#CADÊ MEU CHINELO?

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

[conteúdo livre] VENTO ANARQUISTA



::txt::Zuenir Ventura::

Quem chamou a atenção para o que classificou de "enigma" foi o historiador e deputado pelo Parlamento Europeu Rui Tavares em recente artigo intitulado "A vingança do anarquista". Ele perguntava por que os mercados apertavam o cerco em torno de Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, e não incomodavam a Bélgica, que tinha uma dívida pública maior do que a portuguesa e, ainda por cima, estava sem governo eleito. Apesar disso, "a economia belga é a que mais cresceu na zona euro nos últimos tempos, ou seja, sete vezes mais do que a alemã".

Tavares ressaltava que isso aconteceu não "apesar", mas "graças" à situação singular dessa monarquia parlamentar que, "desgovernada" há 19 meses, desconhecia medidas de austeridade, recessão, arrocho, demissões e cortes de programas sociais. Desse modo, concluía o articulista, "a economia cresce de forma mais saudável, ajuda a diminuir o déficit e a pagar a dívida". Sede da União Europeia e da Otan, a Bélgica bateu o Iraque na categoria país sem governo, e não fez da crise política uma tragédia; preferiu enfrentá-la com bom humor e comemorar, chamando-a de Revolução da Batata Frita, como paródia à Revolução de Jasmim tunisiana e em homenagem ao prato nacional. Os jornais chegaram a fazer piada. Um anunciou em manchete: "Finalmente campeões do mundo"; outro celebrou, também com autoironia, o feito negativo inédito: "Recorde batido!"

Nos anos 70, o economista Edmar Bacha descreveu como Belíndia um país fictício, desigual e injusto, onde conviviam dois povos, um que tinha o padrão de vida da pequena e rica Bélgica e outro que lembrava a pobreza da Índia. Era o Brasil da época dos militares. Agora, o reino belga está sendo fonte de inspiração para outra fábula - a utopia anarquista de que não só é possível sobreviver sem governo como se vive até melhor sem ele.

Em tempos de descrença nas instituições, quando os jovens estão indo às praças públicas protestar em várias partes do mundo, independentemente de regime, ideologia ou credo, sabendo mais o que não querem do que o que querem, o exemplo belga pode exercer um grande fascínio, principalmente se considerarmos que nessa estação de tantas "primaveras" insurrecionais um pouco do vento da anarquia está soprando.

Já imaginou se a velha moda do "hay gobierno, soy contra" se espalha? No Brasil, onde o comportamento da Câmara e do Senado leva muita gente a sonhar com o seu fechamento por desnecessários, a experiência belga poderia ser adotada durante pelo menos alguns meses. Como se trata de um exercício de fantasia do tipo "o que não tem governo nem nunca terá", da música de Chico Buarque, quem sabe assim o país não funcionaria melhor? Uma coisa parece certa: sem ministros e ministérios, a corrupção seria menor.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

[paladar] PROVOCAR É PRECISO



::txt::Janaina Fidalgo::

Cozinhar, tão somente, já não basta. Tem de haver magia, ilusão e encantamento. Provocar os sentidos. Todos eles e, se possível, ao mesmo tempo. Divertir e surpreender. Nem que para isso seja necessário cruzar a fronteira da cozinha e, por que não, recorrer a linguagens multimídias como o 3D. No San Sebastián Gastronomika deste ano, o conceitualismo dos chefs espanhóis falou mais alto e marcou boa parte das apresentações.

Vídeos caprichados, com tomadas bem filmadas e edição competente, há muito não são novidade nos congressos de gastronomia, especialmente nos internacionais. Raras são as conferências em que um "filme" não conduz o discurso do cozinheiro, enquanto ele mostra o preparo de pratos complexos, impossíveis de demonstrar naquela meia hora a ele concedida. Tanto que em algumas das aulas, como a de Joan Roca, do El Celler de Can Roca, a estação de trabalho convencional - com fogão, pia e forno - permaneceu intocada e quase escondida pela escuridão de um auditório transformado momentaneamente em sala de cinema.

Mas, voltando ao 3D, Christian Escribà e sua mulher, a brasileira Patricia Schmidt, se inspiraram em Peter Pan e levaram a terra-do-nunca-modelada-em-açúcar de sua confeitaria em Barcelona, a Pastelería Escribà, ao palco do Palácio Kursaal. Exibiram numa tela gigantesca, a um público devidamente paramentado com óculos especiais, um vídeo com cenas filmadas em 3D em que apareciam ora "soprando" açúcar ora "espirrando" gotas de espumante no gastroespectador. "É um mundo que imaginamos e podemos tocar", explicou Escribà sobre o lado lúdico da confeitaria expresso ali, se não em quatro, ao menos em três dimensões.

Outro que surpreendeu, no caso por seu ímpeto teatral e pouco talento para ator, mas que ainda assim arrancou risos na última terça-feira, foi Juan Mari Arzak. Ao lado da filha, Elena, encenou o serviço de um jantar levando ao palco dois convidados com pauta prévia armada. Explicou que, pela primeira vez, recorreriam à multissensorialidade. E a encenação não se limitou ao jantar. Apareceu também num fogo simulado. Sob um limão assado com camarões, Arzak pôs uma tela com uma imagem em movimento de chama crepitando. "É para provocar sensações, estimular os sentidos antes de começarmos de fato a comer", disse o chef triestrelado. Diante da impossibilidade de reproduzia essa alusão à chama a todos que assistiam à aula, improvisou. Os limões foram servidos sobre um foguinho impresso em papel fotográfico.

