediência Civil. Diz ele, em certo trecho do livro:
"Deve o cidadão, sequer por um momento, ou minimamente, renunciar à sua consciência em favor do legislador? Então por que todo homem tem uma consciência? Penso que devemos ser homens, em primeiro lugar, e depois súditos. Não é desejável cultivar pela lei o mesmo respeito que cultivamos pelo direito."
Conclui o mestre: "A lei jamais tornou os homens mais justos, e, por meio de seu respeito por ela, mesmo os mais bem-intencionados transformam-se diariamente em agentes da injustiça."
O DILÚVIO é uma revista que comete dezenas de desobediências, ilegalidades por dia. É só dar uma olhada na nossa comunidade no orkut, que tem quase 3.500 membros subversivos. Milhares de downloads de músicas protegidas pelo direito autoral são realizados a partir dos links disponibilizados lá na comunidade. Nosso perfil no orkut já foi denunciado por desrespeito aos direitos autorais e excluído duas vezes. Já criamos o terceiro, e rapidinho já chegamos a 500 amizades solidárias. E criaremos pela quarta vez, se for necessário.
No nosso blog, estamos cometendo outro delito, quase que diariamente. Utilizamos fotos, ilustrações e charges de outras pessoas sem pedir permissão e sem dar créditos ao autor. Motivo: são obras licenciadas em copyright, e não em Copyleft, Domínio Público ou Creative Commons. A gente faz pirataria e plágio com aqueles que não liberam a obra pra livre reprodução. E incentivamos isso.
A propriedade é um roubo, disse
Proudhon. Eu digo: a propriedade intelectual também é um roubo.
Duas pessoas da redação criaram uma obra que critica a desgovernadora
Yedinha, e omitimos o nome destas duas pessoas. Ela está lá, nua, esperando que qualquer pessoa a use, que a plagie. E já vimos que ela já se espalhou por aí, no orkut já vi vários álbuns de fotografias com a obra lá, como se fossem de autorias de outras pessoas, e não nossa.
Não queremos ser donos de obras jornalísticas e artísticas. Queremos que as idéias se espalhem aos milhões. Pra mim é muito mais importante ver uma idéia minha sendo difundida e ampliada, modificada pra melhor e plagiada, do que dizer e obrigar que eu sou o autor dela. Esses dias eu vi no site do jornal O Globo a reprodução integral dum texto que já havia sido publicado na revista O DILÚVIO. Eles não citaram o autor da matéria. Problema nisso? Pra gente não.
Manu Chao, grande referência musical pra gente, também já reproduziu no seu site a entrevista que fizemos com ele, na íntegra e citando a fonte, sem nos pedir permissão, pois como usamos uma licença
Creative Commons, já está pré-autorizada pra qualquer pessoa do mundo reproduzir nossas fotos e reportagens, da maneira como ela quiser, sem precisar nos contatar pra pedir autorização. Depois de publicado, nosso conteúdo deixa de ser de nossa propriedade e passa a ser do mundo. Assim como nossos filhos, dos quais somos pais, mas não somos donos. Depois de criados, eles também passam a ser do mundo em que vivem, sujeitos a ser justamente o oposto daquilo que os pais eram.
Quando alguém pega uma idéia nossa, não deixamos de possuir esta idéia, não nos sentimos roubados ou sem idéias. Assim como alguém acende uma vela na nossa, a gente não fica sem luz. Quem disse essa frase bonita não fui eu, foi o
Thomas Jefferson, e está em domínio público. Se estivesse em copyright, eu diria que a frase era minha, ou não citaria o autor.
