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#uirapuru2010
Mundialmente Anônimo
txt: Ramiro Zwetsch
Misturar, confundir e transformar é preciso. A feijoada, a tropicália, o afrobeat, o gol de bicicleta, o Kraftwerk, o Mané Garrincha, o Moacir Santos, o Moebius, o cachorro vira-lata, “Pulp Fiction” e milhares de outras maravilhas do mundo estão aí pra desfazer qualquer dúvida. O Maquinado é mistura, confusão, transformação. O projeto de Lúcio Maia, guitarrista da Nação Zumbi, era de um jeito nos primeiros shows (com três guitarras, baixo e bateria na banda), apareceu bem diferente no disco de estreia “Homem Binário” (cheio de batidas eletrônicas e participações, principalmente nos vocais), mudou outra vez sua formação de palco (para guitarra, baixo, percussão e toca-discos) e surge novamente transformado em “Mundialmente Anônimo” – o segundo e novo disco.
Considerado um dos melhores guitarristas de sua geração, Lúcio fez um primeiro disco mais voltado para sua vocação como produtor. Havia guitarras, claro. Mas elas não uivavam com a mesma tensão de “Mundialmente Anônimo”. O peso e a distorção das seis cordas permeiam o disco, aliviam em algumas faixas e explodem na última – “SP”, um clique preciso da babilônia paulistana em dias de caos.
Lúcio também está mais à vontade como cantor e já apresenta uma identidade vocal mais definida. Neste disco, ele é o vocalista em sete das oito faixas cantadas – as rimas que gingam no rap “Tropeços Tropicais” são cortesia de Lurdez da Luz (Mamelo Sound System). Duas são instrumentais: além de “SP”, a letárgica “Um Recado Para o Lucas Extensivo ao Pio” – essa estabelece um criativo telefone sem fio com “Um Recado Para o Lúcio Maia” (de Pio Lobato) e “Um Recado Para o Pio Lobato” (de Lucas Santtana). O melhor jeito de cantar já aparecia em uma das faixas de destaques de “Homem Binário” – a cinematográfica “Sem Conserto” – e agora se intensifica nas climáticas “Bem-vinda ao Inferno”, “Girando Com o Sol”, “Pode Dormir” e “Provando a Sanidade”.
Mas nem tudo é transformação: “Mundialmente Anônimo” segue fiel à essência do Maquinado, de liquidificar várias referências – do rock ao hip hop, do dub aos ritmos brasileiros, das batidas afro-caribenhas à vanguarda eletrônica – sem soar desconexo ou descontínuo. Do cancioneiro verde e amarelo, o repertório pinça versões para Jorge Ben (“Zumbi”, o abre-alas do disco) e Mundo Livre S/A (“Super-homem Plus”) – ambas profundamente modificadas.
Se fosse um personagem, o Maquinado seria uma mistura de Ranxerox (um frankstein pop criado pelos quadrinistas italianos Tanino Liberatore e Stefano Tamburini, bem pra lá da beira do ataque de nervos) com os protagonistas soturnos e melancólicos dos filmes do chinês Won Kar Wai – uma amálgama viva de humores e temperamentos. Na boa música brasileira contemporânea, quase todo mundo é meio assim.
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