Um dia antes, na segunda-feira, Joan Roca e seu irmão Jordi já haviam estimulado o lado sensorial (e o humor) do público do Gastronomika numa das aulas mais aplaudidas e comentadas do congresso. Atrás de um púlpito, Joan fez uma apresentação didática, explicando detalhes da preparação de alguns pratos e de técnicas usadas no El Celler de Can Roca, em Girona, sempre amparado por um vídeo demonstrativo. Falou da adaptação do clássico ajo blanco, que numa combinação a la yin e yang ganhou a companhia do "ajo negro", e mostrou como fazem as trufas líquidas servidas num prato que chega à mesa envolvido por um globo de papel - algo como a alusão a uma volta ao mundo imaginária.

O atrevimento, a provocação, deixou para o irmão Jordi. Substituindo Joan no palco, Jordi mostrou como faziam um "bloody mary" bem peculiar. Exibido em vídeo, dispensou maiores explicações e provocou riso coletivo na plateia. Como dar a vermelhidão de sangue à translúcida água de tomate com infusão de folhas de aipo? Por que não buscando inspiração no próprio sangue? Modelou uma teia de algodão-doce em forma de tubete, molhou o "tampão" num molho de tomate vermelho-escuro e o jogou na clara água de tomate. Derreteu em instantes, tingindo o caldo. Precisa explicar mais? Como escreveu Rodrigo Oliveira em seu caderno de anotações, "os Roca rocks".

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

[do além] POSTANDO E ANDANDO



::txt::Montaigne::

Provavelmente você já ouviu falar de mim, mas não está familiarizado com minhas ideias. Sou como aquele ator da novela das 7 que você conhece e não sabe o nome. A culpa não é sua e nem mesmo da escola em que estudou. A rede mundial de computadores é a responsável por meu ostracismo. Sou mais uma das vítimas da internet, assim como a indústria fonográfica, os segredos diplomáticos, os veículos impressos e o tempo livre.

Pode procurar. Você não encontrará um aplicativo para Facebook que salpique minhas frases em murais. Minha filosofia não vai bem com redes sociais. Também pudera. Em um ensaio intitulado Da Solidão, dediquei-me a investigar os perigos intelectuais e morais de se viver entre os outros e cheguei a algumas conclusões que aqui simplificarei para não subtrair seu precioso tempo de convívio social virtual.

Basicamente eu concluí que a conquista da Glória só não é uma coisa tola para o Tarcísio Meira e o Orlando Morais. Para chegar a esse resultado, percorri o seguinte caminho. Acompanhe: 1. Nossa tranquilidade depende do desprendimento em relação à opinião dos outros. 2. Se buscarmos fama que é a glória aos olhos alheios devemos buscar sua opinião favorável. 3. Portanto, se buscamos a fama, não alcançaremos o desprendimento. 4. Logo, a fama e a tranquilidade nunca podem ser companheiras.

Além da perda da tranquilidade, preocupar-se em demasia com a opinião dos outros acaba por nos corromper. Passamos a imitar aqueles que não são bons ou nos enchemos de raiva contra eles. Quando você vê, em nome de agradar, está repetindo opiniões impensadas e que nem são suas, como: “esse bando de vagabundo gosta mesmo é de ser sustentado pelo Bolsa Família”. “O cinema argentino é melhor que o brasileiro porque os portenhos leem mais.”

Andy Warhol trouxe mais intranquilidade ao planeta quando prometeu 15 minutos de fama para todo mundo. Agora todos cobram sua parte postando fotos, textos e imagens nas redes sociais em uma busca desesperada por likes, comments, shares e RTs. Mesmo o mais despretensioso dos posts, aquele que só dá bom dia para os amigos, não quer passar desapercebido. Mesmo o mais neutro comentário sobre uma partida de futebol, aquele que diz “que jogo”, almeja ouvir vozes concordantes. Uma fotinho de criança, então, não fica contente com menos do que uma dúzia de comentários exultantes e gritinhos onomatopeicos.

Sustento e repito que a busca e a manutenção de uma reputação flamejante é algo que causa grande perturbação e nos afasta da tranquilidade. E pode se tornar um vício sem fim. O cigarro pede ao fumante uma nova dose de nicotina a cada 20 minutos. O like pede ao postador que ele não saia da frente da tela. É uma escravidão permanente.

Não pretendo incentivar você a largar as redes sociais. Isso nem o doutor Drauzio Varella em campanha conseguiria. Mas sugiro que, vez ou outra, procure praticar o desapego. Com pequenos comentários ocasionais, você pode experimentar o ódio e o desprezo de seus amigos e assim se libertar da asfixiante vontade de agradar. Escreva, por exemplo, que você é a favor da construção da Usina de Belo Monte ou que vê valor na saga Crepúsculo.

Espero que você tenha gostado deste post. Quer dizer, não espero nada, para mim tanto faz. Estou pouco me lixando para sua opinião. Nossa, que vacilo, preciso praticar mais minha filosofia.

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