#CADÊ MEU CHINELO?

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

[agência pirata] E SE UM LOBO SOPRAR A CASA?



::txt::Bruno Nogueira::

Uma das grandes curiosidades da Confraria do Buxexa é que o dono do restaurante, o Buxexa, é pai da Eline. Cantora do Hang The Superstars e uma das maiores trabalhadoras do rock nacional, braço da Construtora comandada por Fabrício Nobre em Goiânia. No fim, acho que o grande e talvez único trunfo do Fora do Eixo foi ter reunido os grandes trabalhadores da música brasileira. Como os construtores, como o casal Foca e Ana, do DoSol, e porque não, também como os próprios Talles, Pablo Capilé. Mesmo não tendo, como falarei a seguir, uma causa em comum.

Quando o FDE entrou no ritmo certo do crescimento muita coisa aconteceu. Os coletivos estiveram envolvidos desde a criação da Rede Música Brasil como em quase todos os debates de música do País que aconteciam em festivais e feiras. Começaram a entrar em áreas como teatro e cineclubes. Até inventaram de criar um site de jornalismo musical chamado N’Agulha. Fui fazer parte da equipe com Alex Antunes e uma turma mais nova e gente boa do FDE. Na época fui pelo acordo financeiro de cobrir meu salário no jornal A Tarde. Nunca recebi. Não sei se o Alex recebeu, mas com ele o acordo também era outro.

Foi uma oportunidade boa de conhecer alguns eventos de perto. No Calango, por exemplo, vi que a polêmica maior feita ao Fora do Eixo não tinha fundamento. Em edição patrocinada em parte pela Petrobras, bandas receberam cachê, outras receberam uma boa ajuda de custo e algumas, principalmente locais, das que conversei, não receberam. Mas também não se importavam com isso pela troca de fazer parte e ajudar a construir algo maior. Honesto, na minha percepção. Todo artista era, antes de tudo, muito bem tratado. Ficou claro que talvez eventos menores, que queriam entrar no circuito intermediário, de fato não pagavam cachê. Mas também nem tinham força para isso. Uma enxurrada de festivais simplesmente deixou de existir nesse período.

Para mim, relembrando toda essa história, me dei conta como na época eles pareciam estar construindo algo sólido em Cuiabá. Faltava música boa ainda. Mas o Vanguart e o Macaco Bong mostravam que eles estavam no caminho certo e que a boa música poderia aparece no futuro próximo.

O que leva a questão que, para mim sim, parece ser polêmica. Porque depois de construir tanto, o Fora do Eixo simplesmente sumiu de Cuiabá? Porque após construir uma marca forte com o mote de estar fora do eixo da produção, eles foram diretamente ao Eixo? Pegando os coletivos mais sólidos do grupo, em Goiânia, Natal e Belo Horizonte, existe um discurso de valorização de auto estima local fantástico. Estão trabalhando para levantar a moral de suas cidades. Então porque sair da base disso tudo? Cuiabá ficou sem festival Calango (alguém se ligou que ele não aconteceu esse ano?), sem Espaço Cubo, sem nem mesmo ninguém para contar a historia? Tudo para São Paulo ganhar um albergue coletivo?

Em 2010 Cuiabá parecia ser o próximo centro cultural interessante do país. No ano seguinte, sumiu do mapa. Bandas desamparadas e que não partiram para o retiro indie a São Paulo reclamam e falam de apoios a políticos locais que não se elegeram. Como toda acusação grave, carece de mais investigação. Mas parece fazer sentido que alguma coisa abalou a zona de segurança do grupo na cidade, de maneira tão forte que gerou essa debandada. E a família Capilé, que veio de Dourados, tem parte de sua historia em Cuiabá envolvida no poder público.

Claro que o discurso da Casa Fora do Eixo em São Paulo é sensacional. Mas historicamente, estabelecer base em São Paulo nunca foi uma grande dificuldade mesmo para o artista iniciante. Conquistar uma pauta no Studio SP (outro espaço que usa música como trampolim político) soa esquisito quando a casa já era um palco comum da música independente. A debandada de Cuiabá demonstra que o coletivo não conseguiu fazer o trabalho fundamental de base na própria casa. As conquistas em São Paulo mostram um exercito sendo formado em torno de objetivos triviais. É tudo tão frágil que mais parece que um lobo pode soprar a porta e a casa Fora do Eixo pode cair.