Enquanto isso, no senado federal, tramita o
projeto de lei Azeredo, que vai vigiar e punir qualquer pessoa que fizer download ilegal de conteúdo protegido pelos direitos autorais. Se eu quiser fazer uma resenha do novo álbum da Sandy Junior, a filha do Chitãozinho e Xororó, eu vou precisar baixar o disco na web. A gravadora e a produtora dela não nos enviam CDs. Enviam somente a grandes meios de comunicação. Se eu quiser agir de forma legal, ou compro na loja, ou pago pra baixar no itunes. Isso vai me custar mais de 20 reais, quase 30. Ou seja, eu vou ter que pagar pra ajudar na divulgação do novo disco dela. Quem deveria me pagar era ela, pra eu ter que ouvir aquela bosta e ainda escrever uma resenha.
Ao mesmo tempo, aqui na província, um professor universitário e jornalista é censurado por uma empresa, que usa um cascateiro como laranja. A crítica mais contudente ao péssimo jornalismo que esta empresa faz está calada. Dizem que é uma pessoa processando outra por difamação. Não. É uma empresa censurando um jornalista por trazer a verdade a tona.
Há somente em
Porto Alegre 26 emissoras de televisão e rádio com as outorgas já vencidas. Quem diz isso não sou eu, é a
Anatel, é só entrar no site deles e conferir. E pra trabalhar nessas empresas que deveriam estar fechadas pela justiça, há pessoas aqui defendendo que se tenha o diploma. Como não vejo muita diferença em uma quadrilha de traficantes e estas emissoras, creio que vá se pedir diploma pra ser avião de traficante. Jornalista que trabalha numa dessas emissoras é um criminoso também. É cúmplice disso que eu qualifico como o pior jornalismo já feito na história no país. Nem nas ditaduras de Vargas e dos militares se fazia coisa pior.
Este ato contra a liberdade de expressão vai calar diversos comunicadores de rádios comunitárias. Já são calados na base da porrada pelo governo
Lula, que é que mais fechou rádios comunitárias. Rádios comuntárias que são criminalizadas pelas rádios comerciais, são denunciadas e chamadas de piratas. Pirata é a rádio Gaúcha, a rádio Guaíba, a rádio Band, a rádio Cultura, a rádio da Universidade, a rádio Atlântida, a rádio Itapema, a RBS TV, a Band TV, etc. Todas elas estão com concessão pública vencida. Note, há duas rádios públicas que deveriam estar fora do ar. E nas rádios comerciais, governos municipais, estaduais e federal investem verbas publicitárias, pagas pelo nosso bolso.
E fiquei sabendo semana passada que meus amigos da Black Sonora e a Lica Tito tiveram que conseguir liminar pra poder se apresentar ao vivo. O que mais vai ser preciso ter diploma pra poder se expressar? Só falta os tucanos apresentarem um projeto que impeça analfabetos de concorrerem a presidência.
Então você soma tudo disso: censura a jornalistas + limitar que somente uma elite possa se comunicar + fechamento de rádios comunitárias + grandes emissoras funcionando sem outorgas + proteção da não difusão do conhecimento + proibir artistas de se apresentarem ao vivo + concentração de emissoras de radio e TV em poucas mãos = menos democracia e péssimo jornalismo
Esta exigência besta de diploma quer é calar a voz da maioria.
Somente uma elite formada e diplomada poderá ser capaz de fazer o serviço sujo de uma dúzia de famílias que comandam a comunicação e a mídia no Brasil. Não me venham com esse papo furado que é preciso diploma pra segurar um microfone, alisar o cabelo e dizer que hoje vai chover na fronteira e fazer frio na serra. O cara que tinha mais talento pra fazer isso não tinha diploma de jornalista, e hoje é deputado estadual. Era muito mais divertido ele do que essas menininhas formadas na Fabico ou Famecos de cabelo alisado. Qualquer Maísa dá a previsão do tempo.
TOMATE CRUDuas meninas comentaram, uma no nosso blog, e outra no twitter: então me devolva o dinheiro que gastei na faculdade. Não pude deixar de responder: se tivesse estudado como eu estudei, tinha passado numa federal. Porra, a preocupação delas é somente dinheiro. Em nenhum momento parou pra pensar que elas, com diploma, tem uma qualificação a mais de quem não tem.
