De fato, só existe mesmo o ibu, e mais nada. Mas o ibu é
irresponsável, paradoxal, perverso. Só existe um único ibu e ele se
comporta como se fossem quatro bilhões ou mais. O ibu também sabe que
inventou sozinho o mundo e a realidade, mas acredita firmemente que
essas alucinações são reais. Poderia Ter sonhado uma realidade
agradável, sem problemas, mas insistiu em imaginar um mundo miserável,
embrutecido e contraditório.*
Sonhou uma realidade na qual é constantemente atormentado por
conflitos, catástrofes, crises. Fica dividido entre o êxtase e o
tédio, o entusiasmo e a decepção, a serenidade e a euforia. Tem um
corpo que requer 2.000 calorias por dia, que fica cansado, resfriado,
doente; e expele esse corpo a cada setenta anos, mais ou menos – um
monte de complicações desnecessárias.
O mundo externo do ibu também é um pesadelo contínuo. Perigos
enervantes o mantêm entre o heroísmo e o medo. No entanto, ele poderia
encerrar esse drama horroroso suicidando-se e desaparecendo para
sempre. Já que só existem um único ibu e o universo que ele criou para
si mesmo, não tem que se preocupar com dependentes que sobrevivem,
amigos chorosos, contas a pagar, etc. Sua morte seria completamente
sem conseqüências. Natureza, humanidade, história, espaço, lógica,
tudo desaparece com ele. A barra pesada do ibu é completamente
voluntária, e no entanto ele diz que não passa de uma peça do jogo.
Para que mentir tanto assim?
Aparentemente, o ibu está apaixonado por seu tortuoso pesadelo
masoquista. Ele até protegeu cientificamente esse pesadelo contra o
nada: define o sonho como irreal, assim o pesadelo se torna o sonho da
irrealidade de sonhar.
O ibu se trancou na armadilha da realidade.
Leis naturais, lógica, matemática, fatos científicos e
responsabilidades sociais formam as paredes dessa armadilha. Enquanto
o ibu insiste em sonhar sua própria impotência, o poder vem de
instâncias superiores às quais ele deve obedecer: Deus, Vida, Estado,
Moral, Progresso, Bem-Estar, Futuro, Produtividade. Com base nessas
pretensões ele inventa o sentido da vida, que, é claro, nunca pode
alcançar. Sente-se constantemente culpado, e se mantém numa tensão
infeliz na qual esquece de si mesmo e de seu poder sobre o mundo.
Para se impedir de reconhecer a si mesmo e descobrir o caráter
onírico da sua realidade, o ibu inventou "outros". Imagina que esses
seres artificiais são iguais a ele. Como num teatro do absurdo, mantém
relações com eles, amando ou odiando, até pedindo conselhos ou
explanações filosóficas. Assim escapam de sua própria consciência,
delegando-a aos outros para se ver livre dela. Ele concretiza os
outros ibus organizando-os em instituições: casais, famílias, clubes,
tribos, nações, humanidade. Inventa a sociedade para si mesmo, e a
sujeita às suas regras. O pesadelo é perfeito.
O ibu só vê a si mesmo se houver brechas acidentais em seu mundo de
sonho. Mas em vez de terminar essa perversa existência ele tem pena de
si, morre permanecendo vivo. Esse suicídio reprimido é deslocado para
fora, para a realidade, e volta para o ibu na forma de apocalipse
coletivo (holocausto nuclear, catástrofe ecológica). Fraco demais para
se matar, o ibu quer que a realidade faça isso por ele.
O ibu gosta de ser torturado, então imagina utopias maravilhosas,
paraísos, mundos harmônicos que, evidentemente, nunca podem ser
alcançados. Só servem para fixar o pesadelo, dando ao ibu esperanças
natimortas e instigando-o a todos os tipos de iniciativas políticas e
econômicas, agitações, revoluções e sacrifícios. O ibu sempre morde a
isca dos desejos e ilusões. Não compreende a razão. Esquece que todos
os mundos, todas as realidades, todos os sonhos e sua própria
existência são infinitamente chatos e cansativos, e que a única
solução consiste em retirar-se imediatamente para o confortável nada.
*<i>O caráter onírico do meu universo (quem conhece outro?) não é
somente uma piada filosófica, mas uma das conclusões da moderna física
quântica. Não há nenhum mundo aí fora para nos dar uma orientação
"real": a realidade é apenas um padrão retórico.
Michael Talbot (Mysticism and the New Physics, Routledge & Kegan
Paul, 1981, p. 135) coloca a coisa assim: "No paradigma da nova física
nós sonhamos o mundo. Sonhamos como ele sendo duradouro, misterioso,
visível, onipresente no espaço e estável no tempo, mas permitimos
tênues e eternos intervalos completamente sem lógica em sua
arquitetura para sabermos que ele é falso." Depois de Heisenberg,
Schrodinger, Bell, etc., ninguém pode clamar a realidade para si em
nome da ciência. Físicos como Fritjof Capra (O Tao da Física,
Berkeley, 1975) abandonaram o otimismo de Bacon e Descartes e se
voltaram para o misticismo oriental. "Realidade" é uma fórmula de
bruxaria, assim como "Santíssima Trindade". Os realistas são os
últimos adeptos de uma velha religião, charmosa mais ingênua.</i>
irresponsável, paradoxal, perverso. Só existe um único ibu e ele se
comporta como se fossem quatro bilhões ou mais. O ibu também sabe que
inventou sozinho o mundo e a realidade, mas acredita firmemente que
essas alucinações são reais. Poderia Ter sonhado uma realidade
agradável, sem problemas, mas insistiu em imaginar um mundo miserável,
embrutecido e contraditório.*
Sonhou uma realidade na qual é constantemente atormentado por
conflitos, catástrofes, crises. Fica dividido entre o êxtase e o
tédio, o entusiasmo e a decepção, a serenidade e a euforia. Tem um
corpo que requer 2.000 calorias por dia, que fica cansado, resfriado,
doente; e expele esse corpo a cada setenta anos, mais ou menos – um
monte de complicações desnecessárias.