O medo parece me justificar várias coisas. Mais que uma imagem agressiva, o Fora do Eixo sempre se comporta de forma assustada. Quando o caso China estourou, no gtalk já vinha um ou dois me falar do plano para tirar o cara da MTV. A resposta de um presidente, vice, gestor, líder e demais não são nunca suficiente. Fale mal e 427 pessoas vão floodar seu twitter com ofensas. Acuse, que esse número se multiplica por vinte. Se o ditado popular nos ensina que quem não deve não teme, então tem algo muito errado por trás dessas histórias todas. No fim, não se precisa de muito esforço para deixar claro um sentimento que é comum a quase todo mundo: tem algo de errado nessa história de Fora do Eixo.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

[agência pirata] SEXUALIDADE DA MACONHA



::txt::Sergio Vidal::

Primeiro peço desculpas por esse texto está mais uma semana saindo atrasado. É realmente difícil acompanhar o ritmo intenso da redação do Hempadão, e continuo me esforçando, mas as vezes não dá para ser pontual. Me desculpem. Agora vamos direto a mensagem dessa semana, que tem haver com a sexualidade da cannabis e as diferenças entre plantas macho e fêmeas.

"Me dei liberdade de tirar uma duvida com vocês, eu cultivo outdoor tbm, mas comecei esse ano, ja li muitos livros mas não encontrei muita coisa sobre o sexo da planta, e pela primeira vez acho que nasceu "macho", dizem só dar semente né, então, ela entrou na pré-floração e está saindo uns botões, típicos de sementes, mas em apenas um dos galhos, há a possibilidade de ela ser hemafrodita ? dar flor e semente ? e se o sexo da planta é definido durante o crescimento, pela quantidade de sol e agua, isso existe? mandarei algumas fotos, espero que possam me ajudar"

Essa mensagem é realmente muito legal por nos dar a oportunidade de discutir alguns temas importantes para as pessoas que cultivam cannabis. A mensagem também é uma oportunidade única, pois pela primeira vez um leitor enviou as fotos das suas plantinhas para ajudar a tirar sua dúvida. Algumas pessoas não sabem, mas maconha é uma planta que se reproduz de forma sexuada. Os espécimes têm sexos bem distintos, com funções reprodutivas próprias. A planta macho tem flores parecidas com pequenas bolsas, sacos no formato de bananinhas, onde é produzido o polém. Quando as flores macho se abrem, liberam polém por todo ambiente, com a intenção de fecundar as plantas fêmeas. Ao contrário do que o leitor falou, a planta macho não produz as sementes sozinhas. O macho produz o polém, e o polém fecunda as flores fêmeas. São as plantas fêmeas que fazem a gestação do polém e produzem as sementes.

As flores fêmeas e macho são bastante distintas. As flores fêmeas parecem minúsculos cálices, onde abrigam as sementes. Muita gente não sabe, mas só quem produz resina psicoativa em quantitade suficiente para ser considerada droga são as plantas fêmeas. Em outras palavras, só as fêmeas dão algum barato. Quando não são fecundadas, as plantas fêmeas continuam produzindo resina psicoativo até sua completa maturação. Quando são polinizadas, as plantas fêmeas desviam a energia que era destinada à produção de resina, e passam a produzir as sementes. A maior parte dos cultivadores elimina todas as plantas com flores macho antes delas se abrirem e liberarem o polém. Assim, eles obtem plantas fêmeas extremamente resinadas, pois elas continuarão produzindo resina até o momento da colheita, sem que haja qualquer polinização. Essa técnica é conhecida a milhares de anos, mas só mais recentemente, a partir da década de 1960, ela passou a ficar mais conhecida pelos cultivadores comerciais. Praticamente em todos os países do mundo a maconha vendida no mercado, seja ele lícito ou ilícito, não tem sementes. Por isso a maconha de alta potencia é conhecida em muitos países pelo nome de sinsemilla, ou sem semente.

Poucos lugares, como no Brasil, a maconha é vendida com grande quantidade de sementes. É importante também informar que algumas plantas têm tendencia genética ao hermafroditismo, ou seja, a produzir em um mesmo espécime flores de sexo feminimo e masculino. Essas plantas também devem ser eliminadas do jardim, para que não polinizem as fêmeas.

Não há como saber o sexo da planta até o momento em que ela começar a florir e mostrar suas pré-flores, ou primórdios, como são também chamadas. Não tem como distinguir o sexo pelas sementes, nem por outra característica do estágio vegetativo. Hoje em dia, alguns bancos de sementes vendem as chamadas sementes feminilizadas, que são genéticas trabalhadas para produzirem uma média estatísticade em geral de 99% de garantia de plantas fêmeas. Alguns cultivadores afirmam que não há qualquer forma de influenciar na sexualidade das plantas. Outros, afirmam que o sexo da planta está diretamente associado com as condições de cultivo e que em situações de strees haveria maior tendência ao aparecimento de machos. Certamente há bastante indicios de que o hermafroditismo, apesar de ser uma caracteristica genética, é disparado em situações de stress. Alguns cultivadores afirmam ainda que em condições ótimas de cultivo, com temperatura, umidade, circulação de ar, alimentação e luminosidade ideal, a maioria das plantas serão fêmeas.