Não é exigido, pra ser jornalista, estudar inglês, francês e castelhano, fazer mestrado e doutorado, tirar um curso de fotografia no SENAC, freqüentar algumas aulas na história, cursar photoshop, ler livros sobre a profissão que os professores nunca exigiram ou jamais recomendaram. Vou eu pedir a livraria meu dinheiro de volta porque a lei não obriga ler Darcy Ribeiro pra exercer a profissão de jornalismo? Claro que não. Eu procurei me qualificar. Por isso que entrei numa faculdade. Foi lá que conheci, além do Darcy Ribeiro, o Eric Hobsbawm e o Marshal McLuhan.
O presidente da Fenaj ilustrou um caso pra defender a obrigatoriedade do diploma. Um cara que pediu carteira de jornalista, mas que era analfabeto. Eu pergunto: você tem medo de concorrer e perder emprego pra um cara analfabeto? Então vaza, meu filho, enquanto é tempo. Desista do jornalismo e vá fazer outra coisa, vá plantar batatas.
Também tem alguns que dizem que blog não é jornalismo, eu pergunto: mas pra trabalhar no blog da folha online? Ou num blog da rede globo? Neste caso blog é jornalismo? Levo a crer que jornalismo então é somente aquilo feito na grande mídia. O blog da Petrobrás foi um bom exemplo esta semana de um bom jornalismo, muito melhor que os jornais. O blog d’O DILÚVIO, o blog do Jornalismo B, o blog do Celeuma, o blog do Marcelo Tas, o blog do Luis Nassif, o blog do Wladymir Ungaretti, entre outros, não são jornalismo? Digo mais: se você estuda jornalismo e ainda não tem um blog, escolheu a profissão errada.
E livros como “Estação Carandiru”, do Drauzio Varela; “Noites Tropicais” e “Tim Maia – Vale Tudo”, do Nelson Motta; “Os Sertões”, de Euclides da Cunha; “Dez Dias que Abalaram o Mundo”, de John Reed; “A Sangue Frio”, de Truman Capote; “O Mistério do Samba” e “Mundo Funk Carioca”, de Hermano Vianna. Todos esses livros, entre tantos, não são jornalismo? Preciso de diploma pra escrever um livro reportagem?
E filmes? “Ônibus 174”, do José Padilha; “Notícias de uma Guerra Particular”, do João Moreira Salles. Estes filmes não são jornalismo? Se forem, preciso ter diploma pra fazer um documentário?
E quanto a esses caras que vou citar. MINO CARTA – Quatro Rodas, Carta Capital, Veja; ANDRÉ FORASTIERI – Bizz, Set, General, Conrad, Folha, MTV; ZIRALDO – O Pasquim, Bundas, Palavra; MACOS FAERMAN – Versus, Singular e Plural; SEBASTIÃO OLIVEIRA – Caac – centro de artes e alternativas de cidadania; ELIEZER MUNIZ – projeto canal motoboy; LOBÃO – Outra Coisa, MTV; IDELBER AVELAR – brilhante cobertura dos ataques israelenses à Palestina; REGINA CASÉ – Central da Periferia; HERMANO VIANNA – Música do Brasil, Overmundo e Central da Periferia; ARNALDO JABOR – Jornal da Globo; RONALDO LEMOS - Overmundo. Em comum entre todos estes nomes é que nenhum deles tem diploma. Vamos queimar a Carta Capital? Vamos tirar o Overmundo do ar?
Também dizem que assim que não for mais exigido o diploma, as empresas vão demitir os jornalistas formados. Alguém aqui acredita que a Globo vai demitir o Caco Barcelos ou o Carlos Eduardo Dornelles? Alguém acredita que O DILÚVIO não vai mais querer entre seus colunistas nomes como Bruno Lima Rocha e Wladymir Ungaretti. Só os medíocres acreditam nisso, pois só eles tem medo de perder emprego, porque sabem que são medíocres.