O mundo externo do ibu também é um pesadelo contínuo. Perigos
enervantes o mantêm entre o heroísmo e o medo. No entanto, ele poderia
encerrar esse drama horroroso suicidando-se e desaparecendo para
sempre. Já que só existem um único ibu e o universo que ele criou para
si mesmo, não tem que se preocupar com dependentes que sobrevivem,
amigos chorosos, contas a pagar, etc. Sua morte seria completamente
sem conseqüências. Natureza, humanidade, história, espaço, lógica,
tudo desaparece com ele. A barra pesada do ibu é completamente
voluntária, e no entanto ele diz que não passa de uma peça do jogo.
Para que mentir tanto assim?
Aparentemente, o ibu está apaixonado por seu tortuoso pesadelo
masoquista. Ele até protegeu cientificamente esse pesadelo contra o
nada: define o sonho como irreal, assim o pesadelo se torna o sonho da
irrealidade de sonhar.
O ibu se trancou na armadilha da realidade.
Leis naturais, lógica, matemática, fatos científicos e
responsabilidades sociais formam as paredes dessa armadilha. Enquanto
o ibu insiste em sonhar sua própria impotência, o poder vem de
instâncias superiores às quais ele deve obedecer: Deus, Vida, Estado,
Moral, Progresso, Bem-Estar, Futuro, Produtividade. Com base nessas
pretensões ele inventa o sentido da vida, que, é claro, nunca pode
alcançar. Sente-se constantemente culpado, e se mantém numa tensão
infeliz na qual esquece de si mesmo e de seu poder sobre o mundo.
Para se impedir de reconhecer a si mesmo e descobrir o caráter
onírico da sua realidade, o ibu inventou "outros". Imagina que esses
seres artificiais são iguais a ele. Como num teatro do absurdo, mantém
relações com eles, amando ou odiando, até pedindo conselhos ou
explanações filosóficas. Assim escapam de sua própria consciência,
delegando-a aos outros para se ver livre dela. Ele concretiza os
outros ibus organizando-os em instituições: casais, famílias, clubes,
tribos, nações, humanidade. Inventa a sociedade para si mesmo, e a
sujeita às suas regras. O pesadelo é perfeito.
O ibu só vê a si mesmo se houver brechas acidentais em seu mundo de
sonho. Mas em vez de terminar essa perversa existência ele tem pena de
si, morre permanecendo vivo. Esse suicídio reprimido é deslocado para
fora, para a realidade, e volta para o ibu na forma de apocalipse
coletivo (holocausto nuclear, catástrofe ecológica). Fraco demais para
se matar, o ibu quer que a realidade faça isso por ele.
O ibu gosta de ser torturado, então imagina utopias maravilhosas,
paraísos, mundos harmônicos que, evidentemente, nunca podem ser
alcançados. Só servem para fixar o pesadelo, dando ao ibu esperanças
natimortas e instigando-o a todos os tipos de iniciativas políticas e
econômicas, agitações, revoluções e sacrifícios. O ibu sempre morde a
isca dos desejos e ilusões. Não compreende a razão. Esquece que todos
os mundos, todas as realidades, todos os sonhos e sua própria
existência são infinitamente chatos e cansativos, e que a única
solução consiste em retirar-se imediatamente para o confortável nada.
*<i>O caráter onírico do meu universo (quem conhece outro?) não é
somente uma piada filosófica, mas uma das conclusões da moderna física
quântica. Não há nenhum mundo aí fora para nos dar uma orientação
"real": a realidade é apenas um padrão retórico.
Michael Talbot (Mysticism and the New Physics, Routledge & Kegan
Paul, 1981, p. 135) coloca a coisa assim: "No paradigma da nova física
nós sonhamos o mundo. Sonhamos como ele sendo duradouro, misterioso,
visível, onipresente no espaço e estável no tempo, mas permitimos
tênues e eternos intervalos completamente sem lógica em sua
arquitetura para sabermos que ele é falso." Depois de Heisenberg,
Schrodinger, Bell, etc., ninguém pode clamar a realidade para si em
nome da ciência. Físicos como Fritjof Capra (O Tao da Física,
Berkeley, 1975) abandonaram o otimismo de Bacon e Descartes e se
voltaram para o misticismo oriental. "Realidade" é uma fórmula de
bruxaria, assim como "Santíssima Trindade". Os realistas são os
últimos adeptos de uma velha religião, charmosa mais ingênua.</i>
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