Eu acredito que ainda há muito que pesquisar nessa área e que todas as experiências e opiniões são válidas, mas o melhor mesmo é tirar suas próprias conclusões através das suas próprias experiências.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

[do além] CULPA DE NATAL



::txt::Dickens::

Dezembro não nos dá trégua. Ficamos nos despedindo como se não fôssemos nos encontrar em janeiro. É festa e troca de presentes todo dia. Acabei de chegar do amigo secreto do pessoal da editora. Dei um sabonete fino e uma loção para as mãos e ganhei um exemplar do livro Quem Mexeu no Meu Queijo, acompanhado da seguinte explicação: sei que você gosta de ler.

Nesta época do ano bate-me um sentimento de culpa insuportável. Vejo as pessoas gastarem o que têm e o que não têm e me sinto responsável por arruinar suas finanças. Pode ser até um delírio de grandeza (ou excesso de Prosseco) achar que a influência de algo que fiz em 1843 possa afetar ainda o comportamento das pessoas em pleno século XXI.

Mesmo que você não tenho pedido, eu preciso me retratar. Quando escrevi Um Conto de Natal (A Christmas Carol) não imaginei que essa pequena história se tornaria o maior dos clássico natalinos e um dos textos mais divulgados da literatura universal. Foi algo que fiz despretensiosamente para um folhetim. Despretensiosamente em termos, porque, no conto, embuti algumas críticas à moral inglesa protestante que não considerava a avareza um pecado em si e encorajava todos a poupar e acumular capital. E o que há de mau nisso? Ora, nesse época a Inglaterra se tornara a principal indústria do mundo à custa de sofrimento da população. E apenas um pequeno grupo usufruía do conforto gerado pela acumulação de capital. Não sei se vocês conseguem imaginar um absurdo desses.

Por isso, construí a trama de maneira a criar um contraste entre esses dois grupos. Lembra da história? O sovina Ebenezer Scrooge é um velho empresário, rabugento e solitário que só pensa em dinheiro e detesta o Natal. Seu funcionário, Bob Cratchit, é um rapaz pobre, torcedor do Atlético Paranaense, pai de quatro filhos, dos quis o caçula sofre paralisia. Mesmo com a vida não lhe sorrindo, Bob é feliz e gosta do Natal.

Na véspera do dia 24, o velho mão-fechada se depara com o fantasma de seu ex-sócio, Jacob Marley, parceiro de sovinice. Marley lhe diz estar penando por ter sido avarento em vida e avisa que o mesmo destino está reservado para Scrooge. Mas lhe dá uma esperança ao dizer que ele receberá a visita de três espíritos: o Espírito do Natal Passado, o Espírito do Natal Presente e o Espírito do Natal Futuro. Eles aparecem e fazem revelações. Ao amanhecer, Scrooge está irreconhecível. Passou a amar o Natal, tornou-se generoso com os necessitados, ajudou até o o empregado Bob Cratchit e seu filho com problema nas pernas.

E porque motivo, então, estou culpado? Por ter escrito algo que nos leva a exaltação sentimental e sobe o tom (já alto) da pieguice que assola os meios de comunicação no mês de dezembro? Nada disso, meu problema é que as pessoas foram levadas a acreditar que para combater a falta de generosidade, não basta só ser generoso. É preciso ser perdulário, comprar muito, presentear muito. Viraram o fio.

Só não reescrevo o raio desse conto porque não há mais empresários sovinas. Pelo que vejo nos anúncios, todas as empresas são socialmente responsáveis, pautam-se pelas práticas sustentáveis e acreditam num mundo melhor. Que lindo.


*Dickens é o crriador do personagem Scrooge que inspirou a Disney a criar o Tio Patinhas e a Steve Jobs a moldar seu estilo de vida.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

[agência pirata] MELHORES DO ANO II

::txt::Daniel Piza::

De vez em quando leio que essa história de dizer que o cancioneiro brasileiro moderno (ou MPB, rótulo às vezes usado de forma muito restritiva, "esquecendo" glórias como Pixinguinha ou Nelson Cavaquinho) é dos melhores do mundo, ao lado do americano, do inglês e do cubano, seria um exagero nacionalista ou algo parecido - já que há também a "chanson" dos franceses, a "canzone" dos italianos, o tango de Gardel a Piazzolla, o fado, etc. Mas o repertório criado na terra de Tom Jobim continua sendo admirado pelos músicos mais talentosos do planeta. E gravado por cantoras como Stacey Kent, que em seu novo CD, Dreamer in Concert, além de quatro clássicos americanos e dois franceses, interpreta Corcovado, Águas de Março e Samba Saravá e até arrisca o português em O Comboio. Ou por Amy Winehouse, cujo disco póstumo, Lioness: Hidden Treasures, faz versão cheia de "scats" de Garota de Ipanema. Sim, ela fará mais falta como compositora, naquele seu motown apocalíptico.