Nessa sexta que passou houve outro debate sobre o assunto, e ouvi várias vezes a palavra patrão. Que com diploma o patrão não vai nos explorar, vai pagar melhor, não vai nos demitir pra contratar outro em seu lugar. E notei que a grande preocupação dessas pessoas é não perder emprego nem ganhar mal na grande mídia. Elas não querem abolir a grande mídia, não querem boicotar a grande mídia. Não. Elas querem continuar sustentando, com diploma e mais qualidade, a grande mídia. Quere continuar dando coro a manipulação, engrossando o caldo da mentira. Mas com diploma, claro, a mentira terá mais qualidade. Um cara que não estudou jornalismo dificilmente estudou e sabe os quatro padrões básicos de manipulação utilizados pela grande imprensa. Ou será que eles acham que vão inverter a pauta do MST para um novo ângulo, para uma nova ótica?
Cito o grupo
Krisis, autor do brilhante livro
Manifesto Contra o Trabalho: “Trabalho e capital são os dois lados da mesma moeda. A esquerda política sempre adorou entusiasticamente o trabalho. Ela não só elevou o trabalho à essência do homem, mas também mistificou-o como pretenso contra-princípio do capital. O escândalo não era o trabalho, mas apenas a sua exploração pelo capital. Por isso, o programa de todos os "partidos de trabalhadores" foi sempre "libertar o trabalho" e não "libertar do trabalho". Tanto do ponto de vista do trabalho quanto do capital, pouco importa o conteúdo qualitativo da produção. O que interessa é apenas a possibilidade de vender de forma otimizada a força de trabalho. Os trabalhadores das usinas nucleares e das indústrias químicas protestam ainda mais veementemente quando se pretende desativar as suas bombas-relógio. E os "ocupados" da Volkswagen, Ford e Toyota são os defensores mais fanáticos do programa suicida automobilístico. Não só porque eles precisam obrigatoriamente se vender só para "poder" viver, mas porque eles se identificam realmente com a sua existência limitada. Para sociólogos, sindicalistas, sacerdotes e outros teólogos profissionais da "questão social", trabalho forma a personalidade. Personalidade de zumbis da produção de mercadorias, que não conseguem mais imaginar a vida fora de sua Roda-Viva fervorosamente amada.”
O jornalista
Hélio Paz, que pensa parecido comigo sobre o diploma, disse: “os sindicatos vivem essa atrasada visão dicotômica de burguesia x proletariado quando o jornalista JAMAIS se constituiu em um proletário ou em um escravo miserável. Além disso, não enxergam bem outra possibilidade que não seja a de serem empregados injustiçados de um patrão totalitário.” Citei ele porque também ouvi muitos argumentos do tipo “jornalista é diferente de comentarista e colunista; o primeiro faz reportagens e os outros opinam”. Então jornalista não deve opinar? Jornalista é o pau mandado do editor que o coloca pra cobrir o que interessa a empresa?
Vou procurar adaptar a situação do jornalismo pra outra profissão bem parecida com a nossa. Digamos que haja diploma pra ser prostituta. Você acredita que uma diplomada diz pro patrão dela na zona e diz: “olha, eu só transo com o Brad Pitt e com o Rodrigo Santoro”. Mesmo com diploma, ela vai transar com qualquer um que pagar, seja gordo ou magro, alto ou baixo, bonito ou feio, vascaíno ou flamenguista, cabeludo ou careca, cepacol ou desdentado. E se pensar que nem pensam os favoráveis a exigência de diploma, vai fazer passeata em Brasília pra impedir que qualquer puta sem nível superior faça programa nas esquinas.
Eu digo: com diploma ou sem diploma, quem pensa assim vai sempre acabar se fudendo. E sendo assim, só posso dar este conselho: jornalista com caráter de puta que nem você tem mesmo é que tomar no cu.