São duas áreas em que a contribuição brasileira ao mundo é inegável, o futebol e a canção, embora com todos os problemas o futebol ainda produza um Neymar. Não que não haja diversos talentos jovens na música brasileira, mas os tempos já foram melhores. Não à toa ainda se fala demais de veteranos como Chico e Caetano, que deram inteligência às letras honrando a tradição da melodia. O novo CD de Chico, com seu nome, trouxe coisas bonitas como Sinhá e Essa Pequena, mas é engraçado como seus defensores foram obrigados a argumentar que na primeira audição o prazer não é dos maiores... Caetano encerra o ano com uma belíssima canção, Recanto Escuro ("É fácil: nem ter que pensar/ nem ver o fundo"), no CD novo de Gal Costa, canção que justifica as demais. A versão ao violão, que ambos apresentaram no Programa do Jô, é melhor que a do disco, com arranjo feito de um pulso eletrônico e algumas inserções instrumentais que pouco somam. Mas que melodia!

Num campo menos acessível, tivemos CDs de Danilo Caymmi e André Mehmari, com sofisticação harmônica hoje rara. Da nova geração, intérpretes como Marisa Monte e Maria Rita diluíram ainda mais seus estilos, e compositores como Tiê e Marcelo Camelo também só pareceram se repetir num registro mais aguado. Não temos no atual momento nada que se possa comparar com nomes como Tom Waits e Elvis Costello, mesmo que estes tenham lançado CDs sem nada muito especial (respectivamente, Bad as Me e National Ransom), o que também se pode dizer de Radiohead ou Madeleine Peyroux. E muito menos temos uma novidade do porte da inglesa Adele, cujo segundo CD, 21, a fez de longe o destaque do ano. Suas canções e sua voz têm qualidade e impacto, daí seu sucesso com os mais diferentes públicos e críticos.

No mais, foi um ano dominado mais por eventos (de todos os gêneros, com o calendário brasileiro cada vez mais cheio) do que por criações. Vi poucas e boas apresentações, como as de Paul McCartney, Ute Lemper e a mais antológica de todas, de Keith Jarrett, agora entesourada em CD. Na chamada "erudita", vive-se ainda basicamente do passado, mesmo que reinventado como as Suítes para Violoncelo de Bach por Dmitri Goudarolis. De brasileiros, claro, Nelson Freire não faltou de novo, e seu Liszt tem belezas como as Consolações. Estamos consolados.

Cadernos do cinema. Meia-Noite em Paris, de Woody Allen, é o filme mais satisfatório do ano. Muita gente não percebeu que ele é muito mais que um exercício de nostalgia com a capital francesa como cartão-postal, mas uma ironia ao mundo americanizado de hoje em que aparência e consumo são os únicos assuntos. Outro filme que não menospreza a inteligência do espectador, mesmo que ele não o mereça, é A Pele Que Habito, de Almodóvar, um Hitchcock à latina, de grande apuro visual. Não troco esses dois filmes pela falsa profundidade de Melancolia, de Lars Von Trier, e Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami. No Brasil, não tivemos nada que combinasse talento e sucesso, a começar por tentativas de "blockbuster" como Bruna Surfistinha. Não foi um grande ano.

Depois da safra do Oscar, vencido por O Discurso do Rei, (e na categoria de filme estrangeiro pelo forte dinamarquês Em Um Mundo Melhor), e de relativas injustiças cometidas contra A Origem e Bravura Indômita, o cinemão hollywoodiano pouco nos deu também. A Árvore da Vida foi muito comentado, mas é um videoclipe criacionista, de roteiro confuso, limitado à beleza das imagens. Prefiro Planeta dos Macacos, não apenas por seu entendimento de Darwin, mas pela vitalidade narrativa. Crianças e adolescentes se divertiram mais, ainda que com sequências de sucessos (Harry Potter, Piratas do Caribe, Carros, Kung Fu Panda), e o destaque não foi uma sequência: foi Rio, do brasileiro Carlos Saldanha.

De resto, vimos filmes bonitinhos e só, como Inquietos, de Gus Van Sant, e agora Um Dia, dirigido mais flacidamente por Lone Scherfig, baseado no romance de sucesso de David Nicholls, com Anne Hathaway. O filme poderia se chamar A Perdida e o Pavão", pois os personagens no livro são mais interessantes. Para variar.

A arte de ver. Nas demais artes, não fui tão assíduo, mas desconfio que as opções são menos numerosas mesmo. As exposições de Saul Steinberg e M.C. Escher, por exemplo, foram muito bem-vindas, ainda que a segunda bem mais completa. Ambos levaram as artes gráficas - os jogos de espelho, a força das linhas - a outro patamar, lá onde as classificações caem por terra. Já a mostra na Bienal com nomes antes pouco vistos no Brasil, como Damien Hirst, e os trabalhos de Olafur Eliasson para a Pinacoteca cumpriram antes uma função informativa do que um deleite estético. Eliasson tem coisas muito melhores. Para mim, que estou saudoso de escrever sobre grandes exposições, o ano foi sobretudo marcado pela perda de pintores como Lucian Freud e Cy Twombly.

Também nas artes cênicas estive um tanto ausente, mas gostei da peça Pterodáctilos, dirigida por Felipe Hirsch, e de mais um trabalho caprichado do grupo Corpo, Sem Mim, em cima das cantigas de Martin Codax. Por incrível que pareça, a TV teve performances memoráveis em séries históricas como Game of Thrones e Os Bórgias, ainda que esta tenha desaparecido do canal TCM. Continuei acompanhando O Império do Contrabando, com o ótimo Steve Buscemi, e também Fringe, esta também maltratada pela Warner local, que vive reprisando episódios fora da ordem. Já a TV brasileira teve um ano de mesmice.

Rodapé. Acrescente à lista de melhores livros do ano que fiz na semana passada, entre outros (sim, vou ler o novo Umberto Eco), O Rio É Tão Longe, de Otto Lara Resende (Companhia das Letras, organização Humberto Werneck). São suas cartas a Fernando Sabino de 1944 a 1970. Escritas sem parágrafos como num jorro de associações e evocações, lembram muito o Otto real, coloquial, embora ao vivo fosse mais divertido ainda. Dele sempre se disse que era melhor conversando do que escrevendo, então é natural que surja a opinião de que essas cartas são sua melhor obra. Mas ele escrevia divinamente, e quem leu seus contos, seu romance O Braço Direito e suas crônicas, como a agora reeditada Bom Dia para Nascer (em número bem maior do que o original), sabe do que estou falando. E quem escreve bem o faz em qualquer gênero, de um bilhete ao porteiro até um tratado de filosofia.

Otto jamais quis publicar essas cartas, mas as escrevia com aplicação literária, digamos; tanto é que agradece a Sabino em 19 de agosto de 1964 por finalmente escrever "uma carta de verdade, pra valer" (e o volume nos deixa frustrados por não ler as respostas de Sabino, que comparava Otto a Mário de Andrade como os grandes epistológrafos brasileiros). Os encantos para o leitor são muitos, por mais que se estranhe a escassez do tema político num período tão complicado. Adido em Bruxelas em Lisboa, Otto também fala pouco sobre a cultura de onde está, muito mais ansioso em ter de Sabino notícias dos amigos. Este é um dos maiores atrativos, ratificar o privilégio dessa geração de conviver entre si: morremos de inveja dos encontros de Otto com Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Guimarães Rosa, Antonio Callado, Vinicius de Moraes e, claro, a turma formada por Sabino, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino... Facebook para quê?

Também vemos um Otto nada diplomático, xingando o crítico Wilson Martins, tendo bloqueios criativos e se queixando dos afazeres, exceto os familiares, ele que era pai de quatro filhos e marido amoroso. E, por trás do humor e da religiosidade, sempre sentindo um gosto de jansenismo: "Vejo meu nome impresso, me dá um aborrecimento de morte, uma contrariedade sincera, profunda e estapafúrdia, parece acusação pública, prestação de contas, julgamento. Por isso resumi meu nome de Otto Oliveira de Lara Resende para Otto Lara Resende, agora para Otto Lara e já estou me assinando O. Lara, amanhã começo a assinar O., depois engulo esse O. com pontinho, como numa dessas mágicas de circo, sumi, desapareci (...)". Não, não desapareceu; está vivíssimo em todos os seus textos.

Por que não me ufano

Crescimento do PIB para 2011 previsto em 2,8% até por fontes oficiais. Mas, claro, a culpa é da crise dos brancos de olhos azuis...

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